5.6.23

Há mais vida para além da CIP-TAP?

 


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05.06.1898 – Federico García Lorca

 


Federico del Sagrado Corazón de Jesús García Lorca nasceu em Granada há 125 anos.

Poeta e dramaturgo, conta-se entre as primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola. Foi fuzilado, com 38 anos, em Agosto de 1936, entre 17 e 19, pelo seu alinhamento político com os Republicanos e por ser declaradamente homossexual.

Todos os anos, nessa data, em Viznar, perto de Granada, ciganos cantam, dançam e dizem poesia em honra de Lorca e de cerca de 3.000 fuzilados pelos franquistas, cujas ossadas se encontram por perto.



Mas um dos seus «cartões de visita» será sempre:


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Sempre, sempre ao lado da banca

 


«A banca portuguesa é a segunda a oferecer remuneração mais baixa pelos depósitos, em toda União Europeia. Como Luís Aguiar-Conraria bem explicou, num texto sobre o “cartel da banca” que recomendo vivamente, os bancos estão a pagar 1% pelo dinheiro que os seus clientes lhes emprestam, para pegarem nesse mesmo dinheiro e o colocarem a render a 3,25% no Banco Central Europeu. A margem entre estas duas taxas é o lucro que a banca nacional está a ter, sem qualquer risco, aproveitando a crise inflacionista. Nada melhor do que olhar para os outros países da zona euro, onde a banca remunera em média os seus clientes a 2%, para perceber o ultraje.

Este negócio só se confrontava com um inconveniente: existirem produtos financeiros no mercado com taxas de remuneração mais elevada. A discrepância entre as taxas pagas pela banca e as dos certificados de aforro levou a que, só no primeiro trimestre deste ano, as famílias portuguesas tenham tirado 7,6 milhões de euros dos depósitos bancários e tenham reforçado com nove mil milhões o investimento em certificados de aforro. Este instrumento tradicional de financiamento do Estado tornou-se a única fonte de concorrência de um sector bancário conhecido pelas práticas de cartelização e promessa de não agressão entre bancos.

Se não os podes vencer, tenta anulá-los, é uma velha estratégia comercial. Desta vez nem foram necessárias pressões de corredor. João Moreira Rato – antigo responsável pela gestão da dívida nacional, agora chairman do Banco CTT – fez-nos o favor de dizer em público o que ia na alma de todos os banqueiros: o Estado tinha de parar a emissão de certificados de aforro. A preocupação revelada com o controlo da dívida e a saúde das contas públicas foi tão comovente que quase me esqueci quem lhe pagava o salário.

É certo que o governo não cancelou a emissão de certificados de aforro, como pretendiam os bancos. Mas a suspensão de uma série que retribuía com 3,5% os aforradores para abrir outra em condições menos favoráveis e uma remuneração mais baixa (2,5%) é uma cedência às pretensões de quem mais está a lucrar com a crise.

Até pode haver algumas boas razões técnicas e financeiras para esta decisão. Mas não é por acaso que temos políticos em cargos políticos. Para pensarem nos efeitos mais abrangentes de cada medida. No deve e haver, é um erro Não revela apenas uma preocupante reverência para com a banca. Diminui a aposta na poupança nacional e corre o risco de atirar milhares de portugueses, essencialmente mais velhos, para produtos financeiros de risco mais elevado.

Sim, a remuneração dos certificados de aforro impende nas contas do Orçamento de Estado, sendo suportada por todos nós. E acontece num momento em que o Estado, fruto do aumento de receita fiscal e das contas saudáveis da Segurança Social, já tem pouca necessidade de financiamento. 2,5%, ainda mais num cenário de previsível descida da inflação, continua a ser uma remuneração mais atraente do que a oferecida pela banca. Só que o problema não é a remuneração dos certificados ser elevada – vale a pena lembrar que, sendo abaixo da inflação, 3,5% é um valor real negativo –, é o que se passa na banca.

A inércia da Autoridade da Concorrência, a despreocupação do Banco de Portugal e uma Caixa Geral de Depósitos que se comporta como um banco privado, fazem com que a banca contribua para as dificuldades sentidas pelos portugueses. Neste contexto, o instrumento mais eficaz para os obrigar a ter uma política concorrencial eram os certificados de aforro. Diferente seria se a CGD, como banco público, não modelasse o seu comportamento pelo conjunto do sector, funcionando como instrumento de defesa do interesse comum. Não precisaria de ser deficitária para isso. Bastaria acompanhar a banca comercial dos restantes países europeus.

Convém não esquecer o que vivemos há dez anos. A crise da dívida pública, que nasceu de uma crise do setor financeiro que todos nós acabámos por apoiar, teve como ponto central a vulnerabilidade do nosso país nos mercados internacionais. A nossa dívida, ao contrário da italiana, encontrava-se maioritariamente em mãos estrangeiras e pagámos cara essa debilidade. Nos últimos tempos conseguimos reverter essa tendência, com um forte contributo dos certificados de aforro. Mesmo que seja marginalmente mais caro o Estado financiar-se dentro de portas, o que nem é o caso, é preciso levar em conta os custos e riscos acrescidos de ter a dívida na mão de grandes investidores internacionais.

Por fim, mas não menos importante, os certificados de aforro são um instrumento reconhecido e fiável, merecendo confiança e preferência de pessoas mais envelhecidas e com menor literacia financeira. Diminuir a remuneração é empurra-las para produtos de maior risco, como já tivemos no passado com o papel comercial do BES ou outros ainda mais obscuros.

Como um dia disse Jorge Sampaio, há “mais vida para lá do Orçamento”. Não era má ideia que um governo da mesma cor política tivesse isso presente.

Está na altura de voltamos a falar da banca. O setor é lesto a pedir apoio do Estado quando está em apuros, atirando para cima dos contribuintes o financiamento das perdas causadas por administradores de olhos nos prémios de curto prazo. E é ainda mais rápido a aproveitar qualquer crise para lucrar muito acima das nossas possibilidades. Como vemos agora, também conta com o Estado para manter lucros recorde à custa do assalto aos clientes e pequenos investidores.»

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4.6.23

Quiosques

 


Quiosque Arte Nova para música, San Sebastián, 1906.
Arquitecto: Ricardo Magdalena.


Daqui.
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Em cada português um polícia

 


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04.06.1989 – Tiananmen: nunca esquecer

 


Voltei há poucos anos à Praça Tiananmen. Confirmo que 1989 continua a ser tabu intransponível e retive o silêncio da simpática guia que nos acompanhava. Várias vezes interrogada, foi dizendo que dos acontecimentos de 1989 «nada sabia», que nasceu e vivia então na Manchúria, que nada viu, que não se aprende na escola, que há muitos milhões de chineses que nunca ouviram falar desse não assunto. «Não sei nada, não posso saber, não insistam, por favor.» Calámo-nos.
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Quem quer ser jacaré?

 


«Olho para a fotografia da mulher de corpo perfeito e dentes impecavelmente brancos e não consigo evitar o desconforto provocado pela inveja. O cenário dourado grita um luxo que jamais me estará acessível e a sola vermelha dos sapatos elimina qualquer margem para enganos: há um ordenado meu em cada um dos pés da mulher que posa para a câmara como se o mundo inteiro lhe pertencesse por direito.

E se cada um dos elementos da fotografia vale por si só, nenhum grita requinte de forma tão alta como os brincos, em forma de serpente, que lhe adornam as orelhas. São absolutamente deslumbrantes e não resisto a procurar o seu preço na Internet. Rio muito quando descubro que são bastante mais caros do que os sapatos e que o seu preço se assemelha ao que paguei pelo meu carro de família.

Sabem, sempre ouvi dizer que “quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré” e, na idade em que me encontro, perto dos quarenta, o melhor que posso fazer é aceitar o destino e perceber que nem todos os luxos vêm forrados de dourado e a regurgitar dinheiro e opulência. Há outros luxos, menos impactantes em fotografias, mas que valem mais do que qualquer coisa que o dinheiro possa comprar. Se são luxos de lagartixa? Possivelmente. Mas acredito que até os jacarés os invejem.

Escrevo esta crónica embalada pelas vozes de duas amigas de uma vida que tagarelam na sala ao lado. Viemos passar uns dias fora, e, neste exacto momento, não me ocorre maior luxo do que este. Podiam chover brincos dourados, sapatos de sola vermelha e vestidos de alta-costura que eu ia sempre preferir os chinelos de cinco euros e o vestido em segunda mão que envergo neste momento se isso significasse não perder o ombro, a mão e a gargalhada destas duas.

Aliás, se for honesta comigo própria, terei de admitir que o meu desempenho em saltos altos se assemelha ao de uma pata com problemas na anca e que brincos demasiado grandes e pesados sempre me incomodaram. Os vestidos, por outro lado, parecem-me óptimos, mas não consigo evitar pensar no esforço que exigem de cada vez que a bexiga dá sinal.

Há uns anos, uma amiga ofereceu-me um tratamento naquele que era, na altura, o spa mais luxuoso da região. E eu lá fui, toda contente, a pensar na incrível experiência que me aguardava. Mas mal entrei na sala vi a minha expectativa começar a morrer. O cheiro a incenso era de tal forma intenso e adocicado que só um milagre me salvaria da dor de cabeça do ano. E a massagem? Diferenças de temperatura imensas, óleos, pedras e texturas que pouco mais faziam do que deixar-me nauseada.

A massagista bem me mandava relaxar e concentrar na música ambiente, que, aos meus ouvidos, parecia tocada por uma criança num xilofone. Mas eu, lagartixa tola, cheia de vergonha de interromper a sessão, ali fiquei, caladinha e a aguentar, até ao exacto momento em que uma pedra quente colocada nas minhas costas desferiu o golpe final à experiência e vomitei como se não houvesse amanhã. O verdadeiro requinte, verdade?

Nesse dia, só me lembrava do meu pai, que torce o nariz de cada vez que passa por um restaurante gourmet. E escusamos de lhe dizer que aquela comida é uma experiência e que é um luxo comer ali. Luxo gastronómico, para ele, é comer um prato de mão de vaca com grão, com tempero marcado e um toque de malagueta. E pouco lhe importa o ambiente onde o faz desde que o seu entorno seja asseado, a comida boa e as pessoas simpáticas. O verdadeiro luxo, diz ele, é ter prazer quando se come e ficar de barriga cheia.

E eu volto a olhar para o tablet onde vi a fotografia que começou esta crónica e percebo que estou bastante mais apaziguada. Não que, de repente, tenha deixado de ver a beleza. O luxo funciona como um íman e eu jamais lhe serei imune. Há uma sensualidade no luxo que o torna magnético. Mas o seu espectro é enorme e acho que vivo bem com a parte dele que o dinheiro não pode comprar. Afinal, sempre gostei de mão de vaca com grão. E o resto posso sempre continuar a ver em revistas, na televisão e nas redes sociais.

É verdade que o luxo me parece lindo e me faz suspirar. Mas são as vozes das minhas amigas que me fazem rir, as comidas da minha mãe que me aconchegam e as sapatilhas que me fazem correr. Ser lagartixa, às vezes, também pode ser incrivelmente luxuoso.»

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3.6.23

Entradas

 


Porta de entrada do edifício Les Chardons (Cardos), Paris, 1903.
Arquitecto: Charles Klein. Ceramista: Émile Muller.

[Mais informação sobre o prédio aqui.]


Daqui.
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Qualidades únicas

 


«Marcelo recuou ao tempo em que o antigo primeiro-ministro e Presidente da República era um “militante partidário de base” para recordar a sua “vantagem comparativa”. “Era altíssimo, chegava onde ninguém chegava e, no colar cartazes acima dos cartazes dos outros, tinha uma utilidade única.»

Expresso, 01.06.2023
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A novela que esconde o drama

 

«Um dia que se faça a história de todos os casos que abalaram o Governo de António Costa desde que obteve a maioria absoluta, contar-se-á como o mais infantil dos acontecimentos se avolumou na opinião pública e na Oposição como uma arrastada e desconcertante arma de arremesso político. Sobre a menoridade da prepotência e a maximização da opacidade. Os tristes episódios de "faroeste" no Ministério das Infraestruturas são o caso político mais irrelevante, desinteressante e inconsequente dos últimos tempos, esponja que tudo absorve e tudo seca sobre o que verdadeiramente importa. Aqui jaz tudo o que aconteceu à TAP, tudo o que ainda mexe sobre o seu presente, tudo o que pode ou não fazer o seu futuro, reduzido a nada senão - quando muito - à miséria da condição humana a fazer os seus rotineiros estragos.»

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Nunca, jamais, em tempo algum

 


«O português tem as palavras suficientes, claras, claríssimas: nunca, jamais, em tempo algum. Como todas as questões importantes, elas são muito simples. Pode haver complicações a jusante, mas há um momento, que é o da decisão, em que tudo é muito simples. Porque é que o PSD em 2023 não diz esta simples frase: “Nunca, jamais, em tempo algum, o PSD fará qualquer acordo seja de que natureza for, nem parlamentar, nem governativo, nem por cima da mesa, nem por baixo da mesa, com o Chega para governar caso as eleições legislativas o tornem o maior partido, logo com a responsabilidade de formar Governo, mesmo sem ter a maioria de deputados.”

É muito simples: nunca, jamais, em tempo algum. Se o Chega permitir um Governo do PSD, porque entende que o deve fazer, sem qualquer acordo explícito ou implícito, o problema não é do PSD. O mesmo em relação ao conjunto da governação. Se querem abster-se e votar para permitir a passagem de legislação, como já fazem hoje com o PS, é um problema do Chega, não do PSD. Tudo isto devia ser muito claro, mas não é.

A razão é também muito simples, a actual direcção do PSD não quer impedir a possibilidade de um entendimento com o Chega para garantir um Governo PSD, com uma frase taxativa, e é por isso que anda com rodeios de confusão e ambiguidade. É também pelos rodeios que percebemos que essa hipótese está mais que presente na cabeça dos actuais dirigentes do PSD, que sabem que não haverá maioria absoluta e que é pouco provável que os eleitos da IL cheguem para ter uma maioria de governo. Mais sabem que, no modo como as coisas estão, os eleitos do Chega vão ser suficientes, e é por isso que se anda a enganar o povo com vacuidades ambíguas.

Tudo será feito em nome do “anti-socialismo”, princípio que, para um PSD muito radicalizado à direita, se considera permitir e valer tudo. Na verdade, permite apenas chegar ao poder, e às benesses do poder que uma parte do aparelho do PSD deseja com uma fome tão grande como o actual Tutti-Frutti e os muitos tutti-frutti revelam, em que partidos como o PSD e o PS são especialistas. Dominados pelos seus aparelhos, com os militantes como massa de manobra, pouco lhes importa a perda de qualquer honra passada, ou coerência política e ideológica, pelo apoio venenoso do Chega. E o Chega sabe que pode esperar sentado que o PSD ir-lhe-á pedir qualquer esmola. E ele far-se-á caro, porque também sabe que nessa altura tem o PSD na mão. Qualquer manual de Ciência Política explica para os totós que numa aliança deste tipo, mesmo minimalista que seja, é o partido mais pequeno mas indispensável que manda, que tem o outro capturado.

Espero que tenham vergonha e não venham com o nome de Sá Carneiro, que era de uma grande consistência política, e que, nunca, jamais, em tempo algum, consideraria que o PSD era um partido de direita, a cabeça de uma frente de direita, ainda mais de extrema-direita, o braço armado da direita radical. Sempre o colocou ao centro, entre o centro-esquerda e o centro-direita, esse lugar maldito que hoje mais que tudo a direita radical esconjura, porque acha que estar aí é “ser do PS”.

Entre os esquecimentos úteis está o facto de Sá Carneiro, na constituição da AD, ter incorporado quer os Reformadores, quer o próprio PPM, que era muito diferente do de hoje. E, como o conhecimento da abundante documentação do seu espólio revela (no Arquivo Ephemera e de há muito colocada à disposição de todos os envolvidos na publicação das suas obras, que continuam a ser publicadas sem qualquer trabalho crítico, porque fazer de outro modo incomodaria muita gente…), as piores relações eram com o CDS, só salvas pelo papel de Adelino Amaro da Costa.

Qualquer ambiguidade com o Chega, como as que teve Rui Rio e tem agora Montenegro, muda o carácter do PSD, que é isso que Sá Carneiro perceberia com uma linear clareza. Não se trata de “moderar” o Chega, nem sequer arranjar uma desculpa qualquer para eliminar o carácter racista e xenófobo do partido, a sua homofobia, o ódio às mulheres, o revivalismo da relação colonial em nome dos “combatentes”, a justificação do Estado Novo, e a desculpa da ditadura, como a sua enorme corrupção interna, ou os namoros com tudo que há de pior na extrema-direita portuguesa e europeia, do Vox a Le Pen, aos neofascistas italianos, trata-se de perceber que o seu lugar, com falinhas mais mansas, ou silêncios de oportunidade, é infecto. A falta das palavrinhas – nunca, jamais, em tempo algum – deixa o PSD bem dentro desse lugar infecto, de onde não se sai incólume, nem limpo.»

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2.6.23

Luzes

 


Luzes de parede "Trigo", bronze e vidro fosco, 1907.
René Lalique.


Daqui.
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