18.1.20

O PS nos seus labirintos



Pedros Nunes Santos há poucos, lá pela casa cor de rosa…

(Expresso, 18.01.2020)
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18.01.1934 - Marinha Grande e não só



Em reacção à Constituição que Salazar começou a preparar desde que chegou ao poder, em 5 de Julho de 1932, e que acabou por ser promulgada em Abril de 1933, à criação da polícia política (PVDE) e à legislação que neutralizou as organizações operárias, fascizando os sindicatos, gerou-se um amplo movimento operário que, depois de alguns acidentes de percurso, culminou na convocação de uma «Greve Geral Revolucionária» para 18 de Janeiro de 1934.

Porque na véspera a PVDE prendeu alguns dos principais responsáveis e activistas, o impacto foi menor do que esperado. Apesar disso, explodiu uma bomba no Poço do Bispo em Lisboa, na noite de 17, e o caminho-de-ferro foi cortado em Xabregas, em Coimbra, explodiram duas bombas na central eléctrica e houve movimentações em diversos outros pontos do país (Leiria, Barreiro, Almada, Sines e Silves). A mais significativa deu-se na Marinha Grande, onde grupos de operários ocuparam o posto da GNR, os edifícios da Câmara Municipal e dos CTT.

(Continuar a ler AQUI.)
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Bons ventos



«Não é preciso recuarmos muito para recordarmos um tempo em que a geringonça era objecto da admiração e inveja da generalidade dos partidos sociais-democratas europeus, incluindo o PSOE em Espanha. E ainda é preciso recuarmos menos para recordarmos como António Costa se referiu ao exemplo espanhol em tom de alerta durante a campanha para as eleições legislativas de outubro passado, apelando ao voto no PS para evitar um impasse negocial semelhante ao que então se vivia em Espanha entre o PSOE e o Unidas Podemos. Estas recordações têm algo de irónico quando consideramos que em Espanha acaba de ser inaugurada uma solução governativa mais progressista do que foi a geringonça – com o Unidas Podemos no governo e um programa de governo bastante avançado -, ao passo que, em Portugal, o mesmo PS que antes dava lições internacionais sobre a “solução portuguesa” apressou-se entretanto a arrancar pela raiz qualquer veleidade de reedição dessa mesma solução.

Esta inversão de posições não é necessariamente fácil de explicar. Afinal de contas, a maioria apenas relativa do PSOE nas cortes espanholas não é fundamentalmente diferente da posição com que o Partido Socialista saiu das recentes eleições em Portugal. Em contrapartida, claro, faz bastante diferença que em Espanha as forças à esquerda do PSOE estejam no essencial reunidas num único partido, após a união entre Esquerda Unida e Podemos em 2016, e sobretudo faz diferença que a direita espanhola, na tríplice encarnação constituída por Partido Popular, Ciudadanos e Vox, seja bastante mais forte, mais ameaçadora e mais agressiva do que a direita portuguesa.

Quaisquer que sejam as explicações, não há dúvida que a solução governativa espanhola é hoje, do ponto de vista da esquerda, bem mais interessante do que a portuguesa. Para além da Vice-Presidência do governo, o Unidas Podemos detém as pastas ministeriais dos Assuntos Sociais (Pablo Iglesias), Trabalho, Igualdade, Ensino Superior (com Manuel Castells) e Consumo (Alberto Garzón, que, como assinalou há dias a revista norte-americana Jacobin, tem a importância simbólica adicional de ser o primeiro dirigente declaradamente comunista a chegar ao governo em Espanha desde o derrube da Segunda República em 1939).

No que toca à substância da política e das políticas, o acordo de governo de 50 páginas agora assinado prevê o fim da criminalização dos protestos (revogação da “lei mordaça”), a revisão da legislação laboral mais liberalizante e regressiva, o aumento da progressividade da fiscalidade tanto para as empresas como para os indivíduos, todo um capítulo de políticas feministas, o reforço dos apoios sociais, um pacote de medidas para promover o direito à habitação, a eliminação das taxas moderadoras na saúde, a continuação do aumento do salário mínimo e a busca de uma solução política para a questão da Catalunha, entre muitas outras coisas.

É um programa de governo social-democrata que não escapa aos constrangimentos decorrentes das regras orçamentais de Bruxelas e dos encargos associados a uma dívida pública que também em Espanha não anda longe de 100% do PIB, mas é um programa política e socialmente avançado em muitos domínios, seguramente bem mais avançado do que a forma como o PSOE governaria sozinho.

Estou certo, aliás, que para uma maioria do eleitorado (que não dos dirigentes) do PS português esse é um aspecto algo trágico da eutanásia da geringonça promovida pelo seu partido: eles próprios terão noção de que a dependência face aos parceiros à esquerda foi o que puxou pelo melhor da governação na legislatura anterior, da evolução do salário mínimo e das pensões à tarifa social na electricidade, da redução dos preços dos passes nos transportes à reposição da progressividade no IRS, da lei de bases na saúde à integração dos precários do Estado. Como terão noção da falta que fazem os avanços nos domínios em que o PS mais resistiu às propostas de Bloco e PCP, especialmente a revisão da legislação laboral e o reforço do investimento público.

Por agora, é de Espanha que sopram ventos mais progressistas. O novo governo espanhol enfrentará o combate sem tréguas de uma direita profundamente reacionária e as inevitáveis dificuldades de entendimento entre partidos com origens e matrizes ideológicas muito distintas. Também por isso é especialmente importante que esta solução se mostre estável e alcance os resultados a que se propõe no seu programa. Pode ser que daqui a algum tempo Portugal esteja em condições de aprender com a “solução espanhola”.»

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17.1.20

Mas que cinco!



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Um Louçã diferente


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Segurança Social versus CML




A ler este comentário de Paulo Pedroso, mais do que pertinente, publicado no Facebook.

«A missão do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social não é subsidiar a política de habitação, mas valorizar os ativos à sua guarda para efeitos de reforço da sustentabilidade da segurança social.

Segundo a notícia do Público que reproduzo abaixo, foram dadas condições financeiras vantajosas ao Município de Lisboa e há uma vereadora que justifica mesmo o valor da venda, que o Tribunal de Contas diz ser abaixo do valor de mercado, como sendo para um fim público e para conter a especulação imobiliária, invocando que “a administração central” não deve participar nessa dita especulação. Acontece que a gestão financeira das reservas da segurança social cumpre um fim específico e não os fins gerais do Estado, pelo que tem o dever absoluto de rentabilizar os seus ativos.

A política - municipal e nacional - de habitação a custos controlados é muito importante. Só não pode ser feita com os ativos da segurança social contributiva que os empregadores e os trabalhadores entregaram à guarda do Estado para um fim diferente.

Correndo o risco de irritar muitas pessoas que estão habituadas a concordar comigo e de me afastar de pessoas amigas nesta minha posição, discordo profundamente de que o património da segurança social seja usado como instrumento para tornar mais barata a política pública de habitação. Não é de todo para esse fim que este instrumento existe e quem o usou - se usou - para esse fim, na expressão mais simpática de que me consigo lembrar, afastou-se do seu mandato, por muito que tenha obedecido à vontade expressa dos responsáveis políticos, também eles empurrando o financiamento da segurança social para um subsídio a uma política municipal de habitação que é estranha ao mandato dos guardiões das reservas da segurança social. Mais, dos dois lados do negócio estavam políticos que tinham a obrigação absoluta de saber o mandato do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.»
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Semana mais curta só favorece quem ganha bem



«Os ganhos para a saúde e conciliação familiar dos trabalhadores são apontados como benefícios diretos da redução de horários. Mas, pese embora as experiências positivas, quer o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina no Trabalho (SPMT), Jorge Barroso Dias, quer Fátima Lobo, psicóloga das organizações e professora da Universidade Católica de Braga, defendem que não é líquido que a redução de horários resulte em ganhos para os profissionais.

Porquê? Num país de baixos salários, trabalhar menos um dia por semana ou menos horas por dia não se traduz, necessariamente, em maiores períodos de lazer ou de dedicação à família. A medida, acredita Jorge Dias, abre caminho à acumulação de vários empregos para alcançar melhores rendimentos e, por isso, “a maior desgaste dos profissionais e sacrifício familiar”.

É por isso que para o presidente da SPMT “a redução dos horários não pode ser dissociada da questão salarial, sobretudo num país como Portugal, onde o salário mínimo é baixo e o médio também”. Fátima Lobo corrobora: “Eventuais impactos na saúde ou na conciliação familiar só se fariam sentir em grupos com salários elevados.” “Para quem vive no limiar da subsistência, e são muitos os portugueses nesta situação, a semana de quatro dias até poderia resultar numa sobrecarga de trabalho. A tendência é para encontrar trabalhos complementares.” Enquanto a questão salarial não for alterada, diz, “de pouco servem medidas desta natureza”.

E mesmo no aumento da taxa de natalidade, outra das áreas que segundo os teóricos tem a ganhar com a alteração dos tempos de trabalho, a economista e docente da Universidade de Évora, Maria Filomena Mendes, especialista em questões demográficas e ex-presidente da Associação Portuguesa de Demografia, diz-se cética. O que mostram os estudos é que “o adiamento da decisão de ter filhos está primeiro relacionado com o rendimento — uma remuneração compatível com as expectativas — e depois com a estabilidade profissional, por oposição à precariedade, e não tanto com o horário de trabalho”, alerta.

Quem já testou o modelo de quatro dias

Microsoft. A subsidiária japonesa da multinacional tecnológica conduziu uma experiência durante um mês, ao longo do qual encerrou os escritórios da empresa naquele país à sexta-feira. O resultado foi um aumento de 40% na produtividade dos trabalhadores.

Uniqlo. Também no Japão, país onde há uma expressão para classificar aqueles que morrem por excesso de trabalho — karoshi —, a marca de roupas Uniqlo implementou em 2015 um projeto experimental que permitia aos trabalhadores das suas lojas, a tempo integral, trabalharem 40 horas semanais em quatro dias. Esta foi a estratégia encontrada pela empresa para impedir que os trabalhadores passassem a tempo parcial para conseguir uma melhor conciliação familiar.

Perpetual Guardian. Na Nova Zelândia esta consultora financeira é uma das precursoras da semana de quatro dias que implementou após uma experiência bem sucedida, com ganhos de produtividade e motivação significativos para os trabalhadores. Há um ano que os funcionários trabalham 30 horas por semana e têm um dia de folga semanal remunerado.

Basecamp. A empresa norte-americana de webdesign pratica uma semana de trabalho de 32 horas e durante os meses de verão permite que os funcionários concentrem este horário em apenas quatro dias. “Não se trata de trabalhar mais rápido, mas com mais eficácia”, explicou Chase Clemons, cofundador da empresa, em entrevista ao canal CNBC onde referiu que esta forma de organização ajuda os funcionários a concentrarem-se nas tarefas realmente relevantes.

Amazon. O gigante de comércio eletrónico testou em setembro de 2016 o modelo da semana de 30 horas, em que alguns funcionários trabalhavam de segunda a quinta-feira, mas neste caso, ganhando 75% do salário, embora mantendo todos os benefícios. Ainda não divulgou resultados da experiência.

Shake Shack. A cadeia de restauração americana começou a aplicar em março de 2019 a semana de trabalho de quatro dias nas suas unidades de Las Vegas. O modelo está em fase de teste e atinge apenas um terço dos restaurantes da cadeia, mas “os resultados são promissores” permitindo a alguns funcionários reduzir, por exemplo, as despesas com a creche dos filhos, garantiu Randy Garutti, diretor executivo da empresa, à Business Insider. Para o gestor a medida é muito motivadora para as equipas.

Svartedalens. A instituição de cuidado a idosos sueca colocou os enfermeiros a trabalharem apenas seis horas por dia, quatro dias por semana. O resultado foi um aumento de produtividade dos enfermeiros, melhoria dos cuidados prestados e diminuição das baixas por doença entre os profissionais.»

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16.1.20

Educação: mais um passo em direcção o abismo



«Agora as escolas passam a estar legalmente autorizadas a contratar professores de Inglês, Francês, Alemão ou espanhol para dar aulas de Português no 3.º ciclo e secundário desde que tenham feito um “estágio pedagógico” nesta área. Ou possuam “adequada formação científica para o efeito”. Do mesmo modo a disciplina de Inglês poderá ser leccionada por professores de Português, Francês, Alemão e Espanhol e a de Geografia por professores de História.»
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Espanha – 0,9% de aumento para as pensões




Déficite previsto pelo governo para 2019: 2% do PIB. Previsão de crescimento 2%.
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Call centres: incubadores de precariedade



«Na semana em que sabemos que a Altice vai recrutar mais 2000 operadores de call center, é importante relembrarmos que estes operadores são o exemplo paradigmático da precariedade na juventude dos nossos dias. São autênticas máquinas de criação de precários e assumem a dianteira na tendência da desregulação do mercado de trabalho. É desregulação o termo a aplicar e não flexibilidade.

Os call centers que proliferam pelo país, empregando milhares de pessoas, muitas delas jovens e ainda estudantes, aproveitam-se da incerteza no mercado de trabalho para conquistar, através de prémios e remunerações que posteriormente não se confirmam, jovens universitários que saem do ensino superior ainda com grandes dificuldades económicas e sem perspectivas de emprego na sua área de formação. São muitos os ainda universitários que desempenham este tipo de funções para angariar mais uns trocos, facilitando um pouco as contas caseiras.

Deste modo, as empresas que exploram estes call centers não têm de se preocupar com a reivindicação insistente destes trabalhadores por melhores condições de trabalho, porque eles próprios assumem a coisa como temporária e fugaz. Mas é assim que estas empresas prosperam, com recurso a mão-de-obra temporária, recorrendo de forma abusiva, na minha opinião, a empresas de recrutamento de trabalho temporário, lançando mão de forma desmesurada ao contrato de trabalho temporário que inflige o sentimento de insegurança a todos estes operadores. Ademais, estas empresas têm técnicas de persuasão e motivação que fariam corar de vergonha qualquer charlatão profissional.

Por diversas vezes, à porta de um call center onde distribuía documentos, era confrontado com as maravilhas deste trabalho por parte dos chamados supervisores, que insistiam na existência de uma real possibilidade de crescimento profissional e progressão de carreira no seio destas empresas. É uma técnica interessante que o novo capitalismo usa para dividir trabalhadores que consiste em criar uma teia de falsas hierarquias, distribuindo alegados cargos de poder a que atribuem o nome de supervisores. Na realidade, os detentores destes cargos são trabalhadores como os outros, desempenhando praticamente as mesmas funções e auferindo praticamente o mesmo rendimento. São criadas equipas que competem entre si, na persecução de mais vendas e mais contratos celebrados, instituindo um sistema de metas e objectivos que alimentam o espírito competitivo entre operadores.

As condições de trabalho são deploráveis, obrigando estes trabalhadores, que não beneficiam de qualquer protecção laboral, a atender muitas chamadas de uma empreitada, com pausas reduzidas, horários rotativos e muita pressão para celebrarem contratos. É um trabalho que se centra nos resultados e não no caminho que se percorre para os obter, constituindo assim um desvio da natureza real de um verdadeiro contrato de trabalho. Aliás, os contratos nem sequer são celebrados com a empresa que tem a necessidade de integrar estes trabalhadores, mas sim pelas empresas de recrutamento, fazendo que estes trabalhadores sejam trabalhadores de ninguém. É o que gosto de chamar de capitalismo sem rosto.

Se empregar pessoas é algo positivo e necessário, mais importante é perceber que o trabalho tem de ser realizado em condições dignas de estabilidade e remuneração, sob pena de deixarmos perpetuar estes moldes de contratação que a mais ninguém beneficia além das grandes empresas que retiram lucros obscenos às custas de milhares de precários.»

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15.1.20

Luther King – Seriam 91



Não vos posso prometer que não vos batam,
Não vos posso prometer que não vos assaltem a casa,
Não vos posso prometer que não vos magoem um pouco.
Apesar disso, temos que continuar a lutar pelo que é justo.
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Para que não digam que não penso no PSD



I Congresso, 1974. Quando o PPD se dizia de esquerda, a caminho do socialismo.
(Ouvir até ao fim)
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Ministros com dois carros?



«Assinalando o facto de Lisboa ser Capital Verde Europeia em 2020, António Costa anunciou que, a partir de 1 de fevereiro, todos os ministros só circularão na cidade e na área metropolitana em viaturas elétricas.

Não sabemos se evitou o termo carros elétricos propositadamente, mas o certo é que nenhum português acredita em viagens ministeriais realizadas de trotineta, bicicleta elétrica ou tuk-tuk. A promessa tem mérito. Ninguém o tira. Mas também tem um pouco de show off. E também é centralista.

Porquê apenas em Lisboa? Também não se percebe muito bem a amplitude do "gesto simbólico", como lhe chamou António Costa. Os ministros só se deslocam de veículo elétrico em Lisboa e na área metropolitana? Ou seja, de casa ao ministério e do ministério a casa? E quando saírem de Lisboa, viajam num outro veículo? Cada ministro vai ter dois automóveis? Os gabinetes vão abater à frota um automóvel a gasolina para dar lugar a um elétrico? Diz ainda o primeiro-ministro que, "se é possível relativamente à mobilidade dos membros do Governo, é possível para a mobilidade de todos e é essa mudança que temos de fazer ao longo dos próximos dez anos".

O problema é que a mobilidade da grande maioria dos portugueses é garantida sobretudo pelos transportes públicos. O problema é que os ordenados não são compatíveis com a aquisição de automóveis elétricos e os incentivos estatais à compra não passam de um mera migalha. Antes, também a propósito de Lisboa Capital Verde Europeia, o secretário-geral da ONU fez um discurso universal e apontou o dedo aos grandes países que poluem o planeta.

Todas as medidas no combate às alterações climáticas são desejadas, mas espera-se que não sejam híbridas e, no mínimo, não acentuem ainda mais o centralismo. E que sejam efetivas e não apenas para encher o olho, como foram as anunciadas em 2016, no âmbito do Simplex, que apontavam o fim do uso do papel na administração pública, em 2017, e o fim dos transportes de serviço dentro das cidades em 2018.»

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Aumentos de pensões


Diz-me um amigo que recebe uma pensão de reforma da CGA (1.099 euros em 2019) que teve agora, em 2020, um aumento de 3 euros brutos, 2 depois da respectiva retenção. Estou certa de que ele não se importaria de devolver este valor ao dr. Centeno para aumentar o superavit do país.

(Em Espanha, TODAS as pensões, e não só as mais baixas, foram ontem aumentadas em 0,9%.)
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14.1.20

CML: poesia (ou será prosa?) da melhor



Daqui.

Lá vem o Ratzinger…



De vez em quando, Ratzinger sai das profundezas da sua condição de reformado com 92 anos e alerta o mundo para as ousadias de Francisco. É o caso, uma vez mais, com a co-autoria de um livro contra o seu sucessor que está a considerar a possibilidade do ordenação de padres casados na Amazónia.

Nada que espante alguém que, como eu, segue a evolução do ex-papa há mais de meio século. Como é sabido, houve uma clara retracção na Igreja nos anos que se seguiram ao encerramento do Vaticano II. Mas o que é menos conhecido é que existiu então um fortíssimo movimento de teólogos que não se conformaram com os factos e que reivindicaram o seu direito à liberdade de pensamento e de expressão dentro da Igreja. Exprimiram-no num documento publicado em 16 de Dezembro de 1968: «Declaração sobre a liberdade e a função dos teólogos na Igreja». O texto chegou a 1.360 assinaturas, mas os promotores foram 38 – os principais e mais avançados teólogos ligados ao Concílio, entre os quais... Joseph Ratzinger.

Quando e porquê se retraiu o futuro Bento XVI? Já o escrevi muitas vezes: «Com a distância que o tempo cria, parece hoje evidente que o Concílio não desiludiu por acaso ou por engano. O que se passou foi que a Igreja, ao mais alto nível, recuou, num sábio exercício de sobrevivência. A pesada pirâmide sobreviveu a um terramoto – abanou, mas não ruiu. A grande diferença em relação ao que se passou muito mais tarde numa outra pirâmide, a da União Soviética, foi que a Igreja resistiu quando percebeu que estava ameaçada. Durante o Concílio, também ela arriscou uma glasnost, uma abertura à sua maneira. Iniciou então um tímido aggiornamento, mas travou-o a tempo de não deixar que ele se transformasse em perestroika.» Como muitos outros, Ratzinger entrou nesta onda, a partir do final da década de 70, e nunca mais fez marcha atrás.

Tudo isto e mais, incluindo link para a Declaração dos «progressistas» de 1968, neste meu «post» de 2013.

P.S. - Entretanto, alertaram-me para o seguinte que em nada altera o que digo de importante: «O secretário de Bento XVI disse que o Papa Emérito “nunca aprovou nenhum projeto de livro com assinatura dupla” com o cardeal Robert Sarah». Mas há já quem contradiga, a saga continua.
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Dreams and drones


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Lembre-se do cartel da Banca



«Uma boa parte das propostas que já apresentei no Parlamento foram sobre a Banca. Algumas visavam impor regras mais apertadas ao seu funcionamento: limites à venda de produtos financeiros, interdição de certas operações dentro do mesmo grupo, eliminação de comissões bancárias absurdas, etc.

Outras pretendiam mais transparência: novas exigências de publicação de informações sobre acionistas, relações com offshores ou políticas de crédito. Apesar de várias tentativas, muitas destas propostas foram sendo rejeitadas por combinações de votos entre PSD, PS e CDS. Na base da rejeição estavam (e estão) normalmente três tipos de argumentos avançados pelos bancos: i) mais transparência prejudica as condições de concorrência; ii) limites à atividade prejudicam a rentabilidade; iii) o caminho não é limitar as atividades financeiras mas reforçar os mecanismos de supervisão e controlo interno.

Escândalo a escândalo, a realidade tem vindo a desmontar todas estas ficções.

Como se não nos bastassem os casos do BPN, do Banif, do BES, do BCP, do Montepio e da Caixa, aparece-nos agora o "cartel da Banca", que juntou o BPN, o Banif, o BES, o BCP, o Montepio, a Caixa e mais oito bancos numa rede de troca de informações sensíveis. Segundo a Autoridade da Concorrência (AdC), os principais bancos trocaram entre si informações reservadas sobre as quantidades e condições de crédito que concediam, articulando ainda estratégias comerciais ou, por exemplo, para limitar a aplicação de leis sobre comissões bancárias.

Ou seja, durante mais de uma década, a Banca - sempre tão preocupada com as suas condições de concorrência - trocou entre si dados reservados, alinhou estratégias e concertou posições, em prejuízo de todos os clientes. Sendo verdade que foram condenados pela AdC a multas que somam 225 milhões de euros, também é público que o processo só teve início por denúncia de um participante. Mais uma vez, ao que se sabe, o Banco de Portugal foi incapaz de identificar estas práticas - transversais e reiteradas - atempadamente. A perda para os clientes, é claro, não foi ressarcida.

Existem todas as razões para reforçar as medidas destinadas a limitar as práticas abusivas da Banca (privada mas também, e especialmente, pública) e aumentar a transparência. Quando o momento chegar ouviremos os bancos, assim como alguns partidos, a argumentar com a concorrência, a rentabilidade e o controlo interno. Não acredite, lembre-se do cartel da Banca.»

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13.1.20

Velhos da classe média



Nem sonho em condenar todas as lutas para que os mais pobres dos pobres tenham aumentos, mesmo quando estes me parecem migalhas, mas é de outros que quero falar.

Tenho neste momento alguns velhos amigos, também velhos em idade, que não contribuem para qualquer estatística de pobreza, que trabalharam a vida inteira, que até têm cursos superiores, que recebem pensões ou reformas razoáveis para o país que temos mas que nunca são aumentadas, e que, no entanto, vivem os últimos anos de vida angustiados e, pior ainda, humilhados.

Nos casos em que estou a pensar, e que me são próximos, trata-se de pessoas que viveram bem, mas que a vida foi deixando sozinhas, algumas sem filhos, outras que os têm, mas mais ou menos afectivamente longínquos ou com pouca capacidade financeira. Que, quando têm alta de um hospital não têm para onde ir por não serem suficientemente pobres nem minimamente ricas e que só possuem euros para acabar os seus dias em lares de terceira categoria, onde não podem permitir-se o «luxo» de não partilhar um quarto com mais uma, duas ou mesmo três pessoas. Que não têm dinheiro para cuidar decentemente da saúde quando precisam de próteses, de cadeiras de rodas ou mesmo de certos medicamentos. Ou que só vêem isto tudo minimizado quando uma lista de amigos decide quotizar-se e contribuir mensalmente com alguma mais do que merecida ESMOLA – que não mata a humilhação.
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Publicidade da boa


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A obsessão por excedentes orçamentais



«Álvaro Santos Pereira, em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios de 11 de Janeiro, afirma que “quem diz que não devemos ter excedentes não percebe nada de economia”. Ou seja, para procurar convencer os interlocutores e ouvintes da razão da sua tese, desqualifica os que defendem tese oposta.

É certo, refere-se a Portugal (e à Grécia). Mas se Álvaro Santos Pereira tivesse razão, economistas como Olivier Blanchard, professor catedrático do MIT, antigo economista-chefe do FMI e um dos principais macroeconomistas académicos “mainstream” da actualidade, estaria condenado a ser incluído no grupo dos que não percebem nada de economia.

De facto, Blanchard, na sua intervenção “presidencial” na conferência da American Economic Association de Janeiro de 2019 em Atlanta, defendeu que, não obstante os níveis elevados de dívida pública do mundo ocidental, dadas as muito baixas taxas de juro, pode fazer sentido contrair mais dívida pública, isto é, registar défices. E Blanchard tem defendido a necessidade de rever as regras orçamentais europeias.

Também Paul de Grauwe tem criticado a obsessão europeia pelos excedentes orçamentais.

Na Alemanha, numerosos economistas académicos e a confederação da indústria alemã criticam a obsessão pelos excedentes orçamentais e defendem uma alteração constitucional para remover a regra travão à dívida inscrita na Constituição do país.

O governo conservador do Reino Unido está a preparar um programa de investimento público e a procurar abandonar a austeridade orçamental. E até o FMI tem defendido a necessidade de redução dos excedentes orçamentais da Grécia, para permitir uma recuperação mais rápida da economia.

Por conseguinte, a tese de Álvaro Santos Pereira parece estar em contra-corrente. É positivo que tenha posições diferentes do actual consenso. Afigura-se-me que não tem razão. Mas não posso e estaria errado se argumentasse que Álvaro Santos Pereira não percebe nada de economia.

Surprise, surprise…

Na quarta-feira, 8 de Janeiro, o PCP anunciou que se iria abster na votação na generalidade da proposta de Orçamento do Estado de 2020. Na quinta-feira, 9 de Janeiro, o Bloco de Esquerda anunciou que se iria abster na votação na generalidade da proposta de Orçamento do Estado de 2020.

E… surpresa!

Na sexta-feira, 10 de Janeiro, Pedro Santos Guerreiro, na TVI, refere que afinal o Governo agora espera que as contas públicas registem um excedente orçamental já em 2019 e o ministro das Finanças declara no Parlamento que é provável que a dívida caia em termos nominais em 2019.

É decepcionante que este jogo do gato e do rato continue, mas é positivo que o Governo assuma, pela primeira vez, que em 2019 registará um excedente orçamental. Esse excedente deveria ser utilizado para melhorar muito o OE2020 na especialidade. Em particular, é fundamental assegurar aumentos, acima da taxa de inflação esperada, dos salários de todos os funcionários públicos e de todas as pensões de reforma. Seria provavelmente possível fazê-lo, revendo a estimativa do saldo orçamental em 2019 para um valor que mais se aproxime do observado (+0,2% do PIB?) – o que libertaria cerca de 600 milhões de euros para despesa pública adicional – e mantendo o objectivo de saldo orçamental para 2020 em 0,2% do PIB.


12.1.20

Parolice




Chamo parolice a esta iniciativa. Não há certamente nenhuma capital europeia com tantos quilómetros de praia a pouquíssimos quilómetros, acessíveis por transportes públicos.

Cereja em cima do bolo, a «praia» vai ser fabricada» no Parque das Nações, onde, como se sabe, só vive gente pobrezinha que não tem capacidade financeira para sair do bairro.
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Quem cuida de quem cuida?



«Nesta semana cumpriu-se o prazo-limite para regulamentar o estatuto de cuidador informal em Portugal. Foi no último dia, 6 de janeiro, que o governo publicou a primeira portaria, que apenas inicia o processo de reconhecimento. Esperar até ao último dia previsto por lei poderia ser justificável num quadro de medidas que exigissem mais tempo de preparação, mas o governo esgotou os quatro meses previstos e os avanços são menos que poucos.

Com as medidas avançadas, os cuidadores, na maioria mulheres, poderão começar a pedir o reconhecimento do estatuto a partir de 1 de julho deste ano e serão projetos-piloto em 30 municípios. Dizer que são medidas insuficientes e frustrantes para quem há tanto tempo espera uma solução é pouco: o país tem 308 municípios e a realidade está há muito identificada. Relembremos essa realidade se necessário: são cerca de 800 mil pessoas que dedicam a sua vida a cuidar dos seus. Pessoas para quem não existem dias livres, fins de semana ou horas suficientes no dia. Pessoas que transformam toda a sua vida para suprir a falta de resposta pública, perdendo muitas vezes o trabalho e tornando-se elas próprias dependentes dos rendimentos de quem cuidam. São pessoas que não veem os seus direitos reconhecidos, nem pelo serviço que prestam nem, nos casos em que trabalham, têm legislação laboral adequada. São pessoas que não descansam e para quem a rede pública que poderia permiti-lo não está equipada ou preparada. São pessoas que não só não têm férias como não se lhes reconhece esse direito. São pessoas como todas as pessoas, mas com os direitos pela metade. Sabemos bem que o número de cuidadores tenderá a aumentar, tomar medidas concretas torna-se por isso uma prioridade. Fazer esperar ou apresentar remendos não resolve nenhum destes problemas.

Estas pessoas, mesmo sem tempo para elas, organizaram-se, mobilizaram esforços, organizaram manifestações e lutaram por essa coisa tão simples que se chama dignidade. Esperar que a resposta do Estado seja adequada é apenas uma questão de justiça social. Os cuidadores já fizeram a sua parte. A maioria parlamentar de esquerda no anterior mandato conseguiu chegar a uma proposta legislativa que tem de ser implementada. Sendo este o tempo da sua implementação, o governo deixou muito a desejar na primeira portaria e na proposta de orçamento. Responder aos cuidadores exige recursos e vontade política. O tempo das ilusões acabou. Já toda a gente sabe quais são as reais necessidades e os cuidadores já não vão aceitar qualquer esmola. O Partido Socialista, agora sozinho, não parece ter essa vontade nem reconhecer verdadeiramente essa necessidade. Uma coisa é certa, as pessoas que cuidam em Portugal já há muito tempo que conquistaram o estatuto, falta-lhes os direitos. Já toda a gente percebeu, menos o governo.»

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Rio: morrer na praia...


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