«Sobre as razões próximas que obrigavam Pedro Nuno Santos a assumir plenamente a responsabilidade política da indeminização da Alexandra Reis – e sobre o caso propriamente dito – já escrevi no sábado. O risco de ficar no governo, responsabilizando o secretário de Estado que ainda por cima lhe é tão próximo, era insuportável.
Depois de António Costa o ter humilhado por causa do aeroporto e de ter ficado a sensação, para muitas pessoas, que ele aceitava essa posição subalterna para não se afastar do poder, a sua permanência no governo iria reforçar a ideia de estar agarrado ao lugar e destruir o seu carácter. Deste ponto de vista, sair neste caso foi melhor do que ter saído no anterior, de cabeça baixa depois de um raspanete do primeiro-ministro. Não sai fortalecido, é óbvio. Mas sai assumindo as responsabilidades políticas do que se passa no seu ministério, coisa que Costa nunca faz em relação ao que se passa no seu governo.
Sendo inevitável a saída, seria melhor que acontecesse por discordâncias políticas com a linha do governo, que suspeito que serão imensas. Ao contrário do governo da “geringonça”, de que era a alma, Pedro Nuno Santos era um corpo estranho numa maioria absoluta totalmente inclinada à direita. Este governo podia matar, para sempre, o seu futuro político.
A permanência de Pedro Nuno Santos no governo seria a morte do seu caracter, porque António Costa nunca desistiria de o fragilizar, testando todos os seus limites. E não se pode dizer que, quando testa limites dos outros, Costa tenha a arte da subtileza. E seria a morte do seu programa, porque corresponde a tudo aquilo a que ele se tem oposto.
Ao contrário de Costa, Pedro Nuno Santos tem um programa. Não estou certo que, se tiver condições, o vá aplicar. Os governantes são como as melancias, só os conhecemos depois de os abrirmos. Mas neste momento, e só este momento conheço, acredito que o tenha e o queira aplicar. Se alguma coisa tem sido negativa para Pedro Nuno Santos, para além de alguma fanfarronice que o tempo e as tareias da política vão corrigindo, é a querer ver coisas feitas. Por isso, as pessoas das áreas que tutelou costumam gostar dele. E, por isso, foi tropeçando na pressa com que quis fazer as coisas, sem cautelas políticas. Nisso é o oposto de Costa, que tem a cautela de não fazer muitas coisas para não tropeçar nelas.
Claro que Pedro Nuno Santos, longe do governo, perde boa parte do poder no aparelho do PS – é desse poder que António Costa sempre teve algum medo. E perde a possibilidade de fechar o dossier da TAP o mais decentemente possível (se nada tivesse sido feito e a TAP falisse não teríamos de lidar com crises deste género, só com as lentas consequências económicas de perder o hub, e por essas nunca ninguém cai) e pôr em prática o seu ambicioso programa de relançamento da ferrovia.
Quem for para o Ministério tratará de ser, suspeito, alguém que não faça ondas e desenterre mais uns casos para acabar o único serviço que, nessa área, interessa a Costa: enterrar o homem que se atreveu a falar como um líder quando ele não tinha “posto os papeis para a reforma”. Essa é a verdadeira razão para o ódio de Costa, que só consegue lidar com quem lhe diga que sim ou nunca lhe faça sombra. Não está sozinho nessa pequenez das lideranças sem programa.
António Costa preferia ter ficado com Pedro Nuno Santos no governo. Frágil, com o dossier do aeroporto arrancado das suas mãos, para perdermos uns anos com o deliro de Santarém, e a ser torrado no dificílimo (mas indispensável) objetivo de salvar a TAP. Assim, aquele que continua a ser o dirigente socialista melhor colocado para a sua sucessão pairará, como Alexandra Leitão, mas com mais impacto político dentro e fora do PS.
Se o governo correr bem, Pedro Nuno Santos estará longe do poder e perderá esta oportunidade. Mas tem 45 anos, muito tempo para regressar e enfrentar quem venha a suceder a Costa. Se correr mal, e há tanto por onde correr mal, estará fora, pronto para assumir um caminho alternativo para os socialistas.
Ninguém dirá que qualquer desavença política com Costa é fruto do ressentimento, porque toda a gente sabe o que politicamente os divide o desde o dia em que a “geringonça” acabou. O que para um foi um expediente para segurar o poder, para outro foi um projeto político. E isso, naquele que pode vir a ser o governo mais à direita liderado por socialistas – de tal forma que a direita só lhe consegue fazer oposição com base neste tipo de casos –, faz toda a diferença.
Pedro Nuno Santos nem precisa de falar. Basta que gente próxima dele fale para ser ele a dizê-lo. Basta ali estar, sentado na bancada parlamentar. Basta andar pelo PS que tão bem conhece. António Costa estará fechado no seu núcleo duro, cada vez mais apertado, com cada vez mais familiares, cada vez mais preso à sua impaciência. Sendo hoje quase impossível imaginar este governo renascer de uma maioria absoluta sem propósito nem programa para durar até 2026.»
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