3.10.24
2.10.24
Copos
Copo prateado «Glass Scarabees», besouros esmaltados com cabeça de rinoceronte e vidro opalescente soprado.
René Lalique.
Daqui.
02.10.1968 – México: «Não queremos olimpíadas, queremos revolução»
No dia 2 de Outubro de 1968, na Plaza de las Tres Culturas (Tlatelolco), ao Norte da cidade do México, terminou um movimento dos estudantes mexicanos que durou 146 dias. Aproveitando a realização dos Jogos Olímpicos na capital do país, tinham procurado chamar a atenção do mundo para a corrupção do poder e o autoritarismo do Partido Revolucionário Institucional, no poder durante mais de setenta anos. «Não queremos olimpíadas, queremos revolução», gritava-se entre muitos outros slogans.
Acabou por ser o único movimento estudantil da época que terminou com uma matança brutal. Ainda hoje não se sabe exactamente o número de mortos que varia entre os 44 «documentados» e os mais de 300 reivindicados pelas famílias. E os responsáveis continuam impunes.
Dez dias depois começaram os Jogos Olímpicos que viriam a ficar na História pelo célebre Black Power Salute.
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José Cardoso Pires chegaria aos 99
Cardoso Pires nasceu em 02.10.1925 e morreu em 1998.
Não vou recordar tudo o que dele é conhecido como um dos nossos grandes, grandes escritores do Século XX, mas sim que tive a sorte de o conhecer e que, pelo mais puro dos acasos, almoçámos juntos perto do Largo do Carmo, no dia 25 de Abril de 1974.
Podia descrever os sustos que apanhávamos, nesta casa, quando ele (que nunca se entendeu bem com automóveis) saía a guiar o carro a 20 km à hora, depois de larguíssimas horas de conversa e de uns tantos copos de wkisky; como se comia bom peixe num barracão que já não existe, em plena praia da Caparica, «Tricana» de seu nome; como nunca esquecerei o andar onde se exilava para escrever, frente ao mar, e como me impressionavam as longas tiras de papel onde escrevinhava palavras, pequenas frases e trocadilhos, que iam saindo de conversas mais do que banais, para mais tarde os utilizar. E mil outras recordações que me reaparecem hoje num filme a preto e branco, neste triste Outono que vamos vivendo.
Israel: nunca a liberdade de um corrupto custou tantas vidas
«Há décadas que a guerra entre Israel e a Palestina não é uma guerra de fronteiras. É uma guerra colonial. Porque a relação é colonial. Basta olhar para o que se passa na Cisjordânia. Como é habitual nas relações coloniais, a insurgência é terrorista, a violência do Estado contra ela é defesa legitima em nome da segurança das populações. Atentados palestinianos são terror, que nenhuma pessoa civilizada pode deixar de condenar. Pagers a explodir em supermercados e a matar civis e crianças que estejam perto do operacional, são uma operação que, independentemente de algumas críticas éticas, não se pode deixar de admirar pelo engenho. O colono é racional na sua guerra à distância, o colonizado é selvagem na sua barbárie sangrenta.
Conheço o Líbano, assim como conheço Israel, Gaza e a Cisjordânia. Até assisti, pela triste coincidência de estar na Síria em 2006, à chegada de milhares de aterrados fugitivos da última guerra entre o Líbano e Israel. Tem, como toda a região, demasiada história para tão pouco espaço. Ficando-me pela história recente, a sua diversidade religiosa correspondeu sempre a uma estratificação social que ajuda a explicar o crescimento do Hezbollah entre os xiitas. E a corrupção endémica foi pasto para um Hezbollah que cumpriu o papel de um Estado social, confessional e autoritário em boa parte do território. A ocupação do sul do país, por Israel, entre 1982 e 2000, fez o resto.
A estes grupos religiosos corresponderam, de forma menos linear do que se pensa e com alianças improváveis, a influências externas – do Irão, da Arábia Saudita, da Rússia, dos Estados Unidos ou de Israel – que deixaram marcas em guerras civis por procuração. Com a proteção ativa de soldados israelitas, as milícias maronitas (cristãs) mataram mais de mil civis (incluindo crianças) palestinianos, em 1982, nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, num massacre que pode ser comparado ao que sucedeu a 7 de outubro, não tendo levado a igual reação militar e internacional. Mesmo nestes meses, o número de mortos libaneses é muitíssimo superior às baixas israelitas.
Usando o argumento da inviabilidade do Estado do Líbano, que Israel sempre aproveitou e alimentou, o ministro da Diáspora e do Combate ao Antissemitismo defendeu que parte do sul do país deveria ser anexada porque as fronteiras existentes não fazem sentido. Este é o padrão: usando o argumento da segurança, criam-se “zonas tampão” que depois são anexadas e por fim povoadas, num processo de contínua expansão. Foi feito nos Montes Golã, que era território sírio, e é feito diariamente na Cisjordânia.
É interessante, por isso, ouvir líderes israelitas e seus aliados falarem de um país que luta pelo seu direito à existência (que tem) e de como outros não aceitam a solução dos dois Estados, enquanto Israel expande o seu território e torna cada vez mais inviável a existência do Estado da Palestina. Quem acredita em dois Estados promove a construção de colonatos, radicando 700 mil colonos em terra alheia? O risco existencial real, aquele que é palpável, é da Palestina. É um caso em que a retórica choca de frente com a realidade.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Jordânia (país que tem mantido boas relações com Israel), Ayman Safadi, respondeu, na última sexta-feira, à afirmação de Netanyahu de que Israel estava cercado por inimigos: "57 países árabes-muçulmanos querem paz; dentro do contexto do fim da ocupação de Israel e da criação de um Estado Palestiniano". Mas não é isso que Nethanyau procura. A sua resposta à proposta de cessar-fogo no Líbano, apresentada por Biden e Macron, foi matar Nasrallah e invadir o Líbano. Não faltam planos de paz. Nethanyau não tem nenhum. Porque recusa, de facto, uma solução de dois Estados. E, assim sendo, depois de fazer a guerra, só tem mais guerra para oferecer.
Se Nethanyau quisesse a paz começava hoje uma negociação para garantir dois Estados, aceitando o desafio das nações vizinhas, em vez de provocar o caos à sua volta, passando de uma guerra para outra. Elas podem enfraquecer os inimigos por uns tempos, mas deixam um rasto de ressentimento cujos efeitos virão a ser sentidos por milhares de inocentes e, provavelmente, durante décadas. Enfraquecer a OLP deu a origem ao Hamas. Ocupar o sul do Líbano deu origem ao Hezbollah. Não é fácil imaginar que monstros nascerão deste ano de carnificina.
A guerra de Israel com o Líbano é a continuação do que se passa em Gaza. O silêncio do Ocidente, a que arrogantemente costumamos chamar “comunidade internacional”, perante o genocídio e a violação desabrida do direito internacional, que teve o seu momento máximo na presença de um criminoso de guerra no Congresso dos Estados Unidos, entrega a resistência moral à ofensiva israelita ao Irão e ao Hezbollah. A ausência de qualquer referencial moral – ele fica-se, por estes dias, pelos gritos solitários de António Guterres – dá força a política a um e a outro. Até porque, perante o comportamento de Israel, começa a ficar difícil falar de “terrorismo” para distinguir uns dos outros.
As guerras em Gaza e no Líbano são a mesma. Não são, na forma como Netanyahu as faz, guerras pela segurança de Israel – os ventos semeados neste ano serão colhidos em mortíferas tempestades pelas próximas gerações de israelitas, palestinianos e libaneses, para ficar pelos diretamente envolvidos.
Esta também nunca foi uma guerra para recuperar os reféns, para os quais Netanyahu não se poderia estar mais nas tintas, como a maioria dos israelitas já percebeu. A cada possibilidade de um acordo negociado em Gaza, o governo israelita inventou novas condições para boicotar uma solução pacifica. E quando a guerra de Gaza perdeu a “animação” ofensiva, Netanyahu teve de abrir uma nova frente, porque a guerra é a sua fuga em frente.
Nem a operação dos pagers nem o assassinato de Nasrallah são reações a seja o que for. São operações precisaram de anos de preparação. Com cem mil militares, armamento e a natureza de um exército quase regular, o Hezbollah pode ter ficado enfraquecido, mas recuperará. Com a importância que Nasrallah tem no mundo xiita, o objetivo de Netanyahu era outro: puxar o Irão para um envolvimento direto guerra, coisa que tenta, uma e outra vez, nos últimos meses. E que esse envolvimento trouxesse os EUA para dentro do turbilhão. O que Netanyahu procurava era o caos que o salvasse.
Está a conseguir o que desejava, pondo o seu país, a região e o mundo em enorme perigo. Haverá uma resposta de Israel aos bombardeamentos de ontem e depois uma resposta do Irão e depois uma resposta... E a guerra vai-se alastrando. Netanyahu só precisa de cinco semanas disto, sonhando com a vitória de Trump, o amigo que partilha com Putin – os dois principais desestabilizadores deste tempo.
Netanyahu não procura a segurança de Israel, foge da sua própria prisão. Porque sabe que basta uma pausa no período necessariamente excecional da guerra – a contestação da oposição voltou a amainar com esta nova frente –, para ele cair. E, caindo, espera-o o julgamento que tem evitado de todas as formas, incluindo uma reforma da justiça que os israelitas contestaram na rua. Nunca a liberdade de um corrupto custou tantas vidas. Nunca pôs em perigo um planeta inteiro.»
1.10.24
Dia Mundial da Música
E hoje até é terça-feira…
Crime no dia 29 de Setembro
«O Código Penal é claro. Participar em organizações ou atos que promovam a segregação ou atos de violência contra indivíduos ou grupos em função da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência, território de origem ou religião é punível com pena de prisão de um a oito anos. A difamação e injúria de pessoas ou grupos em função das mesmas condições é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
A manifestação promovida pelo Chega no dia 29 de setembro é, pois, um caso, a meu ver inequívoco, de instanciação destes crimes. A atividade intensa de alguns deputados do Chega nas redes sociais, com principal destaque para Pedro Frazão e Rita Matias, tem todas as características que cabem, salvo melhor opinião, na definição destes crimes. Não estamos no domínio da simples opinião ou da liberdade de expressão. Estamos no enquadramento cristalino da definição destes crimes inscrita no Código Penal.»
João Costa
Seis anos sem Charles Aznavour
Nada de menos inesperado do que foi receber a notícia de que tinha morrido alguém com 94 anos. Mas, sem saber exactamente porquê, há muito que mantinha uma enorme cumplicidade com Aznavour, reforçada, e muito, desde que visitei, há dez anos, a sua querida Arménia.
Nasceu e morreu em Paris, francês mas de origem arménia e terá sempre a «nacionalidade» dos seus pais emigrantes. É um ícone nacional, não só pelo seu êxito como cantor, mas também e talvez sobretudo, pela sua acção após o terramoto de 1988. Em 7 de Dezembro de 1988, às 11:41, a terra tremeu, causando dezenas de milhares de mortos e centenas de milhares de sem abrigo. Aznavour percorreu o país pouco depois, criou uma Fundação específica para o efeito, que reuniu mais de 150 milhões de dólares, tem estátuas (vi uma em Gyumri, a cidade mais arrasada em 1988 e onde a temperatura chega a atingir 45º negativos) e o governo doou-lhe uma casa que avistei em Yerevan, onde funciona a referida Fundação. Os arménios não esquecem.
Ficam aqui dois vídeos relacionados com a Arménia e «La Bohème», a canção preferida por Aznavour, como repetiu dois dias antes de morrer:
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Eu não sou racista, mas...
«Os imigrantes são o bode expiatório. Eles são responsáveis pelos preços exorbitantes das casas, pelo fecho das urgências de obstetrícia e pediatria, pelos índices explosivos de criminalidade, pelos incêndios das últimas semanas e por tudo o que vier a acontecer de mau daqui em diante. Mas não são todos. Uns são mais responsáveis do que outros.
Claro que ninguém quer deportar imigrantes alemães, ingleses ou norte-americanos, mas apenas aqueles que têm pele mais escura e uma cultura mais distante da nossa. São esses que representam a noção de perigo e de insegurança.
A extrema-direita substituiu o clássico anti-semitismo pela rejeição dos imigrantes. Já não compensa amaldiçoar os judeus, que até têm em Israel um governo recheado de racistas e supremacistas brancos.
O que pretende esta extrema-direita é concentrar-se na islamofobia, acrescentar-lhe um pozinho de cristianismo, e responsabilizar os imigrantes por todos os males sociais. “A raiva contra os imigrantes”, escrevia Soledad Gallego-Díaz no El País, “está a tornar-se tão normalizada como o anti-semitismo da década de 1920.”
É essa raiva que une a extrema-direita que governa Itália e Hungria, que faz parte de coligações na Croácia, Eslováquia, Finlândia e Países Baixos ou que sustenta o executivo sueco. E que pode vir a governar a Áustria, caso o FPÖ consiga formar ou participar num futuro executivo.
Duas semanas antes das legislativas deste domingo, na Áustria, a mesma Soledad Gallego-Díaz recordava que o FPÖ, liderado por Jörg Haider, que não escondia de ninguém a sua tendência nazi, só não participou de um governo austríaco de coligação, há 24 anos, porque a União Europeia ameaçou com restrições caso isso acontecesse.
O FPÖ de Herbert Kickl manteve o vocabulário nazi, venceu as eleições e a ameaça europeia não se repetirá caso seja governo. Uma das suas bandeiras é a “remigração”, a expulsão para os países de origem, versão do “vai para a tua terra”, que partilha com a AfD ou com o Chega.
A retórica da expulsão e deportação de imigrantes banaliza-se. Donald Trump (com origens austríacas) promete bater recordes nesta matéria; Rishi Sunak, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido (de origens indianas), queria a tudo custo, e ao arrepio da lei, exportar os imigrantes indesejados para o Ruanda; a Alemanha fechou fronteiras em desespero com os últimos resultados do partido pró-nazi, e por aí fora.
A retórica banaliza-se e contamina uma esquerda oportunista, em países onde o tema é mais candente. Na Dinamarca, a primeira-ministra Mette Frederiksen lidera um governo de centro-esquerda que também tem um plano de deportação de imigrantes para o Ruanda — candidato ao estatuto de campo de concentração de cidadãos expulsos da Europa —, sem que isso lhe perturbe a popularidade.
Na Alemanha, Sahra Wagenknecht, filha de um iraniano e de uma alemã, que tinha militado no partido comunista da RDA, em vários grupos marxistas-leninistas e que esteve na origem da criação do Die Linke, fundou um partido com o seu nome e que é tão anti-imigração quanto a Alternativa para a Alemanha (AfD), mesmo que sem a componente racista.
Resultado: o BSW (Buendnis Sahra Wagenknecht) ficou em terceiro lugar nas eleições na Turíngia e na Saxónia, à frente do Die Linke.
Deportação, “remigração”, “nem mais um, nem mais um, nem mais um” – foi isso que ouvimos neste domingo, entre a Almirante Reis e o Rossio, em Lisboa, quando milhares de pessoas seguiram o oportunismo do Chega e fizeram eco das palavras de ordem anti-imigração e pela reconstrução de Portugal.
Ironicamente, fizeram-no no mesmo dia em que este jornal revelava que as contribuições dos cidadãos estrangeiros subiram 44% no ano passado, a mais elevada de sempre, que os empresários consideram que travar a imigração seria “devastador” para a economia ou que a criminalidade desceu nos municípios onde o número de imigrantes mais aumentou.
Vai ser necessário repetir até à exaustão que os imigrantes não roubam emprego — a economia precisa de mais imigrantes para crescer —, que não vivem à custa do Estado — contribuem mais do que beneficiam e acabam por ser vítimas da sua burocracia — e que não cometem mais crimes do que os nacionais.
Não é a imigração que está descontrolada. É o Estado que está aquém no seu papel de acolhimento e de integração, para o bem de todos, e um partido que se alimenta da mentira para ganhar votos à custa do ódio a terceiros.
Nestes tempos em que Hitler é uma tendência no TikTok, e em que os neonazis tentam torná-lo uma figura simpática, com vídeos gerados por inteligência artificial, é possível ser-se racista e xenófobo sem merecer qualquer condenação social ou política. Quem diria que um dia o discurso anti-imigração mais boçal seria eleitoralista?»
30.9.24
Mais um vaso
Vaso de vidro incolor com sobreposição rosa e violeta, gravado e polido a fogo e decorado com «Sweet Williams». Cerca de 1900.
Emile Gallé.
Daqui.
30.09.1935 – Porgy & Bess
Porgy & Bess estreou-se na Broadway, em Nova Iorque, há 89 anos, com um elenco formado unicamente por elementos afro-americanos – uma decisão mais do que ousada para a época, que retardou o seu êxito até 1976.
«Summertime» é certamente o trecho mais conhecido da ópera, mas há muitos mais.
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Entregar a liderança da oposição ao Chega?
«Não nos enganemos: um acordo entre socialistas e executivo no Orçamento iria necessariamente prejudicar o PS, tornando-o uma conveniente muleta do Governo.
O maior dos riscos seria o de entregar, efectivamente, a liderança da oposição ao Chega, que passaria quatro anos (se o PS desse a mão ao Governo durante toda a legislatura) a gritar contra “os partidos do sistema” que se “mancomunam” e outras magnificências deste calibre.»
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