15.2.14

A Porta



O texto de Mia Couto não é recente, mas não o conhecia e recebi-o hoje por mail:

Era uma vez uma porta que, em Moçambique, abria para Moçambique. Junto da porta havia um porteiro. Chegou um indiano moçambicano e pediu para passar. O porteiro escutou vozes dizendo:
- Não abras! Essa gente tem mania que passa à frente!

E a porta não foi aberta. Chegou um mulato moçambicano, querendo entrar. De novo, se escutaram protestos:
- Não deixa entrar, esses não são a maioria.

Apareceu um moçambicano branco e o porteiro foi assaltado por protestos:
-Não abre! Esses não são originais!

E a porta não se abriu. Apareceu um negro moçambicano solicitando passagem. E logo surgiram protestos:
- Esse aí é do Sul! Estamos cansados dessas preferências…

E o porteiro negou passagem. Apareceu outro moçambicano de raça negra, reclamando passagem:
- Se você deixar passar esse aí, nós vamos-te acusar de tribalismo!

O porteiro voltou a guardar a chave, negando aceder o pedido.

Foi então que surgiu um estrangeiro, mandando em inglês, com a carteira cheia de dinheiro. Comprou a porta, comprou o porteiro e meteu a chave no bolso.

Depois, nunca mais nenhum moçambicano passou por aquela porta que, em tempos, se abria de Moçambique para Moçambique.

Mia Couto, O País do Queixa-Andar, 2003.
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1 comments:

Rogério G.V. Pereira disse...

Conhecemos esse inglês
também passou por aqui, uma vez