7.1.23

Taças

 


Taça dourada de bronze, apoiada num pedestal quadrípode, cerca de 1900.
Léon Kann.


Daqui.
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Obrigado, professores

 


«Nos últimos sete anos, o melhor que se pode dizer é que houve indiferença em relação aos professores. Iniciativas de atracção de jovens para a profissão? Nada. Políticas de formação de professores? Nada. Mudanças no recrutamento dos professores? Nada. Novos processos de indução profissional? Nada. Medidas de protecção dos professores e do seu bem-estar? Nada. Disposições para facilitar e desburocratizar o dia-a-dia dos professores? Nada. Valorização das carreiras docentes? Nada. Incentivos para projectos de inovação? Nada.

Mas o pior é mesmo a falta de reconhecimento da profissão, a inexistência de uma ideia de futuro, o que causa um mal-estar profundo. (…)

Em Portugal, os movimentos recentes dos professores acordaram-nos. Estão a romper com a letargia reinante. Temos de lhes dizer “Obrigado”. Porque com este gesto abrem um tempo de debate sobre os caminhos da educação. Não é apenas o seu futuro que está em causa, é mesmo o futuro da escola como espaço público e comum.»

António Sampaio da Nóvoa
Público, 07.01.2023 (Excertos)
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AR, 05.01.2023

 


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O País não cabe todo num partido!

 


«"Seria estranho que um governo do Partido Socialista não fosse composto por pessoas do Partido Socialista ou da área do Partido Socialista"

Esta frase proferida pelo primeiro-ministro no início da conferência de imprensa na sequência da última remodelação governamental, expressa bem o que vai na cabeça de António Costa no modo como gere o país.
Esta lógica que o chefe do Executivo imprime à governação tem provocado um estrangulamento na gestão dos assuntos do Estado. Por via desta visão, excessivamente partidária, o governo entrou numa espiral da qual dificilmente sairá.

Não se entende como António Costa, manifestamente um político inteligente e hábil, tem uma visão fechada, limitada, confrangedora, expressa numa escolha de ministros e secretários de Estado para o seu governo com origem exclusiva no ideário do Largo do Rato, ou comprometidos já com o atual universo governamental.
Esta visão, excessivamente partidária, está na origem da onda de remodelações e da instabilidade que o governo tem vivido. Qualquer problema que surja espalha-se, perigosamente, pelos protagonistas governamentais, excessivamente próximos, quase sempre os mesmos e saltitando de lugar em lugar.

O governo do Partido Socialista não se abre ao país. Não respira com novos quadros que venham da sociedade civil que possibilitem novas visões, rasguem novos horizontes, questionem o que está mal, tragam outras ideias à governação. Há no seio do governo uma narrativa do politicamente "correto", que os membros do governo não se atrevem a contestar, sob pena de serem marginalizados ou de não voltarem a entrar no carrossel do poder.

As remodelações que vão surgindo devem-se aos sucessivos casos, graves, que vão marcando a gestão socialista. António Costa não faz remodelações para procurar imprimir uma nova dinâmica ao governo no sentido da resolução dos problemas do país.

Embalado num discurso, incompreensivelmente otimista, o governo vai afastando-se dos cidadãos que, paulatinamente, vão percecionando a realidade. O Executivo não tem rumo, vive descoordenado, estremecendo a cada problema que surge. Os serviços públicos estão degradados. Não surgem soluções para a saúde, faltam professores nas escolas, a Justiça segue sem reformas, não sabemos o que de novo está a ser feito na agricultura, no desenvolvimento da economia do mar, na reindustrialização do país. A burocracia do Estado continua a estrangular-nos e a impedir a uma rápida instalação de empresas estrangeiras em Portugal. E, nem mesmo o PRR conhece uma execução satisfatória.
Para além desta realidade o Executivo insiste na falta de transparência, impede com a sua maioria o escrutínio parlamentar, não assume responsabilidades, refugia-se nas permanentes afirmações do "não sei" ou "não vi". Pede explicações às empresas tuteladas por si, descartando a sua responsabilidade de gerir e saber o que se passa nessas mesmas empresas.

Tudo isto é penoso, e é lamentável que se esteja a desperdiçar uma maioria absoluta com um mau governo de gestão que vive afundado na sua incapacidade de encontrar respostas para os problemas que avassalam o país. Nem tudo tem explicação nos fatores externos que vivemos. A guerra e a pandemia têm as "costas largas", mas não são responsáveis pela inação e descoordenação que o Governo regista.
Talvez não fosse má ideia o secretário-geral do PS ir aos arquivos do Largo do Rato e procurar o que de bom se fez por lá.

Os Estados Gerais, que antecederam a vitória de António Guterres em 1995, trouxeram à vida política o que na época havia de melhor na sociedade portuguesa. Académicos, investigadores, cientistas, pensadores, economistas, gente sem filiação partidária, foram chamados a dar o seu contributo na solução governativa que se seguiu.

Nos dias de hoje, Portugal e os portugueses estão a precisar de respirar. É que o país não cabe todo num único partido!»

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6.1.23

Mais um candeeiro

 


Candeeiro de mesa de metal prateado Arte Nova, WMF Alemanha, cerca de 1905.

Daqui.
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Dia de Reis

 



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Amílcar Cabral

 


No mês em que se assinala o 50º aniversário do assassinato de Amílcar Cabral, está agora publicado, no site do «Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos», um vasto dossier dedicado a este grande líder africano.

Para além de duas iniciativas já programadas, está disponível muita informação: Apresentação | Notas biográficas | Arquivo Amílcar Cabral | Luta Armada | Batalha de Como | Congresso de Cassacá | Escola-Piloto | Tricontinental | Diplomacia | Regiões libertadas | Propaganda | Ataque a Conacri & não só | Assassinato | Bibliografia.

Agradece-se divulgação. Consultar a partir DAQUI.
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Mais depressa aparece a virgem do que a viragem

 


«Aqui fica a mensagem de Ano Novo de Belém, mas traduzida para português de Alcântara:

“Muito boa noite. Portugueses, (…) há um ano, em Portugal, acreditava-se que o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), mais o Portugal 2030, mais o Portugal 2020, ou seja, os fundos europeus, somados ao turismo e ao investimento estrangeiro, já em alta, iriam fazer de 2022 o ano da viragem.”

Tradução: Mais uma vez, fizemos figura de parvos. Ouvimos falar em fundos europeus, que chegariam por intermédio daqueles programas chamados ‘Portugal e depois um número à frente’, e pensámos: “Agora é que é. Finalmente, isto vai avançar.” Só que, entretanto, passou um ano e não se percebe bem se os fundos não foram aplicados, se ainda vão ser ou se já foram e ninguém deu por isso. Seja como for, um ano depois já temos a certeza de que 2022 também não foi o ano da viragem pelo qual esperamos há décadas. Que a Virgem tenha aparecido em Portugal acaba por não ser extraordinário. O verdadeiro milagre seria aparecer a viragem.

“Por outras palavras, 2022 parecia ir ser um ano de desconfinamento, de viragem, de esperança, no mundo, na Europa e em Portugal.”

Tradução: Parecia mesmo que desta vez é que era. Enganou-me bem, a conjuntura. A nossa vida parece um jogo de futebol relatado por um Gabriel Alves cruel: “Olha a viragem, agora é que é, Portugal vai avançar, Portugal remata… ao lado! Quase. Para o ano é que é.”

“Um ano depois sabemos que Portugal aguentou melhor do que alguma Europa no crescimento, no turismo, no investimento estrangeiro, na autonomia energética e no défice do Orçamento, mas sofreu, e sofre, na subida dos preços, no corte dos rendimentos, no corte dos salários reais, nos juros da habitação, no agravamento da pobreza e nas desigualdades sociais.”

Tradução: Nem tudo é mau, pá. Tirando o facto de tudo custar cada vez mais e nós termos cada vez menos, até nos aguentámos bem.

“Um ano depois sabemos que em Portugal, apesar daquilo em que estivemos melhor do que muita Europa, 2022 não foi o ano da viragem esperada, e entramos em 2023 obrigados a evitar que seja pior do que 2022.”

Tradução: Como já disse, ainda não foi desta. Talvez o melhor seja baixar as expectativas. Vamos tentar que o próximo ano não seja ainda pior do que este. Quem me acompanha neste brinde? A um ano que não seja pior do que 2022! Tchim-tchim.

“Um ano depois, sabemos que os portugueses escolheram dar maioria absoluta ao partido que governara nos seis anos anteriores, passando a não depender, portanto, dos antigos apoios partidários, nem de um entendimento com o maior partido da oposição.”

Tradução: Fizeram um lindo serviço, vocês. Parabéns!

“Um 2023 perdido compromete, irreversivelmente, os anos seguintes. Até porque será o único ano, até 2026, sem eleições nacionais ou de efeitos nacionais. 2024, 2025 e 2026 serão um longuíssimo período de constante campanha pré-eleitoral e eleitoral.”

Tradução: Se estes gajos não trabalham agora não sei quando vão trabalhar. A partir do ano que vem acontece o equivalente político àquela ocasião em que a gente tenta obter um documento, ou comprar alguma coisa, e nos dizem “desculpe, mas agora mete-se o Natal, portanto só em Janeiro”, uma vez que começa uma sucessão de eleições em que eles se entretêm com isso e não vão pensar em mais nada.

“Depois de quase dois anos de pandemia e quase um ano de guerra, é tempo de voltar a sonhar. Pelos portugueses, por Portugal. Muito boa noite e muito bom ano para todos vós.”

Tradução: Apesar de tudo, agora é que é. Tem mesmo de ser. Para o ano cá estarei para verificar que ainda não foi desta, e explicar as razões pelas quais no ano seguinte é que tem de ser.»

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5.1.23

Saudosismos?

 

«Como se faz para evitar atropelamentos noutros casos, a mensagem ao Governo deve agora ser: “Pare, Escute, Olhe”. Olhe para a "gerigonça" como uma alternativa séria que deu já provas. Considere e aproveite a coragem da disponibilidade que já foi anteriormente manifestada pelo Partido Comunista, pelo Bloco de Esquerda, e pelos Verdes na génese da "geringonça". E agora ainda terá o Livre e o PAN. Não deixe que se estabeleça o geringoncionismo como mais um saudosismo platónico. Talvez o PS ainda vá a tempo de retomar uma verdadeira alternativa socialista plural. Talvez consiga olhar para o novo Governo “geringonça” Lula como inspiração. Talvez 2023 seja bom conselheiro. O PS tem de voltar aos “princípios”. E tem de ter humildade. Mas essas deveriam ser as características permanentes de um governo socialista...»
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Malangatana

 


Deixou-nos há doze anos, o tempo passa depressa.

Foi o grande pintor que Moçambique não esquecerá, para mim também o amigo com quem vivi momentos inesquecíveis, nuns tempos que passou em Lisboa já lá vão 50 anos. Pintou e ofereceu-me este auto-retrato que tenho aqui à minha frente – uma relíquia.

(Pode ser lido AQUI um texto que escrevi há alguns anos.)
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15 anos sem Luiz Pacheco

 


O QUE É O NEO-ABJECCIONISMO

«Chamo-me Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco, ou só Luiz Pacheco, se preferem. Tenho trinta e sete anos, casado, lisboeta, português. Estou na cama de uma camarata, a seis paus a dormida. É asseado, mas não recebo visitas. Também não me apetece fazer visitas. A Ninguém. Estou bastante só. Perdi muito. Perdi quase tudo. (…)

Mas, alto lá! sou um tipo livre, intensamente livre, livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade), livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português. (…)

Nem quero vê-los a vocês, todos os dias! Ah! Não! Era o que me faltava! Vocês têm umas caras! Meu Deus, que caras que nós temos! Conhecem a minha? Vão vê-la ali ao canto, na folha rasgada do meu passaporte (sim, porque viagens ao estrangeiro (uma…) também já por cá passaram…) Viram? É horrível!… A mim, mete-me medo! Mas é uma cara de gente. E isso não é fácil.»


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As lições de uma crise

 


«Escrevo este artigo na noite de terça-feira, dia 3 de janeiro. Nos próximos dias vai ser discutida e votada na AR uma moção de censura e haverá um debate de urgência, pedidos, respetivamente, pelo IL e pelo PSD. Ambas as iniciativas são legítimas e normais em democracia, no quadro do exercício do direito de oposição, mesmo que não tenham consequências práticas. Não posso é concordar que haja razões para dissolver a AR ou demitir o Governo.

Temos um Governo eleito há menos de um ano com uma maioria absoluta robusta, que tomou posse há nove meses e cujo primeiro-ministro é o mesmo que venceu essas eleições enquanto líder do partido mais votado. A situação não é comparável com a que levou o Presidente Jorge Sampaio a dissolver a AR em 2004, mais de dois anos e meio volvidos sobre as eleições legislativas e quando tinha havido uma mudança de chefe do Governo.

É verdade que nestes meses de governação ocorreram várias situações criticáveis, de gravidade e natureza muito diversas, das quais resultaram uma dezena de demissões, culminando com a saída de Pedro Nuno Santos, cuja relevância política é inquestionável dentro e fora do PS. O Governo não será o mesmo sem ele, apesar de, como se conclui da escolha dos novos ministros, estes apenas irem executar o plano que ficou traçado.

Mas a maioria formada na AR mantém a sua legitimidade intacta e, por isso, nem a dissolução do Parlamento nem a demissão do Governo (que só pode ocorrer, nos termos da Constituição, quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas) são cenários credíveis no atual momento.

Acresce um outro aspeto fundamental: a interrupção da legislatura só faz sentido quando se afigura como provável um resultado diferente nas eleições subsequentes. Ora, de acordo com os dados que temos, essa condição não se verifica. E isto acontece em larga medida porque o principal partido da oposição critica o Governo mas nunca diz de forma clara e concreta o que faria de diferente. O PSD não tem propostas nem pensamento político para ser alternativa.

Dito isto, esta crise recente deveria fazer soar os alertas no Governo e no PS, porque, como é sabido, muitas vezes as eleições não são ganhas pelos partidos da oposição, mas sim perdidas pelos Governos.

A solução governativa proporcionada pelo PS não está esgotada, mas devem retirar-se lições do que correu mal até agora. Falta um desígnio ou desígnios claros. É preciso mais cuidado e mais humildade na gestão política e a definição de um modelo de crescimento económico mais eficiente e mais justo, com melhor distribuição da riqueza (que não se consegue apenas com apoios pontuais, por mais importantes que estes sejam). E sobretudo é preciso espírito reformista. Não para fazer as reformas que a direita preconiza e que se reconduzem quase sempre ao jargão “menos Estado”, mas sim as reformas que se esperam de um Governo socialista: tornar os serviços públicos e, em especial, o Serviço Nacional de Saúde mais eficientes, erradicar a pobreza, diminuir as diferenças de rendimentos e a desigualdade social, alterar a legislação laboral no sentido de proteger mais os trabalhadores e fortalecer a contratação coletiva, diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social e criar um mercado público de habitação. É para isto que serve a maioria absoluta do PS.»

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4.1.23

Para ministro, chega atrasado

 

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Debate na AR – 04.01.2023

 



Tenho estado a seguir o debate no Parlamento, que ainda dura, e estou chocada por várias razões. E a menor não é que a ministra que Costa enviou para representar o governo tenha esgotado o tempo a que tinha direito com o seu próprio discurso e para reagir aos «grandes» partidos, sem poder responder depois a todos os outros durante horas. O povo tem uma expressão para isto: esperteza saloia.

Entretanto, oiçam a Mariana Mortágua porque ela resume bem o estado da questão nos dias que correm.
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O PS que se cuide

 



Isto vai acabar mal, até para o PS.
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Um governo esgotado que não pode cair

 


«A oposição de direita está, compreensivelmente, excitada. Havia de vir o dia em que o Chega defenderia o regular funcionamento das instituições, a IL se indignaria com uma indemnização choruda para uma gestora e Luís Montenegro, que recebeu em ajustes diretos com as câmaras de Espinho e Vagos menos cem mil euros do que Alexandra Reis com a TAP, se transformaria no defensor da ética republicana. Esse dia chegou.

A IL, a viver uma luta interna pela sucessão e sem nada para dizer sobre uma crise em que todas as suas receitas sabem a cicuta, chegou-se à frente para ser protagonista de uma moção de censura que, ao fim de um ano de uma maioria socialista e quando todas as sondagens ainda dão vitória ao PS, não será mais do que uma medição de forças entre os partidos de direita. Se o PSD quisesse aproveitar, esta moção até lhe facilitava a vida, porque ele não pode apresentar uma moção inconsequente e (ainda) não pode aprovar uma do Chega. Preferiu a sinceridade da abstenção. Quanto ao governo, a moção de censura é apenas uma tentativa de marcar o momento em que o PS perdeu, simbolicamente, a maioria absoluta.

A comparação que alguns, a começar pelo próprio, têm feito com o governo de Pedro Santana Lopes não é só disparatada. É a demonstração de que não há crise política passada de que a direita consiga tirar alguma lição. Santana Lopes não caiu por causa dos seus disparates. Caiu porque nunca deveria ter sido primeiro-ministro. Um homem que nem para deputado tinha sido eleito recebeu o poder de outro que abandonou o país para ganhar a vida lá fora. O que faltava a Santana não era apenas tino. Era mínimos de legitimidade política. E isso foi evidente nas eleições seguintes, em que o PSD teve um dos piores resultados da sua história. António Costa, ele e não alguém que lhe tenha oferecido o poder, conquistou uma maioria absoluta há menos de um ano, ao fim de seis anos de poder. Mais legitimidade política é impossível.

Sim, esta maioria absoluta mostra sinais de instabilidade extraordinários, com onze demissões em apenas dez meses. E, teoricamente, é o governo mais estável desde que José Sócrates conquistou uma maioria absoluta. Seguramente mais estável do que a “geringonça” suportada pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. O que prova que a estabilidade política não depende das maiorias aritméticas, mas, antes de tudo, da estabilidade social que garantem. É por isso que os conservadores ingleses, com uma confortável maioria, trocam de primeiro-ministro como quem troca de camisa.

E dependem de um propósito. Costa tinha, durante a “geringonça”, um: reverter decisões socialmente injustas e economicamente absurdas impostas pela troika e apoiadas pelo PSD. Depois veio a pandemia, e tornou-se um governo de emergência sanitária. Perante a crise inflacionista, era o momento de demonstrar de que fibra política é feito António Costa. E não tem correspondido às espectativas de quem lhe deu maioria. Esse desencontro tende a sentir-se num crescente isolamento de quem governa.

É, no entanto, precipitado pensar que vem aí uma crise política. Como demonstrou a última, que deu uma maioria absoluta a quem acabava de cair, a função corretiva de uma crise política depende da existência de uma alternativa. A anterior pôs fim a uma “geringonça” que já tinha acabado pelo menos em 2019. A próxima só fará sentido quando servir para mudar de ciclo político, garantido a alternância de poder.

Para isso, é preciso que a alternativa exista. E essa alternativa depende de um líder convincente, que Luís Montenegro está muito longe de ser. De um distanciamento em relação ao Chega que permita ao centro moderado votar no PSD sem medo – ou de uma normalização da extrema-direita, que levará tempo. E de um programa alternativo, que a direita não tem ao que esta maioria absoluta oferece. Por isso, a crise social se manifesta em pequenos ou grandes escândalos, distantes dos problemas das pessoas. É a única coisa em que confronto político se pode dar. No resto, PSD e PS estão, neste momento, de acordo.

Se por acaso houvesse uma crise política sem que estas condições estivessem satisfeitas, o mais provável é que acontecesse o que aconteceu noutros países: uma desestruturação do sistema político, a incapacidade de construir uma alternativa, a sucessão de crises que levam à decadência do regime e um impasse bastante perigoso. Podem, por isso, apresentar as moções de censura que entenderem. É indiferente. Se a direita quer ser alternativa não lhe chegam os casos de uma maioria absoluta. Eles são sintoma de um governo que provavelmente só ainda subsiste porque nada existe para tomar o seu lugar. Está esgotado, mas não pode cair.»

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3.1.23

Conchas

 


Arte Nova com conchas, neste caso de Nautilus, 1900.
Atribuído a Moritz Haker.


Daqui.
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A Fuga – Peniche, 03.01.1960

 


Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Francisco Martins Rodrigues, Francisco Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro Soares e Rogério de Carvalho fugiram da Fortaleza de Peniche, em 3 de Janeiro de 1960, numa iniciativa absolutamente espectacular.

«Mesmo que, por qualquer motivo, a fuga tivesse sido abortada na sua segunda fase – o trajecto para os esconderijos na zona de Lisboa -, nem por isso deixaria de poder ser considerada um enorme sucesso político para o PCP e um momento alto contra o regime de Salazar. Poucas fugas de carácter político se lhe podem comparar, mesmo incluindo as mais célebres fugas ocorridas durante a II Guerra Mundial. Na história do movimento comunista, é um acontecimento ímpar.»
José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal. Uma Biografia Política. O Prisioneiro (1949-1960), volume 3, p.724.

(Desenho de Margarida Tengarrinha, onde pode ser visto o percurso da fuga.)


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2023

 


Estamos nas mãos de duas pessoas: Marcelo e Costa. Um não pára, outro não anda.
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Um governo em circuito fechado

 


«Quando se esperava um golpe de asa para superar a indecorosa crise da indemnização a Alexandra Reis, o primeiro-ministro foi igual a si próprio e escolheu a banalidade do óbvio. Entra João Galamba para o lugar de Pedro Nuno Santos, Marina Gonçalves sobe a ministra e muda-se o suficiente para que tudo permaneça na mesma. A sensação de que o Governo navega à vista, que não arrisca, que não consegue recrutar para lá do aparelho do PS, que prefere o conforto prudente dos pequenos equilíbrios à incerteza do rasgo e da visão, confirmou-se: habituemo-nos, pois, ao conformismo.

Na grelha de avaliação que o Presidente da República criou na mensagem de fim de ano para determinar o que “enfraquece ou esvazia” a estabilidade do Governo, as escolhas de Costa passam com suficiente menos. Marina Gonçalves dá resposta a “erros de orgânica” – a habitação merece um ministério; as nomeações são neutras quanto à “descoordenação”; mantêm activas as tropas de Pedro Nuno Santos para evitar a “fragmentação interna”; mas não respondem aos perigos da “inacção” ou, talvez, da “descolagem da realidade”.

Quando o Governo mais precisava de abrir as janelas e deixar entrar ar, quando lhe interessava fazer prova da sua força junto da sociedade civil, António Costa andou ao contrário. Rapou o tacho e, como seria de esperar, encontrou socialistas. Em vez de académicos ou gestores com provas dadas nas obras públicas ou nos transportes, tratou de dar a mão a dois apoiantes de Pedro Nuno Santos para manter os equilíbrios internos. A paz da tribo antes da eficiência, o cartão do PS antes do currículo.

Não sabemos se o fez por opção ou por falta de alternativas. A subida de Marina Gonçalves, vá lá, percebe-se, mas o risco da escolha de Galamba é enorme. Pegar num jovem secretário de Estado da Energia, sem mundo nem vida na gestão, para o levar para o ninho de vespas da TAP, ou para gerir milhares de milhões de euros na ferrovia ou no novo aeroporto é jogar na roleta. Não se trata de depreciar o valor de Galamba, que na Energia desfez muitas dúvidas. Trata-se de ler a sua biografia profissional. E de constatar que lhe falta saber técnico ou estatuto para as Obras Públicas.

O pior para António Costa, para o Governo e para o país é que esta é a percepção que paira no ar. Ninguém acredita que, depois do regabofe da TAP, o desgaste do Governo se resolva com escolhas que transpiram comodismo, resignação, falta de opção ou enfado. O pior do “habituem-se” de António Costa é mesmo essa terrível sensação de que a maioria vive numa bolha e respira apatia. Ele quer mesmo chegar ao fim da legislatura?»

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2.1.23

Ucrânia: o discurso

 

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Decisão para 2023

 


Vou, decididamente, interessar-me mais por moda – um domínio que aqueles que me conhecem sabem ser uma das minhas indiferenças de estimação.

Vem isto a propósito de umas solas vermelhas dos sapatos que Alexandra Reis, a ex-secretária de Estado que tantos traumas provocou recentemente, calçou na tomada de posse do cargo que exerceu, efemeramente, no actual governo. Serão obra de Christian Louboutin e custarão uns 645 euros (não só as solas, espero, mas os dois sapatos).

Será que esta nova informação, que até já chegou aos OCS («Observador» incluído), poderá constituir mais um elemento para explicar o que falta revelar? Dois ministros e vários secretários de Estado sabiam o preço dos sapatos, embora não soubessem o valor da indemnização? Virão dizer que ignoravam? Cenas dos próximos capítulos.
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A tomada de posse

 

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Com Santos livre, a vida de Costa será mais difícil

 


«Sobre as razões próximas que obrigavam Pedro Nuno Santos a assumir plenamente a responsabilidade política da indeminização da Alexandra Reis – e sobre o caso propriamente dito – já escrevi no sábado. O risco de ficar no governo, responsabilizando o secretário de Estado que ainda por cima lhe é tão próximo, era insuportável.

Depois de António Costa o ter humilhado por causa do aeroporto e de ter ficado a sensação, para muitas pessoas, que ele aceitava essa posição subalterna para não se afastar do poder, a sua permanência no governo iria reforçar a ideia de estar agarrado ao lugar e destruir o seu carácter. Deste ponto de vista, sair neste caso foi melhor do que ter saído no anterior, de cabeça baixa depois de um raspanete do primeiro-ministro. Não sai fortalecido, é óbvio. Mas sai assumindo as responsabilidades políticas do que se passa no seu ministério, coisa que Costa nunca faz em relação ao que se passa no seu governo.

Sendo inevitável a saída, seria melhor que acontecesse por discordâncias políticas com a linha do governo, que suspeito que serão imensas. Ao contrário do governo da “geringonça”, de que era a alma, Pedro Nuno Santos era um corpo estranho numa maioria absoluta totalmente inclinada à direita. Este governo podia matar, para sempre, o seu futuro político.

A permanência de Pedro Nuno Santos no governo seria a morte do seu caracter, porque António Costa nunca desistiria de o fragilizar, testando todos os seus limites. E não se pode dizer que, quando testa limites dos outros, Costa tenha a arte da subtileza. E seria a morte do seu programa, porque corresponde a tudo aquilo a que ele se tem oposto.

Ao contrário de Costa, Pedro Nuno Santos tem um programa. Não estou certo que, se tiver condições, o vá aplicar. Os governantes são como as melancias, só os conhecemos depois de os abrirmos. Mas neste momento, e só este momento conheço, acredito que o tenha e o queira aplicar. Se alguma coisa tem sido negativa para Pedro Nuno Santos, para além de alguma fanfarronice que o tempo e as tareias da política vão corrigindo, é a querer ver coisas feitas. Por isso, as pessoas das áreas que tutelou costumam gostar dele. E, por isso, foi tropeçando na pressa com que quis fazer as coisas, sem cautelas políticas. Nisso é o oposto de Costa, que tem a cautela de não fazer muitas coisas para não tropeçar nelas.

Claro que Pedro Nuno Santos, longe do governo, perde boa parte do poder no aparelho do PS – é desse poder que António Costa sempre teve algum medo. E perde a possibilidade de fechar o dossier da TAP o mais decentemente possível (se nada tivesse sido feito e a TAP falisse não teríamos de lidar com crises deste género, só com as lentas consequências económicas de perder o hub, e por essas nunca ninguém cai) e pôr em prática o seu ambicioso programa de relançamento da ferrovia.

Quem for para o Ministério tratará de ser, suspeito, alguém que não faça ondas e desenterre mais uns casos para acabar o único serviço que, nessa área, interessa a Costa: enterrar o homem que se atreveu a falar como um líder quando ele não tinha “posto os papeis para a reforma”. Essa é a verdadeira razão para o ódio de Costa, que só consegue lidar com quem lhe diga que sim ou nunca lhe faça sombra. Não está sozinho nessa pequenez das lideranças sem programa.

António Costa preferia ter ficado com Pedro Nuno Santos no governo. Frágil, com o dossier do aeroporto arrancado das suas mãos, para perdermos uns anos com o deliro de Santarém, e a ser torrado no dificílimo (mas indispensável) objetivo de salvar a TAP. Assim, aquele que continua a ser o dirigente socialista melhor colocado para a sua sucessão pairará, como Alexandra Leitão, mas com mais impacto político dentro e fora do PS.

Se o governo correr bem, Pedro Nuno Santos estará longe do poder e perderá esta oportunidade. Mas tem 45 anos, muito tempo para regressar e enfrentar quem venha a suceder a Costa. Se correr mal, e há tanto por onde correr mal, estará fora, pronto para assumir um caminho alternativo para os socialistas.

Ninguém dirá que qualquer desavença política com Costa é fruto do ressentimento, porque toda a gente sabe o que politicamente os divide o desde o dia em que a “geringonça” acabou. O que para um foi um expediente para segurar o poder, para outro foi um projeto político. E isso, naquele que pode vir a ser o governo mais à direita liderado por socialistas – de tal forma que a direita só lhe consegue fazer oposição com base neste tipo de casos –, faz toda a diferença.

Pedro Nuno Santos nem precisa de falar. Basta que gente próxima dele fale para ser ele a dizê-lo. Basta ali estar, sentado na bancada parlamentar. Basta andar pelo PS que tão bem conhece. António Costa estará fechado no seu núcleo duro, cada vez mais apertado, com cada vez mais familiares, cada vez mais preso à sua impaciência. Sendo hoje quase impossível imaginar este governo renascer de uma maioria absoluta sem propósito nem programa para durar até 2026.»

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1.1.23

Biombos

 


Biombo para lareira Arte Nova, decorado com papoilas e milho, França, cerca de 1900.

Daqui.
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Chico - Ano Novo

 


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Fernando Pessoa

 

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Efemérides

 


No primeiro dia do ano, era por volta do meio dia que abríamos o rádio para não perdermos a pérola do ano que Américo Tomás nos oferecia. Há 54 anos, foi esta.
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