31.5.23

Vitrais

 


Janelas com vitrais florais, Château Astremoine abandonado, Allier, França, cerca de 1890.

[Informação sobre a história do castelo aqui.]

Daqui.
.

Nada a esconder, antes pelo contrário

 

.

Classe média redescoberta

 


«Coincidência ou não, depois de alguns meses de consecutivas peripécias e de pressões multilaterais para remodelar o Governo, António Costa redescobriu a classe média. Não sei se o seu ângulo de abordagem é o que interessa mais ao partido que lidera ou ao país, mas a verdade é que há aqui laivos de uma epifania política cujos próximos episódios podem cativar vasta audiência.

E o que disse, afinal, o primeiro-ministro? Para se defender a democracia e a liberdade, é necessário "dar oportunidades à classe média", considerando que, quando esse estrato social se sente "desamparado", cria-se "terreno fértil" para a extrema-direita. Não querendo desmentir o secretário-geral do PS, a verdade é que a frase "dar oportunidades" pode significar o início de um caminho rumo às legislativas de 2026. Quando há riqueza gerada, com ou sem ajuda de fundos europeus, a inteligência estratégica dos políticos aconselha a distribuí-la de forma sábia e pausada. Ou seja, não convém gastar as munições de uma vez só, tendo em conta que o beneficiário das medidas governamentais costuma ser mal-agradecido devido à sua memória curta.

Desde 2015, o discurso de Costa tem-se centrado mais na defesa dos mais pobres entre os pobres - atente-se no ritmo de aumento do salário mínimo e dos múltiplos apoios sociais criados ou reforçados -, mas terá agora chegado o tempo de olhar para o meio da pirâmide. A classe média representa mais de metade da população votante e tem sido empurrada sucessivamente para baixo, colando-se à base. Basta olhar para os setores e profissões que mais têm contestado o Governo através de greves. Estamos a falar de professores, oficiais de justiça e de enfermeiros. Não estamos a falar de quem ganha o salário mínimo, pese embora possa auferir rendimentos cada vez mais baixos em termos reais, devido à inflação, sem contar com apoios do Executivo para mitigar esse empobrecimento.»

.

Obrigada, José Pinho (1953-2023)


,

30.5.23

Elevadores e vitrais

 


Vitrais e elevador Arte Nova, Gran Hotel Cidade do México, 1899.
Projecto do edifício por Daniel Garza, clarabóia de vitrais por Jacques Grüber.

Daqui.
.

Espanha: desastre nas autárquicas, legislativas à vista

 


.

O fim do «Maio de 68»

 


Há 55 anos o general de Gaulle pôs fim a um mês verdadeiramente alucinante que a França viveu em 1968. Numa alocução difundida pela rádio dissolveu a Assembleia Nacional e anunciou a realização de eleições antecipadas: contra o perigo do «comunismo totalitário»: «La Réplubique n'abdiquera pas!»

Nessa mesma noite, uma gigantesca manifestação de apoio (fala-se de 500.000 pessoas) invadiu os Campos Elíseos e marcou o desejo de «regresso à ordem», que os resultados das eleições, que tiveram lugar em 23 e 30 de Junho, confirmaram com uma vitória esmagadora da direita.

Dois vídeos, um com o discurso de De Gaulle, outro sobre a manifestação, AQUI.
.

Uma outra dor

 


«Vasos com flores secas. Calendários desatualizados. Ordens de serviço afixadas, mas já fora de prazo. Cadeiras partidas e não removidas. O que tem isto que ver com recursos financeiros e respetivas prioridades? Tem que ver apenas com desleixo, ausência de zelo e irresponsabilidade. De quem? Das respetivas administrações.

Hesitei muito tempo em tomar uma posição pública sobre o que se passa no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e particularmente no Instituto Português de Oncologia (IPO), de que sou utente há mais de uma década. Por razão da responsabilidade institucional e pública que exerço. E porque não pretendo qualquer atendimento distinto daquele que têm os restantes utentes. Mas a admiração que tenho por todos os profissionais, que nas condições mais adversas trabalham nos hospitais públicos e os direitos dos doentes, levam-me a quebrar o silêncio.

Esperei meses para obter um exame, pese embora as diligências dos médicos, atendendo a ter uma doença em progressão com elevado grau de risco, o que veio a confirmar-se quando finalmente realizei o exame; faltas constantes de material básico como adesivos ou desinfetante adequados à natureza da intervenção; a ausência de um simples cabide para pendurar a roupa na sala de quimioterapia; esperas prolongadas; um contentor transformado em sala de quimioterapia; tudo bem diferente, para pior, de quando comecei a ter necessidade de recorrer aos serviços daquela que é considerada, em Portugal, uma unidade de referência no domínio oncológico.

Há poucos anos, um dos mais qualificados quadros do corpo médico, um especialista de referência, suicidou-se no próprio serviço. Ignoro os motivos. Ou se teve algo que ver com o serviço. Mas não ignoro como o assunto foi rapidamente retirado de qualquer escrutínio. Quem lá trabalha, médicos, enfermeiros e restante pessoal de apoio, imagino as estórias que tem para contar. Porque, nas horas de espera em que se aguarda o atendimento, o que escutamos de gente simples, que viaja centenas de quilómetros para poder acrescentar alguma esperança à vida, é aterrador.

A responsabilidade política pelo que hoje se passa no Serviço Nacional de Saúde tem uma dimensão inaudita. O facto de o recurso ao SNS ser feito na esmagadora maioria por pessoas de níveis sociais baixos, sem meios financeiros para recorrer ao privado, com pouca capacidade expositiva e reivindicativa, faz com que o que é do conhecimento público seja sobretudo canalizado pelos grupos profissionais que lá trabalham e respetivas organizações de classe e de uma ou outra denúncia da comunicação social.

A completa partidarização de cargos de topo de responsabilidade administrativa e gestionária, a presença de pessoas preparadas para perceber de números e contas, mas completamente insensíveis à doença e ao sofrimento dos outros, no plano humano e comunicacional, traduz-se na degradação de um serviço justamente apontado como uma das grandes conquistas do regime democrático.

Durante muito tempo também me cansava das sucessivas denúncias dos responsáveis da Ordem dos Médicos ou da classe dos enfermeiros sobre a situação do setor. Hoje sinto que fazem falta. E que as suas denúncias eram, e são, afinal, as únicas que não silenciam o que se passa no SNS.

Quem entra uma vez no IPO nunca mais de lá sai. Nem que seja para saber que a situação que lá o levou está ultrapassada. Mas é sempre preciso lá voltar para verificar se não ocorreu uma recidiva. É um regime de visitas periódicas. De liberdade vigiada. Nem a quem é preso isto ocorre. Cumprida a pena, se não houver novo crime, não regressa. No IPO é para o resto da vida. E, à medida que ela encurta, percebemos que o que devia estar a corresponder ao que dele necessitamos se está a degradar, acrescentando à doença uma outra dor.

Este é o testemunho de um doente cansado, triste, desalentado, mas não resignado. Que ele possa ser útil aos que a vida, um dia, levou para aquelas bandas!»

.

29.5.23

Sofás

 


Sofá para fumadores, Museu Orsay, Paris, 1897.
Hector Guimard.

[Há quem diga que caixa à esquerda, em cima, era para repouso do gato…] 

.

Maria Mortágua, 28.05.2023

 


.

Que se lixe o circo

 


«Apesar do crescimento económico, os portugueses vivem um momento extraordinariamente difícil. Os salários não acompanham a inflação e os aumentos das taxas de juro sobrecarregam os orçamentos das famílias endividadas. Os excedentes orçamentais não escondem a degradação dos serviços públicos e a sangria de profissionais qualificados do Estado. Jovens e menos jovens são expulsos de cidades transformadas em activos financeiros, numa crise da habitação sem precedentes. Há uma década, Luís Montenegro dizia, em defesa do Governo de Pedro Passos Coelho, que a vida das pessoas não estava melhor, mas o país estava muito melhor. Esse parece ter voltado a ser o discurso oficial.

O Serviço Nacional de Saúde, que já foi um dos maiores orgulhos da nossa democracia, tem sido uma das principais vítimas do desinvestimento nos profissionais do Estado e nos serviços públicos. No início do mês de Maio, abriu um concurso para 978 vagas para medicina geral e familiar. Apenas 393 médicos foram admitidos, todos os que concorreram. Num país onde quase 1,7 milhões de utentes não têm médico de família, este brutal falhanço não teve grande impacto mediático. A comunicação social estava concentrada noutros temas.

É com estupefacção que os subscritores deste texto observam o divórcio entre o debate político e mediático e a vida concreta das pessoas. Não desprezamos episódios que põem em causa a dignidade das instituições, mas nada corrói mais os alicerces da democracia do que a ausência de resposta às necessidades mais básicas da população. É incompreensível que as duas principais figuras do Estado se entretenham a medir forças entre si enquanto o país lida com dificuldades quotidianas.

É com estupefacção que acompanhamos as intermináveis novelas mediáticas. Entre o que é simbólico ou circunstancial e os crescentes problemas concretos das pessoas, existe uma absurda desproporção de atenção. Esta secundarização da crise social acompanha a tentativa de alimentar uma crise política artificial, instalando a ideia de que é preciso é mudar de governo sem que se discutam as grandes opções orçamentais.

Fora da bolha mediática onde Presidente da República e primeiro-ministro jogam o seu jogo cínico, o país tem tentado fazer-se ouvir. Nos protestos dos profissionais do Estado, abandonados no foguetório dos excedentes orçamentais. Nas manifestações de jovens pelo direito à habitação. E agora, em mais uma manifestação em defesa do SNS – depois da que se realizou no dia 20 de maio –, marcada para 3 de junho no Largo Camões, em Lisboa.

Defender a dignidade das instituições é, antes de tudo, travar a degradação dos pilares do Estado Social. A democracia portuguesa assenta na Escola Pública, no Serviço Nacional de Saúde e na conquista de direitos sociais e económicos para grande parte da população. A redução da política a episódios mais ou menos caricatos, para não discutir a vida concreta das pessoas, dirige o descontentamento para o populismo de extrema-direita, que se naturaliza perante comportamentos indignos de governantes sem ter de revelar as suas propostas.

Como democratas, desejamos condições políticas para que, à esquerda ou à direita, se confrontem alternativas que respondam aos problemas das pessoas. Temos problemas mais graves do que o paradeiro de um computador, tema que ocupou três semanas do tempo mediático. É urgente recentrar o debate político. O nosso lado é a defesa do poder de compra do povo e da dignidade do Estado Social.

É para dar voz a um país que não se contenta com o entretenimento informativo e quer a vida das pessoas no centro do debate político que, no próximo dia 3, exigimos que a salvação do SNS se transforme numa verdadeira emergência nacional. Há uma década gritámos: "Que se lixe a troika, queremos a nossas vidas". Hoje, é tempo de gritar: "Que se lixe o circo, queremos as nossas vidas".

.

Obrigada Catarina Martins, força Mariana Mortágua!

 

.