O texto de Mia Couto não é recente, mas não o conhecia e recebi-o hoje por mail:
Era uma vez uma porta que, em Moçambique, abria para Moçambique. Junto da
porta havia um porteiro. Chegou um indiano moçambicano e pediu para passar. O
porteiro escutou vozes dizendo:
- Não abras! Essa gente tem mania que passa à frente!
E a porta não foi aberta. Chegou um mulato moçambicano, querendo entrar. De novo, se escutaram protestos:
E a porta não foi aberta. Chegou um mulato moçambicano, querendo entrar. De novo, se escutaram protestos:
- Não deixa entrar, esses não são a maioria.
Apareceu um moçambicano branco e o porteiro foi assaltado por protestos:
-Não abre! Esses não são originais!
E a porta não se abriu. Apareceu um negro moçambicano solicitando passagem.
E logo surgiram protestos:
- Esse aí é do Sul! Estamos cansados dessas preferências…
E o porteiro negou passagem. Apareceu outro moçambicano de raça negra,
reclamando passagem:
- Se você deixar passar esse aí, nós vamos-te acusar de tribalismo!
O porteiro voltou a guardar a chave, negando aceder o pedido.
Foi então que surgiu um estrangeiro, mandando em inglês, com a carteira cheia
de dinheiro. Comprou a porta, comprou o porteiro e meteu a chave no bolso.
Depois, nunca mais nenhum moçambicano passou por aquela porta que, em
tempos, se abria de Moçambique para Moçambique.
Mia Couto, O País do Queixa-Andar, 2003.
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