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3.11.18
José Cardoso Pires
Entre 8 de Novembro e 30 de Dezembro terá lugar uma longa série de actividades em honra de JCP. Certamente que serão largamente anunciadas, mas aqui fica um programa ontem recebido, com pedido de divulgação.
No dia 17 de Novembro, participarei em «Conversas, Testemunhos Vividos», a convite de uma das suas filhas.
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Calem-se: o povo é quem mais ordena
«1. Há uma conspiração de extrema-direita a nível internacional, muitíssimo bem pensada, bem planeada e que vem sendo executada passo a passo. Steve Bannon, ex-guru de Trump e despedido por ser demasiado inteligente e incompreensível para aquela fraca cabeça ruiva da Sala Oval, é o rosto mais visível, mas não único. Vestem-se de jeans, recuperam as poses do Village dos anos setenta, argumentam com algoritmos, alimentam o seu tumor no território fértil das redes sociais e no fanatismo religioso das igrejas evangélicas (que, no seu íntimo, desprezam profundamente) e pastoreiam o seu rebanho no novo lumpen-proletariado que a globalização criou nas sociedades afluentes. O medo de um futuro onde as pensões deixaram de estar garantidas, onde o vizinho moreno passou a ser um potencial terrorista, em que qualquer emigrante será uma ameaça ao Estado social, onde a máquina vai substituir o operário e onde a ordem natural das coisas será para sempre subvertida é o seu território de caça. E porque tudo isto é demasiado confuso e demasiado aterrorizador para ser enfrentado, a legião massificada dos aterrorizados e confusos refugiou-se na zona de conforto de um Deus capturado por vendilhões e das redes sociais servidas à medida dos seus medos, das suas raivas, das suas frustrações e dos seu ódios irracionais. E à exacta medida dos planos dos ideólogos contra a liberdade e a democracia. Dos indisfarçáveis fascistas. Que já não precisam de militares, nem de golpes nem de noites de facas longas. O Facebook e o WhatsApp servem-lhes tudo de bandeja e levam-lhes as ovelhas às mesas de voto, como cordeirinhos dóceis ao matadouro.
A propósito disto, e de um texto de que adiante falarei, lembrei-me de um belíssimo e perturbante filme de James Ivory, de 1993, baseado no livro de Kazuo Ishiguro, Man Booker Prize, “The Remains of the Day” (“Os Despojos do Dia”, na tradução portuguesa”). No filme, Lord Darlington (interpretado por James Fox) é um aristocrata inglês que organiza, no seu mannor de Darlington Hall, um jantar para um dignitário nazi, em 1935. Darlington, que depois seria exposto como simpatizante nazi, estava sobretudo incomodado por ver que as duas maiores potências europeias estavam à beira de ser arrastadas para uma guerra entre elas, quando as ruling classes de ambas tinham interesses comuns, que estavam a ser dinamitados pela demagogia insuflada nas classes populares e que, de forma trágica, tinham levado ao poder na Alemanha um obscuro cabo chamado Adolf Hitler — um Bolsonaro com 80 anos de avanço. E, para melhor ilustrar o seu ponto de vista, a certa altura, Lord Darlington, à conversa com um amigo, chama o seu buttler (a figura central do filme, num magistral desempenho de Anthony Hopkins), e pergunta-lhe: “Tu sabes o que é a inflação?” E ele responde: “No, Sir”. E, fazendo um gesto, despedindo-o, Darlington comenta para o amigo: “Estás a ver? Este tipo, que não sabe o que é a inflação, tem direito a um voto, tal e qual como eu!”.
Poderíamos chamar a isto o fardo das elites perante a democracia: um homem, um voto. Um princípio essencial, aliás, à natureza da própria democracia. Noutro contexto, o do colonialismo, Kipling falou do “fardo do homem branco” — qual seria o de “civilizar” os povos colonizados. Pois, a história deu as voltas que deu, muitas erradas e trágicas, outras ocasionais e curiosas, e é certamente ocasional e curioso que, por exemplo, a maior democracia do mundo, hoje, seja a Índia — onde Kipling situou o fardo do homem branco. O que isto nos parece dizer é que mesmo quando erradas nos seus valores — que, para sermos justos, deveremos sempre julgar no seu contexto de então e nunca no seu contexto actual — as elites, bem ou mal, cumpriram e cumprem um papel na consciência colectiva dos povos. Sendo um privilégio por origem, devem ser um fardo e um dever por obrigação. Demitindo-se de intervir, por temor ou por desfastio, são um privilégio sem sentido e sem razão de ser. Todos os que tivemos a sorte de estudar, de ler, de aprender, de reflectir, de saber “qual a cor da liberdade”, como escreveu Jorge de Sena, somos tributários do Infante D. Pedro, morto em Alfarrobeira. Morto pela cegueira da turba ignara, incendiada pela inveja dos medíocres, dos que alimentariam depois as fogueiras da Inquisição. Porque, meus caros amigos: quem queima livros não se liberta — suicida-se.
Bem, o dito texto é da autoria de João Miguel Tavares, o qual vai ficar felicíssimo por eu citar o seu nome, pois que vive à procura de quem lhe dê importância e relevância. Mas vale a pena ultrapassar isso porque esta citação o justifica: “Nós, as elites, não percebemos nada de nada... As elites artísticas, intelectuais, jornalísticas, têm de meter na cabeça de uma vez por todas que a sua influência sobre o povo, na hora do voto, é nula. Que os seus poderes de mediação e de persuasão, na era das redes, se evaporaram de vez”. Eu não sei o que mais me dá vontade de rir — ou de sorrir de tristeza. Se é ver alguém auto-arvorar-se em elite — uma daquelas coisas que, quando se é, não precisa de ser dita, e quando se diz, é porque não se é. Se é vê-lo pensar que descobriu a pólvora, com o triunfo da multidão das redes sociais sobre as “elites” — isto é, aqueles que leram, que não se contentam em ser informados pelas “verdades” das redes sociais, que reflectiram — coisa sobre a qual (agora, peço eu desculpa) venho escrevendo há anos, com a qual José Pacheco Pereira começou por ser grande entusiasta antes de arrepiar caminho, e de que José Manuel Fernandes, menos inteligente, ainda continua entusiasta, e que Umberto Eco arrasou há tempos num texto demolidor. Ou, enfim, por vê-lo ir a correr, de corda ao pescoço, juntar-se à multidão das redes sociais a tempo de apanhar o último vagão do comboio, proclamando, ofegante: “Eu estou convosco! Eu, membro da elite bem pensante, compreendo-vos. Compreendo o Bolsonaro, o Orbán, a Le Pen, o Salvini, o Trump, tudo, todos! Vocês são o povo e a função das elites é estar ao lado do povo”. É o pensamento profundo de Lord Darlington, drasticamente invertido por este nosso pensador profundo. Só falta querer retirar o direito de voto àqueles, como eu, que sabem o que é a inflação mas não frequentam redes sociais.
2. O juiz Sérgio Moro, o herói da Lava Jato, o Carlos Alexandre tropical, e que presumo que seja também um dos ídolos de referência de João Miguel Tavares, não resistiu ao convite de Bolsonaro para ser ministro da Justiça do seu governo. Com isso, não fez mais do que arrancar uma máscara colada com cuspo. Primeiro, mostrou que entre a magistratura e a política, a sua verdadeira ambição era a política e a primeira serviu-lhe de trampolim para a segunda. Depois, mostrou que não foi por acaso que, poucos dias antes do impeachment de Dilma, revelou uma escuta telefónica de uma conversa entre ela e Lula, sem qualquer relevância processual e em clara violação da lei, com o intuito claro de influenciar a votação do Congresso contra Dilma — assim como depois, a poucos dias da primeira volta das presidenciais, em nova e descarada violação do segredo de justiça, revelou parte da delação premiada do ex-ministro de Lula, Antonio Palocci, com efeito determinante na votação do candidato do PT. Que a sua mulher tenha vindo depois apelar abertamente ao voto em Bolsonaro, já pouco podia espantar: este é o juiz que, sem nenhuma prova directa e baseado apenas em delações premiadas (isto é, testemunhos comprados), sozinho, investigou, acusou, despachou para julgamento, julgou, condenou e meteu na prisão o homem a quem todas as sondagens davam larga vantagem para voltar a ser Presidente do Brasil. Até pode ser que Lula seja culpado de tudo o que o acusam, o que ainda está por demonstrar à luz das normas de um Estado de direito, tal como eu o entendo. Mas o mínimo que se exigia a Sérgio Moro é que tivesse alguma noção de decoro e contenção nas suas ambições.»
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2.11.18
Caetano, ainda ele
Effrayé pour l’avenir du Brésil, Caetano Veloso publie une tribune poignante dans le New York Times.
«En tant que figure publique au Brésil, il est de mon devoir de clarifier les faits. Aujourd’hui, je suis un vieil homme, mais j’étais jeune dans les années 1960s et 1970s, et je me souviens. Donc je me dois d'en parler. A la fin des années 1960s, la dictature militaire du Brésil a arrêté et emprisonné de nombreux artistes et intellectuels pour leurs convictions politiques. J’étais l’un d’entre eux.»
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2 de Novembro no cinema: Visconti e Pasolini
Pouco provável, mas Luchino Visconti poderia fazer hoje 112 anos, mas, infelizmente, morreu antes de completar 70. Foi sempre um dos meus realizadores de eleição e seria grande a tentação de recordar aqui muitos dos seus filmes. Limito-me a três, mais do que trivialmente óbvios.
Rocco e os seus irmãos (1960):
O Leoprado (1963)
Morte em Veneza (1971):
E foi também num 2 de Novembro, de 1975, que morreu Pier Paolo Pasolini. Com uma vida atribulada e mais do que polémica, e uma morte trágica, deixou-nos alguns belíssimos filmes, entre os quais «O Evangelho segundo S. Mateus», de 1964, certamente aquele que mais me marcou e de que me recordo melhor.
A surpresa generalizada com que este foi recebido quando apareceu, de um Pasolini marxista, ateu e anticlerical (até condenado anteriormente por blasfémia), mereceu-lhe o seguinte comentário: «Se sabem que sou um descrente, conhecem-me melhor do que eu próprio. Posso ser um descrente, mas sou-o com a nostalgia de não ter uma crença». O filme foi «dedicado à querida, alegre e familiar memória do papa João XXIII», que morreu antes de poder vê-lo.
Um belo Cristo, mais revolucionário do que pastor, que provocou a ira de alguns críticos e o entusiasmo de muitos outros.
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O canto do cisne de Merkel
«Há um Halloween diferente que percorre o mundo. Quem assusta os seres disfarçados com uma cabeça de abóbora na cabeça é a Internacional de extrema-direita, cuja banda sonora é executada por Steve Bannon e que tem seguidores militantes nas Américas e na Europa.
A queda da chanceler Angela Merkel, depois dos fracassos eleitorais na Baviera e no Hesse, é apenas mais uma peça do dominó construído nas últimas décadas que cai. A queda de Merkel é mais do que um soco no estômago da Europa altiva, construída com base num contrato social pós-guerra, e feito com base num modelo de alternância ou mesmo fusão da social-democracia com os democratas-cristãos. Até no norte da Europa cresce a onda neonazi. No grupo de Visogrado a tentação anti-UE é visível. O Brexit ou o governo italiano eram sintomas visíveis. Por isso bem pode Emmanuel Macron tentar ser o pólo de agregação da Europa sujeita a tantas pressões. Há um avanço crescente da extrema-direita em parte substancial da Europa, prometendo patriotas a sério e um amanhecer revigorante. O discurso está ganho: é o povo contra os "maus". E estes são os políticos, os globalistas, as minorias e os "outros". Átila e os Hunos estão já dentro das portas da Europa.
Nada de sério se discute. Deixou de haver debate político e as novas vozes "apolíticas" e "renovadoras", aproveitam o sentimento generalizado de que há uma "autoridade fraca" e uma austeridade inconcebível para impor discursos infantis e básicos. As redes sociais ajudam a este clima básico, onde frases de ódio abafam qualquer tentativa séria de discussão. O centro político desloca-se para a direita e o velho pêndulo da moderação (o bloco central favorecido pela classe média) dissolve-se. Porque a classe média na Europa foi massacrada pela austeridade cega e esta era o colchão da democracia. Sem classe média com aspirações sociais a democracia vai eclipsar-se, mesmo na Europa. Por isso o eleitor médio desloca-se para quem lhe dá conforto, a extrema-direita, com o seu discurso básico. Face a isso só surge, nas recentes eleições, uma alternativa curiosa: a dos partidos que se preocupam com as questões ambientais e com a qualidade de vida dos cidadãos. Uma nova polarização entrou em cena. Não deixa de ser sintomático que num mundo de tanta informação digital a que é fácil aceder, as luzes da cultura se comecem a apagar.
Não admira que se tenha assistido ao canto do cisne de Angela Merkel. O referente da Europa dos últimos anos vai sair de cena, numa era de polarização política extrema. Mas não só: o revés eleitoral no Hesse, onde está o coração financeiro da Europa continental, Frankfurt, é claro. O descontentamento é generalizado. Os desafios que se colocam à Europa unida precisam de novos líderes e de novas ideias. De outra forma o projecto falirá. As próximas eleições europeias, onde poderá haver um substancial reforço da extrema-direita, que ali estará para fazer naufragar a UE, trarão algumas respostas para tantas questões. Mas, está claro, mostrarão que os partidos tradicionais estão a perder apoios populares face a novas formas de entender e fazer política, que são mais nacionalistas e imprevisíveis. A confiança dos cidadãos nas democracias liberais já viveu melhores dias. Resta saber se a democracia tem forças suficientes para suster esta nova vaga inquietante.»
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1.11.18
Dica (824)
«“They always accuse others of being what they are themselves,” he said. “It’s these leftwing people, who always put themselves above the rest, who are fascists.” (…)
Bolsonaro, who has expressed admiration for dictators including Chile’s Augusto Pinochet, claimed many Brazilians now believed Brazil’s military regime “wasn’t a dictatorship as the left has always preached”.»
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Há 263 anos foi assim
Amanhã não sabemos.
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Salazar, esse «agarrado»…
Uma história extraordinária, boa para ser lida em dias de mortos e de bruxas.
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Quantas ditaduras há no mundo?
«"Se olharmos para o mundo, o número de democracias vai diminuindo e o número de ditaduras vai aumentando. Isso não é uma boa notícia.” A frase, dita pelo Presidente da República na terça-feira, na Alfândega do Porto, onde abriu o Congresso da União Internacional de Advogados, suscitou-me curiosidade. Aliás, mais do que curiosidade, suscitou-me interesse, levou-me à procura de dados sobre o assunto e a encontrar números que vale a pena partilhar.
No seu relatório mais recente, publicado este ano, a Organização Não Governamental americana Freedom House faz um resumo das principais conclusões relativas ao estado da democracia em 2017. Há infrmações arrepiantes e outras menos surpreendentes. Setenta e um países sofreram degradação dos direitos políticos e liberdades civis e apenas 35 registaram ganhos. Os Estados Unidos recuaram no seu papel tradicional de defensor e exemplo de democracia e aceleraram no declínio dos direitos políticos e das liberdades civis. A liberdade global desceu pelo 12.º ano consecutivo e, ao longo desse período, 113 países de todas as regiões do mundo perderam liberdade e apenas 62 ganharam. [Em 12 anos: 2206-2017]
“A democracia enfrentou, em 2017, a sua mais séria crise das últimas décadas, quando os seus princípios básicos – incluindo a garantia de eleições livres e justas, os direitos das minorias, a liberdade de imprensa e o Estado de direito – foram atacados em todo o mundo”, conclui a Freedom House. Entre os países considerados “não livres” pela ONG estão a Síria, a Eritreia, o Ruanda, o Congo e o Gabão, mas também a Rússia, a Venezuela, a República Centro-Africana e até a Turquia e todos estão na lista das nações que regrediram, em termos de liberdade.
E Portugal? Portugal está na lista de países considerados livres com um valor agregado de 97 em 100 (estando o 100 mais próximo da liberdade e o zero mais longe). A ONG descreve o país como “uma democracia parlamentar estável, com um sistema político multipartidário e transferências regulares de poder entre os dois maiores partidos”. Diz que “tanto os eleitores como os políticos estão livres da interferência indevida de forças fora do sistema político (dominação dos militares, poderes estrangeiros, hierarquias religiosas, oligarquias económicas ou qualquer outro grupo poderoso que não seja democraticamente responsável)” e acrescenta que “as liberdades civis são geralmente protegidas”.
Mas também põe o dedo na ferida. “As preocupações em curso incluem corrupção, certas restrições legais ao jornalismo e condições precárias ou abusivas para os presos.” A este propósito é citado José Sócrates, “o ex-primeiro-ministro” que “foi formalmente indiciado por corrupção”. O caso, recorda o relatório, “coincidiu com o de Ricardo Salgado, ex-presidente do extinto Banco Espírito Santo, acusado de subornar Sócrates através de intermediários para garantir decisões favoráveis e benefícios comerciais”.
Outros relatórios e outros estudos, como o projecto Variedades da Democracia (V-Dem), que o PÚBLICO noticiou em Setembro, falam sobre o facto de a democracia estar a perder terreno. “Está a encolher o espaço democrático nos principais países do lado do espectro democracia-autocracia. Uma parcela muito maior da população mundial está hoje a experimentar a autocratização”, alertavam os investigadores do V-Dem, calculando que o declínio da democracia afectará já 2,5 mil milhões de pessoas.
Marcelo Rebelo de Sousa escolheu chamar a atenção para o assunto dois dias depois das eleições no Brasil, país onde tem familiares muito próximos, e de Angela Merkel ter dito que deixará a liderança da CDU em Dezembro. Coincidência?»
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Santana Lopes in the sky with…
Diz que o Aliança pode ter mais de 10% nas legislativas: «para cima, para cima». Vai trabalhar para ter uns 30 deputados. Mas não, não está à espera de ter uma maioria absoluta.
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31.10.18
A dança das carreiras
Mas será que ninguém percebe que todas estas jogatanas e bailaricos de políticos, «abanqueirados», comentadores e outros que tais vão acabar mal? Não para eles, obviamente.
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A morte da democracia pela vontade da maioria
«A democracia é o único regime político conhecido que merece o nosso respeito porque é o único que nos respeita. A explicação é quase desnecessária, mas justifica-se nestes estranhos tempos que vivemos.
O princípio fundamental da democracia, que supera o importante princípio da vontade da maioria, consiste na consideração assumida de que todas as pessoas são livres e iguais, titulares de direitos que não podem ser violados.
É verdade que em nenhuma democracia este princípio é plenamente cumprido, havendo falhas, muitas vezes graves, mas é o princípio orientador fundamental, o seu norte.
Por isso, a democracia morre sempre que alguém que toma conta do poder, mesmo por vontade da maioria, defende princípios contrários à liberdade e igualdade, ou seja, princípios contrários ao respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.
É nesta medida que a vontade da maioria – já o dizia, no século XIX, Benjamim Constant – tem limites e quando a maioria escolhe um não democrata para governar ou escolhe um parlamento que despreza os direitos fundamentais dos cidadãos constantes de catálogos de direitos como os da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de que celebramos este ano os 70 anos, a maioria mata a democracia.
Situações destas podem suceder e sucedem à nossa volta em várias partes do mundo. Tenhamos consciência bem clara de que a escolha de um regime não democrático, por vontade da maioria, não é um exercício de democracia, é a violação dela. Quando tal acontecer, a minoria só tem um caminho: lutar contra ele.
E por que escolhe, por vezes, a maioria de um povo um regime que não mais se importa com o respeito pelos direitos humanos, nem com a vontade da maioria em futuras eleições, se as houver? As razões são muitas e complexas, mas frequentemente tal sucede porque em certos momentos históricos a razão não impera e porque os regimes democráticos existentes se afastam muitas vezes do seu norte, debilitando-se.
A democracia afirma-se pelo exemplo dado pelos governantes. Ao contrário do que frequentemente se afirma, a corrupção não faz parte da democracia, sendo antes uma patologia do exercício do poder que deve ser firmemente combatida em todos os domínios onde se manifeste.
A solução para estas situações de implantação de um regime não democrático não pode ser a sua aceitação, mas a luta renovada contra ele. A luta por um regime que respeite os direitos fundamentais de todas e cada uma das pessoas que é tão difícil, morosa e que tantos sacrifícios implica.»
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30.10.18
PSD: e a ignorância não paga imposto
Avante, camarada, avante,
Junta a tua à nossa voz!
Avante, camarada, avante, camarada
E o sol brilhará para todos nós!
E Álvaro Cunhal às voltas no túmulo…
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O esplendor de Portugal: Euros abençoados valem a dobrar
Isto aconteceu em Vilar, Vila do Conde. O Pároco da freguesia, Padre Bruno Miguel Ávila, benzeu a nova máquina ATM.
Quando aparecer, em nome de deus, um lusobolsonaro, queixem-se!
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Brasil, uma democracia automutilada
«Tendo o seu partido (PSL) uma bancada mais pequena do que o PT tinha, Bolsonaro fará os arranjos que o PT fez. E da mesma forma, porque no Brasil não há outra. Os mesmos corruptos continuam num Congresso que foi eleito da mesma forma alimentando o mesmo sistema político disfuncional. Depois da Lava-Jato cumprir a sua função, tudo voltará ao normal. Até porque, na sua longa carreira de parasita sem qualquer trabalho relevante no Congresso, Bolsonaro sempre viveu bem com partidos que recebiam “propina”. Com o programa económico de Paulo Guedes, Temer também continuará. Mas em muitíssimo pior. E o governo não será mais eficaz do que os anteriores. A impreparação de Jair Bolsonaro é o que mais o aproxima de Trump. Qualquer otimismo só pode resultar de cegueira.
As margens do subdesenvolvimento brasileiro serão as primeiras a experimentar a mudança. Em dose aumentada de força bruta que a abjeta elite brasileira sempre adorou e que não incomoda uma classe média moralmente anestesiada pela violência que a desigualdade impõe ao quotidiano. A vitória de Bolsonaro chega para que os demónios se sintam mais livres. Para satisfazer o fanatismo evangélico, a intolerância acabará por se abater sobre os que acreditam que para um Estado democrático o que está acima de todos é a Constituição, não é Deus. Só no fim virão os opositores. Talvez através de mais umas operações judiciais “moralizadoras”. O resto, está no programa “patriótico” de venda do país a retalho.
Já fiz muitas análises para tentar perceber como chegaram os brasileiros ao ponto de não verem o mesmo que nós vemos quando olham para Bolsonaro. Escrevi sobre o papel das redes sociais e da crise de todas as formas de mediação. Sobre os erros económicos e as cedências do PT. Sobre o efeito que a corrupção do regime teve no partido, a ponto dele se tornar um dos pontos centrais dessa corrupção. Sobre o papel do centro-direita, o seu golpe de há três anos e a ofensiva antissocial que foi encomendada ao governo fantoche. Sobre a revolta contra uma corrupção que nada tem de novo no Brasil mas que historicamente sempre foi usada para aplacar a democracia. Mas hoje não é dia de análises. É mesmo de lamento.
Assistimos, em todo o mundo ocidental, à normalização do aberrante. De que a democracia se pode automutilar pelo voto. Que a democracia se fica por um ato eleitoral e que depois disso só nos cabe amochar. Que pode haver democracias que não sejam laicas, que não respeitem as minorias, que usem o crime para combater o crime, que violem as regras básicas do Estado de Direito. Que o discurso do medo é politicamente tão legítimo como qualquer outro desde que receba votos. Deviam saber que quem ganha eleições explorando o medo governará pelo medo e que quem promete a força para chegar ao poder usará a força para se manter no poder. Desta vez ninguém pode dizer que foi enganado. Bolsonaro deixou claro, nos 27 anos de uma carreira política medíocre, ao que vinha. E é por isso que a minha solidariedade é para os que resistiram ontem e continuarão a resistir nos próximos quatro anos. Sofro por eles, sofro com eles.»
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29.10.18
O que digo aos brasileiros de cá
«"Lembro-me que, no último dia de março, domingo, o estádio José Alvalade encheu-se para jogo contra o grade rival. Dez minutos antes de o árbitro apitar, a multidão virou-se para a tribuna de honra, onde um homem se destacou e abriu os braços: ovação. Marcelo Caetano sorriu. Não sabia que era a sua última apoteose." Eu não vi a apoteose porque em setembro de 1969 atravessei o rio Minho num batel, passei 5 anos como exilado político e só regressei com a liberdade. (…)
Eu sei, mas eles não sabem, que no domingo passado, ontem, eles estiveram como os portugueses, num domingo de março longínquo, aplaudindo a tribuna errada. Três semanas depois, a maioria dos portugueses do estádio de Alvalade virou o bico ao prego e precisei deles nas manifestações democráticas. Os brasileiros de Lisboa vão precisar de mais tempo para perceber quem é Jair Bolsonaro.»
Ferreira Fernandes
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29.10.1936 – A chagada ao Tarrafal
Há 82 anos, chegaram à Colónia Penal do Tarrafal, criada por Salazar alguns meses antes, os primeiros 153 deportados. Mais exactamente, desembarcaram no local onde eles próprios foram obrigados a construir o campo de concentração que os encarceraria. Durante a existência deste «Campo da Morte Lenta», por lá ficaram 32 vidas, 32 pessoas cujos corpos só foram transladados para Lisboa em 1978.
Encerrado em 1954, devido a pressões internas e internacionais, o Campo foi reaberto na década de 60 (e permaneceu ativo até ao 25 de Abril), com o nome de «Colónia Penal de Chão Bom», para albergar os lutadores pela independência de Angola, Guiné e Cabo Verde.
1978 - transladação e cortejo para o cemitério do Alto de S. João, em Lisboa:
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Carta ao meu irmão brasileiro
«Irmão, hoje quando acordares, e contigo o Brasil, não mais poderás sair de casa. A polícia, sob uma nova égide, procura por ti, por nós, os que discordam e discutem, os que amam a noite e a rua, a liberdade, o amor, os povos, as cores, as crenças e os sexos, a diferença e a diversidade.
Porque sim, porque agora és, somos, uma ameaça ao poder instituído, às ordens e às normas, aos bons costumes. Ou assim nos dizem na televisão e as milícias de megafone lá fora, à procura de vingar a vida de fome e injustiça no sangue de quem se lhes atravesse no caminho. Agora podem. A violência no poder legítima a violência nas ruas.
Culpa tua, culpa nossa, de pensar pela nossa cabeça sem precisarmos de líderes ou ditadores quando sabemos tão bem quanto custou a liberdade.
Não foi assim há tanto tempo e 1985 ainda está na memória, nas mãos, o fim das prisões, torturas, interrogatórios, as perseguições, a fome, ainda a fome, a miséria, ainda a miséria, outra vez a miséria, sempre a miséria.
Irmão brasileiro, hoje escrevo-te de cabeça erguida e pronto para a luta. A luta que nunca acabou, eu sei, e portanto aqui estamos para não nos calarmos diante de todas as injustiças que daqui advirão, para sair à rua quando não puderes sair à rua, para gritar quando não puderes gritar, para fazer greve quando não puderes fazer greve, para protestar, furar barreiras e derrubar polícias em prol de brancos e negros, hetero e homo, homens e mulheres, amarelos e vermelhos, bi e trans, sem-terra e sem-abrigo, artistas e intelectuais, professores e pensadores, músicos, escritores e poetas.
E ser preso as vezes que forem precisas para que possas finalmente sair à rua sem medo de represálias, ameaças, denúncias, sem medo de ser preso apenas porque sim, porque ousaste erguer o punho em desafio e cantar como se não fosse esse o teu direito, e já não é.
Irmão, hoje quando acordares, e contigo o Brasil, olha pela janela: a diferença não acabou, a diferença acabou de começar. Orgulho no coração e peito para fora. As balas não são de verdade quando o meu Brasil chora, quando o meu Brasil acredita, quando o meu Brasil dança. Canta, Brasil, canta, nós cantamos contigo!»
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28.10.18
Palmas para o «Expresso»
«A matriz identitária do Expresso radica nos seus princípios fundadores, na defesa permanente da liberdade e da democracia, na prática de um jornalismo obediente à deontologia e desobediente às manipulações do poder. Como escrevemos no nosso Estatuto Editorial, “atribuímos prioridade absoluta à coerência que historicamente nos tem permitido sermos nós próprios, além de quem sobe e de quem desce do poder. Se e quando, um dia, se tornar impossível manter essa coerência, o Expresso acabará, porque preferimos, nessas circunstâncias, morrer de pé”. Até lá, vivemos de pé. Até lá, tomamos todos os dias decisões editoriais orientadas pelos nossos princípios, os de uma sociedade livre, aberta, democrática, que porfia a justiça social, o equilíbrio de poderes, a prosperidade de todos e não de alguns nem contra alguns.
Este domingo, com elevada probabilidade, Jair Bolsonaro será democraticamente eleito Presidente da República Federativa do Brasil. Bolsonaro é um radical da direita radical, com um discurso que anuncia práticas políticas sectárias e autoritárias, que divide pela raça, pela nacionalidade, pela classe social, pela ideologia, pelo sexo e pela orientação sexual, que põe em causa a autonomia das instituições, a separação de poderes, a liberdade de imprensa, que fomenta o ódio, que promove a violência. O contrário do que a Constituição do Brasil estabelece como lei. O contrário do que a Constituição da República Portuguesa define como princípios fundamentais.
A onda de populismos e radicalismos que neste início do século XXI ameaça as democracias liberais, tal como foram constituídas nas últimas sete décadas, escala sobre os muros que a (e nos) defendem. Se as sondagens se converterem em votos, Bolsonaro presidirá ao maior país de língua portuguesa, um aliado privilegiado de Portugal, a que estamos indelevelmente unidos pela cultura, pelo passado e pelo futuro.
O Brasil somar-se-á à história sombria que, com matizes diferentes, está a ser construída nos últimos anos, com o endurecimento de regimes como o da Turquia e o das Filipinas, a eleição de populistas nos Estados Unidos, as subidas eleitorais de candidatos nacionalistas na Europa em países como França e Alemanha, o radicalismo na Polónia ou o antieuropeísmo em Itália. A eleição no Brasil ameaça os democratas, os que defendem sociedades abertas, inclusivas, fraternas, justas. A rejeição clara do que defende e propõe Bolsonaro é, pois, uma questão de decência.
O Expresso é “independente do poder político” e concebe os jornais como “instituições autónomas, através das quais os cidadãos possam, em liberdade e no pluralismo, procurar o esclarecimento de que necessitam para o exercício das suas opções.” O Expresso não toma posições eleitorais, mas sabe que imparcialidade não é neutralidade e assume que está de um lado, o lado dos valores essenciais da democracia, da liberdade, dos direitos individuais e do Estado de direito. Em tempos excecionais, votamos. A favor da preservação desses valores e contra o fascismo. Estes são tempos excecionais.»
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Não adianta pedir desculpas daqui a 50 anos
Eleonora de Lucena, ex-editora-executiva da Folha de S. Paulo.
«Ninguém poderá dizer que não sabia. É ditadura, é tortura, é eliminação física de qualquer oposição, é entrega do país, é domínio estrangeiro, é reino do grande capital, é esmagamento do povo. É censura, é fim de direitos, é licença para sair matando.
As palavras são ditas de forma crua, sem tergiversação --com brutalidade, com boçalidade, com uma agressividade do tempo das cavernas. Não há um mísero traço de civilidade. É tacape, é esgoto, é fuzil.
Para o candidato-nojo, é preciso extinguir qualquer legado do iluminismo, da Revolução Francesa, da abolição da escravatura, da Constituição de 1988.
Envolta em ódios e mentiras, a eleição encontra o país à beira do abismo. Estratégico para o poder dos Estados Unidos, o Brasil está sendo golpeado. As primeiras evidências apareceram com a descoberta do pré-sal e a espionagem escancarada dos EUA. Veio a Quarta Frota, 2013. O impeachment, o processo contra Lula e sua prisão são fases do mesmo processo demolidor das instituições nacionais.
Agora que removeram das urnas a maior liderança popular da história do país, emporcalham o processo democrático com ameaças, violências, assassinatos, lixo internético. Estratégias já usadas à larga em outros países. O objetivo é fraturar a sociedade, criar fantasmas, espalhar medo, criar caos, abrir espaço para uma ditadura subserviente aos mercados pirados, às forças antipovo, antinação, anticivilização.
O momento dramático não permite omissão, neutralidade. O muro é do candidato da ditadura, da opressão, da violência, da destruição, do nojo.
É urgente que todos os democratas estejam na trincheira contra Jair Bolsonaro. Todos. No passado, o país conseguiu fazer o comício das Diretas. Precisamos de um novo comício das Diretas.
O antipetismo não pode servir de biombo para mergulhar o país nas trevas.
Por isso, vejo com assombro intelectuais e empresários se aliarem à extrema direita, ao que há de mais abjeto. Perderam a razão? Pensam que a vida seguirá da mesma forma no dia 29 de outubro caso o pior aconteça? Esperam estar livres da onda destrutiva que tomará conta do país? Imaginam que essa vaga será contida pelas ditas instituições --que estão esfarrapadas?
Os arrivistas do mercado financeiro festejam uma futura orgia com os fundos públicos. Para eles, pouco importam o país e seu povo. Têm a ilusão de que seus lucros estarão assegurados com Bolsonaro. Eles e ele são a verdadeira escória de nossos dias.
A eles se submete a mídia brasileira, infelizmente. Aturdida pelo terremoto que os grandes cartéis norte-americanos promovem no seu mercado, embarcou numa cruzada antibrasileira e antipopular. Perdeu mercado, credibilidade, relevância. Neste momento, acovardada, alega isenção para esconder seu apoio envergonhado ao terror que se avizinha.
Este jornal escreveu história na campanha das Diretas. Depois, colocou-se claramente contra os descalabros de Collor. Agora, titubeia --para dizer o mínimo. A defesa da democracia, dos direitos humanos, da liberdade está no cerne do jornalismo.
Não adianta pedir desculpas 50 anos depois.»
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