26.7.24

Não temos cá disto (4)

 


Joya de Cerén («A Pompeia das Américas»), El Salvador, 2014.

Em Joya de Cerén, encontra-se um dos mais interessantes patrimónios arqueológicos da América Central, sobretudo porque apenas lá, tal como em Pompeia, podem ser observados pormenores da vida quotidiana – neste caso dos Maias –, até ao início do século VII d.c.

Por volta do ano 600, uma erupção do Vulcão Loma Caldera destruiu completamente o local que ficou coberto por três metros de cinzas até ser descoberto em 1976. As escavações foram interrompidas por causa da guerra civil, mas retomadas entre 1989 e 1996 e os trabalhos de prospecção arqueológica ainda continuam. Tipicamente, as casas familiares tinham duas divisões, onde se vêem camas de pedra, sendo cozinhas e outras áreas usadas comunitariamente. Muitíssimo interessante!

Infoexclusão

 


Pobres açorianos

 



Elogio da política

 


«É uma dança macabra. Ao ritmo das exigências mediáticas, as figuras dos principais partidos rodopiam para justificar e enquadrar a sua “atitude responsável” face ao orçamento. No contrapasso, à espera de uma qualquer novidade, artigos de jornal e sucessivos diretos dão nota das grandes intrigas ou dos pequenos deslizes dos protagonistas. Mais para o final da semana, comentadores e cronistas criticarão os políticos pela superficialidade do debate e, claro, por sucumbirem à politiquice. Assim é, de facto, mas para dançar o tango são precisos dois.

A meses da apresentação do documento, a política nacional está capturada. Dia após dia, sucedem-se as mesmas questões. Quem aprovará o próximo orçamento? A troco de quê? Da direita a parte da esquerda, todos querem estar na fotografia: ensaia-se um suspense “praticamente impossível” sobre o voto para mostrar “disponibilidade negocial”. A barganha orçamental horroriza-se com as diferenças ideológicas e dispensa grandes mundivisões. Encara com naturalidade que qualquer partido, de qualquer espectro político, o Chega ou o PS, viabilize o projeto da direita.

Haverá quem pense que esta foi a forma de governar inaugurada em 2015. Engana-se. A geringonça foi um acordo há quatro anos, entre forças que negociaram longamente e assumiram objetivos partilhados, claros, ainda que limitados no tempo e no modo. O entendimento não foi renovado em 2019, quando a falta de coincidência entre projetos políticos inibiu novos acordos.

É estranha e perigosa a ideia de que a participação dos partidos no processo orçamental só existe se houver negociação para viabilizar o documento. Não tem de ser assim e não deve ser assim. Essa visão reduz o trabalho parlamentar a uma guerra de claques — e, se for para isso, já há uma bastante ruidosa. Mais bizarro ainda é a tentativa de imposição de um novo senso comum, que naturaliza o apoio a uma governação de sentido oposto, desde que haja “sucesso na negociação” de meia dúzia de propostas a incluir ou excluir.

Não quero ser mal interpretada. É claro que o Parlamento é um lugar para procurar aproximações e até consensos: eles acontecem todos os dias, com geometrias diversas, sobre os mais variados temas. Mas o Parlamento na democracia é, antes de mais, o lugar de comparência das alternativas políticas, onde se confrontam ideias e mundividências. Uma democracia composta por versões aproximadas do mesmo algoritmo perde potência, desvitaliza-se, torna-se uma câmara corporativa, uma arena para a alternância de interesses, sugerindo que uma alternativa só pode sê-lo contra a própria democracia. Se “não há alternativa”, não há política. Se não há política, só sobra politiquice.

O programa do PSD, que o governo já recusou “desvirtuar” no Orçamento, carrega uma visão ideológica, política e cultural sobre Portugal. Carrega essa visão sobre o papel do Estado, sobre o trabalho, sobre a redistribuição de riqueza, sobre a organização da economia e sobre os direitos sociais. Não é apolítico, como nada é. É um programa de uma direita neoliberal. E tanto cumpre algumas promessas eleitorais de caráter social (apresentadas como “medidas de pacificação social”) como executa elementos da política para a imigração da extrema-direita. As escolhas já consumadas para privatizar a saúde, para abdicar estruturalmente de receita fiscal em benefício dos mais ricos ou para liberalizar o alojamento local não são business as usual. São medidas que deixarão marcas profundas no país, na economia, na vida das pessoas que partilham Portugal.

O impasse em que muitas democracias ocidentais estão enredadas não é circunstancial e não será solucionado por fracos arranjos temporários de geometria parlamentar subordinados às conveniências de calendário de lideranças partidárias. Neste difícil contexto histórico, o risco é mesmo a falta de escolha, por força da naturalização do programa ideológico da direita, pela diluição do confronto na coreografia inconsequente e pela descredibilização das políticas transformadoras de esquerda.

Perante tudo isto, “quem aprovará o orçamento?”. A pergunta é crucial, mas não pelas razões que embaraçam protagonistas e entretêm cronistas e comentadores. Não é conversa de políticos, é a política de um país.»


25.7.24

Não temos cá disto (3)

 


Metro de Moscovo, Rússia, 2012.

Com um luxo decorativo único no género, inaugurado em 15 de Maio de 1935, o metropolitano de Moscovo merece, sem dúvida, que se lhe dedique o tempo necessário para ver uma parte das mais de 200 estações de que dispõe actualmente. Algumas são fabulosas arquitectonicamente, todas as que vi são lindíssimas em termos de decoração.

Relevo especial para a «Praça da Revolução», com as suas dezenas de estátuas em bronze, sendo a de um homem com um cão a mais popular: os moscovitas passam e afagam o nariz do animal, ao mesmo tempo que exprimem um desejo.

Obrigada, Otelo

 


Otelo Saraiva de Carvalho morreu em 25.07.2021.

Desta Lisboa compassiva

 


AL: Portugal em contramão

 


«Quase três meses depois de anunciar um vago conjunto de novas medidas para “Construir Portugal”, através de um choque de oferta que controle os preços, só duas das 30 propostas anunciadas tinham sido apresentadas e aprovadas: isenção de IMT para os jovens e desagravamento fiscal para o AL. A escolha destas duas medidas é plena de significado político. É por isso que convém olhar para elas não apenas pelo seu valor facial, que não é curto, mas pelo que anunciam de programático.

Todas as medidas para, usando as palavras do Governo, “incentivar a oferta”, “promover a habitação pública”, “devolver a confiança no arrendamento” ou “assegurar a acessibilidade na habitação” ficaram para as calendas. A prioridade política foi começar pelos descontos fiscais em casas que a esmagadora maioria dos jovens não consegue pagar e diminuir a oferta habitacional, favorecendo o florescimento do alojamento turístico.

O choque de oferta na habitação, anunciado pelo PSD como o centro da resposta à crise que se vive, até agora apenas parece estar a retirar casas do mercado e tem os empreiteiros a dizer que congelaram novos empreendimentos à espera da suposta diminuição do IVA.

A primeira foi a isenção no IMT para jovens até aos 35 anos, aprovada com o voto do Chega e da IL, para garantir, como disse a ministra da Juventude, “uma poupança de quinze mil euros” para todos os jovens que comprem “uma casa de 450 mil euros”. Note-se que o valor médio a que estão a ser transacionadas as casas em Lisboa, a região mais cara do país, se encontrava, no ano passado, nos 340 mil euros. Mesmo em Lisboa, onde os preços são quase o triplo da média nacional, querer apoiar jovens a comprar casas a 450 mil euros é de quem governa para os filhos e netos da sua bolha.

A segunda medida foi a revogação da contribuição extraordinária sobre o Alojamento Local e o desagravamento do IMI a pagar por estas unidades, também aprovadas pelo Chega e pela IL.

A contribuição especial, agora revogada, tinha sido responsável pela anulação de 1024 licenças de Alojamento Local, só em Lisboa, no final do ano. "Só em dezembro de 2023 houve mais cessações voluntárias do que em 2022 (onde se registaram 220 pedidos)”, relata o DN. Uma medida que estava a colocar casas no mercado de arrendamento, pelo menos no de média duração ou destinado aos nómadas digitais, é revogada para que possam continuar a encontrar na operação turística o seu propósito.

Por falar em nómadas digitais, o recente anúncio de que o governo pretende retomar a borla fiscal para trabalhadores estrangeiros qualificados arrisca fazer disparar, novamente, os preços da habitação nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

No mesmo dia em que o Governo aprovava medidas para ceder aos ruidosos investidores no Alojamento Local, com a mão dada do Chega que tem nos empresários turísticos e da construção civil a nata do seu chorudo financiamento partidário, Barcelona anunciava que, até 2028, quer acabar com o alojamento turístico de curta duração nas zonas residenciais. Até lá irá suspender a emissão de novas licenças, uma medida que o Montenegro já disse querer revogar, e não renovará as que existem, outra das medidas na mira da sólida coligação fiscal e habitacional entre PSD, Chega e IL.

Em Barcelona, de acordo com a autarquia catalã, o número de licenças (10100) tem impulsionado o preço das casas, que aumentaram 68% no arrendamento e o de venda 38%. Ou seja, uma cidade três vezes maior que Lisboa tem menos duas mil licenças ativas de Alojamento Local do que a capital do nosso país, usando novamente números da autarquia. Mas, se formos a uma das principais plataformas que regista o número de licenças e as utilizadas de forma regular, veremos que a tendência se mantém ou até se agrava em Lisboa. Olhando apenas para as unidades que ocupam uma casa inteira (em vez de quartos) e que tiveram uma avaliação nos últimos seis meses, assim como hóspedes durante 60 noites, vemos que há 5567 casas ocupadas com alojamento local em Barcelona e 8412 em Lisboa.

Podemos pensar que a crise habitacional é pior em Barcelona do que nas principais áreas urbanas do nosso país. Nada mais errado. Os preços, em Lisboa, subiram bem mais do que em Barcelona. Nos últimos dez anos, o metro quadrado não aumentou 38%, como em Barcelona, mas 300%. Nos últimos cinco anos, o valor médio do arrendamento multiplicou por quatro em todo o distrito de Lisboa. O Porto, oito vezes mais pequeno que Barcelona, tem mais licenças do que a cidade catalã. E, em dez anos, o valor das casas no Porto triplicou. E, mesmo assim, Barcelona vai no sentido oposto ao de Lisboa e Porto.

O mesmo acontece com os governos nacionais. Enquanto Montenegro anuncia o fim das ténues limitações ao Alojamento Local e o ministro das Finanças pretende chamar em força os nómadas digitais, conhecendo-se o seu impacto no preço das casas, Sanchéz pretende impor novas regras para regular e limitar o arrendamento de curta duração.

A crise da habitação não é um tema exclusivamente nacional. Mas temos algumas especificidades: um parque de habitação pública insipiente e uma direita que não acredita que se deve gerir o conflito entre o direito à propriedade e direito à habitação. Por isso, medidas completamente consolidadas na Europa, como a regulação do aumento das rendas, existente em quase metade dos países europeus, foram equiparadas às do regime salazarista, explicadas por termos o "governo mais comunista que houve em Portugal desde a Revolução de Abril”. Não foram palavras de Ventura, mas de Leitão Amaro e Montenegro. Explicam o revanchismo com que o governo se atirou a todas as tímidas tentativas de regulação da habitação num dos mercados habitacionais mais desregulados de toda a Europa.

Podemos pensar que são Espanha e Barcelona que nadam contra a corrente e o governo português está, afinal, a corrigir desvios estatizantes do PS. Mas são Montenegro e Ventura que vão em contramão a vociferar contra todos os que encontram em sentido contrário. Só nos últimos meses, Amesterdão, que já limita o arrendamento no Alojamento Local a 30 dias por ano, aprovou um reforço na fiscalização e novas medidas restritivas para a troca de apartamentos. Nova Iorque aprovou um regulamento onde só permite aluguer de curta duração ao máximo de duas pessoas e num apartamento partilhado com os seus donos. E a Assembleia Nacional Francesa votou, há seis meses, um conjunto de medidas que permitem às autoridades locais atribuir uma licença de alojamento local por cada casa colocada, pelo proprietário, no mercado de arrendamento de longa duração.

Ninguém quer matar o alojamento local, mas encontrar soluções equilibradas entre o direito à habitação e o investimento. E, existindo direitos conflituantes, há hierarquias, porque a habitação, e não o lucro do turismo, é um direito constitucionalmente protegido. Mas para existir equilíbrio é preciso que se reconheça a o problema. Como vimos pelos discursos inflamados de Montenegro ou a presença de Moedas na manifestação pela desregulação do Alojamento Local, não é o caso. Não é por acaso que, de todas as divisões e conflitos que têm existido num parlamento fragmentado, a união mais sólida e estável é a das direitas nos temas fiscais e da habitação. Porque o direito único e absoluto, na sua mundividência, é o da propriedade. Não há crise habitacional que o possa limitar. Mesmo que ela tenha custos económicos brutais e continue a transferir, como é sina da nossa história, recursos produtivos para as únicas elites que sabemos criar: as do rentismo.»


24.7.24

Não temos cá disto (2)

 


Catedral de Sal, Zipaquirá, Colômbia, 2012

Não sei quantas catedrais já terei visitado, mas nenhuma como esta – feita DE SAL. Ocupa três camadas já desactivadas de minas e resulta de uma verdadeira proeza técnica que tirou partido dos túneis e das cavernas que sobraram da antiga actividade de extracção.

Atinge 180 metros de profundidade e nela se percorrem as 14 estações da Via Sacra, que desembocam na catedral propriamente dita, com três naves – tudo num impressionante percurso, complexo e muito bem iluminado. Foi construída entre 1991 e 1995 e substituiu uma outra mais antiga.

A primeira «pátria» – Moçambique

 


Sinto que tenho três «pátrias» (ou talvez por isso nenhuma, o que vai dar ao mesmo).

Quanto à do Império, deixo para Marcelo & Friends os respectivos festejos aquém e além-mar. Já assinalei o 21 de Julho, Festa Nacional da Bélgica. Faltava referir esta – a de Moçambique –, onde uma cesariana de alto risco me pôs na cidade das acácias vermelhas.

Lá fiz exames da 3ª e da 4ª classe, depois de aprender todos as estações e apeadeiros da Linha do Norte na «Metrópole», de fazer redacções sobre as latadas no Minho e de pôr algodão a imitar neve na árvore de Natal, embora esta estivesse montada ao ar livre.

Com pouco mais de nove anos, vim para Lisboa que detestei. E detestei porque se gravaram em mim imagens de uma cidade tristíssima, com pessoas vestidas de preto ou cinzento, a viverem em camadas dentro de prédios em ruas estreitas, ainda ao som de pregões e de gritos de vendedeiras que espalhavam canastras de peixe pelo chão. Faltavam-me as acácias vermelhas, a Polana, o calor, os cheiros e sobretudo os grandes espaços.

Só bem mais tarde percebi o que eram colonos e colonialismo. E, mais tarde ainda, senti o que foi o inevitável drama dos retornados.

Lisboa 35ºC

 


24.07.2011 – Machu Picchu

 


Qualquer pretexto é bom para se falar de Machu Picchu, onde tive a sorte de estar em 2004.

Foi num 24 de Julho que o explorador americano Hiram Bingham encontrou duas famílias que o levaram às ruínas da «velha montanha». Até lá, esta «cidade perdida dos Incas», que é o símbolo mais típico do seu império (e hoje também do Peru), construída no século XV a 2.400 metros de altitude, extraordinariamente bem conservada e com uma localização absolutamente excepcional, mantinha-se desconhecida. Tem duas áreas distintas, uma dedicada à agricultura, numa série impressionante de socalcos, e uma outra urbana com templos, casas e sepulturas, dispostos ao longo de ruas e de (terríveis!) escadarias.

Património da Humanidade desde 1983, Machu Picchu é destino inesquecível para quem já lá foi e fortíssima recomendação de viagem para quem puder fazê-la.

Tradicionalmente, parte-se de Cusco (uma cidade absolutamente mágica), segue-se pelo Vale Sagrado, com paragem obrigatória no mercado de Pisac, passa-se pelo Vale de Ollantaytambo e apanha-se o mítico comboio que chega às imediações das ruínas. Então… é ficar primeiro de boca aberta e depois descer, trepar, ouvir explicações, imaginar a vida por aquelas paragens, quando a França e a Inglaterra ainda se batiam na Guerra dos Cem Anos e o nosso Vasco da Gama lutava com o cabo das Tormentas. Um pouco impróprio para cardíacos pela altitude e pelo esforço para calcorrear pedregulhos, mas vale bem o sacrifício.