Um antigo embaixador da China em França fala sobre o declínio da Europa e afirma que só nos interessamos por lazer, ecologia e futebol? Não hesita em dizer que vivemos acima das nossas possibilidades, que empurramos as empresas para a deslocalização e pomos os contribuintes a pagar a factura? Prevê um futuro negro?
Vale a pena ver o vídeo:
Vale a pena ver o vídeo:
Trata-se de uma brincadeira. Um francês (liberal, não um perigoso esquerdista) inventou legendas para uma entrevista cujo tema, na realidade, era a exposição de Xangai e as suas excelsas qualidades. Mas passou algum tempo até que a versão verdadeira fosse revelada, mais de 700.00 pessoas viram o vídeo na internet e, nos dois continentes, multiplicaram-se as reacções de indignação.
Toda a história em Rue89.
Mas, no entanto e infelizmente: em muitos aspectos, serão as legendas do vídeo assim tão disparatadas?
Mas, no entanto e infelizmente: em muitos aspectos, serão as legendas do vídeo assim tão disparatadas?
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31 comments:
Boa noite, Joana!
Se isto fosse a visão de um perigoso esquerdista, eu não me importava de me considerar esquerdista...
Não é, Manel, mas eu concordo com quase tudo.
Benvinda ao neo-liberalismo!!!
Um destes dias ainda te apanho a pensar que o ordenado mínimo faz aumentar o desemprego... LOL
Eu disse que estava de acordo com QUASE tudo.
Hoje acordei do contra?
Não concordo com quase nada.
Nem sei por onde começar. Estes argumentos até me lembram aquela anedota do americano "eu sei que tenho razão, não me confundam com os factos".
Ponto de partida: se fosse um chinês a dizer mal da Europa, na resposta a esta argumentação a China saía muito mal. Não irei por aí, porque não é correcto agredir esse país por conta de uma piada que não tem nada a ver com ele. Mas o autor da gracinha escolheu muito mal o personagem a quem colar a mensagem.
Portanto: vamos esquecer que estes argumentos foram postos na boca de um chinês (e assim eu não conto porque é que a Steiff desistiu de produzir ursinhos na China, e porque é que as empresas europeias têm imensas resistências em deslocar para a China a produção ligada a I&T de ponta, etc.).
Diz ele que os europeus só pensam em loisirs, ecologia e futebol.
Ecologia: deixem-me rir. Como se os sinais que o nosso planeta está a dar não fossem suficientemente graves, e como se a investigação de energias alternativas não fosse a base para um novo sector de produção altamente promissor.
Por seu lado, "loisirs" é sinónimo de um importantíssimo sector económico, o turismo. O único capaz de levar riqueza às regiões mais recônditas do continente europeu. Se não fosse o turismo, o que seria da população de Saint Moritz? Ah, já me ia esquecendo: a Banca... Estranhamente, esse senhor não falou das convulsões que o desvario no sistema financeiro tem vindo a provocar nas economias reais e nos orçamentos do Estado (não se terá ele dado conta do que aconteceu a seguir à falência dos Lehman Brothers, com os bancos impedidos de conceder empréstimos porque tinham perdido as suas reservas, arrastando as empresas para a falência apesar de terem capacidade e encomendas, porque não podiam cumprir contratos, dado não conseguirem crédito para comprar os materiais e máquinas de que precisavam para responder às encomendas?). Porque se terá esquecido de pormenor tão importante, e só falou da cambada de preguiçosos desempregados?
Porque é que se queixa do peso nos impostos sobre a produção, e não sugere que se criem impostos fortíssimos sobre a especulação?
Por outro lado, fala na deslocalização da produção, mas não diz de que sectores. A Europa está a exportar sectores tradicionais, e a especializar-se cada vez mais em investigação e tecnologia de ponta. Isso é sinal de decadência? (quando muito, de decadência de valores morais: para nós termos consumos mais baratos, trabalham os chineses por salários miseráveis)
Mais que nunca é fundamental que os Estados apostem intensamente no "capital humano", quer pela oferta de excelentes escolas e centros de investigação (como é que isso se chama? ah, oportunistas que comem à mesa do Orçamento, esses preguiçosos...) quer pela garantia de acesso de todos ao ensino, de modo a que cada indivíduo possa explorar as suas melhores capacidades em proveito de todos. Ensino excelente para todos não é uma modernice dos esquerdistas, mas uma condição sine qua non para a "supremacia" europeia.
O filme também ataca o Estado Social. Sendo certo que temos de questionar até onde pode e deve ir o Estado Social, não podemos aceitar esta apologia do cada um por si, e esta simplificação dos preguiçosos a viver à custa do Orçamento.
Joana, desculpe, mas acho essas acusações ao actual modelo de desenvolvimento económico absurdas. E os ataques ao modelo social dos Estados são superficiais e preconceituosos.
Parece-me que este filme é pura propaganda a favor de nova tendência na Europa: diabolizar os mais fracos e os prestadores de serviços em nome do Estado, reduzir as prestações sociais, arrasar a matriz de solidariedade social.
Helena,
Eu disse que estava «quase» de acordo: nele incluo o que é dito sobre o estado social europeu e pouco mais.
Já que faz o favor de passar por aqui, já terá reparado que estou muito pessimista quanto ao futuro da Europa e que uma das convicções mais profundas é que o centro do mundo já não passa por cá, mas sim pela Ásia (escrevi-o há um ou dois dias). E mais: que recusamos este evidência e continuamos a tentar recuperar um estatuto – e uma vida de ricos – que pertence ao passado.
É esse tom geral da entrevista falsa que me parece certeiro. Claro que podiam ter sido forjado muitas outras, com aspectos importantíssimos que a Helena refere…
Joana,
Mas se o pensasses estarias apenas a constatar um facto, o que não constituiria a violação de nenhum princípio teu...
Helena,
Se eu, com a falta de capacidade de síntese que tenho, me lançasse à obra de comentar o seu comentário, também ele pouco sintético, temo que nunca conseguiria chegar ao fim...
Mas deixe-me sugerir apenas uma pista para descodificar o filme: de vez em quando devemos descrever a realidade tal como ela é, em vez de a tentar descrever como nós gostávamos que fosse...
Cumprimentos
:-)))))
Excelente post, Helena!
Joana, mas por que razao a Europa deveria "continuar a ser o centro do Mundo"? A nossa riqueza passa necessariamente pela miseria dos outros? A economia e a vida sao um jogo de soma nula?
Ate' a questao da sustentabilidade do Estado social esta' mal contada. Hoje somos muito mais ricos e mais produtivos do que ha' cinquenta anos, logo o numero de trabalhadores activos necessarios por cada reformado (por exemplo) tem de ser menor hoje. Por que e' que nunca ninguem refer este factor quando se fala da demografia? Sera' que nao entrou nas contas, sera' que e' por que nao convem ao discurso ideologico mais antigo que o meu bisavo? -(esta pergunta e' genuina, porque eu nunca fiz nenhuma estimativa).
Os pobres alias sao sempre uns malandros que nao querem trabalhar, ja' se sabe, e por que razao deveriam querer trabalhar por contra de outrem se os salarios forem miseraveis, sem as contrapartidas que um Estado social assegura e se as desigualdades economico-sociais forem gritantes? Por desporto, por masoquismo?
Os constrangimentos ecologicos, alias, vao no sentido contrario ao que se tem passado, em termos demograficos, fora da Europa. Ainda vamos ter grandes vantagens pelo facto de a nossa populacao nao disparar como em tantos paises miseraveis. Se com a situacao actual ja' ha' tanto desemprego, como seria se a natalidade disparasse de repente? Sem uma especie de New Deal, forte estimulo economico por parte do Estado, temo bem que iriamos emular o Norte de Africa ou o Medio Oriente com as suas populacoes jovens a ver passar o tempo muito devagar e agarradas ao futebol...
Miguel,
Há aqui muitos assuntos. Sucintamente:
1-A Europa – e, de um modo geral o Ocidente – sempre se considerou o centro do mundo, não digo que DEVA sê-lo.
2 - «O número de trabalhadores activos necessários por cada reformado (por exemplo) tem de ser menor hoje»? Talvez em teoria (e, mesmo assim, restaria prová-lo), mas está a verificar-se que esse número não é suficiente, nomeadamente pelo aumento da esperança de vida.
3 – Quanto ao seu regozijo pelo fraco crescimento na Europa, eu por mim não me importo: estou farta de dizer, quando atravesso o Alentejo vazio, que ainda um dia os meus netos o verão cheio de cambojanos ou de magrebinos e que não virá daí nenhum mal ao mundo. E, com o tempo, NINGUÉM parará a movimentação das populações, disso estou certa. Nem que construam um muro em torno da Europa, de Lisboa aos Urais.
Joana, sou muito ceptico relativamente ao argumento demografico -- especialmente quando considerado no longo termo -- por varias razoes: (i) parece ser geralmente invocado por aqueles que sempre foram contra o Estado social (embora, aparentemente, se comece a generalizar pela esquerda tambem -- vitoria PR dos Catos? Nao sei.); (ii) a longevidade vai bater numa barreira biologica, enquanto que parece razoavel esperar que a evolucao da produtividade seja mais favoravel no longo termo, de onde o problema pode ser de uma natureza transiente... ; por fim (iii) aqueles que geralmente apontam para o problema da sustentabilidade do Estado social sao os mesmos que negam a necessidade de um desenvolvimento sustentavel, dizendo que nao ha' problema com o esgotamento dos recursos naturais porque a tecnologia nos vai salvar, idem para as poluicoes etc Fico sempre com a sensacao que escolhem e desenham os argumentos para servir as conclusoes conhecidas/escolhidas a priori.
Nao quero negar a existencia de problemas serios, porque sao reais. Mas a sua natureza e' largamente exagerada e/ou desprezada consoante o interesse ideologico do emissor.
Quanto 'as migracoes, estou de acordo. E', e sempre foi ao longo da Historia, impossivel para'-las. E o problema nao esta' nas migracoes per se, mas do modo como se realizam. Como estas discussoes geralmente se misturam com xenofobismos e racismos, peguemos num exemplo livre desses problemas. A migracao da populacao portuguesa do interior para o litoral teve e tem aspectos muitissimos negativos: a deserificacao do interior, a construcao desabrida e consequente destruicao de largas faixas litorais, o amontoamento das pessoas em bairros sinistros nos arredores de Lisboa, etc. Claro que tudo resultou da enorme pobreza que existia no interior, mas a posteriori e' facil reconhecer que essa migracao nao resolveu nenhum problema a medio ou longo prazo; pelo contrario, criou novos problemas graves. E e' facil ver que e' necessario um fluxo de sentido contrario com a consequente dinamizacao cultural e economica das regioes interiores abandonadas.
Joana,
não me parece que a Ásia tenha muitas cartas na manga. Não é que me incomode que se torne "o centro", mas não vejo como. Os sectores com mais futuro ainda estão na Europa e nos EUA. As economias asiáticas estão a crescer, é certo, mas que futuro têm os sectores em que se baseia esse crescimento? E como vai ficar, quando os trabalhadores asiáticos começarem a exigir melhor nível de vida?
Outro problema gravíssimo na China (sim, bem sei que não é toda a Ásia) é o envelhecimento da população. Cada chinês jovem está sozinho perante os pais e quatro avós!
Quanto à Europa: não me sinto tão pessimista. É verdade que precisamos de debater e "refocar" uma série de coisas, mas ainda ocupamos uma plataforma de desenvolvimento económico, político e social muito confortável.
Manuel,
"a realidade como ela é" tem as costas tão largas como a imaginação de cada um. O melhor seria começarmos a olhar para os números: quanto é que na Europa se gasta com assistência social, quanto com cheques às empresas? Por exemplo. E nem falo dos milhares de milhões que surgiram do nada para ajudar os bancos em 2008, nem do problema dos países cuja dívida pública foi terrivelmente agravada pelo funcionamento dos agentes especulativos.
Uma outra questão importante: como seria a Europa se não houvesse tanta assistência social? Uma Europa de favelas e altíssima criminalidade? De regiões desertificadas, de pessoas sem "amarras" familiares e sociais, porque deslocadas do seu meio de origem?
Miguel,
eu tenho algo contra as migrações. Não porque "isto é nosso", ou "nós" somos melhores que "eles", mas porque é uma violência que as pessoas tenham de mudar de cultura para poderem sobreviver. Prefiro de longe a criação de condições de vida dignas nos locais de origem. No fundo, é a ideia dos apoios europeus ao desenvolvimento dos países periféricos: criar condições em Portugal, para que os portugueses não vão todos para o centro da Europa.
Já que esta discussão nunca mais acaba, mudo um bocadinho o assunto: outro dia li uma proposta muito interessante para a gestão das contribuições de um país: cada pessoa (mesmo os recém-nascidos) tem garantido um montante fixo mínimo. Tudo o que ganhar acima disso é sujeito a imposto progressivo. Na Alemanha, onde vivo, simplificava imenso o sistema de contribuições e impostos, bem como o da Segurança Social.
Helena,
O que nos distingue é que a Helena tem um optimismo em relação ao Ocidente que eu não partilho e arrisco-me a pensar que isso pode dever-se, pelo menos em parte, ao facto de viver na Alemanha e não em Portugal.
E o meu pessimismo vem, sobretudo, da pouca esperança que tenho no «altruísmo» dos países europeus, bem e escandalosamente concretizada na recente escolha dos dirigentes. Assim não vamos lá e os países como Portugal não se aguentarão mesmo.
Indo mais fundo: se faliram todos os «socialismos» de Leste e não só, eu sou profundamente anti-capitalista porque não confio na «reforma» daquilo em que vivemos. Espero que algo de diferente venha a emergir de todas estas «cinzas» para que o mundo continue habitável, de um modo mais justo para todos.
Sem ter esta perspectiva no horizonte, não sou capaz de discutir o dia seguinte - e se não a tivesse, garanto-lhe que este blogue não existiria...
Boa noite, Helena,
Infelizmente, o dinheiro dos contribuintes que os governos europeus desbarataram para salvar bancos ou subsidiar empresas não torna mais leves os custos da assistência social, antes pelo contrário, reduz o dinheiro disponível para os custear.
O seu lamento é compreensível, mas não contribui para dar sustentabilidade à assistência social na Europa.
Um liberal considera os subsídios a empresas ou a bancos uma distorsão de mercado tão perniciosa como outras distorções de mercado como, por exemplo, o salário mínimo.
O dinheiro é finito.
Podemos pedi-lo emprestado, mas é errado pensarmos que o pedimos aos credores, porque é aos nossos filhos e netos que o estamos a pedir emprestado, eles herdarão as nossas dívidas, que terão que pagar, e o déficit de liberdade que a condição de devedor implica.
O problema dos países devedores não foi causado pelos especuladores, por muito que lhe custe. Foi causado pela ganância das gerações actuais, que gastaram sempre mais do que ganharam, financiando-se como se as dívidas não tivessem que ser pagas um dia.
Até começarem a ficar sobre-endividadas e a ser tratadas pelos credores como devedores de risco.
Podem apontar amargamente o dedo aos especuladores, se quiserem fugir à sua responsabilidade... mas por essa via nem aprendem com as asneiras que fizeram.
Manifesta um pessimismo curioso face à hipótes de uma Europa com menos assistência social, parecendo tantar estabelecer uma analogia com países sul-americanos... pessimismo curioso, porque por outro lado manifesta um grande optimismo face à sustentabilidade da Europa actual, que alguns receiam andar a correr para o abismo... porque não a compara antes com os países norte-americanos, muito mais semelhantes à Europa em muitos aspectos, a começar pela existência de regimes profundamente democráticos, muito mais transparentes e menos corruptos que os que usou na sua analogia?
É que são estes os factores mais nucleares que diferenciam sociedades sem favelas de sociedades com favelas.
Finalmente, e metendo-me no seu primeiro comentário dirigido à Joana, é muito fácil perceber porque é que a montagem colocou o comentário na boca de um chinês: é que são eles os nossos grandes credores, é à custa deles que a Europa vive actualmente, e é a eles que os nossos filhos terão um dia que pagar as nossas dívidas...
Cumprimentos
Joana,
É verdade: eu estou muito mais optimista em relação à Europa, embora concorde inteiramente consigo quanto ao actual impasse político europeu e à necessidade de repensar todo o sistema.
Manuel,
ainda bem que me falou nos EUA. Morava na Califórnia quando a "bolha" das dot-com rebentou. Vi pessoas do meu nível social a cair na rua em menos de dois meses. A rua, que já não era um lugar de passeio muito agradável desde que no tempo de Reagan se entendeu que as pessoas com problemas mentais têm direito à autodeterminação, e foram tiradas dos hospitais psiquiátricos - para a rua.
Na empresa onde eu trabalhava havia algumas japonesas cujo visto de trabalho tinha sido pago pela empresa. No contrato de trabalho constava que se saíssem antes de terminar dois anos, tinham de pagar a parte do visto correspondente ao período em falta.
Trabalhavam das 7 da manhã à meia-noite. Se se queixavam de ter demasiado trabalho, respondiam-lhes que a culpa era delas, por trabalharem devagar. Mas não tinham como pagar o restante do visto, porque o salário delas era baixíssimo.
Quando, depois do 11 de Setembro, a empresa baixou os salários (curiosamente o trabalho continuou ao mesmo ritmo) comecei a levar almoço de casa também para algumas colegas. Ou isso, ou elas almoçavam e jantavam um McCheese por um dólar.
Um amigo nosso só não foi parar à rua porque nós lhe emprestámos dinheiro para pagar a renda da casa.
Por essa altura, amigos nossos, ambos licenciados e com bons empregos, hipotecaram a casa para poder pagar a escola secundária do filho único. A escola dos nossos filhos era mais barata: levava apenas metade do meu salário. Sendo que o do meu marido ia quase todo para a renda da casa - mas ninguém nos mandou querer ter o luxo de 4 assoalhadas para uma família de 4 pessoas sem ser num dos bairros onde há tiroteios nas ruas e detectores de metais à porta das escolas, onde se assaltam carros perante o olhar complacente dos transeuntes.
A região do Leste da Alemanha já está em profunda recessão. Não é preciso imaginar cenários sobre o que acontece quando o Estado se retira, e as regiões pobres se desertificam. Venha ver à volta de Berlim - não é bonito. Venha ver como é 200 neonazis a passar na rua. Venha ouvir o relato do filho de uns amigos meus, que numa sexta feira à noite, numa rua normalíssima da cidade dele, perto do Lago Constança, levou uma tareia brutal por ter telefonado à mãe a dizer que ia chegar pouco depois da meia-noite, e por ser "um desses porcos alemães". O que o salvou de levar uma facada foi ter uma avó polaca.
Sabe porque é que os luxemburgueses dizem que os portugueses praticam a bigamia?
Os movimentos migratórios em busca de trabalho implicam uma imensa miséria social.
Não quero dizer com isto que a solução é ficar toda a gente em casa subsidiada pelo Estado, mas parece-me importante ter estes factos bem presentes quando se diz que é preciso reduzir os apoios sociais do Estado.
Quanto à dívida pública: sim, é verdade que estamos a gastar demais. Mas será que a solução passa por fazer pagar os mais pobres?
O caso da Grécia:
- Irresponsabilidade, corrupção e oportunismo na gestão dos fundos públicos - concordo.
E mais isto:
- Um dos grandes problemas é que as classes com mais rendimentos andaram anos e anos com expedientes para não pagar impostos.
- Outro problema, apontado por Cohn-Bendit no PE: a Europa empresta dinheiro à Grécia para ela comprar à Europa equipamentos militares a preços exorbitantes para defender as fronteiras da Europa no Mediterrâneo. (filme aqui: http://conversa2.blogspot.com/2010/05/vidas-de-pigs.html
- Práticas puramente especulativas que agravam o serviço da dívida sem qualquer fundamento na economia real. Expliquei isso aqui:
http://conversa2.blogspot.com/2010/05/servico-publico-o-risco-das-vendas.html
A situação da Grécia (e não só) resulta da infeliz combinação de muitos factores. É preciso agir sobre todos eles, em vez de eleger o Estado Social como inimigo público nº1.
Manuel,
"If you owe your bank a hundred pounds, you have a problem. But if you owe a million, it has."
Substitua-se bank por chineses e ai' esta' a outra face da moeda.
Helena,
Viveu nos EUA e traz-nos a sua experiência vivida, que só nos enriquece, e agradecemos.
Portanto, nos EUA há pessoas que são despedidas e, se não têm suficiente de lado para fazer face às suas despesas habituais, têm de passar a poupar... so what?
Sorte delas, mesmo assim, que lá se consegue almoçar por 1$. Quanto custa comer um hamburger na Alemanha? Dei comigo uma vez em Viena, onde a vida era substancialmente mais cara do que em Lisboa, a tentar perceber como podia ocupar um tempo livre gastando o mínimo. Sabe como era? Indo à Ópera, que tinha bilhetes a 150$00, qualquer outra alternativa, mesmo beber um simples café, seria mais cara... ainda bem que não passava fome, porque gostei muito daquela Traviata, mas teria saído de lá de barriga vazia! Quem falava de Europa do lazer?
Mas há uma coisa que não nos diz e que pode ser interessante para avaliar o dramatismo dos exemplos que deu: quanto tempo demoraram a conseguir emprego essas pessoas que, nessa altura de crise, perderam o emprego e ficaram no aperto que descreveu? O resto da vida? Anos? Meses? Semanas? Porque não é irrelevante, nem para a sua situação pessoal, nem para a criação de riqueza na economia do país.
É que uma das maiores diferenças entre a economia dos EUA, que funciona quase em roda livre, e a economia europeia, que funciona debaixo de regulação omnipresente, é a dinâmica. Nos EUA nada é garantido, nem o emprego, nem a permanência no desemprego. Na Europa, se tem emprego, tem-no garantido, mas se está desempregada, tem a quase garantia de o continuar a ser por tempo indefinido...
Consequências? Quando há uma crise, tanto a economia americana como a europeia caem... mas a americana recupera em meses, a europeia em anos.
Posto isto, a economia americana cria mais riqueza do que a europeia, mas pode haver preferências pessoais que nos façam preferir uma ou outra.
Mas o que nos trouxe a este passeio pelos EUA foi o tema "favelas", e o seu receio de a Europa cair em favelas e criminalidade violenta se reduzir a despesa em assistência social, e não o tema "bairros degradados em que vivem pessoas pobres, na maioria imigrantes, e onde há mais crime (de faca e alguidar, se falássemos de crime económico outro galo cantaria) do que nos condomínios privados", que nos diz que há nos EUA, mas na realidade também há na Europa...
Dívida pública.
A dúvida sobre quem paga a dívida pública não é entre ricos e pobres... é entre nós e os nossos filhos ou netos...
Ao exercer a nossa liberdade de escolha de gastar mais do que ganhamos, endividando-nos, estamos a castrar a liberdade de escolha dos nossos descendentes, que irão pagar mais do que ganharão.
Colectivamente, somos uma geração de chulos gananciosos.
Mas há pior...
Há a dívida externa que acumula necessariamente um país que sistematicamente importa mais do que exporta. Ou a riqueza acumulada por um país que sistematicamente exporta mais do que importa. O que faz dos chineses nossos credores... e que lhes dá a liberdade de nos deixar andar ou de nos fazer parar quando entenderem, liberdade que podemos ter ilusão que é nossa, mas de facto não é...
No fundo, o que a Europa está a empenhar é a sua (nossa) liberdade... quem lhe dá valor, que se preocupe, muito, de preferência!
Miguel,
Os chineses têm por hábito resolver os seus problemas abstraindo-se dos problemas que as soluções causam a quem lhos causou...
Deixe-se estar na linha de mira deles, e depois conte-me se eles hesitam a disparar...
Manuel,
se nos deixarmos de importar da China, como e' que eles resolvem o problema? O que e' que os chineses vao fazer com os desempregados e as fabricas fechadas?
Eu tambem vivi varios anos nos EUA e a minha visao "impressionista" dos americanos contrasta fortemente com os europeus. Nunca vi tanta gente tao pouco autonoma intelectualmente e vivencialmente como nos EUA, tao stressada, tao oprimida. Atencao, nao estou a dizer que fossem pobres, que nao tivessem casa, electrodomesticos, carro, etc Provavelmente tinham tudo isso em cquantidade superior aos alemaes e aos franceses. Mas, no meu contacto pessoal, a cultura e a vivencia destes e' muito superior 'a dos americanos. Nao estou a falar de elites, estou a falar das classes medias. Se fosse considerar os pobres americanos, aqueles que nao estao desempregados, trabalham que se desunham em varios empregos simultaneos com salarios ridiculos, comem MUITO mal, teem taxas de obesidade ridiculas (e obesidade nos EUA e' como nos desenhos animados, hiperbolizada, uma pessoas cruza-se com varios gordos absurdamente volumosos por minuto nas ruas de Filadelfia, ou NY, ... etc)
Os EUA ja' foram a terra das grandes oportunidades, quando havia espaco a rodos para a malta se estabelecer, just go West, hoje a mobilidade social e' mais baixa do que na Suecia ou no Japao (informacao retirada ha' uns anos na Economist).
Manuel,
escrevi um longo comentário, mas por algum motivo perdeu-se.
Não tendo tempo para o reescrever, deixo apenas dois apontamentos:
- Sobre o mito da economia americana funcionar em roda livre:
http://articles.latimes.com/2010/jun/18/business/la-fi-hiltzik-20100618
- Eu sei que é preciso reduzir a dívida pública. O que me parece errado é que, em vez de acabar com os offshores, em vez de rever o sistema de lobbying e de cheques às empresas, em vez de exigir mais eficiência ao Estado e responsabilizar os seus agentes (sim: inclusivamente meter na cadeia as pessoas corruptas), vai-se poupar na Assistência Social.
Miguel,
Dois comentários à margem da questão:
Essa da obesidade fez-me rir: nas férias do ano passado, nos EUA, eu parecia uma anoréxica (e não sou, bem longe disso!).
Não sei se alguma vez os EUA foram um país de grandes oportunidades. Na fase do Go West morria-se muito facilmente...
Há dias escrevi um post sobre a construção da linha de Durango-Silverton. Em onze meses, durante o inverno das montanhas rochosas, entre os 2000 e os 3000 m de altitude, quinhentos homens construíram aquele troço. As barracas em que dormiam eram tão frias, que preferiam cavar buracos na terra para se abrigarem.
As linhas ferroviárias eram traçadas a revólver. Se duas empresas se interessavam por um trajecto, a questão começava por ser resolvida por pistoleiros, e avançava depois para os tribunais e a política - todos muito bem fornecidos de luvas, claro.
Caro Miguel
Executam a dívida, obviamente!
Mas antes de tomar a decisão de deixar de "comprar chinês", prepare-se bem...
Vá à loja da Prada na Av. da Liberdade e dê uma vista de olhos pelas etiquetas de preços, para ver quanto lhe custará "comprar europeu". Pois, os seus Euros vão passar a poder comprar muito menos coisas, vai passar a ser, com o mesmo dinheiro, muito mais pobre...
Depois, dê uma vista de olhos por tudo o que tem em casa, e deite fora o que é chinês ou tem componentes chineses: electrodomésticos, telefones, computadores, e por aí fora. Vai regressar à idade da pedra...
Uma vez compreendido tudo isso, deixe de comprar chinês, mête-os na fossa das fábricas fechadas e do desemprego, mas veja lá aonde vai buscar o dinheiro para lhes liquidar a dívida que já acumulou, e que é para pagar, a não ser que o Miguel que usa seja um pseudónimo do Vale e Azevedo...
Obviamente que nós, os europeus, somos muito mais inteligentes, cultos e bem formados que os americanos... tal como os esquerdistas sempre foram mais inteligentes, cultos, e bem formados do que os direitistas, apesar dos esforços do Lucas Pires para tentar provar que era inteligente, apesar de ser de direita.
Mas se eles, burros, ignorantes e mal formados, conseguem mesmo assim enriquecer mais do que nós, alguma explicação deve haver opara o contrasenso... será por terem um sistema económico mais liberal e menos social que o conseguem?
Eu gostava, sinceramente, de ser tão optimista como o Miguel: achar que a dívida não é um problema para o devedor, mas sim para o credor, que somos tão ricos que não há problema em pagarmos impostos para sustentar mais reformados do que activos, que somos os mais inteligentes...
Se o seu optimismo é congénito, não tenho hipótese de o igualar, e tenho de me conformar... se é conseguiodo à custa da ingestão de alguma poção, diga-me qual é, por favor, para eu também o poder partilhar?
Cumprimentos...
Helena,
Boas notícias para a economia americana, portanto!
Significa que, apesar de ter substancialmente menos distorções de mercado que a europeia, ainda tem margem para as reduzir e, por essa via, permitir a criação de ainda mais riqueza! Sorte deles!
Saudações liberais...
Meua amigos,
Um "post" da Joana no Facebook suscita-me este último comentário, que podem ignorar se a Joana não o confirmar de seguida.
Trabalhei para o Estado e para diversas empresas, nacionais e multinacionais, grandes e pequenas, de capital privado e público, e a empresa mais decente, mais honesta e mais ética em que trabalhei foi, de muito longe, a IBM.
E aquelas em que "as classes com mais rendimentos andaram anos e anos com expedientes para não pagar impostos" foram as de capital exclusivamente público!
Interpretem como entenderem...
É evidente que confirmo, Manel, o que dizes sobre a IBM.
E já que me meto na vossa conversa: americanismo ou anti-americanismo não me parece ser, de todo, o que aqui está em causa. Ou até pode estar, na medida em que foi todo o sistema capitalista que foi abalado com a chamada «crise» em que estamos, deste ou do outro lado do Atlântico - de modos diferentes e em graus distintos, como é óbvio - e que é agora confrontado com a globalização, o avanço da Ásia, a miséria em que continua África, etc., etc.
Os comentários a este post estão na origem de um outro que agora publiquei.
Mas de que falamos, quando falamos de riqueza e dívida pública, e nos comparamos com "eles"?
A dívida nacional americana (não apenas os empréstimos, mas também os compromissos do Estado, por exemplo com segurança social) parece andar pelos 32.000 dólares per capita (todo o artigo é muito interessante: http://econ.economicshelp.org/2008/09/us-national-debt.html)
Em termos de peso da dívida pública no PIB, o Economist diz que a Alemanha e Portugal têm comportamentos semelhantes (quase 70% em 2009 - EUA: 41%). Mas em termos de peso da dívida pública per capita, Portugal está em melhor posição: PT 15.000 dólares per capita; EUA: 19.000 dólares per capita; Alemanha: 27.500 dólares per capita.
http://buttonwood.economist.com/content/gdc
Cá em casa somos 4... dá 60.000 US$, o valor de um pequeno apartamento nos arredores de Lisboa... é dessa dívida do Estado português, que os meus filhos terão que pagar um dia, que estou a falar...
E os meus amigos americanos, sendo uma família de três, tem de pagar o mesmo. Sendo que o filho começa a vida profissional com uns 100.000 dólares de dívidas, por causa do curso.
Foram eles que comentaram que é mais barato dar um curso universitário a uma pessoa que metê-la na cadeia. Pois, mas o curso é pago (foi um dos motivos para regressarmos à Europa), a cadeia é gratuita.
Quando lá vivíamos, um jovem African-American apanhou prisão perpétua por ter roubado uma fatia de pizza. Ao terceiro crime, independentemente de qual, prisão perpétua.
Bem, pelo menos já não vive na rua.
O Estado americano tem os seus expedientes um pouco estranhos para ir fazendo alguma política social...
Helena,
Temo que a nossa conversa comece a ficar redonda...
Já fez o seu ponto "perfectly clear": não gosta dos EUA e tem pena das pessoas que lá têm que viver.
Eu não gosto por aí além dos EUA mas reconheço que têm um sistema económico que, a ser adoptado na Europa, permitiria a criação de muito mais riqueza e uma capacidade incomparavelmente superior de recuperação de crises.
E as centenas de milhões de almas que, desde a fundação dos EUA, foram ou desejaram ardentemente ir para os EUA estão certamente enganados.
Mas estamos a falar da Europa, das dificuldades que antevemos ou não no futuro da Europa, dos europeus, e do nosso, e nem as dificuldades dos seus amigos americanos, nem a desgraça do condenado ajudam a resolvê-las...
Se bem se lembra, sugeri-lhe que olhasse para os EUA como um exemplo de sociedade com menos assistência social que na Europa mas nem por isso com favelas, por ter manifestado o receio de que se houvesse menos assistência social na Europa haveria o risco de eclosão de favelas e crime, não lhe sugeri que ingressasse numa seita de adoradores dos EUA.
Lamento dizê-lo, mas se continuamos a tomar algum conforto por ver alguns americanos em pior situação do que nós (evitando olhar para os portugueses em pior situação do que nós...), e em confiar que a China não tem nenhuma capacidade de constituir uma ameaça económica ou financeira para a Europa, parecemos os moradores de um condomínio privado que se sentem tão bem cá dentro a ver na TV as desgraças de lá de fora que nem abrem a janela para a rua...
Basicamente, é este o discurso do filme...
Entendeu-me mal, Manuel: eu adoro os EUA, mas tenho pena das pessoas que têm de trabalhar lá para ganhar a vida, especialmente se têm filhos e não tiveram formação que lhes permitisse terem um emprego bem remunerado.
Penso que os EUA deviam copiar os modelos de apoio social europeus, em vez de serem os europeus a copiar o modelo económico americano (na Europa, já nos basta a promiscuidade actual entre o Estado e as empresas, não é preciso agravá-la ainda mais copiando o modelo americano). Não precisamos de concordar nisso, só queria deixar o meu ponto claro.
Por mim, pode esquecer a referência às favelas. Mas não esqueça a referência aos 200 neonazis a passar na minha rua. Isto também é um sinal importante do que nos espera.
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