2.12.23

Pedro Tamen

 


Teria chegado ontem aos 89.


Ao Tempo

Heródoto contava a história,
mas nós contamos memória
entre os pontos e os is
daquilo que Deus nos quis.

É o que vale. Senão
amortecia no chão
o diadema do dia
(o que bem apetecia).

Por isso nos ocupamos
em tiritar pelos anos
o frio que vem das horas
no degelo das demoras.

Oh, que tragada perdida
esta de nós pela vida,
mesmo apesar de polícias
e Diário de Notícias.

Senhorio, mas de partes,
artistas, de malas-artes
e capados; nossa sina
parou no Alto de Pina.

Isto é que se nos dá,
e andamos ao deus-dará
por muito que não queiramos.
Isto é: agradeçamos

E metamos por aí,
por entre o ponto e o i.

Pedro TamenPoemas a isto,

Moraes ed., Lisboa, 1962.                                                                                                                             

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A ideologia antidemocrática do justicialismo

 


«Como já se está em plenas campanhas eleitorais, duas pelo menos, a das legislativas e a interna do PS, e há a percepção de que estamos num fim de ciclo, não se discute, como se devia, como chegámos aqui. A tudo isto se soma uma cobardia generalizada face ao Ministério Público, quer porque se tem culpas, quer porque se tem medo. O único actor político que nos últimos tempos mostrou que não tinha esse medo foi Rui Rio, mas lembrá-lo é incómodo, quer para o PS, quer para o actual PSD que o quer esquecido, por ser uma sombra incómoda.

Este silêncio tem também outra razão, sussurrada como um vento forte, mas pouco visível: é que a actual crise política resolveu um problema que a direita nunca tinha sido capaz de resolver, afastar António Costa. É verdade que o PS ajudou, a começar pelo próprio Costa, que sempre escolheu mal à sua volta, e que também o Presidente fez o que pode nos últimos tempos. Mas, se voltarmos atrás, mesmo nos momentos mais complicados para o PS, ou nas relações com o Presidente, Costa parecia atravessar incólume as tempestades.

Não era inteiramente verdade, mas as fragilidades pareciam não atingir o coração da coisa, Costa estava para durar e mesmo aqueles que sonhavam 24 horas por dia em derrubá-lo reconheciam isso. E, de repente, Costa cai não porque os seus inimigos políticos o tivessem derrubado, nem pela luta política normal, mas por uma política anormal em democracia, uma mistura grande de incompetência e irresponsabilidade e uma ideologia corporativa antidemocrática, o justicialismo.

É por isso que se devia falar, e muito, deste evento, porque ele transcende a prática normal da democracia e é relevante para todos, sejam da situação ou da oposição. Porque o justicialismo não é redutível ao confronto partidário, não é do PSD contra o PS, ou vice-versa, não é da direita versus a esquerda, ou vice-versa. É uma intervenção no terreno da política democrática de uma concepção corporativa que encontra legitimação numa ideia de superioridade do seu poder assente numa bondade, honestidade e integridade atribuídas a uma casta, que precisa de ter inimigos para se justificar como superior. E esses inimigos são os políticos em democracia, o “outro” poder.

Detendo poderes consideráveis, uma total independência funcional, e uma completa impunidade, deveriam ter muito mais escrutínio, que os obrigasse a combater mais o crime de forma sólida e competente e com resultados – sim, o crime de colarinho branco, o crime dos políticos, o crime dos empresários, o crime de todos os criminosos. E não serem eles próprios os agentes das fugas de informação sempre sem autor, e os anjos do Bem organizadores de encenações televisivas, que quase nunca levam a nada, mas são do melhor para as audiências.

O justicialismo é uma forma mais sofisticada de populismo, mas muito próxima da substância do populismo que alimenta o Chega. Como se verifica no caso actual, os resultados da sua acção podem ser instrumentalizados, o que faz a direita radical e o lucrativo jornalismo de escândalos, retaliação e vingança, cuja ideologia também mergulha nas mesmas fontes. Mas o mecanismo do justicialismo actua para além dos seus efeitos no equilibro político, no reforço da imagem da casta e na intangibilidade dos seus poderes, sempre apresentados como sendo em nome de um valor maior que superaria os estragos menores que provocam.

Esta semana é um bom exemplo do que estou a falar e, de novo, da cobardia de não discutirmos o que se passa. Uma procuradora escreveu o único artigo de opinião em que, falando explicitamente do que se está a passar, denunciou como actuam os mecanismos de poder internos ao MP, em particular os sindicais, para criar uma muralha de impunidade à volta dos procuradores e impedir o funcionamento de qualquer hierarquia. Foi imediatamente sujeita a um processo interno. Abertura de noticiários na televisão? Nada. Solidariedade? Salvo raras excepções, que incluem a deste jornal, nenhuma. O medo é forte, a utilidade para outrem, muita.

Mas mais coisas aconteceram. Vários inquéritos do MP a políticos, com a habitual fuga de informações para condenar antes de qualquer tribunal, foram arquivados porque não havia prova de crimes. Como aconteceu com Miguel Macedo e Eduardo Cabrita, os estragos estavam feitos e ninguém se responsabiliza. O mais escandaloso foi o inquérito contra a presidente da Câmara de Matosinhos, também arquivado há dias, por ter contratado o seu chefe de gabinete sem concurso público, crime que, pelos vistos, 307 autarcas também cometeram. E a questão é que toda a gente sabia que o arquivamento iria acontecer, porque os chefes de gabinete são escolhidos por confiança pessoal, mas mesmo assim atirou-se com mais uma mancha para a multidão que se alimenta de manchas, em particular nas redes sociais. E se fizesse aqui uma lista sobre os inquéritos que, pressuroso, o MP abre mesmo a coisas que nada têm a ver com crimes mas que aparecem na comunicação social especializada nas malfeitorias, e não levam a lado nenhum, o PÚBLICO não teria espaço. Qual é o mal? É que imediatamente as pessoas se interrogam. Se o MP abre um inquérito, é porque há alguma coisa.

Estou consciente que há muitas vezes uma linha fina entre criticar o MP e querer estar acima da lei e não ver os seus crimes expostos e sujeitos a sanção. Mas aqui não há uma linha fina, há até uma bastante grossa que deveria existir entre a justiça e a política, e o justicialismo apaga-a todos os dias.

Só há uma maneira de salvar a democracia nesta crise, é António Costa (e é só desse que estou a falar) ter mesmo cometido o crime para que se presume que haja “indícios”, e que motivou o célebre parágrafo que provocou a inevitável demissão do primeiro-ministro. Abriu a crise em que estamos apenas a começar a mergulhar.»

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1.12.23

Luzes

 


Candeeiros de vidro pintado, com latão platinado.
Handel Teroma.


Daqui.
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Rosa Parkes

 


1 de Dezembro de 1955, o dia em que Rosa Parks recusou levantar-se para dar o lugar onde estava sentada a um branco, num autocarro de Montgomery.

Ver e ler mais AQUI.
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1º de Dezembro, Badajoz à vista

 


Quando dava aulas na FLUL, tinha de me deslocar ao Ministério da Educação para obter autorização (visto no passaporte) para ir a Badajoz no 1º de Dezembro comprar caramelos.

Sim, porque esta data nunca foi feriado em Espanha (por supuesto...) e era excelente para atravessar o Caia e trazer Solanos, cintos, porta-moedas, muñecas e outras prendas de Natal. Tudo com medo e mil cuidados, não se desse o caso de a mala do carro ser vasculhada por suspeita de contrabando. Dá para imaginar?
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Woody Allen

 


Chega hoje aos 88.
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O corte de Pedro Nuno: carreiras e excedente

 


«Hoje foi o dia dos candidatos à liderança do PS entregarem as suas moções de estratégia. Há um corte epistemológico com o presente na moção de Pedro Nuno Santos: um corte com a santidade dos excedentes orçamentais e com a impossibilidade de devolver o tempo de serviço congelado aos funcionários públicos.

Defender a devolução do tempo de serviço congelado – ainda que faseadamente – a todas as carreiras da função pública, e não apenas aos professores, vai mais além do que alguém imaginaria. António Costa sempre se manifestou contra a devolução do tempo de serviço aos professores, argumentando com a desigualdade com os outros ramos da função pública – e que para compensar todos os ramos não haveria dinheiro.

Aliás, toda a gente se lembra de quando Costa ameaçou demitir-se quando uma "coligação negativa", que incluía o PSD de Rui Rio, aprovou na Assembleia uma proposta de devolução do tempo de serviço aos professores.

Mas esta promessa de Pedro Nuno Santos é indissociável de uma outra, que é resumida sob o título "Política Orçamental: um novo equilíbrio entre a redução da dívida e o investimento público e o estímulo à economia".

O que se propõe é combater a estratégia de excedentes orçamentais à conta da fraqueza dos serviços do Estado e dos ordenados dos seus antigamente chamados "servidores": "A estratégia de descida da dívida é essencial, mas ela não pode ser vista como uma prioridade isolada; necessita sempre de ser avaliada e ponderada face a outros objectivos e necessidades que o país enfrenta. Uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental que o governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas".

Aqui está o princípio de um programa verdadeiramente social-democrata, uma política que ajudou a fundar a União Europeia e os estados sociais, mas que foi progressivamente perdendo terreno para políticas mais liberais e economicamente ortodoxas.

Ao anunciar estes dois princípios – e só me restrinjo a estes dois – Pedro Nuno Santos pode vir a ser capaz de dar o tal "novo impulso" de que o PS precisa para ir às eleições de 10 de Março. É que até o próprio António Costa reconhece que é preciso "um novo impulso" e a coisa não vai ser fácil.

Ao apresentar-se como o candidato da continuidade (mas só dos últimos anos da herança costista, já que rejeita repetir a geringonça) e ao escrever na sua moção que o PS será sempre "garante da governabilidade", só se pode concluir que, quando José Luís Carneiro admitiu na sua primeira entrevista viabilizar um governo minoritário do PSD, estava mesmo a falar a sério. Não se tratou de "um momento infeliz", como Maria da Luz Rosinha, da equipa de coordenação da campanha de Carneiro, tentou justificar.

O PS tem duas estratégias à escolha. E há ainda Daniel Adrião, o único que, de facto, não esteve durante um minuto ao lado de António Costa.»

Ana Sá Lopes
Newsletter no Público, 30.11.2023
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30.11.23

Espelhos

 


Espelho e vitrais, Museu de Arte Americana Charles Hosmer Morse, Winter Park, Flórida, 1906.
Desenho de Abel Landry.

Daqui.
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100 anos, uma vida sinistra… e um Prémio Nobel da Paz

 

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Os eleitores e os eleitos: um divórcio crescente

 


«Depois da demissão do primeiro-ministro e do anúncio da iminente dissolução da Assembleia da República, estamos em plena campanha eleitoral a caminho de eleições legislativas.

As campanhas eleitorais são períodos de dúvida para os eleitores, pelo que ouvem e nem sempre compreendem. Candidatos, sejam eles do partido que se recandidata à governação, ou dos partidos que partem da oposição, desdobram-se em propostas e promessas sobre benefícios que até então não foram opção, seja ela politica ou económica. Estamos a assistir a isso mesmo, com medidas como o recuo que o Governo teve face ao IUC ou as propostas da oposição sobre o Complemento Solidário para Idosos. De repente, na euforia eleitoral, nem os milhões de receita prevista no primeiro são, afinal, necessários, nem a despesa que a segunda adiciona é preocupante.

Esta "tradicional" forma de fazer política pelos partidos do chamado "arco do poder" está a afastá-los do eleitorado, cansado de promessas não-cumpridas e de discursos que muitas vezes não coincidem com a prática que se lhes segue. E até a justificação para que tal não aconteça é quase sempre o facto de o Governo anterior ter deixado uma situação pior que a que se pensava. É claramente uma conversa a precisar de reciclagem.

Este modus operandi é um dos contributos para o crescimento dos partidos fora do "arco do poder" ou, quem sabe, mesmo nesse espaço. Fenómenos do passado, com a ASD ou o PRD, podem ter tido uma contribuição desta volatilidade discursiva dos candidatos ao poder. Já quanto ao aparecimento e florescimento de partidos nos extremos do arco político, é praticamente inevitável a sua associação ao divórcio entre o prometido e o realizado.

Os eleitores descontentes, ou incrédulos, durante muito tempo manifestaram-se com um aumento crescente da abstenção, sem que isso induzisse uma alteração na forma de fazer política. Aos incrédulos juntaram-se os revoltados, que não deixam de votar, mas fazem-no optando pelos partidos nos extremos do arco político e mesmo, como vem acontecendo recentemente, esticando o arco para fora dos limites da democracia.

Como se diz em educação, é sempre bom aprender com os erros dos outros, embora neste caso tal não tenha acontecido. Não aprendemos em tempo suficiente e estamos numa curva ascendente desses fenómenos, correndo o risco de ser acelerada.

Temos até 10 de março para abrandar o fenómeno de crescimento da extrema-direita. É preocupante ouvir jovens que, tendo nascido 10 ou 20 anos depois do 25 de Abril, querem uma alternativa e esperam encontrá-la dando votos à extrema-direita.

Temos todos obrigação de contribuir para mudar o sistema, lutando por ele e não abandonando-o à sua sorte, ou seja, empurrando-o para fora do arco democrático. Isso faz-se votando pela positiva e não usando o voto para "bater" nos políticos que "nos enganaram".»

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Lá chegaremos

 

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29.11.23

Mais uma famosa janela

 


Casa Romulus Porescu, Bucareste, 1905.
Arquitecto: Dimitrie Maimarolu.


Daqui.
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