23.1.25

Uma bela caixa

 


Caixa de vidro esmaltada, cerca de 1900.
Moser (Boémia).


Daqui.

23.01.1928 – Jeanne Moreau

 


Jeanne Moreau chegaria hoje aos 97 e morreu em Julho de 2017, depois de uma carreira muito longa de actriz, realizadora e cantora, iniciada em 1950, e uma filmografia impressionante com cerca de 130 títulos. Trabalhou com uma lista notável de realizadores, entre os quais Luis Buñuel, Wim Wenders, Michelangelo Antonioni, Orson Welles, François Truffaut, Louis Malle, também Manoel de Oliveira e não só.

A recordar a sua participação em Gebo et l’Ombre, de Manoel de Oliveira (2012), onde faz o papel de Candidinha.



Momentos inesquecíveis? Entre outros, Le Tourbillon, em Jules et Jim de François Truffaut:



Aqui, num belíssimo duo com Maria Bethania:


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Musk: uma saudação é uma saudação

 


Invocar a liberdade de expressão em vão




«A liberdade de expressão não permite discriminar ou perseguir, nem é sinónimo de circulação de mensagens de ódio e mentiras com consequências para a vida em sociedade. Dito assim parece evidente, mas a normalização da agenda de Donald Trump, Elon Musk ou Mark Zuckerberg corre o risco de nos fazer esquecer princípios basilares inscritos na Constituição. À força de tanto ser repetido, o argumento de que a verificação de conteúdos é censura ameaça tornar-se verdadeiro e a liberdade de expressão é invocada para justificar decisões arbitrárias e perigosas.

No seu primeiro dia de mandato, Trump iniciou o processo para retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), numa ação executiva justificada com as disparidades nos níveis de contribuições e com a prioridade dada a organismos nacionais. Caso venha a concretizar-se, a decisão terá impacto em todo o mundo. Não apenas pela redução direta de verbas na investigação e combate a doenças como a SIDA ou a malária, mas porque também a celeridade de alertas em eventuais pandemias ficará comprometida e os vírus não conhecem fronteiras.

Em que medida esta ação executiva do recém-empossado presidente dos EUA entronca no tema da liberdade de expressão? Basta recordarmos as restrições de que Trump foi alvo nas redes sociais devido a declarações sobre vacinas para termos a resposta. A negação da ciência e da cooperação encaixa com naturalidade numa forma de pensamento errática, autoritária e baseada em convicções desprovidas de fundamento, lógica ou factualidade.

Tendo ao seu alcance mecanismos para impor um modelo de governação que dispensa a verdade, Trump e o seu exército conseguem multiplicar nas mais diversas áreas uma visão arbitrária do mundo, em que uma ideia se basta a si própria e não carece de fundamentação. E não respeita, sequer, os limites impostos pela legislação. Porque é disso que se trata quando se admite que discriminar alguém com base na raça ou na orientação sexual cabe no princípio da liberdade de expressão. Ou quando se relativiza a evidência provocatória do gesto de Musk na tomada de posse. Não há exagero quando se insiste na urgência de preservar os valores democráticos. Perigoso é permitir que se invoque a liberdade em vão, sem se medir o preço de abrir a porta à discricionariedade e ao ódio.»


Da série Grandes Capas

 


22.1.25

Saudades de Paris

 


Porte Dauphine, uma das entradas Arte Nova do metro, em ferro fundido e vidro. Paris, cerca de 1900.
Hector Guimard.

Daqui.

Arruda, deputado do Chega, e aeroportos

 


22.01.1961 – O assalto ao Santa Maria

 


Há 64 anos, algures no mar das Caraíbas, doze portugueses e onze espanhóis, comandados por Henrique Galvão, assaltaram um navio em que viajavam cerca de 1.000 pessoas, entre passageiros e tripulantes, e protagonizaram aquela que foi, muito provavelmente, a mais espectacular das acções contra a ditadura de Salazar.

Mesmo sem atingirem os objectivos definidos – chegar a Luanda, dominar Angola e aí instalar um governo provisório que acabasse por derrubar as ditaduras na península ibérica – conseguiram chamar a atenção do mundo inteiro que noticiou, com estrondo, a primeira captura de um navio por razões políticas, no século XX. (Em Portugal, julgo que as primeiras notícias só foram publicadas no dia 24!)

Os aliados da NATO não reagiram como Salazar pretendia ao acto de «pirataria» e só cinco dias mais tarde é que a esquadra naval americana localizou o navio. Depois de várias peripécias e negociações, o Santa Maria chegou ao Recife em 2 de Fevereiro e os revolucionários receberam asilo político.

Volto à questão da repercussão internacional, que foi muito grande, porque a vivi pessoalmente. Estudava então em Lovaina, na Bélgica, e acordaram-me às primeiras horas da manhã para me dizerem que um navio português tinha sido assaltado por piratas, em pleno alto mar. Entre a perplexidade generalizada e o gozo («ces portugais!…»), os poucos portugueses que então lá estudávamos passámos horas colados a roufenhos aparelhos de rádio, sem conseguirmos perceber, durante parte do dia, o que estava concretamente em jogo, já que não eram identificados os piratas nem explicados os motivos da aparatosa aventura. Quando, já bem tarde, foi referido o nome de Henrique Galvão, e descrito o carácter político dos factos, respirámos fundo e pudemos finalmente dar explicações aos nossos colegas das mais variadas nacionalidades. Houve festa e brindou-se à queda da ditadura em Portugal – para nós iminente a partir daquele momento, sem qualquer espaço para dúvidas...

A ditadura não caiu mas levou um abanão. O assalto ao Santa Maria foi o pontapé de saída de um annus horribilis para Salazar, ano que iria terminar com a anexação de Goa, Damão e Diu. (Pelo meio, em Fevereiro, começou a guerra colonial...)

Vivemos hoje numa outra galáxia, tudo isto parece quixotesco e irreal? Mas não foi.: Henrique Galvão, Camilo Mortágua e companheiros foram «os nossos heróis» daquele início da década de 60.

A ler: O desvio do Santa Maria e o princípio da Guerra do Ultramar.

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Trump e uma bispa

 



Trump: capitulação nos últimos dias da República

 


«É interessante como a normalidade garantida por quem, respeitando a democracia e as instituições, passou o testemunho sem qualquer sobressalto quase fez esquecer que o homem que tomou posse na segunda-feira tentou, há quatro anos, um golpe contra a democracia. Que esta tomada de posse só foi pacífica porque ele venceu. E que a próxima, daqui a quatro anos, só o será se ele voltar a vencer.

A vontade de arrefecer o clima político é tal que todos estão dispostos a esquecer o que não é passado, é presente e futuro. Alguém que recusa a democracia e só aceita o voto popular se vencer concentra, a partir de hoje, um poder inimaginável. E um dos seus primeiros gestos foi perdoar os que assaltaram o Capitólio, mostrando que a única coisa que mudou é que desta vez não precisa de tentar tomar o poder pela força. O que se celebrou na segunda-feira, não foi a saudável transferência pacífica de poder. Foi a transferência condicionalmente pacífica de poder para um homem que, em qualquer democracia saudável, estaria preso. Mas quando todas as instituições se mostram frágeis perante estes autoritários, resta-nos a segurança das liturgias.

No entanto, o ambiente é muitíssimo diferente a 2016. Dir-se-ia que parecem estar menos coisas em risco. O que vimos, lemos e ouvimos foi uma total normalização de Donald Trump. Uns terão finalmente aderido à sua retórica, outros já não se chocam com ela e, não se chocando, já não reagem. E é nestes momentos, e não contra heroicas resistências, que os autoritários e as suas ideias se impõem.

Quem esperava sinais de pacificação teve a resposta no discurso de tomada de posse, o menos errático dos três que fez no dia 20. Nem o Canal do Panamá ficou de fora. A normalização de Trump não se faz pela sua adaptação. É o mundo que se adapta a ele. É por isso que conquista votos e dá esperança. As pessoas sentem que ele molda mesmo o futuro. Mesmo assim, no entanto, não faltou quem sublinhasse a moderação da sua intervenção. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. O segredo é ir esticando o limite o extremismo fica a parecer moderado.

Nas ordens executivas que assinou encontramos o triângulo do autoritarismo reacionário e neoliberal. A recusa de políticas ambientais que põem risco o lucro (nisso, Musk tem de partilhar o seu poder com outros milionários), acelerando a agressão ao planeta. A deportação de imigrantes, que não tem de ter a dimensão anunciada (deportar mais de 4% da população é financeiramente incomportável e teria um efeito devastador na economia), porque a função é outra: criar um ambiente de estado de exceção permanente e alimentar o inimigo interno, dois pilares de qualquer poder com pretensões autoritárias. E, como reação à suposta ditadura woke, perseguir minorias e impor a uniformização moral para que se aceite uma “normalidade” de Estado. Como sempre, tudo em nome da liberdade (dos mais fortes) e contra a elite (que se sentou na segunda filha da tomada de posse e o apoiou nesta eleição).

No essencial, nada disto é novo. Novo é o poder de Trump. Não só por ter conseguido a eleição depois do que aconteceu a 6 de janeiro de 2021. Não só por ter, para além do Senado e da Câmara dos Representares, uma inédita inimputabilidade oferecida pelo Supremo. Mas, acima de tudo, por ter ao seu lado, não apenas os homens mais ricos do mundo, mas aqueles que, através do controlo das plataformas tecnológica (e da Inteligência Artificial), moldam e moldarão as opiniões públicas e a própria noção de verdade. Os engenheiros das almas do século XXI.

O que aconteceu na segunda-feira não foi a repetição de 2016. Foi uma mudança de regime. Nos EUA e em todo o Ocidente. No mundo. Os tímidos limites que a democracia ainda impunha aos mais poderosos cairão nos próximos anos. Para gozar essa nova “liberdade”, só têm de se vergar perante o imperador que deixou de ter limites institucionais.»


Uma migrante

 


21.1.25

Quem não gostaria de viver numa casa assim?

 


Detalhes da fachada colorida de um prédio Arte Nova em Amsterdão, 1896.
Arquitecto : Francois Marie Joseph Caron.

Daqui. (Clicar neste link para ver mais detalhes.)