20.5.25

Um objecto diferente

 


Frasco lunar, em porcelana de osso com decoração esmaltada e dourada. Janeiro de 1868 ou 1869.
Fábrica de porcelana de Minton, Staffordshire, Inglaterra.

Daqui.

O Chega está no país real? E os outros partidos?

 

«Em 2024 o Chega foi o partido sensação das legislativas, ao passar de 12 para 50 deputados na Assembleia da República. Ano após ano desde 2019, quando entrou no Parlamento apenas com André Ventura como único deputado, a voragem do partido que mais ostracizado e atacado tem sido na História da democracia - independentemente de ser com razão ou não - triunfou de novo, ao conseguir subir outra vez a sua votação, para 58 deputados, e com a possibilidade de eleger ainda mais um, pelo menos, pelo Círculo da Emigração. Acresce que, pela primeira vez, outro partido que não o PS ou o PSD, se pode tornar a segunda força política do país.

No ano em que se comemoram o cinquentenário das primeiras eleições livres será de subscrever as palavras de Pedro Pinto, o líder parlamentar do Chega, quando afirma que “o sistema já tremeu e foi graças a nós que tremeu”?

O que aconteceu nestes seis anos, ou melhor, o que não aconteceu, foi que o Chega, tal como todos os partidos populistas de extrema-direita, encontrou o bode expiatório para os problemas que boa parte da população sente no seu dia a dia e que, embora alguns não concordem e procurem os reais responsáveis, houve desta vez quase um milhão e 400 mil que acreditaram.»

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Já percebemos

 


Depois do Silêncio

 


«Durante décadas, a política portuguesa foi um compasso previsível: um partido sai, outro entra, o essencial mantém-se. O centro era poder e o poder fingia bastar-se no centro. No domingo, o tabuleiro deu de si.

Ainda sem os votos da emigração, o expectável é que o PS ceda o segundo lugar ao Chega. A AD venceu sem glória, por falta de concorrência. E o velho equilíbrio — dois partidos grandes, outros tantos acessórios — perdeu o eixo. A geometria do regime inclinou-se.

O discurso de Ventura é rudimentar. Mas não precisa de ser sofisticado quando o terreno está seco. Não tem soluções. Tem alvos. Aponta para a insegurança, para a imigração, para os “comentadadeiros”, para o “jornalixo”, para o “sistema”. E, sobretudo, preenche o vazio que os outros deixaram.

E houve muito vazio.

A oposição foi feita de sombras, de temas reciclados, de indignações episódicas. Pedro Nuno Santos tinha à sua frente um Governo minoritário (de apenas um ano, é certo), uma economia a acender sinais de alerta, um SNS que começou a recusar grávidas sem chamada prévia, uma erosão de confiança num Primeiro-Ministro ausente. E, ainda assim, não conseguiu explicar em que é que o seu projecto político se diferenciava.

A AD, entretanto, completava o seu recentramento performativo: falava com os pensionistas, negociava com os sindicatos da função pública, prometia estabilidade. O PSD ocupava, sem pudor, o espaço que o PS esvaziou. Revalorizava as carreiras dos professores com o excedente orçamental que Fernando Medina tinha deixado em cofre. Para o eleitorado, o contraste foi penoso: à frente, um reflexo diluído; atrás, oito anos de governação que foram ficando indistintos do seu próprio sucedâneo.

A resposta do eleitorado foi clara. Não por entusiasmo. Por subtração.

Alegremente se dizia que o Chega tinha deixado cair a bandeira da imigração. Não deixou. Só a afixou mais alto. Capitalizou a ausência de todos. O discurso de Ventura não tem densidade. Tem volume. Não tem soluções. Tem alvo. Aponta para a insegurança, para a imigração, para a “bandalheira”, para o “jornalixo”, para os “comentadeiros”, para o “sistema”. E ninguém contrapôs. Nem com dados. Nem com presença. Nem com coragem.

Bastava ter dito o básico: que a criminalidade não aumentou. Que a perceção de insegurança é manipulável. Que há uma diferença entre o que se sente e o que é. Mas ninguém quis complicar o discurso com factos.

Porque, no fundo, é isso que está em causa: não a realidade, mas a forma como ela é apresentada. A criminalidade não aumentou. O que aumentou foi a exposição a um enredo. Como num filme de terror: os sons da casa não mudam, mas, depois dos créditos, cada barulho em casa parece ameaça. O medo não vem dos factos. Vem da predisposição. E o Chega soube escrevê-la.

Ninguém desmontou essa predisposição. Nem com números. Nem com política. Nem com presença. E foi nesse vácuo que a percepção se consolidou como verdade.

A Iniciativa Liberal colou-se ao poder. Pagou o preço. O Bloco implodiu. O PCP ficou à margem do seu tempo. Livre avançou — mas só até à linha urbana. E Montenegro, que não apresentou ruptura nem brilho, venceu por ser o último que parecia de pé. Não foi esperança. Foi contenção. O Chega incendiou o mapa. Montenegro segurou os cantos. Os restantes deixaram cair o papel.

O populismo cresce onde há raiva. Não (só) por afinidade ideológica, mas por identificação emocional. Vidas demasiado longas para salários demasiado curtos, e uma indignação que nenhuma campanha conseguiu absorver. A esquerda, que há décadas reclama o monopólio da justiça social, foi incapaz de a traduzir.

O problema não é apenas o grito. É tudo o que o antecedeu. O silêncio. A ausência. A ideia perigosa de que bastava estar certo para continuar a ser ouvido.

É fácil, e sobretudo cómodo, rotular todos os eleitores do Chega como racistas ou extremistas. Há quem o seja. Mas há também quem esteja apenas à procura de uma linguagem que os reconheça. Gente que já não vê futuro. Que não sente que a política fale a partir do mesmo lugar. Que não acredita em quem, nos debates, promete mundos sem nunca desce ao deles.

Nada disto exige branquear o Chega. Portugal continua a ser um país mal resolvido com o seu passado colonial, tentado por fantasias de autoridade. O Chega cavalga esse desconforto, e empurra-o para o extremo. Abre uma porta perigosa. E essa porta não se fecha sozinha.

O erro foi pensar que bastava denunciá-la. Que bastava gritar “perigo” do lado de fora, sem nunca entrar para disputar o espaço. O erro foi acreditar que a indignação chegava, quando o que faltava era resposta.

Não basta indignação. É preciso dar resposta à pergunta que nenhum cartaz responde: “e eu, onde fico no meio disto tudo?”. Enquanto isso, o Chega continuará a crescer.

Não por ser forte, mas porque os outros estão a falar sozinhos.»


19.5.25

19.05.2025 -18h

 

Chego a casa e ligo a TV (o que ainda não tinha feito hoje), para ouvir alguns rescaldos das eleições.

O que há em TODOS os canais de notícias? Câmaras atrás de um autocarro verde.

Isto vai, camaradas, o povo é sereno!


19.05.1975 - O «caso República» que fez cair um governo

 


O chamado «Caso República» teve o seu início crítico no dia 19 de Maio de 1975, embora as hostilidades internas, entre a Comissão Coordenadora de Trabalhadores (CCT) gráficos e dos serviços administrativos de um lado, e a Administração e a chefia de Redacção do outro, tivessem já começado nos primeiros dias do mês.

Na manhã de 19, a CCT decidiu suspender do exercício das suas funções a Administração e a chefia de Redacção, acusando-as de estarem a tentar transformar o jornal num órgão afecto ao Partido Socialista. As instalações do jornal foram ocupadas pelos trabalhadores e a edição desse dia saiu com uma constituição diferente.

O PS organizou imediatamente uma manifestação de apoio à antiga direcção, no Largo da Misericórdia (com a presença, entre outros de Mário Soares, Salgado Zenha e Manuel Alegre), a multidão foi engrossando e gritaram-se palavras de ordem contra o PCP, Álvaro Cunhal e MFA.

Quem estiver interessado nos detalhes desta saga, que foi um marco no PREC dois meses depois do seu início, pode ler um detalhado resumo dos acontecimentos.

O República acabou por estar fechado durante algum tempo e reapareceu nas bancas em 10 de Julho, constituído maioritariamente por elementos das forças armadas e de uma certa esquerda radical. Como consequência destes factos, no dia 7 de Julho, o PS abandonou o IV Governo provisório (o mesmo acontecendo pouco depois com o PPD / PSD) que acabou por cair no dia 17 do mesmo mês.
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Sim, também foi isto

 


Dedicatória a todos os que não votaram em partidos à esquerda do PS, como sempre tinham feito, porque acreditaram que iam estar entre os vencedores discípulos do voto útil (no dito PS, claro). Tiveram medo, muito medo? E estão felizes com o resultado?

A caminhada do Chega para o poder

 


«Ainda não vieram os resultados da emigração, que não permitem perceber se o PS se manterá em segundo lugar. Mas, com 58 deputados cada um, é praticamente impossível não ficar atrás no número de deputados, já que o Chega deverá eleger dois em quatro.

A política portuguesa mudou. A AD venceu, conseguindo que a queda do seu governo, provocada por ele próprio, o beneficiasse. Mas não é essa a mudança. Já aconteceu no passado e, bem vistas as coisas, a subida não lhe permite construir uma maioria para governar com a IL. Foi pífia. O que mudou tudo é, obviamente, o Chega.

O que muda é o Chega ser, a partir de hoje, candidato ao poder. Nem sequer é claro que não venha a ser o líder da oposição. O cenário pode ser bom para Ventura. Se vier uma crise económica, com a imigração colocada no centro do debate político pela AD (que não conquistou um voto ao Chega com essa estratégia) e, mal as coisas fiquem mais feias, os casos de Montenegro prontos a regressar (o eleitorado liga à ética quando falta o dinheiro), tudo jogará a seu favor, agora que é visto como candidato ao poder.

Mas este resultado também traz um problema ao Chega: se é candidato ao poder, se desta vez já não lhes chega a abstenção para barrar ou aprovar qualquer coisa, a neutralidade já não é uma hipótese. E isso obriga o Chega a repensar a sua tática. Não é a moderar-se. Não é a tornar-se mais propositivo, já que nem tem capacidade para isso. É preparar uma caminhada em que o voto para “abanar o sistema” não chega. A caminhada para o poder.

A pressão para um PS enterrado nos escombros da hecatombe da noite de ontem será para viabilizar o próximo governo. E não apenas a tomada de posse. Talvez José Luís Carneiro venha a ser escolhido para fazer de morto, o que até faria sentido. Nunca um líder que se prestou a isto – Marcelo e Mendes – chegou a votos. Problema? É que quando este governo falhar, ou quando as pessoas perceberem que falhou, dependendo do ponto de vista, não é o PS que se apresentará como alternativa. É o Chega.

Certo, é que o ambiente político vai mudar muito. Não apenas nas instituições, mas no espaço público. O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior já teve um gostinho dessa mudança. Isso, que talvez seja o mais importante nos próximos tempos, deixo para depois.


18.5.25

Já reflecti, acabem com isso!

 


Chega nas TVs

 


Sem areia na cabeça

 


«Amanhã o país regressa ao mundo real. Durante 15 dias, entre promessas inatingíveis e críticas catastrofistas, ergueu-se uma bolha de arruadas e comícios, de abraços e discursos, de bandeiras e balões, que quase eclipsaram o resto do mundo. Foi tempo de campanha eleitoral, hoje é dia de votar, amanhã faremos as contas com a realidade.

Lá fora, o mundo não parou de afundar-se. Continua a miséria moral de Israel e o sofrimento dos 2,2 milhões de palestinianos, que os israelitas querem expulsar de Gaza à força da fome e da limpeza étnica. Nas contas que nos dizem respeito, a União Europeia continua, como grande parte da comunidade internacional, a ser cúmplice, por inacção e silêncio, de um genocídio.

O que a UE não faz em nome da Humanidade, pelo menos vai fazendo em nome do interesse próprio, mantendo viva a solidariedade com os ucranianos invadidos pela Rússia, que continuam privados de uma vida normal em paz. Nada que importe a Vladimir Putin, que vai alimentando negociações “de fachada”, enquanto no terreno as tropas continuam a semear a morte por vontade de um ditador.

O país que poderia dar o maior contributo para resolver qualquer uma destas crises está entregue aos devaneios de um Presidente que prometeu resolver estas guerras em semanas, se não mesmo em dias e que, como era óbvio, ainda nada fez.

“O Ocidente, enquanto actor geopolítico, já não existe”, defendeu recentemente Timothy Garton Ash, e Donald Trump vai garantindo que isso seja, talvez para sempre, a verdade de um mundo novo, em que os aliados de ontem são os inimigos de hoje e os amigos de agora serão quem estiver disponível para pagar ou para se submeter. Pelo caminho, o seu próprio país vai ficando mais pequeno em vez de trilhar a grandeza prometida, mas, para já, isso não parece ter força suficiente para inverter o caos.

A disrupção de Trump ainda está no início, mas as ondas de choque já estão a atingir o mundo inteiro. O choque entre países vai ficar mais agreste, a economia mais incerta, tudo mais perigoso. Não vale, como avisou o Presidente da República, “meter a cabeça na areia. Ficar indiferente à gravidade do instante vivido. Fazer de ausente". Votar pode parecer pouco perante a dimensão dos problemas que enfrentamos, mas é a nossa assinatura de cidadania, é o momento de escolher que mundo queremos.

Há 51 anos, um grupo de capitães um pouco indisciplinados, mas com o coração no local certo, abriu-nos na Primavera a porta deste jardim que temos a obrigação de cuidar. Hoje é dia de semear.»


Música para Dia de Reflexão (3)