6.12.24

Aconteceu aos melhores

 


Fardas, galões e cara de mau

 

«As declarações de Gouveia e Melo na abertura das IV Jornadas Defesa/Saúde, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, não foram só uma crítica a quem não lhe reconhece perfil para ser chefe de Estado. Foram um autoelogio. (…)

Em resposta aos comentadores que "menorizam" a task force da covid, o almirante fez questão de salientar "que não era qualquer militar que fazia aquilo. Havia muitas capoeiras com muitos galos". (…)

A importância das fardas, dos galões e de ter cara de mau já funciona nas sondagens. Nas redes sociais também. Resta saber quanto vale nas urnas.»


Ary dos Santos

 


Seriam 87, hoje.


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Marcelo era "feliz e não sabia" e pode-se queixar de si próprio

 


«A frase que Marcelo dedicou a António Costa na quarta-feira, na conferência do PÚBLICO na Escola, é uma referência política emocional e uma declaração de derrota.

A frase "éramos felizes e não sabíamos" é usada por toda a gente em momentos de nostalgia e de beatificação de passados em contraposição a presentes sombrios.

Para Marcelo, o presente é sombrio: tem 50 deputados do Chega sentados na Assembleia da República e vai deixar, tudo indica, a Presidência da República entregue a um militar, uma coisa que abjura. Sim, com António Costa, Marcelo foi feliz – "comparado com o que vinha aí".

Vamos à frase emocional do Presidente: "Dizia muitas vezes a um governante com o qual partilhei quase oito anos e meio de experiência inesquecível: um dia reconhecerá que éramos felizes e não sabíamos. Era tudo relativo, era uma felicidade relativa, mas comparado com o que vinha por aí, era uma felicidade".

Sim, o Presidente não está a conviver nada bem com este novo ciclo: "A realidade não está racional, está emocional. As novas lideranças são emocionais, as novas formas de comunicação são emocionais, os novos poderes são emocionais, não são racionais".

É tudo verdade, mas a realidade sempre foi emocional e pouco racional. Já o era antes, quando Marcelo foi eleito. O Presidente dos "afectos" usou e abusou das emoções. Um dos seus maiores trunfos era a sua incrível capacidade de atracção. Isto é racional? Não.

Podemos dizer que a eleição de Marcelo colocava menos riscos para o regime tal como o conhecemos do que um almirante que ainda esta quinta-feira foi fazer campanha fardado e apela sempre que pode às emoções dos portugueses sedentos de ordem e autoridade.

É um facto que Marcelo já tinha dado um mergulho no Tejo e guiado um táxi (campanha para as autárquicas de Lisboa de 1989). Comentou tudo aos domingos à noite durante décadas. E quando popularizou o seu peito nu em frente às câmaras – em si um acto emocional, em busca da dita proximidade – os portugueses já o conheciam.

O drama do grito de alma de Marcelo é ele ser co-responsável pela ascensão do Chega e do almirante. Não foi agora que a política começou a ser emocional – António Campos recorda na entrevista ao PÚBLICO como Mário Soares tinha perfeita noção da "falta de cultura democrática" do povo português, que tinha "reacções emocionais e não racionais".

O problema é que Marcelo também vê a política de forma emocional. Se tivesse sido racional, saberia que, depois da demissão de António Costa por causa do famoso parágrafo da antiga PGR – que acabaria sempre por acontecer depois de terem sido encontrados maços de notas na sala do chefe de gabinete –, não devia ter convocado eleições. Uma vez disse no nosso podcast Soundbite que Marcelo "não iria querer ter como legado a eleição de uma grande bancada do Chega na Assembleia da República".

Fui ingénua. Marcelo tinha amarrado Costa ao cargo, numa interpretação abusiva do significado das eleições legislativas, transformando-as em eleição unipessoal como é a do Presidente da República, para tentar torpedear a chegada de Costa ao Conselho Europeu.

Era possível, no nosso regime, o partido mais votado (o PS, com maioria absoluta, na época) ter indicado um outro primeiro-ministro. Marcelo deve ter hesitado e a prova é que Mário Centeno foi contar ao Financial Times que tinha sido convidado (depois foi obrigado a recuar).

Só que Marcelo tinha-se comprometido com a dissolução de que tantas vezes falara, muitas vezes a total despropósito. Na verdade, o Governo da maioria absoluta vivia no iminente risco de uma dissolução tantas vezes "ameaçada" pelo Presidente. Havia alguém que tivesse dúvidas de que nas eleições haveria lugar a uma enchente do Chega? Aparentemente, só o maior analista político da República não percebeu.

Sim, Marcelo foi feliz, não sabia e não voltará a felicidades passadas. Uma grande parte dos seus ziguezagues enquanto Presidente, das suas mudanças de humor e opinião, das suas "marcelices" abriu caminho a um futuro Presidente com o perfil do almirante. Gouveia e Melo voltou a usar esta quinta-feira o cargo de Chefe de Estado-Maior da Armada com vista às presidenciais e não tem feito outra coisa desde que chegou ao posto.

Foi o almirante que ainda esta quinta-feira disse: "Nós, militares, temos essa coisa. Temos cara de mau e quando estamos fardados temos galões, às vezes, isso ajuda. Essa autoridade lateral que nos vem da farda ajuda".

Resta saber como é que a "cara de mau" funciona com outra roupa. É que em 2025 Gouveia e Melo não andará vestido à militar e vamos ver se o sucesso emocional será o mesmo estando despido (de farda).»

Ana Sá Lopes
Newsletter do Público

Um pouco mais de azul (19)

 




5.12.24

O castanho também é uma bela cor

 


Garrafa de vidro fumado, tampa decorativa coberta com esmalte duro policromado e ouro de flores estilizadas.
Émile Gallé (1846 - 1904).

Daqui.

A França no seu grave labirinto

 


Nelson Mandela

 


11 anos sem ele.

Um dia olharemos para uma criança com um “smartphone” como se estivesse a fumar

 


«Segundo um estudo do Quostodio, tendo como objeto 400 mil famílias de Espanha, EUA, Reino Unido e Austrália, os menores entre os 4 e os 18 anos passam, em média, quatro horas por dia em frente aos ecrãs. Dois meses do ano. Horas que nunca mais se repetirão no seu desenvolvimento cerebral e físico. Definitivamente perdidas e irrecuperáveis. Perdas que deixarão mazelas irreversíveis. Porque nós, os seus pais, somos coletivamente negligentes. Talvez por estarmos tão viciados como eles, não conseguimos cortar-lhes a droga. Talvez porque essas horas nos tirem peso de cima. Talvez por ignorância.

Não é por acaso que os pais de Silicon Valley procuravam (pelo menos em 2018) escolas com acesso limitado a tecnologia e contratam amas que se comprometem a não deixar os seus filhos usar telemóveis. Sabem o que produzem. Nós, menos avisados, deixámos que se viciassem e, agora, não fazemos ideia o que fazer com o mal que permitimos. Droga e vício não são metáforas. É mesmo um vício, é mesmo uma droga.

Matilde Sobral e Mariana Reis, fundadoras da Associação Mirabilis Portugal, explicaram-no aqui no Expresso: “Como as drogas leves e pesadas, o álcool ou as apostas a dinheiro, também o consumo abusivo de ecrãs provoca libertação de quantidades excessivas de dopamina. Ainda que a dopamina seja um neurotransmissor necessário para a sobrevivência, caso circule em excesso no nosso cérebro, repetidamente, pode causar dependência. A dopamina em excesso é o fator subjacente a todos os vícios. E os ecrãs interativos, pela forma como estão desenhados, provocam libertação desequilibrada de dopamina, tal como as outras drogas.”

Marc Massip compara os smartphones à heroína porque, quando ela surgiu, também se desconheciam os seus riscos. Como sabe quem tem filhos adictos ao telemóvel (ou é adicto), até existe a síndrome de abstinência. Mas continuamos tão a leste da dimensão do problema que a proposta do psicólogo espanhol, que defende que não se tenha estes aparelhos até aos 16 anos, até o cérebro estar suficientemente desenvolvido para lidar com ele, nos parecerá lunática.

Estamos a léguas disto. Mais de 60% das crianças portuguesas recebe o primeiro telemóvel entre os 10 e os 12 anos. E a partir dos 13 ou 14 anos, praticamente todos o têm. 15%, mais do que um. Não vale a pena continuar a fazer a comparação com o passado e o que se dizia sobre a televisão. Os smartphones e tablets estão sempre disponíveis;permitem uma interação que leva ao vício e dão à criança o controlo do que querem ver, evitando o tédio.

A LISTA DAS MAZELAS

Não se ensina uma criança a gerir um vício. Porque lhe faltam capacidades de gestão dos seus impulsos. Ter um tempo no dia em que os telemóveis estão inacessíveis é a forma de a ensinar a gerir a frustração e a ansiedade, levando-a a descobrir outras formas de divertimento. Coisa que inevitavelmente acontecerá. A mais antiga de todas: interagirem entre si, expressando emoções com o instrumento que naturalmente temos para o fazer (o corpo), reforçado lanços empatia. Serem, enfim, seres humanos. Isso também se aprende. E não se aprende no meio de zoombeis virados para ecrãs, perdendo capacidades indispensáveis para animais gregários como nós.

A Sociedade Portuguesa de Neuropediatria fez a lista de efeitos da utilização precoce de ecrãs: aumento do tempo em atividades sedentárias, com limitação do desenvolvimento motor; dificuldade em focar a atenção, gerir adversidades e enfrentar o tédio (reduzindo a criatividade), o que aumenta o risco da hiperatividade e défice de atenção; redução do tempo de interação com adultos e outras crianças, com riscos para o comportamento social e atraso na linguagem; perda de qualidade do sono; e aumento do risco de se sentir fisicamente inferior, com o aumento do risco de perturbações do comportamento alimentar, depressões e ansiedade. Deixo de fora o cyberbullying ou acesso fácil a pornografia, numa idade em que ela não é compreendida pela criança. Acho, aliás, delicioso ver pais que temem as aulas de educação cívica e dão telemóveis aos seus filhos. Confiam mais em algoritmos de empresas do que num professor.

Como escreveram, neste jornal, as duas fundadoras da Associação Mirabilis Portugal, “não há uma única atividade necessária ao desenvolvimento do cérebro que precise de um ecrã.” É por isso que a SPN recomenda que não se usemecrãs até aos 3 anos, exceto para videochamadas (excluindo a televisão, na presença de adulto e para conteúdo adequado, até à meia hora diária). Entre os 4 e os 6 anos, o uso deve ser limitado a meia hora de programação de alta qualidade, na presença de adultos e sem controlo da mudança de canais ou vídeos. Entre os 7 e os 11 anos, uma hora por dia. E entre os 12 e os 15, duas horas, com cautelas várias. Redes sociais? Só depois dos 16. Em nenhum caso ou idade, se deve usar para resolver problemas de comportamento, seja para comerem ou não fazerem birras. Nunca à refeição. Nunca no quarto. Perante estas recomendações, ainda discutimos se miúdos do terceiro ciclo podem dispensar smartphones sempre disponíveis, na escola.

COMEÇAR NA ESCOLA

Mas olhemos para o copo meio cheio. O facto do livro de Jonathan Haidt, “A Geração Ansiosa”, ser um best-seller diz-nos que as pessoas começam a perceber que estão a fazer qualquer coisa incrivelmente errada. E a razão porque me tornei obcecado pela proibição dos telemóveis na escola é por achar que podemos, enquanto sociedade, ajudar as famílias ultrapassar esta fase inicial de correção do primeiro impacto. Cinco ou seis horas por dia sem ter acesso ao telemóvel é a primeira cura de privação, a primeira oportunidade para viverem parte do seu tempo sem esta droga. E para redescobrirem tudo o que precisam para virem a ser adultos.

Será a partir da escola que se determinará o que serão aquelas pessoas enquanto adultos. É ali que se aprende a brincar e brincar é a preparação para coisas sérias. Nas escolas, os telemóveis substituem a formação das primeiras amizades, o exercício físico, as conversas, a socialização, aprendizagem de gestão de conflitos, o tédio. Tudo o que é necessário para a infância e a adolescência prepararem a vida adulta.

Claro que a escola não pode ser um espaço anacrónico, onde a tecnologia está interdita. Mas a tecnologia, a que a escola garante a todos, deve ser usada quando é necessária, fazendo aquilo que a escola faz: pedagogia. Nenhum miúdo deixa de aprender a usar novas tecnologias por não estar sempre com um aparelho ao lado. A escola não pode ser uma bolha no quotidiano de crianças e jovens, mas também não pode ser a repetição do que os pais fazem de errado. Por isso, mesmo que haja crianças que só comem porcaria em casa, a escola só deve ter disponível alimentação equilibrada, saudável e de qualidade. Porque a saúde também se educa, com a experiência. É isso que devia acontecer na relação com os telemóveis e os tablets.

COMEÇA A REAÇÃO

Os primeiros passos, ainda minoritários, começam a ser dados pelos pais. A pressão de vários grupos de pais já permitiu que, em Portugal, várias escolas públicas avançassem na interdição de telemóveis no terceiro ciclo. Mas não me parece que se tenha de esperar pelos pais. Também não se esperou por eles para decidir que alimentos se vendem nas escolas ou para proibir fumar. Há pais que foram mais longe. Para vencer a pressão dos colegas, que todas as gerações conheceram em tantas coisas, nasceu, no Reino Unido (onde 89% das crianças de 12 anos têm seu próprio smartphone), o movimento Smartphone Free Childhood, que lançou um pacto online: em cada escola, comprometerem-se a não dar smartphones aos filhos até aos 14 anos. Ainda é um movimento minoritário, mas 37 mil pais de 56 mil crianças que estão em oito mil escolas britânicas já o assinaram. Em vez do smartphone, dão-lhes um “tijolo”, para estarem contactáveis. Pelo menos sentem que não estão a condenar os seus filhos ao degredo.

Lamento se regresso recorrentemente a este tema. Não quero ensinar a educar. Não sou um ludista. Não vivo em pânico com cada geração será pior do que a seguinte. Apenas percebi, como milhões de pais já perceberam, que a nossa negligência coletiva pode ser responsável por uma geração menos preparada, dotada e empática do que as anteriores. Que isto terá efeitos sociais, culturais e políticos devastadores. E que, no entanto, isto é incrivelmente fácil de resolver. Basta aprender uma palavra mágica: “não”. Basta cumprirmos a nossa função. Ou, pelo menos, deixar que a escola cumpra a sua.»


É isto

 


4.12.24

Marinheiros

 



Vão aprendendo o hino, pode ser necessário em 2026.

Sol na (banan)eira e chuva no nabal

 

«A Democracia convive bem com a existência do Chega e até com a presença de um “bando de delinquentes” - como muito apropriadamente para a ocasião lhe chamou Pedro Nuno Santos - nas bancadas do Parlamento, conquanto os restantes deputados saibam lidar com eles, coisa que manifestamente o PAR não tem sido capaz de fazer. Começa, aliás, a ser confrangedor o esforço que Aguiar-Branco faz para não melindrar uma bancada de gente mal educada. Aquilo com que a Democracia se dá mesmo mal é com a concretização da agenda do Chega, porque ela é, em muitos aspectos, antidemocrática.»