29.10.16

Tintim oferece-nos 1 hora


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29.10.1929 – Black Tuesday



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Há 80 anos, a chegada ao Tarrafal



No dia 29 de Outubro de 1936, chegaram à Colónia Penal do Tarrafal, criada por Salazar alguns meses antes, os primeiros 153 deportados. Mais exactamente, desembarcaram no local onde eles próprios foram obrigados a construir o campo de concentração que os encarceraria. Durante a existência deste «Campo da Morte Lenta», por lá ficaram 32 vidas, 32 pessoas cujos corpos só foram transladados para Lisboa em 1978.

Encerrado em 1954, devido a pressões internas e internacionais, o Campo foi reaberto na década de 60 (e permaneceu ativo até ao 25 de Abril), com o nome de «Colónia Penal de Chão Bom», para albergar os lutadores pela independência de Angola, Guiné e Cabo Verde.


1978 - transladação e cortejo para o cemitério do Alto de S. João, em Lisboa: 


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A isto, chama-se o quê?




A «selva» de Calais foi arrasada, mas não acabou: pela segunda noite, os menores não acompanhados, que lá ficaram, dormiram ao relento. Que mundo é este, que Europa é esta? 
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Coisas importantes, coisas menos importantes e coisas nulas



José Pacheco Pereira, no Público de hoje, aborda várias questões. Escolho algumas:

«2. É-me incompreensível que gestores de um banco do Estado, mesmo com o bizarro acordo feito para não os equiparar a gestores públicos, não tenham de apresentar a declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional. Sou, por outro lado, muito menos crítico dos salários que lhes pagam — sempre achei que se devia pagar salários competitivos em várias áreas do Estado e do governo, quando as funções são muito complexas e especializadas e exigem conhecimentos e experiência que só existe no sector privado. Prefiro que se recrutem os melhores, porque, se o forem, poupam-nos muito mais do que aquilo que ganham. Mas estes salários milionários implicam responsabilidades acrescidas pelos resultados e, como se faz no privado, deveriam estar indexados a esses resultados.

Não sei muito bem que condições colocaram para aceitar o lugar, e se nessas condições se incluía a não obrigação de declarar os seus rendimentos, mas se foi assim foi um erro do ministro e um erro de avaliação próprio. Será apenas uma questão de tempo, até terem de o fazer a bem ou a mal.

3. A viagem do Presidente Marcelo a Cuba é puramente lúdica. Ele queria tirar uma fotografia com Fidel antes de este morrer, o que para um anticomunista como Marcelo é muito interessante de analisar do ponto de vista psicológico. Na verdade, é uma selfie de famoso com famoso, embora a dimensão das famas e o seu conteúdo sejam muito diferentes. (…)

5. Querer saber onde está Mário Nogueira para o picar para sair para a rua com a Fenprof. Querer humilhar o PCP e o BE “por estarem tão mansinhos” e picá-los para quebrarem com fragor a “paz social”. Queixar-se de que não há manifestações e chorar de saudades pela desocupação do espaço em frente das escadarias da Assembleia. Apelar à CGTP para que faça greves e motins como fazia “antes”. Dizer com mágoa, como Marques Mendes, “quem os viu e quem os vê”, com saudades de “quem os viu”. A lista do ridículo seria interminável. Ó homens! Eles têm uma coisa muito mais importante do que a rua — ganharam poder político. Ó homens! E, muito mais do que isso, têm poder político para ajudar melhor a “rua” do que se viessem para a rua. Aliás, é isso mesmo que, dia sim, dia não, vocês dizem. Então, em que ficamos? “Quem governa é o BE”, ou o “PS meteu-os no bolso”? Não foram “eles” que perderam poder, foram vocês. E sempre podem ocupar o vazio da rua e das manifestações, está lá à disposição. E não há causas mobilizadoras? Ou não há gente?

6. Sócrates é o pior da política portuguesa e que possa continuar a fazer política pelos intervalos da chuva mostra bem como existe uma degradação da vida política e como isso é indiferente aos partidos, neste caso a começar pelo PS. Eu nem sequer estou a escrever isto pressupondo que ele seja culpado das graves acusações que lhe fazem — isso é para outro foro e até lá existe a presunção de inocência. Não é por isso, é por tudo o resto. Pagou ou não ao “Abrantes” (e o PS veja lá se não continua a ter outros “Abrantes” em funções...)? Escreveu ou não os livros que têm o seu nome ou encomendou-o a um nègre? Comprou ou fez comprar milhares de livros seus para fazer subir a obra nos tops? Para cada uma destas acusações que não envolvem necessariamente crimes, uma vez explicada a origem do dinheiro, está-se perante um homem que vive e respira na mentira e que envenena o poço da nossa república. Sócrates é o exemplo vivo de alguém que mostra todos os dias como os partidos políticos são mais sensíveis à dissidência e ao delito de opinião do que a reiteradas “más práticas”, isto para usar um eufemismo.» 
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28.10.16

Desfecho cristalino




Perdeu a ONU para Guterres? Ganha na conta bancária. Estava escrito nas estrelas que lhe dariam um rico futuro.
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Muito bem, Itália e Grécia




No momento em que a Comissão está a rever o orçamento da EU, os primeiros-ministros italiano e grego avisam o V4 (Polónia, República Checa, Eslováquia e Hungria) que vetarão o acesso daqueles países a fundos estruturais se não aceitarem refugiados.

Respect. Refugiados são mais importantes que décimas de déficits. 
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Quando se é tonta…



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Ein Zug de Chelas



«O ministro das Finanças da Alemanha voltou a atacar o Governo: "Portugal estava a ir bem até chegar este Governo".

Temos sorte em Schäuble não ter vindo dizer que o Deutsche Bank está como está desde que chegou o Governo de Costa. Schäuble tem mesmo uma obsessão connosco. Uma embirração que eu não sei se não terá a ver com a calçada portuguesa.

Diz o ministro das Finanças alemão que este Governo não está a cumprir as promessas que o anterior fez. É exactamente por isso, shor Schäuble, que existe este Governo. Primeiro, porque as promessas que o anterior Governo lhe fez eram diferentes das que o anterior Governo nos tinha feito, antes de vencer as eleições. Segundo, porque como as promessas que esse Governo lhe fez não prometiam nada de bom, na primeira oportunidade, mudámos para outro. Chama-se alternância. É próprio da democracia e tenho o palpite que, em breve, o senhor Schäuble vai sentir isso na pele. Alguém sabe como é que se diz "ide marrar com o comboio de Chelas" em alemão? (…)

O mais curioso, neste ataque ao Governo actual, e defesa do anterior, é que se por acaso Schäuble se lembra de ligar agora a televisão, do bunker onde mora, no nosso Canal Parlamento e vê Passos e Cristas a pedirem para este Governo aumentar as pensões mais baixas, vai ter uma surpresa e só não tem um ataque cardíaco por ausência do órgão.

Segundo as minhas recordações, para a troika schaubliana da austeridade, as pensões eram para ficar todas congeladas até ao fim do século ou, numa hipótese mais remota, até a GNR conseguir apanhar o Piloto. Em relação a este último assunto, eu desconfio que a PSP e a GNR ainda não apanharam o fugitivo de Aguiar da Beira de propósito, porque o Estado, este ano, espera obter uma maior receita fiscal com imposto sobre cartuchos.»

João Quadros

27.10.16

Calais e os autocarros para transporte de refugiados



Assentos de autocarros envoltos em plástico para esvaziar Calais e encaminhar os refugiados para novos locais. Degradante? Estalou a polémica, em França e não só, mas ninguém quer assumir a responsabilidade pela decisão.


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João Lobo Antunes



No dia da sua morte, a Visão republicou hoje um belo texto de António Lobo Antunes:

O meu irmão João

Lá vai o português



Pensando ainda em José Cardoso Pires que ontem recordei, «ressuscito» um texto que nunca me canso de reler. Está lá tudo, estamos lá todos.

Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa.

Lá vai o português, lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio – índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos.

No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma poderia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero, ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu com muita honra. E nisso não é como o coral que faz pé-firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo, que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. (De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda.)

Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História.

Chega-se a perguntar: está vivo? E claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado.

Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e de calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar.

É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos.

Assim, como?

José Cardoso Pires, E agora, José?, Moraes Editores, 1977. 
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Era eu menino e moço quando a juventude apareceu



Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje, delirante como é hábito, sobre diferenças geracionais no uso de certos termos e a história de um gato que matou uma cobra e não uma criancinha.

Texto AQUI
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Do nosso homem em Havana


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Pobreza e corrupção



«En 2009 eran casi 11 millones y medio quienes sufrían pobreza en España, pero hoy son casi 1.800.000 personas pobres más que hace seis años, según informe sobre el estado de la pobreza de la Red Europea de Lucha contra la Pobreza en España (EAPN).

Vamos hacia atrás como los cangrejos y por eso ya hay cerca de catorce millones de personas en riesgo de pobreza y exclusión social de algo más de 46 millones y medio de habitantes en España. Mucha gente. Y aumentando.

Recordemos, según parámetros de la UE, que ser pobre es tener ingresos tan escasos que no alcanzan para una vida digna. Por eso numerosos comedores solidarios y entidades como Caritas han doblado y triplicado sus servicios para proporcionar con regularidad alimentos a la gente. Porque hay gente que pasa hambre. Ser pobre es también no poder pagar la hipoteca o alquiler todos los meses, la luz ni el gas porque el poco dinero se acaba enseguida. También es pobreza no poder comer carne, pollo o pescado tres veces a la semana porque no alcanza el dinero. Ni poder mantener en invierno la vivienda a temperatura adecuada. Ni poder tener teléfono, televisor o lavadora… Y, como dijo Ban Ki Mon, secretario general de la ONU, ser pobre también es no disponer de vivienda digna ni tener acceso a servicios de salud o que sean limitados, ni poder acceder a una educación en condiciones y que las personas dependientes no reciban ayuda… Eso es pobreza.

Entre las razones de la creciente pobreza en países desarrollados como España está la nefasta política de austeridad impuesta que ha rebajado el estado de bienestar. Más los vigentes sistemas de impuestos injustos, regresivos e insuficientes en indiscutible beneficio de las élites. Y, con la injusticia fiscal, corrupción. Corrupción que en este país cuesta algo más de 87.000 millones de euros anuales según la Cámara Nacional de Mercados y Competencia; cifra confirmada por algunas universidades. Dinero desvalijado por corruptos que provocan pobreza que aumenta entre nosotros.

En la vieja y desnortada Europa a final de 2015, según Eurostat, oficina estadística de la Unión Europea, había 119 millones de europeos pobres o en riesgo de exclusión social. Casi un 24% de población, casi la cuarta parte.»

Xavier Caño Tamayo

26.10.16

A «lata» de Sócrates


José Sócrates foi hoje entrevistado na TVI, a propósito do livro que vai agora lançar. A páginas tantas, acontece este diálogo:

- Judite de Sousa: António Costa é um líder carismático?
- José Sócrates: António Costa é um líder em formação.

Só me ocorre uma expressão popular quanto à resposta dada por JS: é preciso ter lata! E falta de vergonha na cara, também.
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Dica (423)

Wolfgang Schäuble




O homem tem 74 anos. Não será altura de gozar uma sossegada reforma e deixar os outros em paz? Já chega, não?
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José Cardoso Pires morreu num 26 de Outubro



Foi-se embora em 26 de Outubro de 1998. Dezoito anos passam bem mais depressa do que se pensa quando se é jovem, pesam muito quando a vida vai avançando. O Zé continua a fazer-me falta como amigo e dou por mim a imaginar o que escreveria sobre o Portugal de hoje, se ainda fosse vivo. Não estaria certamente muito entusiasmado.

Em jeito de homenagem, retomo um belo texto que uma das suas filhas, Ana Cardoso Pires, leu em 10.03.2008 na Biblioteca Nacional, na cerimómia de entrega de parte do espólio do pai àquela instituição.

«Há pouco, sentada no escritório do Zé, em casa da minha mãe, no meio de caixotes e pastas que ele não conheceu, recordava outros escritórios do Zé. Aqueles que ele enchia de fumo; de papéis pelo chão; de chá com limão, de água ou leite gelados; de prolongados silêncios; de ataques de mau génio. Mas sobretudo de memórias.

No escritório do Zé, raramente entravam amigos e copos de uísque. Era um espaço concentracionário, incaracterístico, independente, onde mantinha engaiolados os demónios da escrita, que se empenhava em domar ou provocar, conforme as marés.

O escritório do Zé ainda hoje existe – e ele nem o conheceu na sua localização actual e na versão estaleiro de obras. No entanto, estou certa de que o reconheceria sem hesitações: uma grande janela, por onde entram vozes anónimas em diálogos longínquos, e as estantes transbordando de livros e papéis de muitas memórias.

O escritório do Zé mudou várias vezes de espaço físico. Sempre com o mesmo desprendimento pela qualidade do mobiliário, sucessivamente recauchutado por ele próprio para se adaptar a necessidades de momento. Pormenores. Permanecia o importante: os livros e os papéis de apoio da memória.

Por isso, o que hoje nos traz aqui, a cerimónia a que assistimos, foi o lançamento da primeira pedra do novo escritório do Zé. Agora com estantes novas e aberto a quem o queira conhecer. Através dos livros e papéis da sua memória.

E como nos dias de festa, cantam as nossas almas: p’ró menino José, uma salva de palmas.» 
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Ele aí está. Bem-vindo!



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Gestores que não nos envergonhem



«Um dos argumentos que tem sido avançado por alguns comentadores para justificar o elevado salário de António Domingues como presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos (423 mil euros por ano + prémios) tem sido o de que, se se pagar bem a um gestor, é menos provável que ele roube e, se lhe pagarmos muito bem, é muito menos provável que ele roube.

O pagamento de um salário elevado seria assim, essencialmente, não uma forma de compensar competências extraordinárias e muito menos uma forma de premiar resultados excepcionais, mas uma espécie de acção preventiva de racket… mas exactamente com o mesmo efeito do racket propriamente dito: pagar à cabeça a alguém para evitar os dissabores que esse alguém pode vir a causar caso não receba o pagamento. (…)

Nada indica que os salários elevados previnam os eventuais desvios à lei e à moral, tal como nada sugere que pagar salários menos principescos aos gestores promova o seu comportamento criminoso. E, mesmo que assim fosse, não seria de bom conselho que a República se vergasse à chantagem.

Posto isto, as razões em geral invocadas para justificar os salários de luxo de alguns gestores públicos são a justa retribuição de uma elevadíssima competência e a referência do mercado.

Penso que os salários pagos aos políticos deveriam ser mais elevados (ainda que o momento actual não seja propício nem para esse debate nem para adoptar essa medida) mas, mesmo assim, por razões de mercado a que não podemos fugir, acho aceitável que os salários dos gestores públicos excedam os dos políticos. O que me parece imprescindível é que os limites sejam claramente definidos no Estatuto do Gestor Público em vez da existência do actual subterfúgio, que define uma excepção que acaba por abranger praticamente todos os casos.

E o que me parece fundamental na nomeação de gestores públicos é que a escolha recaia não só sobre pessoas competentes mas sobre pessoas que reconhecem e assumem o papel específico de serviço público dessa função - e não são apenas seduzidos pelos salários de luxo. O que é preocupante no caso de António Domingues não é o facto de ter exigido o mesmo salário que auferia no BPI, mas o facto de ter exigido esse salário não para ficar a ganhar o mesmo que ganhava antes mas para o somar àquela que será a sua pensão de reformado do BPI.

As empresas públicas exigem gestores com maior abnegação e um grau superior de compromisso com a causa pública. Gestores de que nos possamos orgulhar e que não nos envergonhem.»

25.10.16

Para acabar o dia


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Dica (422)




«Weak on Putin, absent in Syria, baffled by the eurozone — now it can’t do trade deals.»
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Coisas sólidas e verdadeiras



Quando, há alguns dias, recordei os quatro anos que passaram desde que Manuel António Pina morreu, encontrei o que terá sido a última crónica que publicou no Jornal de Notícias, perdida agora no mundo dos links que deixam de funcionar.

Coisas sólidas e verdadeiras (01.08.2012)

«O leitor que, à semelhança do de O'Neill, me pede a crónica que já traz engatilhada perdoar-me-á que, por uma vez, me deite no divã: estou farto de política! Eu sei que tudo é política, que, como diz Szymborska, "mesmo caminhando contra o vento/ dás passos políticos/ sobre solo político". Mas estou farto de Passos Coelho, de Seguro, de Portas, de todos eles, da 'troika', do défice, da crise, de editoriais, de analistas!

Por isso, decidi hoje falar de algo realmente importante: nasceram três melros na trepadeira do muro do meu quintal. Já suspeitávamos que alguma coisa estivesse para acontecer pois os gatos ficavam horas na marquise olhando lá para fora, atentos à inusitada actividade junto do muro e fugindo em correria para o interior da casa sempre que o melro macho, sentindo as crias ameaçadas, descia sobre eles em voo picado.

Agora os nossos novos vizinhos já voam. Fico a vê-los ir e vir, procurando laboriosamente comida, os olhos negros e brilhantes pesquisando o vasto mundo do quintal ou, se calha de sentirem que os observamos, fitando-nos com curiosidade, a cabeça ligeiramente de lado, como se se perguntassem: "E estes, quem serão?" Em breve nos abandonarão e procurarão outro território para a sua jovem e vibrante existência. E eu tenho uma certeza: não, nem tudo é política; a política é só uma ínfima parte, a menos sólida e menos veemente, daquilo a que chamamos impropriamente vida.» (Realce meu.) 
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Vaticano. Não, não é Imprensa Falsa




O link para o site do Vaticano funciona e vai ter a um texto que eu já esperava não ser possível ler no ano da graça de 2016. Ainda bem que me tornei ateia, graças a deus.
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Tudo bons rapazes



«A lei proposta pelo Governo e apoiada pelo PS é inaceitável, já que exclui os gestores do Estatuto do Gestor Público e retira qualquer limitação aos salários. Mas a anterior lei do PSD não resolvia o problema: os gestores podiam receber a média dos últimos três anos. Ou seja, se Mexia fosse contratado para a Caixa, a lei do PSD permitia que viesse a receber 2,5 milhões por ano.»
Mariana Mortágua
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O mágico de Oz e a CGD



«O mágico de Oz vive de equívocos: foi levado por um balão desgovernado para ali, onde finge ser um poderoso feiticeiro a partir dos múltiplos truques que cria.

Assim governa Oz, até que surge a menina Dorothy. Para realizar o sonho desta, regressar a casa, o mágico tem de regressar ao mundo real. E deixar-se de ilusões. É este o dilema actual de Passos Coelho. Esperou durante um ano, de calculadora na mão, que o Governo caísse, por acção externa ou interna. Não desabou porque quer a política, quer a economia, não são ciências exactas. Durante todo esse tempo as intervenções importantes de Passos Coelho podem ser sintetizadas em sete entradas de Twitter e ainda sobram caracteres. Um ano depois, mudou de táctica. Agora fala sobre tudo. (…)

O novo cisma de Passos Coelho são os salários dos administradores da CGD. É um tema que aquece o sangue a qualquer português, especialmente nestes anos de austeridade. Passos parece ser sensato, coisa que o Governo não foi: ordenados destes precisam de explicações políticas transparentes. Sob pena de parecerem, aos olhos dos portugueses, um exercício de novo-riquismo. A questão é que Passos Coelho dispara mais longe: quer acertar não num pombo, mas num bando de pássaros. Ou seja, na recapitalização urgente da CGD. E aí espalha-se ao comprido, porque o chumbo da carabina acerta nos seus pés. O Governo de Passos Coelho empurrou com a barriga problemas como o do Banif e da CGD. Que tinham de rebentar, mais dia, menos dia. Aqui termina a magia do feiticeiro de Oz. Ou de Passos Coelho. O líder do PSD quer criar um grande movimento nacional contra um salário. O problema é que acerta no futuro da CGD, aquela entidade que um dia queria privatizar. Talvez devesse escutar Marcelo Rebelo de Sousa. Que, sensatamente, disse ao Governo que os salários deveriam ter que ver com os resultados.»

24.10.16

Merci, Wallonie

Calais



A evacuação começou hoje e foi assim o primeiro dia. Comentários para quê.
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Dica (421)




«La decisión de los socialistas desbloquea por sí misma la formación de Gobierno, independientemente de la posición que adopte Ciudadanos en la votación de investidura. Si los diputados del PSOE se abstienen en bloque, el PP no necesitará el voto afirmativo de los 32 representantes de esta formación para que su candidato se mantenga en La Moncloa. Ciudadanos, a su vez, espera que Rajoy decida mantener su compromiso con las 150 medidas que recoge el pacto que firmó en agosto con Rivera. En ese caso, volverá a votar a favor.
Pablo Iglesias, secretario general de Podemos, aprovechó en cambio esta circunstancia para reafirmar el discurso que lleva preparando desde hace años: en su opinión el PSOE se ha mimetizado con el PP y les ha dejado al menos una parte de su espacio político. “Hoy se constata el fin del turnismo como sistema de partidos; nace una gran coalición que nos tendrá enfrente como alternativa”, escribió en Twitter.» 
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CGD: Tudo legal, mais do que legal



Nós é que somos mesquinhos. E parvos também.
(Eu ainda sou do tempo em que existiam sindicatos bancários.)


«Ao salário mensal de 30 mil euros como presidente da CGD, António Domingues vai poder juntar a partir de Janeiro a pensão a que tem direito pelos descontos efectuados ao longo da carreira contributiva no BPI.»

Além disso: o Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de Julho, isenta os administradores da CGD de um série de deveres dos gestores públicos.
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O marxismo do PSD



«Pode dizer-se que um partido está em bancarrota existencial quando o seu líder e um ex-candidato a chefe se colocam no camarote dos irmãos Marx e começam a repartir entre si os papéis destes.

As duas entrevistas, de Passos Coelho e de Aguiar-Branco, na sexta-feira, mostram que ambos gostariam de ser Groucho Marx. Passos Coelho fica-se, com a sua bondade muda e catastrófica, utilizando buzinas de bicicleta que já ninguém consegue ouvir, por ser Harpo. Aguiar-Branco, mais militante, só consegue ser Chico, conhecido pelo seu falso sotaque italiano. Este prefere sovar tudo o que mexe. São duas facções marxistas dentro do PSD que temos de respeitar. Passos Coelho repete o seu discurso de há um ano, onde só se fala de macroeconomia e se esquece o desemprego, a pobreza ou a esperança. É uma buzina ensurdecedora. Já Aguiar-Branco, transformado em ideólogo do marxismo passista, prefere a contundência: "Debaixo da pele de cordeiro social-democrata, António Costa é um lobo marxista."

Escondam as avozinhas e as criancinhas! E os porquinhos, porque estes também não têm onde se esconder! Ficamos descansados: Aguiar-Branco confessa que nunca será "o António Costa do PSD". Não será, porque em vez de ir combater para ser presidente de uma Câmara Municipal (coisa onde deveria dar o exemplo, como líder nacional) vai antes concorrer a uma Assembleia Municipal. Assim nunca será Costa. Nem Brutus. O que sossegará Passos Coelho. Afinal depois de descobrir que António Costa é um "lobo marxista", que devora sociais-democratas ao pequeno-almoço, Aguiar-Branco poderá quanto muito candidatar-se a pequeno ou médio intelectual do PSD. Porque ele vislumbra algo impossível de descobrir: Costa pode ser acusado de muitas coisas, mas de ser um lobo marxista é um manifesto erro de óptica. Com mais facilidade, Aguiar-Branco pode ser acusado de ser marxista (facção Chico ou, se nos esforçarmos muito, Harpo). Porque aquilo que debita na entrevista mostra o problema do PSD: a falta de ideias para ser uma alternativa credível.»

Fernando Sobral

23.10.16

A França no seu labirinto

Ai PSOE, PSOE!…




Por 43 votos, talvez a Espanha tenha decidido hoje o primeiro dia do resto de uma outra vida. Alô, Pasok? 
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«Revolução Húngara»: foi há 60 anos



A chamada «Revolução Húngara» começou numa terça-feira, 23 de Outubro de 1956, no centro de Budapeste, com uma manifestação de milhares de estudantes que tentaram ocupar a rádio para transmitirem as suas exigências: fim da ocupação soviética e a implantação de um «verdadeiro socialismo». Foram detidos e quem do lado de fora exigia a sua libertação foi alvejado pela polícia a partir do interior do prédio.

Espalhada a notícia, a revolta alastrou primeiro a toda a cidade de Budapeste e depois ao resto do país, provocou a queda do governo e a sua substituição. Mas em 4 de Novembro deu-se a invasão pelas tropas do Pacto de Varsóvia e a resistência não durou mais de seis dias.

Pouco mais de duas semanas, portanto, que se saldaram por duas dezenas de milhares de mortos e por um verdadeiro êxodo de cerca de 200.000 húngaros, sobretudo jovens, que fugiram do país e pediram asilo um pouco por toda a Europa e também na América, do Norte ao Sul. Conheci uns tantos na Universidade de Lovaina, uns anos mais tarde, e já falei dessa experiência neste blogue.

Hoje a Hungria tem um governo que é talvez o mais sinistro de toda a União Europeia, sem que esta pareça importar-se suficientemente com o facto, líder de uma política militante de rejeição de refugiados e de construção de muros que os deixem à porta. Os estudantes de 56 são agora velhos ou já morreram. Gostava bem de saber o que pensam disto tudo os meus amigos Eva, Nicholas e Elisabete, mas perdi-lhes o rasto… 
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Dica (420)




«Slavoj Žižek on refugees, Bernie Sanders, and the American pol who scares him worse than Donald Trump.
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O grau zero da democracia



«Que uma personagem tão caricatural, execrável e inverosímil como Donald Trump possa aspirar a ser Presidente da maior potência ocidental – e arraste atrás de si tantos milhões de eleitores, embora insuficientes, felizmente, para garantir-lhe a vitória – é um sinal alarmante da degradação da democracia na América. Mas se pensarmos que esse sinal já se projecta noutras regiões do planeta, desde a Ásia à própria Europa, então os motivos de preocupação ganham proporções inéditas nas últimas décadas, mais concretamente desde o pós-Guerra. (…)

Estaremos, assim, perante uma crise global das democracias, um canto do cisne das promessas da globalização do mercado livre e, por extensão irresistível, das sociedades abertas em que ele deveria, supostamente, prosperar?

Ora, precisamente, um denominador comum deste fenómeno é a tendência crescente para o isolacionismo, o fechamento das fronteiras, o temor do estrangeiro – alimentado, é certo, pelo terrorismo – e, last but not the least, a recusa da globalização. Uma globalização que, cavalgando na onda do capitalismo financeiro e da desregulação dos mercados, foi ampliando o número daqueles que dela se sentem excluídos e vítimas, com ou sem razão objectiva – mas reféns de fantasmas que os aprisionam nos seus medos.

É o desnorte da globalização, com as suas insustentáveis assimetrias, que favorece a emergência de um Putin – ou de um Trump. (…)

A 8 de Novembro os americanos vão votar em dois candidatos nos quais, segundo as sondagens, uma significativa maioria deles não confia. Trump é o que se sabe, mas Hillary Clinton – que, em circunstâncias normais, deveria ganhar por larguíssima maioria face a um perigoso marginal – não escapa ao estigma da duplicidade, do cinismo e da promiscuidade de interesses que acabaram por moldar o perfil mais sombrio da sua personalidade. (…)

Se fosse americano, votaria decerto em Hillary, mas por defeito. Para tentar escapar ao grau zero da democracia que ameaça a América – e o mundo.»

Vicente Jorge Silva