«Os ganhos para a saúde e conciliação familiar dos trabalhadores são apontados como benefícios diretos da redução de horários. Mas, pese embora as experiências positivas, quer o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina no Trabalho (SPMT), Jorge Barroso Dias, quer Fátima Lobo, psicóloga das organizações e professora da Universidade Católica de Braga, defendem que não é líquido que a redução de horários resulte em ganhos para os profissionais.
Porquê? Num país de baixos salários, trabalhar menos um dia por semana ou menos horas por dia não se traduz, necessariamente, em maiores períodos de lazer ou de dedicação à família. A medida, acredita Jorge Dias, abre caminho à acumulação de vários empregos para alcançar melhores rendimentos e, por isso, “a maior desgaste dos profissionais e sacrifício familiar”.
É por isso que para o presidente da SPMT “a redução dos horários não pode ser dissociada da questão salarial, sobretudo num país como Portugal, onde o salário mínimo é baixo e o médio também”. Fátima Lobo corrobora: “Eventuais impactos na saúde ou na conciliação familiar só se fariam sentir em grupos com salários elevados.” “Para quem vive no limiar da subsistência, e são muitos os portugueses nesta situação, a semana de quatro dias até poderia resultar numa sobrecarga de trabalho. A tendência é para encontrar trabalhos complementares.” Enquanto a questão salarial não for alterada, diz, “de pouco servem medidas desta natureza”.
E mesmo no aumento da taxa de natalidade, outra das áreas que segundo os teóricos tem a ganhar com a alteração dos tempos de trabalho, a economista e docente da Universidade de Évora, Maria Filomena Mendes, especialista em questões demográficas e ex-presidente da Associação Portuguesa de Demografia, diz-se cética. O que mostram os estudos é que “o adiamento da decisão de ter filhos está primeiro relacionado com o rendimento — uma remuneração compatível com as expectativas — e depois com a estabilidade profissional, por oposição à precariedade, e não tanto com o horário de trabalho”, alerta.
Quem já testou o modelo de quatro dias
Microsoft. A subsidiária japonesa da multinacional tecnológica conduziu uma experiência durante um mês, ao longo do qual encerrou os escritórios da empresa naquele país à sexta-feira. O resultado foi um aumento de 40% na produtividade dos trabalhadores.
Uniqlo. Também no Japão, país onde há uma expressão para classificar aqueles que morrem por excesso de trabalho — karoshi —, a marca de roupas Uniqlo implementou em 2015 um projeto experimental que permitia aos trabalhadores das suas lojas, a tempo integral, trabalharem 40 horas semanais em quatro dias. Esta foi a estratégia encontrada pela empresa para impedir que os trabalhadores passassem a tempo parcial para conseguir uma melhor conciliação familiar.
Perpetual Guardian. Na Nova Zelândia esta consultora financeira é uma das precursoras da semana de quatro dias que implementou após uma experiência bem sucedida, com ganhos de produtividade e motivação significativos para os trabalhadores. Há um ano que os funcionários trabalham 30 horas por semana e têm um dia de folga semanal remunerado.
Basecamp. A empresa norte-americana de webdesign pratica uma semana de trabalho de 32 horas e durante os meses de verão permite que os funcionários concentrem este horário em apenas quatro dias. “Não se trata de trabalhar mais rápido, mas com mais eficácia”, explicou Chase Clemons, cofundador da empresa, em entrevista ao canal CNBC onde referiu que esta forma de organização ajuda os funcionários a concentrarem-se nas tarefas realmente relevantes.
Amazon. O gigante de comércio eletrónico testou em setembro de 2016 o modelo da semana de 30 horas, em que alguns funcionários trabalhavam de segunda a quinta-feira, mas neste caso, ganhando 75% do salário, embora mantendo todos os benefícios. Ainda não divulgou resultados da experiência.
Shake Shack. A cadeia de restauração americana começou a aplicar em março de 2019 a semana de trabalho de quatro dias nas suas unidades de Las Vegas. O modelo está em fase de teste e atinge apenas um terço dos restaurantes da cadeia, mas “os resultados são promissores” permitindo a alguns funcionários reduzir, por exemplo, as despesas com a creche dos filhos, garantiu Randy Garutti, diretor executivo da empresa, à Business Insider. Para o gestor a medida é muito motivadora para as equipas.
Svartedalens. A instituição de cuidado a idosos sueca colocou os enfermeiros a trabalharem apenas seis horas por dia, quatro dias por semana. O resultado foi um aumento de produtividade dos enfermeiros, melhoria dos cuidados prestados e diminuição das baixas por doença entre os profissionais.»
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