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5.10.19
Vão chamar «pai» a outros, se não se importam
Se leio mais algum título de jornal em que venha referido Freitas do Amaral como «pai» da democracia, cancelo a assinatura.
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Quinze segundos
«O dia de reflexão é a coisa mais estúpida e mais deliciosa da lei eleitoral.
A mais estúpida porque não serve para nada. Não protege ninguém de qualquer influência eleitoral, desde logo porque tem no seu bolso, no telemóvel, a maior pressão eleitoral de sempre, no WhatsApp, no Facebook, no Instagram, para não falar do Twitter essa ágora de inreflexão. As redes sociais não passam o dia de reflexão com música séria como antigamente a rádio na Páscoa. Depois a ideia de que alguém reflete alguma coisa, depois de ter estado os quinze dias da campanha - e apenas esses, nada antes da campanha - a reunir informação ponderada, a ler os programas, a meter para trás na box os pontos altos dos debates, tudo para no domingo, em reflexão orante, em mindfullness político, perceber onde botar a cruz. Querida, tenho estado aqui a refletir e aqueles sujeitos da Iniciativa Liberal até dizem coisas, sim senhora, mas gosto muito daquela moça gaga, acho que vou votar nela pelas ideias que apresenta para o país, os do costume, querida, estive a refletir e não me convenceram nada.
A ideia é originada no período pós-revolucionário, todos sabemos, e a campanha tem de acabar nalgum momento antes do voto, e não se queria chiqueiro nas urnas. Mas hoje o chiqueiro está nos bolsos, e a revolução já passou (algumas das mais jovens democracias europeias de noventa estão a deixar cair os períodos de reflexão). Jorge Miranda e Bacelar de Vasconcelos, dois constitucionalistas de reflexão cheia, já vieram decretar a falta de sentido do dia, e apontaram ainda a sua incoerência com o voto antecipado. Quero também aqui confessar que uma mistura de FOMO (fear of missing out), ansiedade, ser um apressadinho, gostar de experimentar tudo o que é novo, que tenho alguma inritação (inritação é a irritação invejosa) de nunca ter feito o voto antecipado. Por exemplo, se o tivesse feito já podia aqui dizer em quem tinha votado.
Nos EUA, o Supremo Tribunal no caso Burson vs. Freeman, 504 U.S. 191 (1992) não obstou a uma lei do Estado do Tennessee que proibia a campanha num raio de 30 metros dizendo que isso não violava a liberdade de expressão e que as pessoas tinham direito àqueles quinze segundos de descanso antes de votarem. Estes juízes viram bem a coisa, é delicioso decretar-se, por lei, reflexão. Que as famílias se amem, que as pessoas pensem, que ninguém chateie ninguém, que parem, até que se libertem do tempo, nem que seja por um dia, nem que seja por quinze segundos, uma vez por ano, mas se os governos caírem ou houver referendos. E há tanto tempo que não temos referendos, talvez um sobre se se deve acabar com o dia de reflexão.»
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4.10.19
04.10.2009 - O dia em que Mercedes Sosa morreu
Mercedes Sosa morreu há sete anos, num 4 de Outubro. Nasceu no Noroeste da Argentina, em San Miguel de Tucumán, cidade onde em 1816 foi declarada a independência do país.
Quando a Junta Militar de Jorge Videla subiu ao poder e se foi tornando cada vez mais agressiva, Mercedes, considerada peronista de esquerda , foi detida durante um concerto em La Plata, em 1979, refugiou-se depois em Paris e em Madrid e só regressou a Buenos Aires, e ao magnífico Teatro Colón, em 1982.
Pretexto para recordar a sua voz fabulosa:
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Gostava de ter escrito isto
«À direita, à esquerda e "sem ser de direita e de esquerda" apareceu, nestas eleições com mais força, o voto fofinho. Uma escolha que não escandaliza ninguém e que é recomendado por parte das elites bem pensantes cansadas de conflitos e com uma predileção pelas novas modas do momento. Olhando bem para todos os receptáculos modernos, existentes no mercado eleitoral, eles não diferem muito uns dos outros: são declinações daqueles querem fazer confundir liberdade com a liberdade de explorar e embrulhar internacionalismo com União Europeia e globalização capitalista. É uma opção que tem a seu favor o ar do tempo de um certo pragmatismo ideológico que serve para manter exactamente o que cá anda. Mas é sobretudo um voto que fica bem em jantares de família, em reuniões de empresa e em lanches com o gato.»
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O que esperar domingo
«À medida que se avizinham as eleições, as sondagens tendem a aproximar-se dos resultados eleitorais. Nos últimos 20 anos, o desvio médio das sondagens face às legislativas foi em redor de 3 pontos percentuais e, se considerarmos apenas as que foram realizadas durante as campanhas, as sondagens “falharam” ainda menos.
Não se interprete esta asserção de forma excessivamente determinística. Por um lado, as sondagens são um retrato do momento em que o trabalho de campo é realizado; por outro, elas próprias oferecem informação que os eleitores usam para votar estrategicamente.
Neste momento, haverá alguma margem de volatilidade, mas, no essencial, com base nas sondagens conhecidas, podemos antecipar o cenário de domingo: o PS com vantagem face ao PSD e um Parlamento com uma larga maioria de mandatos à esquerda. Mas, no que é uma singularidade, o voto somado dos dois maiores partidos permanece no limiar dos 70%. Contrastando com as restantes democracias europeias, em particular as da Europa do Sul e aquelas onde o sistema eleitoral é proporcional, as formações do bloco central, entre nós, continuam a revelar uma resiliência surpreendente.
À direita, o voto somado do PSD e CDS corresponderá aos mínimos históricos do campo e estará abaixo do alcançado há quatro anos pela PAF. Ainda assim, Rui Rio terá recuperado a confiança do eleitorado de direita, nomeadamente comparando com a catástrofe de Passos Coelho nas autárquicas. Que o tenha feito com uma estratégia centrista, enquanto a agressividade e a ambição desproporcionada de Cristas foram pouco mobilizadoras, é motivo para reflexão no pós-legislativas.
À esquerda, ficará demonstrado que a satisfação com a ‘geringonça’ deu incentivos para que os eleitores de BE e PCP se mantivessem fiéis. Sem um risco prospetivo de instabilidade, o contentamento com o compromisso entre partidos limitou o crescimento do PS. Com uma tradição de pouca transferência de voto da direita para a esquerda, um resultado muito expressivo do PS dependeria da capacidade de crescer à esquerda. A história da legislatura seria sempre uma restrição aos ganhos à esquerda e as margens à direita estavam, por definição, limitadas.
Em julho escrevi que dificilmente o PS poderia alcançar uma maioria absoluta e que laborar nesse cenário fragilizaria as condições de governabilidade no pós-6 de outubro. A questão que sobra para segunda-feira é, em parte, essa. Saber se a campanha fragilizou a reinvenção da ‘geringonça’ e se os resultados dos três partidos limitam a margem de manobra de cada um deles. Mas, caso a distribuição de mandatos estimada pela sondagem do ICS/ISCTE se confirme, o cenário pode ser outro: com um PS com mais deputados que o bloco à sua direita, assim como o bloco à sua esquerda, poderemos ter um executivo que navegará à vista, umas vezes dependendo da abstenção da direita, outras da esquerda.»
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3.10.19
Adeus CDS
O Jovem Conservador de Direita despede-se do CDS.
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Um ministro A(zero)edo
Eu não sei onde é que este rapaz fez a Primária e os ciclos todos do antigo Liceu, mas nasceu no Porto, carago…
(E, não, não é Fake, eu própria vi e ouvi.)
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Sondagens: povo sábio
«Como é costume, os partidos que estão na mó de baixo e recuperam olham para o melhor que as sondagens lhes podem dar: essa progressão. E o caso de Tancos, mais do que votos, deu discurso ao PSD. E com discurso a campanha ficou mais fácil. O PSD subiu para mínimos de decência. Mas quem olhe com rigor para a sondagem da RTP percebe que a esperança da direita é totalmente vã. Os números gerais são esmagadores. A soma dos votos dos dois partidos da direita parlamentar, a que correspondeu a PaF, estão 18% abaixo dos partidos de esquerda, a que correspondeu a geringonça.
O PS vence as eleições de forma incontestada mas fica longe da maioria absoluta. E o PAN, sem um programa social e económico consistente, não chega, nem no melhor cenário para os dois, para fazer maioria. Não há “gerinpança”. No pior resultado do PS, Costa voltará a precisar de Bloco e de PCP. No melhor, precisa de um deles. Esta é a solução preferida pela maioria dos inquiridos. Do lado da esquerda, a única má notícia é o mau resultado da CDU. Seja como for, os partidos envolvidos na atual solução governativa têm 53% e conseguem uma maioria esmagadora no Parlamento, mesmo no pior de todos os cenários. Está tudo garantido à esquerda.
A direita fica-se com 35% dos votos, pouco mais de um terço, naquele que será um dos seus piores resultados de sempre. Sugando o CDS, o PSD recupera, o que é importante. Importante para poder continuar a haver uma alternativa à direita. E importante porque uma diferença de 15% ou mais, como chegou a existir, levaria a uma maioria absoluta do PS com cerca de 38%, por causa do método de Hondt. Só estreitando esta diferença se impede que os socialistas fiquem sozinhos. Este resultado, não permitindo que a direita regresse ao poder, salva Rui Rio. Isso impede que o PSD seja tomado pela direita mais radical e não abre espaço ao crescimento de fenómenos populistas à direita. Mau é a queda para mínimos do CDS, que pode criar perturbação nesse flanco. Mas o PSD tem de crescer para algum lado.
A simulação de uma dinâmica de vitória no PSD tem efeitos internos positivos, anima a militância e permite que Rui Rio chegue vivo a dia 6. Não muda nada no que é essencial. Com 35% a três dias de acabar a campanha, a direita não sonha sequer com o poder. Sonha em sobreviver. Se estes forem os resultados de domingo, só tenho a dizer que o povo é sábio: não oferece a maioria absoluta ao PS, não entrega a um partido sem programa a capacidade de com ele fazer maioria, mantém intactas todas as condições para a esquerda governar e, deixando a direita em mínimos olímpicos, não a humilha ao ponto de criar ali uma crise no sistema. Claro que cada um dos inquiridos se limita a pensar no seu voto. Mas o resultado geral, se fosse este, seria perfeito.
Nota: o agregador de sondagens da Rádio Renascença dá, na ponderação que faz dos vários estudos de opinião, 38% para o PS, 25% para o PSD, 10% para o BE, 7% para a CDU, 5% para o CDS e 3% para o PAN.»
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2.10.19
O voto
Não será surpresa para ninguém que leia estas linhas: no próximo dia 6, votarei no Bloco de Esquerda, partido a que não pertenço mas que apoio.
Tenho a sorte de não ter angústias da penúltima hora: opto pelo Bloco desde que ele existe, antes disso votei em alguns dos seus predecessores e em pequenos partidos ou dissidências várias que foram desaparecendo. Sempre escolhi globalmente, atenta aos acontecimentos, mas sem analisar programas ou acções à lupa, em busca de uma ou outra possível discordância ou de 100% de acordo. E, também, sem ir atrás de modas da vigésima quinta hora.
A sociedade que temos está muito longe do que sonhei em 1974, mas é incomparavelmente melhor do que aquela em que nasci e vivi durante tempo a mais. Regressando ao Bloco, este tem sido para a pessoa tal comqueo eu sou, o partido que mais se tem esforçado por travar a luta possível, sem medos e virado para o futuro, nos mais diversos domínios. Por vezes com erros, com hesitações, com aquilo que muitos classificam como instabilidade? Ainda bem, só posso aplaudir. Arautos de caminhos em linha recta, sem dúvidas e que se gabam de uma eterna coerência, nunca foram a minha praia.
Assim sendo, e porque moro em Lisboa, irei votar, antes de mais e com muita honra, na Mariana Mortágua, embora a minha escolha nunca tenha dependido, nem dependerá, de quem encabeça uma lista. Voto na Mariana como no Jorge Falcato, na Catarina Martins, no José Soeiro, no José Manuel Pureza e em todos os outros candidatos. Voto até na Marisa Matias, no Francisco Louçã e no Fernando Rosas. Voto no Bloco.
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No estrangeiro não se pode votar?
Vale a pena ler esta descrição kafkiana, que um emigrante português faz do que teve de lutar para tentar votar nas Legislativas.
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A política como dramalhão
«Quando daqui a uns anos olharmos para trás e reconsiderarmos esta campanha eleitoral, não será difícil reconhecermos que foi bizarra. O PS desprezou a direita, seguro do encanto do seu Centeno, e namorou as associações patronais, que fizeram romaria para apoiar a maioria absoluta. Embalado pelas palavras de Rui Rio, que levou um ano a dizer que o seu principal objetivo era ajudar o PS a livrar-se da influência da esquerda, o primeiro-ministro acreditou num bloco central espiritual em que tutelaria os restos de uma direita fragmentada. Isso acentuou a sua agressividade e, depois de quatro anos em que dependeu do acordo com os partidos de esquerda, o PS centrou-se numa estratégia de condescendência para com o PCP, para o neutralizar, e de ataque contra o Bloco, para queimar os navios ao chegar à praia da sua esperada vitória esmagadora. Para lhe dar voz, multiplicou os apelos a uma maioria absoluta, que é detestada pela maioria dos eleitores, e colocou na ribalta os que se tinham oposto desde o primeiro dia à geringonça, de um chefe parlamentar quezilento a um ministro que tinha sido o bulldozer de Sócrates. Foi tudo errado e, na reta final da campanha, o preço está à vista. Nem tem a simpatia da direita, nem fala com a esquerda. Assim, o PS ficou refém de si próprio no sonho, sempre repetido, da tal maioria absoluta, e nem sei se é melhor dizê-lo ou disfarçá-lo com palavras de circunstância sobre a “maioria reforçada” ou “absolutamente clara”, um gato escondido com rabo de fora que trata os eleitores como se fossem retardados.
Mas o que mais será recordado desta campanha eleitoral é a estratégia do dramalhão. Foi em seu nome que a direita se agarrou a Tancos para evitar o naufrágio. Pede ao Parlamento que seja câmara de confirmação, ou de repercussão, de uma acusação judicial, e ainda que aprecie uma insinuação sobre o primeiro-ministro, logo depois de um jogo de sombras para atingir o Presidente. Mesmo sendo tão óbvio, aliás confirmado pelos próprios autores materiais, que a encenação da entrega das armas constituiu um crime de obstrução à Justiça, eventualmente suportado por uma gestão política irresponsável ou cúmplice em cúpulas militares e no ministério, a invocação da culpa do primeiro-ministro ou do Presidente no encobrimento, o que ambos terminantemente rejeitaram, é um artifício da política dramalhão. Na confusão, salvam-se os feridos e ficam os mortos, ou, se a culpa não é sua é do seu colega, tal parece ser o mote da política dramalhão. Que tudo isto é unicamente dirigido pelo desespero eleitoral, só agrava a perceção dessa falta de escrúpulo destes partidos, que tem ribombado na campanha.
Bem sei que alguma imprensa gosta de sangue e que elogia esta resiliência litigante de um candidato que temiam mortiço e de uma candidata perseguida pelos fantasmas do seu partido, que agora renascem em campeonato de lama. E que essa mesma imprensa castiga quem nota que se trata de um truque para nada dizer ao país sobre o que querem estes partidos fazer a partir de segunda-feira. Criar dois discursos paralelos, em que um é excessivo, segura-me que o vou matar, e outro é propositivo, é sempre arriscado no país latino que somos. Creio, no entanto, que essa imprensa não tem razão e vive numa bolha demasiado fechada. O país aborrece-se e irrita-se com o festival de irresponsabilidade que Tancos demonstrou, mas quer mesmo saber como vai ser o salário no fim do mês, se os filhos vão poder alugar uma casa ou se as urgências vão continuar com falta de médicos. As eleições costumam ser sobre escolhas e não sobre ódios e qualquer pessoa prefere saber o que vai acontecer a assistir a um tiroteio sobre o que já se passou.
Por isso, mesmo que incensada pelo espetáculo, a direita corre dois riscos com esta estratégia. Creio que se apercebe de ambos, embora pense que a curto prazo não pesam o suficiente para desincentivar o dramalhão. O primeiro é que isto é um boomerang: com as assinaturas falsas de deputados do PSD num requerimento ao Tribunal Constitucional (ao Tribunal Constitucional!), o seu grupo parlamentar veio lembrar uma especialidade da casa e o debate viverá destes acontecimentos. Tudo se torna hiperbólico neste novo mundo dramatista. O segundo risco é que nada fique da encenação política: no domingo, o CDS continua limitado a disputar com o PAN, e o PSD, que agora festeja uma subida nas sondagens, continua a tentar alcançar o seu pior resultado dos últimos 40 anos. Somados, PSD e CDS continuam em todos os estudos atrás do PS. Só que do dramalhão não há regresso. Por tudo isto, permitam-me o viés de elogiar quem quer mesmo que haja uma campanha eleitoral, sugerindo programas e propostas aos eleitores e esperando que o voto se decida sobre aquilo de que o país precisa a partir da noite de 6 de outubro.
Quando dentro de meses ou anos olharmos para trás e avaliarmos o que se passou nesta semana, notaremos que houve uma viragem na forma de fazer política pelas direitas e que, preso da sua ambição (desmedida, foi o termo utilizado pelos próprios) de maioria absoluta, o PS ficou preso no seu labirinto. São duas más notícias. Os eleitores decidirão o que fazer com elas.»
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1.10.19
Empreendedorismo e serviço público
Num minicentro comercial muito próximo da Loja do Cidadão das Laranjeiras, passou a existir agora um ecrã com o estado da arte quanto ao possível tempo de espera, para alguns serviços, na dita Loja do Cidadão. Isto permite que as pessoas olhem para o visor e continuem sentadas a tomar o pequeno almoço, almoço e lanche enquanto esperam. Restaurantes e afins agradecem, claro…
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Afinal, o que quer o PS?
«Nos últimos quatro anos, o PS sofreu de personalidade dupla. Na primeira metade da legislatura, falou como um partido de esquerda, surpreendendo e reconfortando muitos dos que votam nesta área política. No último ano e meio, regressou às posições centristas de sempre. O que é o PS, afinal?
Na sua candidatura a secretário-geral em 2014, António Costa procurou apresentar-se como um socialista de esquerda. "Se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou" foi uma das frases que marcaram a sua campanha para as primárias do partido. O significado do mote não era óbvio, mas bastou para fazer a diferença em relação ao governo PSD-CDS e ao rival interno António José Seguro, sinalizando a vontade de ruptura com a política de austeridade seguida até então.
O distanciamento face a um discurso centrista não ficou por aí. Contrastando com o euroentusiasmo típico do PS, o futuro primeiro-ministro afirmava que os socialistas portugueses eram europeístas mas não "euroingénuos". Quase trinta anos depois da adesão à CEE, um destacado dirigente socialista parecia assim desdenhar a atitude de "bom aluno" que marcou a postura dos sucessivos governos desde 1986.
Logo após as eleições de 2015, o PS voltou a surpreender. Não apenas pelos acordos com BE, PCP e PEV, mas também pelo modo como enfrentou as pressões externas que cedo se fizeram sentir, com destaque para a ameaça de sanções por parte da Comissão Europeia.
Pouco depois do início da legislatura, o governo denunciou os contratos de associação entre o Estado e os colégios privados, uma medida que não constava dos acordos mas que recebeu o aplauso unânime à esquerda, tanto pela sua coerência na defesa do ensino público como pela coragem em enfrentar interesses instalados. Casos como este levaram a que muitos acreditassem estarmos perante um partido transformado.
À medida que a legislatura avançava, a atitude mudou. A polémica em torno da chamada "taxa Robles", em que o PS afirmou desconhecer uma proposta orçamental que o BE apresentara meses antes, foi o primeiro sinal claro de que os socialistas estavam menos interessados no ambiente de concílio à esquerda. A seguir a esse episódio vieram outros. A decisão de avançar para a revisão da lei laboral sem o envolvimento do PCP e do BE, a tensão em torno da Lei de Bases da Saúde ou as dificuldades em finalizar a proposta de Lei de Bases da Habitação foram outros momentos cruciais em que o PS se mostrou determinado em regressar à sua tradição centrista.
No último ano, a retórica conservadora subiu de tom. O equilíbrio orçamental (e já não a simples gestão responsável das contas públicas) foi erigido como elemento-chave da governação. No conflito com os professores, o primeiro-ministro dramatizou a polémica, colocando uns sectores da administração pública contra os outros e os trabalhadores do sector público contra os do privado, acusando de privilegiados aqueles que protestam e de irresponsáveis os partidos que lhes dão razão. O auge do afastamento do PS face ao discurso de esquerda aconteceu no Verão de 2019, no contexto da greve dos motoristas de matérias perigosas, em que as decisões e afirmações do governo contribuíram para pôr em causa o próprio direito à greve.
Apesar dos alertas contra os perigos de "pensar como a direita", a postura de António Costa no último ano e meio sugere estarmos perante o regresso ao antigo PS centrista, após um interregno de aproximação à esquerda nos primeiros anos de geringonça.
Uma explicação cínica diz-nos que nada disto tem que ver com hesitações ou opções ideológicas. Que o PS faz o discurso que for necessário para chegar ao governo e nele permanecer, como faria qualquer partido de poder. Demarcar-se da estratégia da troika era necessário para vencer eleições. Agradar ao PCP e ao BE era necessário para aprovar os Orçamentos do Estado. Distanciar-se do discurso das esquerdas permitia aproximar-se do eleitorado ao centro, alargando a base de apoio do governo e até da geringonça. Adoptar uma atitude agressiva contra quem protesta (típica de governos de direita) seria uma opção racional para quem pode aspirar a uma maioria absoluta.
O tempo dirá se esta evolução no discurso é mais ou menos superficial e se contribui ou não para os resultados eleitorais desejados. Mas um problema fundamental persiste: hoje sabemos quase o mesmo quanto sabíamos há quatro anos sobre o que quer o PS.»
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30.9.19
Madonna
Que queria a diva, além de meter um cavalo num palacete de Sintra? Fazer concorrência a Marcelo e ter os portugueses em fila a pedir selfies? Azar…
(Expresso Revista, 28.09.2019)
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Augusto Santos Silva, 2009
Pelo menos podia ser original, mas caceteiro há 10 anos, caceteiro forever.
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Sem Educação Moral e Religiosa Católica não vale pena ir para a escola
«Sinto-me no dever de dizimar a ideia abjecta do Livre de querer acabar com a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) na escola pública. É escusado terminar com uma disciplina que é facultativa. Estamos num Estado laico e, por isso, temos de disfarçar que já não somos um Estado católico nominal. Até aqui funcionava muito bem. A religião católica tornou-se facultativa na escola para que os pais pudessem escolher entre frequentar EMRC ou ir à catequese. É o preço a pagar pela liberdade — as pessoas escolherem alternativas onde praticam a religião católica. Com o recrudescimento da esquerda, agora querem implementar o que está consagrado na Constituição. Não podemos permitir. Já não basta terem limitado a escolha de disciplinas católicas na escola, que se reduziram a uma, quando antigamente havia Álgebra Santa, História dos Três Pastorinhos e mesmo Gramática dos Milagres.
É esta a agenda da esquerda, querem salvar o planeta não sem antes eliminarem totalmente as emissões ideológicas de direita. Se querem eliminar a disciplina de EMRC podiam, ao menos, retribuir e eliminar disciplinas de esquerda, como Português. Todas as pessoas sabem que os professores ensinam poesia aos alunos. Ensinar poesia a pessoas pode levar a que as pessoas possam gostar de poesia. Ultraje! Os leitores de poesia ficam com sentimentos dentro delas que as fazem ficar muito sensíveis. Muitas delas acham que podem, elas mesmas, tornar-se poetas.
Não há nada mais fácil do que escrever poesia, é só colocar palavras ao calha no papel, em que a responsabilidade das palavras fica do lado do leitor, da interpretação que faz, dos sentimentos que lhe transmite. Daí que muitos leitores de poesia queiram ser escritores de poesia: passam a cerrar as sobrancelhas, porque estão em introspecção, compram um caderno Moleskine e passam a sentir que compreendem o mundo quando olham pela janela do metro. Se na esquerda há ódio à religião, saibam que a direita não suporta poetas, a pior espécie de pessoas que existe no éter da existência. Que porcaria de expressão! Falei em poetas e comecei logo a usar palavras de senhoras. Peço desculpa. Se é verdade que há religiões que têm fanáticos e matam pessoas, pelo menos fazem-no de uma forma eficaz, rapidamente. Já um poeta, quando começa a declamar, consegue torturar pessoas durante horas até as matarem de tédio. Agora decidam vocês quem é pior.
Esta proposta do Livre é desumana, sobretudo numa altura em que a disciplina de EMRC foi alargada aos cursos profissionais. Se já é difícil andar numa escola pública, onde pululam as crianças da pior espécie, imaginem o que é serem os maiores falhados dentro de um universo de falhados — os alunos dos cursos profissionais. Retirar o ensino de EMRC a estes seres, a única réstia de esperança para serem salvos pelo Dr. Jesus, é o mesmo que lhes oferecer uma corda, um tamborete e uma trave mestra.
Acabar com uma das últimas disciplinas que ainda confere alguma legitimidade ao ensino público, logo após programação em C++ para recém-nascidos, é em última instância afundar ainda mais o ensino público. É um ter/não ter.
Ter a disciplina de EMRC aproxima o ensino público dos colégios privados ligados à Igreja Católica, estando a maior parte no topo dos rankings de notas escolares. Ter o Dr. Jesus do lado dos alunos implica uma maior probabilidade de haver bom aproveitamento escolar, até porque foi ele que disse: “É mais fácil um menino do Colégio Jesuíta entrar num MBA do que um sociólogo descontar em sede de IRS.” Ter o Dr. Jesus presente nas escolas oferece menores probabilidades de termos alunos a quererem frequentar cursos de Letras.
Não ter o Dr. Jesus curricula implica deixarmos as nossas crianças inocentes de poderem sofrer uma lavagem cerebral por parte do professor de filosofia, que tenta ensinar o sentido da vida através de metafísica, quando deveríamos ter professores de filosofia licenciados em Recursos Humanos; professores que diriam: “O sentido da vida é pensar menos e produzir mais. Só o mercado livre dá sentido à vida.”
Não ter o Dr. Jesus faz com que os professores de História continuem a dizer que o crash da bolsa de 1929 e o 11 de Setembro foram negativos. É verdade que tiveram alguns efeitos menos bons, mas, se há coisa que o Dr. Jesus nos ensina, é que devemos “olhar sempre para o copo meio cheio” (Dr. Jesus dixit in A Bíblia), olharmos para o lado positivo de eventos eventualmente menos bons. No caso do crash da bolsa de 1929, aprendemos que houve consequências negativas, como o nascimento do Estado-Providência, que passou a meter-se no mercado livre — em último caso, se quisermos, no próprio conceito de liberdade. Mas, por outro lado, percebemos que a melhor forma de combater um debacle financeiro é criar entidades financeiras ainda maiores, de modo a que quando essas entidades financeiras voltarem a provocar crises económicas, haverá menos falências de bancos porque o Estado tem a obrigação de salvar o mercado livre. No caso do 11 de Setembro aprendemos que o terrorismo pode ser mau mas, por outro lado, permitiu a ascensão de um dos maiores políticos que o planeta Terra viu nascer: o Dr. Durão Barroso.
Ter o Dr. Jesus na escola é ter a mão direita de Deus na escola que é, como se sabe, um eufemismo para a mão invisível do capitalismo. Não ter o Dr. Jesus é deixar de ter o segurança que ainda conseguia barrar o socialismo à porta e ainda encaminhava algumas crianças para cursos de gestão. Não ter o Dr. Jesus é acabar com a escola pública. O que é triste, não por terminar, mas por ter sido o Livre a reiniciar um processo que o Dr. Pedro Passos Coelho iniciou.
Se pensarmos a fundo, acabar com disciplinas facultativas é cingir os alunos à obrigatoriedade, é impor um percurso único que oprime a liberdade de poder escolher. Impedir alternativas é impor a ditadura da escola pública. Primeiro, a esquerda começou por abater colégios privados, agora está a tentar assassinar a religião na escola, qualquer dia defenestra meninos que vão para a escola vestidos com pólos Lacoste.
Em vez de estarem a propor a proibição de disciplinas facultativas, devíamos todos, enquanto sociedade, oferecer mais alternativas à escola pública, dar maior liberdade ao ensino e referendar novas disciplinas junto dos alunos. Por exemplo, Tourada como alternativa a Educação Física, Rap como alternativa a Português, Excel como alternativa a Matemática, Vídeos de Youtubers como alternativa a Ciências da Natureza, hiperligações da Wikipédia como alternativa a tentar enganar os professores em trabalhos de grupo. E, por que não, referendar se preferem ir para a escola ou não? A liberdade está no poder de escolha, nunca na opressão da escola pública.»
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29.9.19
O PS largou a artilharia pesada
Primeiro Carlos César, hoje Augusto Santos Silva:
«Os generais socialistas entraram este fim de semana na campanha para fazer o que António Costa não quer: distribuir pancada pelos adversários do PS. Por adversários, leia-se: o Bloco em particular, e a direita em geral.»
«O risco, avisou, é os partidos à esquerda do PS poderem ter “poder desmedido”, ou “influência desmesurada”.»
A levar com eles desde 1973. Já cansa!
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Carlos César
Ontem à noite, apareceu-me Carlos César a discursar numa TV ao mesmo tempo que esbarrei com uma citação do passado: exactamente nesta data, em 2015, afirmou ele o seguinte:
«Votar BE ou CDU é um voto mais útil à direita a seguir a votar na própria coligação.»
Abençoado partido que tão bem escolhe o seu presidente!
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Os inimigos imaginários do PSD e do CDS
«É comum, em criança, ter-se um amigo imaginário. Aquele com quem brincamos durante horas, a quem confessamos o inconfessável e que está sempre lá, aconteça o que acontecer. Na política ¬¬- como no futebol -, quando as coisas começam a correr mal, inventam-se inimigos imaginários. A tática é muito antiga e funciona, normalmente, como manobra de último recurso quando alguém está na mó de baixo e precisa de fazer prova de vida.
O inimigo imaginário permite a vitimização. Nem sempre resulta, mas permite, pelo menos, ganhar tempo e espaço. É assim que os presidentes dos clubes reagem quando os resultados das equipas não aparecem. É assim que os políticos funcionam quando começam a perder a mão no partido, quando perdem eleições ou quando as sondagens não lhes são favoráveis. E é isso que está a acontecer, neste momento, com o centro-direita em Portugal.
Rui Rio, que é um especialista nesta arte, sempre se orgulhou de ser um político que se galvaniza perante as adversidades. E é por isso que não lhe bastam os inimigos que tem, precisa sempre de inventar mais uns quantos, para se poder agigantar ainda mais. Foi assim no Porto, está a ser assim no país. Aos adversários internos, Rio junta, normalmente, os jornalistas, os comentadores, as empresas de sondagens, os magistrados, as corporações. Tudo parece servir-lhe como inimigo.
Às vezes, é vê-lo esbracejar no vazio, como se estivesse a lutar, aguerrido, contra uma multidão que só ele vê. As veias da garganta dilatam-se sempre que deita cá para fora toda a sua indignação com a parcialidade de uns, os interesses de outros ou a hipocrisia de tantos. É essa a adrenalina - e a estratégia - de Rio e nós temos de respeitar.
A novidade esta semana é que o CDS parece decidido a disputar alguns dos inimigos imaginários do atual PSD e ainda inventou mais uns quantos pelo caminho. De repente, está tudo em causa: a liberdade de imprensa, a democracia e até o ar puro que respiramos. O drama, o horror, a política do medo, a fuga para a frente. Vem aí um diabo travestido.
O problema desta estratégia é que ela não disfarça o mais importante. O centro-direita em Portugal está completamente desorientado, sem estratégia e sem uma mensagem clara que o eleitorado compreenda e, sobretudo, que saiba distinguir como alternativa.
Nos últimos quatro anos, PSD e CDS foram vítimas de um autêntico saque por parte geringonça: roubou-lhes o discurso das contas certas, do crescimento económico, do desemprego, da confiança dos investidores e, pior ainda, da estabilidade política.
O que sobra ou é curto ou é assunto que queima. Porque é que o centro-direita tem dificuldade em convencer o eleitorado de que uma economia mais liberal produz melhores resultados? Porque não o conseguiu demonstrar no passado. Porque é que o PSD e o CDS têm dificuldade em ser convincentes nas críticas que fazem ao caos que se vive nos serviços públicos? Porque toda a gente percebe que esse caos não começou a ser construído há quatro anos, vem de trás. Porque é que o discurso de um Estado mínimo já não funciona? Porque o PSD e CDS exageraram nas privatizações e as consequências estão aí, bem à vista de todos.
Pior: os últimos quatro anos foram completamente desperdiçados pelo centro-direita. Os primeiros dois foram à espera de um diabo que nunca apareceu. Os restantes foram a correr atrás do prejuízo, sem estratégia e sem rumo. Assunção Cristas ainda teve um balão de oxigénio nas autárquicas, mas, claramente, deixou-se inebriar e acabou a desperdiçá-lo. Rui Rio nem isso teve. Se é verdade que os críticos internos não lhe deram um minuto de sossego, não é menos verdade que foi o próprio Rio que abdicou do seu estado de graça quando achou que podia vencer as eleições sozinho. Contra tudo e contra todos, como ele gosta.
O problema de Rui Rio já não é ter razão no que defende para o país e para o partido. Porque tem razão em muita coisa. É perder-se na mensagem para atirar pedras aos críticos, a quem chama "hipócritas" porque lhe aparecem na campanha, quando ele próprio, em 2015, sendo um crítico confesso de Passos Coelho, apareceu ao lado do então líder do partido para apoiar o PSD e dar o tal "sinal de unidade" que ele agora tanto critica. O problema de Rui Rio foi ter aceitado fazer um pacto com o diabo no último conselho nacional, para vencer o despique com Luís Montenegro, aceitando, com isso, colocar nas listas pessoas que ele nunca na vida teria escolhido. O problema de Rui Rio é que não conseguiu até agora explicar ao eleitorado em que é que se distingue de António Costa, quando se orgulha de ter, ele próprio, um "Mário Centeno".
Aqui chegado, a esta encruzilhada, o centro-direita corre grandes riscos nestas legislativas. E isso assusta, naturalmente. Mesmo que o resultado final não seja tão catastrófico como algumas sondagens mostram - e eu acho que não vai ser - a ressaca, depois das eleições, não vai durar apenas um dia. Vai ser longa. Vai ser feia.
Por isso, PSD e CDS podem continuar a criar inimigos imaginários à vontade, mas, a partir do dia 7 de outubro, as justificações vão ter de ser outras. Já não chega culpar os jornalistas, os comentadores e as empresas de sondagens. A partir de 7 de outubro, os inimigos imaginários vão ter de ser substituídos por responsáveis políticos.»
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