23.9.23

Elevadores

 


Porta do elevador do Edifício Pohjola, Helsínquia, 1899-1901.
Arquitectos: Gesellius, Lindgren, Saarinen.

Daqui.
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Pablo Neruda morreu há 50 anos

 


Pablo Neruda morreu em 23 de setembro de 1973, apenas 12 dias após o golpe de Estado no Chile, oficialmente em consequência de um cancro na próstata.

Se houve sempre dúvidas quanto à veracidade desta causa, elas agravaram-se alguns anos mais tarde quando o motorista do poeta afirmou que ele terá recebido uma injecção letal numa clínica de Santa Maria, em Santiago do Chile, para impedir que se exilasse no México como era sua intenção. Com base nestas declarações, o Partido Comunista do Chile apresentou uma denúncia formal à Justiça, foi aberto um processo e, em Abril de 2013, foi iniciada a exumação dos restos mortais do poeta (sepultado juntamente com a sua última mulher no jardim da casa em Ilha Negra), que foram enviados para análises em Espanha e nos Estados Unidos. Na clínica em questão, nunca foi possível encontrar a ficha médica de Neruda, nem a lista dos trabalhadores presentes.


Já este ano, depois de testes forenses, foi descoberta uma bactéria no seu corpo, provavelmente injectada pela equipe médica enquanto estava no hospital.





Mas hoje é dia de o recordar em vida, com a sua voz inconfundível:





Juliette Gréco

 


Três anos sem ela.


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Casa para viver

 

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Treta do civismo

  


«Já não é a primeira vez que falo disso, e se calhar não será a última, mas o grau de agressividade pessoal nas cidades, em particular em Lisboa, está cada vez maior. O incremento é significativo, tanto mais que está em aparente relação inversa com a agressividade colectiva, aquela que se manifesta algumas vezes nos movimentos sociais. As greves e as manifestações são pacíficas, e, mesmo quando os discípulos da Extinction Rebellion se prendem a uma grade ou bloqueiam uma rua, é mais um acto simbólico do que qualquer “resistência séria”.

É uma comparação imperfeita, mas mesmo assim possível. Na verdade, se a primeira forma de agressividade pode ser testemunhada por todos, a segunda existe latente, escondida, difusa, embora como uma mancha cada vez mais vasta. A primeira forma de agressividade está em alta, em pico, a segunda espalha-se mais em mancha, manifesta-se através de comportamentos menos evidentes, mas que estão lá. Talvez o melhor exemplo seja o racismo, cuja mancha se espalha para lá dos alvos tradicionais, para os imigrantes asiáticos e latino-americanos.

Explico-me quanto à agressividade individual em alta. Ela está por todo o lado e não tenho dúvida de que a violência doméstica é o seu melhor exemplo. Mas não é o mais público. A rua, o trânsito, pode parecer pouco relevante como sinal de agressividade, mas não é. O espaço público urbano torna-se muito pouco habitável, resultado de um conjunto de factos que implica ideias erradas, opções urbanas erradas, medo de actuar, muita impotência, e interesses muito poderosos em nome da “mobilidade”. O monstro cresceu à nossa porta e agora parece indomável.

O caos em que se tornaram as ruas da cidade, sem lei, nem ordem, com milhares de pessoas que não cumprem qualquer regra, trotinetas, bicicletas que circulam em sentido contrário, que passam sinais vermelhos, tuk-tuks que entopem o trânsito, motos que aparecem por todo o lado e passam entre os carros, TVDE que param em qualquer sítio com desprezo pelas filas que provocam, os milhares de transportes de comida, os passeios ocupados com carros, motos, bicicletas e trotinetas (deve ser cada vez mais difícil ser cego e andar na rua), os veículos comerciais que não cumprem horários, etc., etc. Os automobilistas parecem ser a principal vítima, embora o “carro individual” tenha má imprensa, mas o mesmo se passa com transportes públicos, peões e as vítimas inocentes apanhadas em acidentes.

O número de pessoas que em bicicletas e trotinetas se deslocam sem qualquer protecção, duas em cada trotineta, com crianças dependuradas, à frente e atrás, ao meio, numa completa irresponsabilidade dos pais, que fazem slalom a considerável velocidade, aumenta o risco de acidentes e o número de acidentes em que aparecem sempre como vítimas, porque são mais fracos do que os carros. Basta atravessar a cidade para ver como cada vez mais se buzina ao mais pequeno atraso num semáforo e como cenas de insultos e ameaças são cada vez mais comuns. É igualmente verdade que se conduz a ver o telemóvel ou a mandar mensagens. Tudo junto, alimenta o caos.

É suposto as leis e os regulamentos mitigarem a desordem e imporem regras, mas não me venham com histórias da carochinha. É muito maior a probabilidade de alguém ser multado por mau estacionamento do que uma trotineta a voar pelos passeios e a atravessar vermelhos, ou um TVDE ser posto na ordem por parar em qualquer lado, coisa que pelos vistos podem fazer. Já para não falar nessa multidão explorada por uma miséria com uma caixa de comida às costas que tem de entregar depressa para ir buscar mais e que precisa de violar as regras todas para ganhar… nada.

A verdade é que, de uma ponta à outra da nebulosa do trânsito, que é o modo como centenas de milhares de pessoas vivem o seu dia-a-dia, nem que seja de casa para o emprego, para deixar os filhos na escola, para irem ao supermercado, para trabalharem, não há lei nem ordem. Colocados perante a realidade de defrontarem a todos os momentos a lei do mais forte, do mais esperto, do mais hábil, do mais jovem, do mais violento, a resposta é agressiva, ou para fora ou engolindo para dentro. Numa altura em que muito pouca gente tem razões para estar feliz, com tudo mais caro, com pouco dinheiro, com a casa precária, com os filhos a fazerem asneiras, com os pais a fazerem asneiras, sem terem o que querem e gostam, dependentes da “raspadinha”, demasiado presos à “alegria” dos pobres, a telenovela, o futebol e o Big Brother, o que é que se espera? Civismo, boa educação, tretas!

Além disso, vem aí a chuva e o Inverno.»

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22.9.23

Chuva

 


Coluna para drenagem da água da chuva, Villa Majorelle, Nancy, França, 1901-1902.
Arquitecto: Henri Sauvage.

[Dar beleza ao indispensável.]

Daqui.
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Não, «Clara, Não»

 


Tenho resistido e confesso que só hoje abri um texto desta «colaboradora» do Expresso. Fiquei esclarecida: ela vive numa cidade onde não há insectos e eu, talvez na mesma, onde me falta pachorra.

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Sejam justos, ele também nos divertia

 


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Também somos raspadinhas. E pobres

 


«Provavelmente já leu a notícia. Provavelmente já esteve a beber café, de manhã bem cedo, ao lado de alguém curvado num balcão a raspar um bocado de cartão à procura do sonho, ou de metade dele, ou de um quarto, ou de qualquer coisa, nem que seja apenas recuperar o valor apostado. Quando a sorte não sai, segue-se outro shot de dopamina. Os movimentos repetem-se, tal como um hamster a correr numa roda satisfazendo o seu instinto de sobrevivência. “Dê-me outra, desde que tenha prémio”.

Mas o que diz a notícia que resulta de um estudo elaborado pela Universidade do Minho para o Conselho Económico e Social? São 100 mil os adultos portugueses que têm problemas de jogo com as raspadinhas. Destes, 30 mil apresentam perturbação de jogo patológico. São os mais pobres - aqueles que auferem rendimentos mensais entre os 400 euros e 664 euros - que jogam mais. E também os mais velhos. Frequentemente têm mais de 66 anos.

Podemos fazer as leituras que quisermos. Mas, na verdade, o que o estudo “Quem paga a Raspadinha?” nos oferece é também um bom retrato do país. Não somos só fado, nem bacalhau, nem caldo-verde, nem Cristiano Ronaldo. Também somos raspadinhas, mesmo que não fique bem na fotografia.

Em março, um psicólogo foi ao cerne da questão. “Para perceber o desespero dos que jogam, temos de perceber o desespero com que vivem no dia a dia”, frisou Rui Alves, a um jornal universitário.

Este desespero não pode ser confundido com vício. Nem com as receitas da Santa Casa ou com os impostos arrecadados pela Segurança Social para fins de ação social. Em 2021, os portugueses gastaram 4,1 milhões de euros por dia em raspadinhas.

É um retrato de um país pobre e desesperado. Adornado com migalhas para adiar o pagamento da casa, como as que o Governo atirou ontem aos portugueses que têm crédito à habitação. Portugal é um país de trabalhadores. É o sexto na Europa onde a semana de trabalho é mais longa. E de sonhos eternos, nem que seja a raspar.»

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Medidas do governo pioraram a crise da habitação

 


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21.9.23

Mais uma casa

 


Casa Antònia Burés, Barcelona, 1903-1906.
Arquitecto: Juli Batllevell.


Daqui.
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21.09.2012 – Quando o aumento da TSU foi enterrado

 


Seis dias depois da manifestação «Que se lixe a troika», em 15 de Setembro, fomos milhares os que estivemos em frente ao Palácio de Belém, à espera das conclusões de uma reunião do Conselho de Estado.

Durante muitas horas, milhares de pessoas em Lisboa, e muitas outras espalhadas pelo país, deram ao conclave e aos seus membros a importância suficiente para esperarem, de pé, e lançarem gritos de protesto, de apelo e de raiva. Continuaram o que várias centenas de milhares de portugueses tinham começado alguns dias antes.

A reunião do dito Conselho durou oito horas e emitiu um comunicado, inócuo, incolor e inodoro, mas que incluía o único parágrafo que interessava: «O Conselho de Estado foi informado da disponibilidade do Governo para, no quadro da concertação social, estudar alternativas à alteração da Taxa Social Única». Era de esperar outra coisa? Não, de modo algum. A batalha tinha sido ganha antes disso. Na rua.
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