De vez em quando, Ratzinger sai das profundezas da sua condição de reformado com 92 anos e alerta o mundo para as ousadias de Francisco. É o caso, uma vez mais, com a co-autoria de um livro contra o seu sucessor que está a considerar a possibilidade do ordenação de padres casados na Amazónia.
Nada que espante alguém que, como eu, segue a evolução do ex-papa há mais de meio século. Como é sabido, houve uma clara retracção na Igreja nos anos que se seguiram ao encerramento do Vaticano II. Mas o que é menos conhecido é que existiu então um fortíssimo movimento de teólogos que não se conformaram com os factos e que reivindicaram o seu direito à liberdade de pensamento e de expressão dentro da Igreja. Exprimiram-no num documento publicado em 16 de Dezembro de 1968: «Declaração sobre a liberdade e a função dos teólogos na Igreja». O texto chegou a 1.360 assinaturas, mas os promotores foram 38 – os principais e mais avançados teólogos ligados ao Concílio, entre os quais... Joseph Ratzinger.
Quando e porquê se retraiu o futuro Bento XVI? Já o escrevi muitas vezes: «Com a distância que o tempo cria, parece hoje evidente que o Concílio não desiludiu por acaso ou por engano. O que se passou foi que a Igreja, ao mais alto nível, recuou, num sábio exercício de sobrevivência. A pesada pirâmide sobreviveu a um terramoto – abanou, mas não ruiu. A grande diferença em relação ao que se passou muito mais tarde numa outra pirâmide, a da União Soviética, foi que a Igreja resistiu quando percebeu que estava ameaçada. Durante o Concílio, também ela arriscou uma glasnost, uma abertura à sua maneira. Iniciou então um tímido aggiornamento, mas travou-o a tempo de não deixar que ele se transformasse em perestroika.» Como muitos outros, Ratzinger entrou nesta onda, a partir do final da década de 70, e nunca mais fez marcha atrás.
Tudo isto e mais, incluindo link para a Declaração dos «progressistas» de 1968, neste meu «post» de 2013.
P.S. - Entretanto, alertaram-me para o seguinte que em nada altera o que digo de importante: «O secretário de Bento XVI disse que o Papa Emérito “nunca aprovou nenhum projeto de livro com assinatura dupla” com o cardeal Robert Sarah». Mas há já quem contradiga, a saga continua.
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