16.5.20

Cantigas do Desconfinamento (4)



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Um teatro tem de estar aberto ou fechado



«Sei fazer teatro. Mas não sei como arranjar dinheiro para pagar o pessoal extraordinário que será necessário para limpezas, acolhimento, desinfecção, medição da febre, acompanhamento dos poucos possíveis espectadores aos poucos e desinfectados lugares sentados, não sei. Nem sei como poderá funcionar uma bilheteira “sem contacto”, não sabemos e não vale a pena especular. Estivemos a ver quanto custará a reabertura e, pelas minhas contas, numa sala de aproximadamente 20 lugares (máximo) teremos um aumento de despesa entre os 5.000 e os 7.000 euros por mês. Não sei onde os encontrar – com a queda total de receitas e a melancólica perspectiva de, no máximo, “fazermos” 200 euros por récita… menos de 4000 euros / mês e isso seria se a sala estivesse magramente esgotada todos os dias.»

Jorge Silva Melo
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Acesso às praias



Não desanimem, são só 34 páginas que podem ser lidas AQUI.

Mas deixo aqui uma amostra:

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Tempo de morangos



«Morangos, espargos e pêssegos que ficam por apanhar. Ovelhas com a lã por tosquiar. Um pouco por toda a Europa vai aumentando o desespero de agricultores que não têm mão-de-obra. A "ilegalidade" de muitos imigrantes residentes retira-lhes a capacidade de movimento e não há quem possa apanhar as culturas. A isto acresce que as restrições de viagens impossibilitam as deslocações de trabalhadores sazonais. Aqueles que durante anos dependeram de trabalho migrante sem direitos ou reconhecimento apelam hoje aos governos para legalizar a mão-de-obra existente.

Se os migrantes já eram mais afetados por serem mais precários, por terem mais dificuldade de acesso a cuidados de saúde e ausência de redes sociais, com a crise pandémica muitos deixaram de poder trabalhar pelo facto de não terem papéis. O medo de serem "apanhados" e repatriados sobrepõe-se ao medo da exploração. A agricultura não se faz sem trabalho manual e a pandemia acabou por trazer visibilidade a uma realidade tantas vezes escondida. A exploração, os salários baixos, as horas mais do que extras, tudo isso tem sido tolerado e aceite nos países europeus. O cinismo é por de mais evidente, já que dificilmente nos chega comida à mesa se eliminarmos o trabalho migrante.

Nos últimos dias, e à medida que os apelos para a regularização destes trabalhadores sobem de tom, pensei que poderíamos estar perante uma mudança de perceção sobre a migração, mas pensei mal. O trabalho migrante tem sido o alvo do ataque político da extrema-direita e nem a ameaça da destruição de muitas produções agrícolas ajudou a mudar de alvo. Quanto mais se pede o reconhecimento destes trabalhadores, mais os partidos de extrema-direita se opõem e acusam quem o defende de usar a pandemia como desculpa para uma amnistia à migração ilegal.

Com tudo o que tenho lido sobre este debate na Itália, na Alemanha ou na França, não deixo de surpreender-me. Parece-me evidente que o que estes países estão a viver é uma clara demonstração da importância do trabalho migrante. Também me parece evidente que toda a gente sabe que estamos a falar de pessoas que já estão nos países ou, no caso do trabalho sazonal, que estariam nos países nesta altura e que não vão estar. Se tudo isto parece evidente, como é que se pode sustentar a tese de que o reconhecimento destes migrantes iria provocar o aumento do crime?

Ou a tese de que estes migrantes "roubam" o trabalho aos cidadãos nacionais? Como é que se pode sustentar o argumento da ameaça se estes não são trabalhadores novos e se conviveram com eles quando não eram reconhecidos legalmente? Podem as pessoas que defendem a sua expulsão comer o que resulta do seu trabalho se ele for quase escravo, mas não se o trabalho for legal? Por fim, parece-me evidente que estes trabalhadores merecem a nossa gratidão, veremos, entretanto, se os merecemos.»

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15.5.20

Cantigas do Desconfinamento (3)



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14 de Maio de 2020 – para memória futura


«António trai Catarina. Quando é descoberto, culpa Mário. Marcelo tenta encobrir António. Rui, vendo António em dificuldades, ataca Mário. Revoltado, Mário confronta António e exige explicações sobre a atitude de Marcelo. Marcelo, encurralado, pede desculpa a Mário. Rui é avistado na praia a apanhar mexilhão sozinho. Não perca o novo episódio da sua novela da noite.«

Rui Rocha no Facebook
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Pedagogia da boa


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Prémios no Novo Banco: quatro razões para o protesto público



«Os tablóides têm o talento de fazer manchetes memoráveis. “Not so fast you greedy bastards” foi o título do New York Post de 18 de Março de 2009.

Discutiam-se os investimentos do American International Group (AIG) que tinham levado à crise. Cinco meses antes, com medo dos efeitos na economia, o Presidente George W. Bush pedira ao Congresso 700 mil milhões de dólares para resgatar os maiores bancos e empresas financeiras. “Não parecia justo a Wall Street ter recebido enormes lucros durante os ‘good times’ e agora que as coisas estavam más vir pedir aos contribuintes para pagar a conta”, escreve o filósofo político Michael J. Sandel no seu best-seller Justiça — Fazemos o que devemos? (Editorial Presença, 2011). “Mas parecia não haver alternativa.” Eram “too big to fail”. “Com relutância, o Congresso aprovou os fundos para o resgate.”

O escândalo veio depois. Mal começou a receber capital do Estado — 173 mil milhões —, a AIG pagou 165 milhões em prémios aos executivos da unidade de investimentos de risco que estava na origem da crise. Setenta e três funcionários receberam um bónus de mais de um milhão de dólares. O protesto público foi imediato. Na véspera da manchete do New York Post, o presidente do AIG, que sempre dissera que não aceitaria prémios, disse isto no Congresso:

— Pedi aos funcionários para fazerem o que deve ser feito.

À americana, a expressão foi: “Do the right thing”. Quinze executivos devolveram os prémios (50 milhões), mas a maioria não.

Esta arqueologia serve para dizer que as notícias dos prémios previstos para António Ramalho, CEO do Novo Banco, e o seu conselho de administração mostram como muitas regras mudaram na banca, mas muito está igual.

No Novo Banco, a surpresa tem uma razão clara: um banco que está sob intervenção pública não deve dar prémios aos gestores de topo. Não é só por causa dos contribuintes, pois o nosso papel na operação de resgate do Novo Banco é parcial. As tranches que o Estado paga para “salvar” o Novo Banco saem do Fundo de Resolução e são os bancos que financiam esse fundo. Claro que a Caixa Geral de Depósitos é um banco público cujos lucros são entregues ao Estado. Mas a Caixa paga 18% do fundo.

O protesto é legítimo sobretudo por razões éticas e de transparência. Até o Expresso noticiar, não se sabia que havia um acordo para os administradores do Novo Banco receberem dois milhões de euros. É estranho não pôr as cartas em cima da mesa numa questão relevante como esta e quando há um precedente de peso. Todos nos lembramos do que aconteceu quando a crise de 2008 chegou a Portugal. A Comissão Europeia definiu as “regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira” e, a partir de 1 de Agosto de 2013, os bancos que recebessem capital do Estado passaram a ser obrigados a “aplicar políticas rigorosas em matéria de remuneração dos quadros dirigentes”: “Qualquer banco beneficiário de auxílios estatais deve circunscrever a níveis adequados as remunerações totais do pessoal, incluindo o conselho de administração”. A seguir, a Comissão Europeia explica o que são “renumerações totais”: “O limite superior das remunerações totais deve incluir todas as possíveis componentes fixas e variáveis bem como as pensões.” Tradução: o tecto inclui o salário e o bónus. No fim, estão os valores: “A remuneração total não pode exceder 15 vezes o salário médio nacional no Estado-membro ou 10 vezes o salário médio dos trabalhadores do banco beneficiário.” Foi por causa desta regra que nesse ano os conselhos de administração de alguns bancos portugueses não receberam prémios. É possível que a regra já não vigore — não tive tempo de verificar. Mas o precedente existe e é recente. Quando um banco recebe capital do Estado, é consensual na Europa que não deve pagar bónus ao conselho de administração.

Além disso, é razoável defender que um banco não atribua bónus aos quadros do topo quando tem prejuízo. Há empresas e bancos que fazem isso como prática comum — incluindo bancos privados que não estão sob resgate do Estado. Percebe-se que no Novo Banco estejam a trabalhar muito — dos 33 objectivos definidos, dizem ter cumprido 29 — mas os prejuízos impressionam. Em 2019, o ano a que se referem os prémios, o Novo Banco teve um prejuízo de 1059 milhões de euros.

Não sei se é ganância — não vale a pena discutir isso. Da manchete do New York Post, “Not so fast you greedy bastards”, a parte que interessa é o “not so fast”. Ainda é possível reverter? O ministro Mário Centeno deu a entender que sim. Falta ver o que vão fazer o comité de renumerações do Novo Banco, o Banco de Portugal e o BCE. Há tempo. Antes de 31 de Dezembro de 2021, os prémios não podem ser pagos. Até lá, ainda temos a crise pós-pandemia. Essa é a quarta razão para protestar contra estes prémios. O esforço do Estado, das empresas e dos contribuintes vai ser monumental. É evidente para todos que, nestas circunstâncias, é pouco ético tirar dois milhões do Fundo de Resolução para premiar os gestores de um banco que está a ser salvo com dinheiro dos outros, dinheiro público e privado.»

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14.5.20

Cantigas do Desconfinamento (2)



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Dos velhos, ainda


«A solução evocada de eventual confinamento dos “nossos idosos” até ao fim do ano ou, quem sabe, até que apareça uma vacina, sob pretexto de os proteger e de assim também proteger o resto da sociedade é, do meu ponto de vista, uma afronta. Uma afronta do mesmo calibre da que propõe o confinamento de um determinado grupo étnico, ou de uma região por eventualmente ser povoada por gente “menos educada”. Trata-se de generalizações abusivas que não têm em conta o princípio base de uma sociedade livre e democrática, composta por indivíduos diferentes uns dos outros e com igual direito à liberdade de dispor de si próprio, no respeito dos mesmos condicionalismos que tocam a todos, e não por um aglomerado fragmentado de grupos, etnias, regionalismos, sujeitos cada um a tratamento diferente. 



Esther Mucznik
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14.05.1958 - Humberto Delgado no Porto




«Povo do Porto, a resposta está dada com esta manifestação. Façam eleições livres e venceremos!» Foi com estas palavras que Humberto Delgado se dirigiu à multidão que o aclamou em frente à sede da sua candidatura, na Praça Carlos Alberto, no Porto, em 14 de Maio de 1958. A fotografia passou a funcionar quase como uma espécie de ícone de uma campanha extraordinária, que abalou fortemente a ditadura de Salazar – mas sem conseguir derrubá-la.

Cinco dias antes, em 10 de Maio, no Café Chave de Ouro em Lisboa, no primeiro acto público de apresentação da sua campanha, Delgado disse a frase lapidar que viria a ficar célebre. Em resposta a uma pergunta do correspondente da France Press – «Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho, se for eleito?» – respondeu, sem hesitar: «Obviamente, demito-o!»




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Covid-19: a grande niveladora?



«Um dos grandes mitos da covid-19 é que é democrática. Vírus que é vírus afeta todos por igual. Ninguém está imune, todos podem ser infetados. E mesmo entre os que escapam ao vírus, ninguém consegue escapar ao distanciamento social e ao apagão súbito da economia. Estamos todos no mesmo barco – é a conclusão de dirigentes políticos e, por vezes, até de cientistas sociais.

A solidariedade fácil sempre foi atrativa. No entanto, a verdade é outra. Nem a tempestade covid é a mesma para todos, nem os barcos que a enfrentam são iguais. Desde o primeiro dia, a covid-19 nunca foi igualitária. Os primeiros infetados na Europa eram recém-chegados de férias na neve em Itália. As vítimas, essas, depressa se multiplicaram entre quem sonha com férias no estrangeiro. Na realidade, quanto mais sabemos sobre a propagação da pandemia, mais evidente se torna que a covid-19 de democrática tem muito pouco. A covid-19 não infeta todos os grupos etários por igual. A covid-19 não infeta (nem afeta) homens e mulheres na mesma proporção. Mesmo num país pequeno como o nosso, a covid-19 não se espalha simetricamente pelo território. Braga tem 17 vezes mais casos confirmados do que Setúbal, uma cidade de dimensão equivalente. Notoriamente, a covid-19 não se propaga proporcionalmente entre ricos e pobres.

O mesmo se passa um pouco por todo o mundo. Se a verdade nos ilude, é porque as mortes individualmente reportadas continuam a ser as dos mais “ilustres”. A propagação do vírus conta outra estória, porém: a da reprodução e amplificação de configurações de desigualdade há muito enraizadas. No Reino Unido, a taxa de mortalidade mais elevada surge no bairro londrino de Newham, seguido de perto por Brent, no Norte de Londres, e Hackney – todos eles bolsas de pobreza numa Londres tida por oásis de prosperidade. Privação económica e diversidade étnica fizeram destas áreas alvos fáceis para o vírus. A pobreza traduz-se nas doenças crónicas que agravam o quadro da covid-19. E o confinamento forçado em casas já de si confinadas, em que coabitam múltiplas gerações, dão uma ajuda extra na propagação. Isto para não mencionar que muitos dos membros destas comunidades são “trabalhadores essenciais” – taxistas, trabalhadores da limpeza, auxiliares em lares, condutores de autocarros, donos de pequenos supermercados – para quem não foi possível deixar de trabalhar. Para quem foi, muitas vezes, financeiramente necessário – senão legalmente obrigatório – continuar a trabalhar, mesmo que sem o mínimo equipamento protetor.

As desigualdades da covid-19 não são apenas as das taxas de infeção e mortalidade. Com as economias viradas do avesso, como se propagam – e propagarão – as sequelas do vírus pela economia e pela sociedade? Será que uma doença como a covid-19 pode lançar as bases para uma sociedade mais igualitária?

Há quem julgue que sim. Walter Scheidel é um deles. Para este historiador, as catástrofes são as Grande Niveladoras. Quanto mais traumática for a catástrofe, maior é o seu potencial nivelador das desigualdades. As pandemias, diz Scheidel, são uma de quatro catástrofes passíveis de reduzir a desigualdade. As outras três são a revolução, o colapso do Estado e a guerra.

A história parece dar-lhe razão. A Peste Negra matou um terço da população. O preço do trabalho aumentou. A Revolução Francesa destruiu o feudalismo e lançou as bases para a igualdade política. Já no século XX, a Segunda Guerra Mundial abriu caminho a trinta anos de crescimento económico e diminuição da desigualdade socioeconómica no Ocidente. A humanidade – parece – só aprende à força.

Será a covid-19 capaz de provocar semelhantes mudanças estruturais nos padrões de distribuição de riqueza e influência política? Será que Portugal se vai tornar um país menos desigual em resultado desta pandemia?

Segundo Scheidel, para que uma catástrofe seja niveladora são necessárias duas condições: ela tem de ser suficientemente traumática e suficientemente prolongada. Só assim as pessoas começam a considerar novas opções. O problema desta tese é que, passe a expressão, põe as fichas todas no mesmo cesto: no evento traumático, neste caso, na covid-19. Se doer o suficientemente, e por suficiente tempo, é possível prefigurar um novo futuro.

Os eventos de Scheidel são eventos violentos – eventos que tolhem muitas vidas num repente. O erro de Scheidel é fazer tanto do evento em si mesmo, da sua natureza, e tão pouco de como se lida com ele. A crise financeira de 2008 doeu e doeu por muito tempo – continua a doer, aliás. Contudo, não prefigurou futuro. A desigualdade não parou de aumentar. Os governos e trabalhadores continuaram a acumular dívidas ao mesmo ritmo que outros acumulavam propriedade, ações, títulos e ouro. Tudo dinheiro que não voltou a circular no sistema económico, aumentando salários. O que subiu foi o preço dos ativos. Com os governos a fazer pouco para travar o ciclo crescente de desigualdade, a covid-19 é agora parasitária de um corpo social tão ou mais dividido quanto estava antes de 2008.

Sejamos claros. Portugal está no topo do ranking da desigualdade na Europa, quando considerado o índice de Gini. A tão propalada “austeridade” – a que dizemos não querer voltar – em boa verdade nunca nos abandonou. Foi transferida para onde podia ficar mais escondida. E resultou no desinvestimento público, em sectores como o da saúde, como agora se tornou (mais) evidente. Mas quem nos ouve falar parece que o grande desígnio político nacional é – e sempre foi – o combate à desigualdade. A verdade, por mais que nos custe aceitar, é esta: em Portugal, durante décadas a fio, o discurso contra a desigualdade tem convivido muito bem com níveis elevadíssimos de desigualdade. E enquanto assim for, o resultado é só um. A desigualdade vai estar aí para dar e durar.

Diminuir a desigualdade socioeconómica e política de um país é um problema eminentemente político. Implica mudar a distribuição da riqueza. E a influência política. De uns grupos sobre outros, de uns grupos para outros. Esta é a raiz do problema. Qual é o governo que é capaz de dizer que vai dar uma fatia do bolo menor a uns para que outros possam ter uma fatia suficiente do mesmo? Que vai começar a dar mais ouvidos a certos grupos em detrimento daqueles que sempre ouviu – e com cujos votos sempre contou? Será a covid-19 pretexto suficiente para que aconteça tal inversão do modus operandi?

Malogradamente, as razões para otimismo são poucas. Se o trauma da covid-19 é grande e promete deixar algum lastro, não se está a fazer sentir por todos da mesma forma. No mercado de trabalho, os efeitos imediatos da pandemia estão longe de ser simétricos. O risco de cair no desemprego não é igualmente distribuído por todos os trabalhadores, independentemente do seu grau de qualificação ou experiência profissional. Os lay-offs – agora temporários, amanhã, quem sabe, permanentes – são no sector privado, não no público. As medidas extraordinárias de apoio a manutenção dos contratos – e, em muitos casos, de um rendimento necessário para a subsistência – não cobrem todos. A prazo, os efeitos da crise económica, com aumento de impostos e diminuição da despesa do Estado, irão, como sempre, afetar grupos assimetricamente e deixar a descoberto quem do Estado – dos seus hospitais, das suas escolas, da sua segurança social – mais precisa. Sem que haja palmas que nos valham.

Num futuro pós-covid-19, em que uma vacina barata e eficaz esteja disponível, iremos olhar para estes dias como um período conturbado, de enorme incerteza, em que fomos forçados a mudar de hábitos. Mas o hábito de viver num – e bem conviver com um – país profundamente desigual, esse, arrisca a manter-se por muitos e bons anos.»

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13.5.20

Cantigas do Desconfinamento (1)



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A saga do Novo Banco



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E quanto a Creches…



Já saiu o documento emitido pela DGS, que pode ser lido AQUI

Regras realistas, razoáveis? Quem trabalha no domínio duvida ou nega e as reacções continuam. Não esquecer que tudo isto se aplica também às AMAS…
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Costa anuncia reeleição de Marcelo



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A fase adulta da pandemia



«Já todos conhecíamos os riscos de um regresso a uma normalidade que nunca será normal. Por isso não vale a pena fingirmos que fomos apanhados desprevenidos.

Não será possível recuperar um pouco da vida que nos foi sequestrada sem que haja contactos, sem que haja proximidade. É essa a ameaça, sempre foi essa a ameaça. O distanciamento social não é uma bolha para onde entramos ao sair de casa de manhã e de onde saímos imaculados ao final do dia. Será inevitável estarmos próximos, ainda que não demasiado.

Esta é a fase adulta da pandemia. Em que, passado o susto e o confinamento musculado, terá de imperar o bom senso, o sentido cívico, a responsabilidade individual. A maturidade. Não queiramos prolongar esta "ditadura social" para além do necessário. Ninguém está a pedir libertinagem, mas, que diabo, precisamos de espaço, de uma perspetiva, uma frincha, um horizonte que nos devolva o equilíbrio (emocional, físico) perdido. E precisamos muito, mesmo muito, de um raio de luz económico que pulverize o rasto sombrio deixado pelo desemprego, pelo desespero, pela fome.

Nenhuma cartilha sanitária sobre comportamentos coletivos pode ter a pretensão de querer ser aplicada de forma cega. Jamais teria uma eficácia transversal. A realidade é moldada por milhões de pessoas irrepetíveis. Haverá excessos. O país é muito desigual na forma como se defende e, sobretudo, na forma como capta as mensagens. E porque podemos ter de voltar à casa de partida caso tudo corra mal, é fundamental não negligenciarmos os cuidados: com as máscaras, com a higienização das mãos, enfim, com aquilo que tem sido a nossa vida em 2020.

Das autoridades de saúde esperamos linhas orientadoras claras. Das autoridades policiais uma fiscalização proporcional, não demasiado branda, não excessivamente intrusiva. Dos portugueses, só podemos esperar que voltem a estar à altura nesta fase da batalha em que começamos a sair das trincheiras para lutar com as armas que temos. As únicas armas possíveis.»

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12.5.20

Do bom senso...


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Trump fintado




«O Presidente norte-americano, Donald Trump, abandonou a conferência de imprensa de segunda-feira, na Casa Branca, depois de sugerir a uma jornalista de origem chinesa que dirigisse à China a sua pergunta sobre a realização de testes à covid-19 nos Estados Unidos.»

Duas jornalistas solidarizaram-se com a colega e Trump foi-se embora.
Ler AQUI.
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O humor é que nos safa


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Seguro automóvel: requerimento à medida das seguradoras?



«Quanto mais se aprofunda, sob a pandemia, a emergência económica e social, mais importante é discutir a repartição do esforço no combate à crise.

Essa repartição só poderá ser justa se, ao contrário do que aconteceu na última crise, as maiores empresas forem chamadas a contribuir. Por isso a insistência para que os impostos sejam pagos em Portugal, e não na Holanda ou na Irlanda. Por isso a exigência sobre as injeções no Novo Banco, que o Governo mantém apesar de na maior opacidade, sem se conhecerem sequer os resultados da auditoria à forma como os ativos do antigo BES estão a ser geridos. E por isso, também, a indignação com a atribuição de bónus aos seus administradores. Mas, para além destas questões, que dão origem a próximas iniciativas parlamentares do Bloco, há uma outra preocupação, talvez mais urgente, que merece atenção.

Enquanto para muitos setores a suspensão da atividade económica significou paralisação e prejuízo, para outros está a ser sinónimo de lucros inesperados. É o caso do setor segurador que, em muitos casos, manteve a receita dos prémios apesar de os riscos que segura terem desaparecido. Basta pensar nos seguros de responsabilidade civil automóvel quando o tráfego caiu 80%. Mas há outros exemplos, especialmente nos riscos associados às atividades económicas suspensas.

É verdade que o Governo anunciou entretanto a criação de regras excecionais aplicáveis aos contratos de seguro. Mas as medidas anunciadas parecem ficar a meio caminho, e longe de reverterem para os cidadãos estes lucros extraordinários das seguradoras. Por um lado, não foi criado um regime transversal de moratórias. Em vez disso, o Governo propõe um modelo pouco claro que privilegia a negociação individual. Apenas quando não houver acordo, e perante uma falha no pagamento do prémio, é impedida a suspensão da cobertura por um período limitado de tempo. A obrigação do pagamento do prémio, no entanto, mantém-se em moldes ainda não especificados.

Mas o mais grave vem numa segunda medida, que estabelece o direito dos cidadãos requererem à seguradora uma redução do prémio caso caso entendam que o risco se reduziu significativamente. Este método pode ser considerado para seguros específicos associados a certas empresas ou atividades económicas, mas não faz qualquer sentido, por exemplo, para o seguro automóvel. Se a redução do risco foi imediata e transversal, então a redução dos prémios deveria ser automática e generalizada. A introdução de procedimentos sem sentido é um favor às companhias seguradoras e prejudica sobretudo as pessoas com menos acesso a informação e menor poder negocial - certamente aquelas que mais precisam do dinheiro que lhes está a ser cobrado a mais.»

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11.5.20

Transportes eficazes








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Trivela - cantado ainda é melhor


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Iniciativas precisam-se




«Noam Chomsky, Naomi Klein, Yanis Varoufakis, Fernando Haddad y la primera ministra islandesa, entre otros, instan a la defensa de la democracia, la solidaridad, la igualdad y la sostenibilidad. (…)

El proyecto se inicia este lunes con el lanzamiento de su web, en la que cualquier persona u organización podrá registrarse para convertirse en miembro de la Internacional Progresista. La organización aboga por un mundo democrático, igualitario, solidario, ecologista, pacífico, poscapitalista (de economía colaborativa), próspero y plural. La plataforma contará con una secretaría que se encargará de organizar la actividad diaria, asistir a los miembros, interconectar a las organizaciones y poner en marcha acciones conjuntas de alcance global. Estará compuesta por traductores, desarrolladores web, diseñadores gráficos y coordinadores.»
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A hora decisiva de Ursula



«O arranque do discurso da presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, no sábado, dia da Europa, é muito bonito e vou copiar três parágrafos: “Caros amigos, há 70 anos, uma declaração de menos de 10 minutos iria mudar o destino de um continente. A França, pela voz de Robert Schuman, estendeu a mão à Alemanha e a toda a Europa. Schuman propôs um gesto de solidariedade. Solidariedade de facto. Desde então percorremos um longo caminho. O objectivo da solidariedade ainda é válido. Vou mais longe: é mais válido do que nunca”.

Os 75 anos do fim da Segunda Guerra e os 70 da declaração de Schuman, dois momentos fundadores da Europa como a conhecemos, tiveram as celebrações reduzidas aos tempos da pandemia mas foi possível reter o essencial: a Europa unida é uma ideia comovente apesar de todos os dias revelar as suas enormes contradições e fragilidade. Agiganta-se em dias de comemorações, falha em questões decisivas – as instituições portaram-se como zombies no início da pandemia e até agora estamos à espera de um projecto para combater a crise profunda em curso.

As comemorações e as palavras genericamente bonitas surgem dias depois da decisão do Tribunal Constitucional alemão de pôr em causa a legitimidade das “grandes compras do BCE” – o instrumento que Mario Draghi inventou para em 2015 salvar literalmente o euro, aquilo em que se traduziu o “whatever it takes” com que o então presidente do BCE prometeu aos europeus não deixar extinguir a moeda única. A reboque de um pedido da Alternativa para a Alemanha, o tribunal de Karlsrue dá uma machadada inacreditável nos mínimos olímpicos por que os europeus até agora se regiam. Ao considerar a “desproporcionalidade” das compras do BCE, o tribunal constitucional alemão faz implodir o direito europeu e de caminho implode a frase fundadora de Schuman repetida no sábado por Ursula Von der Leyen: solidariedade de facto.

Um processo por infracção à Alemanha, como este domingo admitiu Von der Leyen, é histórico. Mas é a única resposta à altura das circunstâncias. Consegue a Europa, por uma vez, enfrentar a Alemanha – e os seus fantasmas consubstanciados na Alternativa para a Alemanha, o partido de extrema-direita que está na origem do processo? Desta questão depende muito do futuro de uma Europa em crise há longos anos em que as palavras bonitas das comemorações dos grandes momentos não têm correspondência no dia a dia dos cidadãos. Ursula não pode falhar aqui, como não pode falhar no combate à recessão que está aí. Mais falhanços e a ideia da Europa acaba ou fica reduzida ao Festival da Eurovisão, que talvez volte quando retomar quando acabar a pandemia.»

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10.5.20

Eu sei que esta é velha, mas é tão, mas tão, oportuna!


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Regina Duarte!...




Eu nem fui capaz de ver e ouvir a entrevista na íntegra – é intolerável! Mas vi-a em parte e saltei para os últimos minutos.

Oiçam, sim, Ernesto Carvalho, músico, filho de Devanir Carvalho, fundador do Mov. Revol. Tiradentes, assassinado pelo DOPS-SP.

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Um manifesto em forma de petição será lançado neste domingo (3) para que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário brasileiros intervenham e evitem um extermínio indígena por conta da pandemia. 

A petição pode ser assinada AQUI

O documento já conta com a assinatura de mais de 60 personalidades nacionais e internacionais, incluindo Paul McCartney, Madonna, Chico Buarque, Brad Pitt, Richard Gere, Meryl Streep, Glenn Close e os cineastas Oliver Stone, Pedro Almodóvar, Alfonso Cuarón e Fernando Meirelles.
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Covid-19: A vacina é o próximo campo de batalha



«A covid-19 tornou-se num campo de batalha na cena internacional. À emergência sanitária somou-se a emergência económica. A seguir, a pandemia ganhou uma terceira dimensão: o conflito sino-americano passou das tarifas para o vírus. A Administração Trump acusa a China de ser responsável pela pandemia. Pequim explora o seu êxito no controlo da covid-19 e lança uma agressiva diplomacia para lavar a sua imagem e alargar a sua influência, designadamente na Itália. Biliões de pessoas esperam ansiosamente por uma vacina, mas esta mesma vacina corre o risco de se tornar em mais uma arma tóxica na guerra da pandemia.

Escrevia-se há três meses, quando o coronavírus ainda mal começava a assustar os italianos e muitos respondiam com um racismo antichinês: “A grande dúvida é saber se a epidemia do coronavírus se manterá como crise sanitária internacional ou se vai transformar-se num fenómeno geopolítico, susceptível de alterar os equilíbrios do sistema internacional. O coronavírus surge como um ‘cisne negro’, acontecimento imprevisível e raro que, combinando-se com outros factores, pode dar lugar a inconcebíveis mudanças. Tudo depende da expansão ou contenção da epidemia ¬e dos seus efeitos na nossa vida quotidiana ou no comércio internacional.” E, em Fevereiro, não tínhamos a ideia da dimensão trágica que a pandemia iria alcançar.

A China começou por se vangloriar da superioridade do seu regime político e dos seus métodos no confronto da doença - uma vitoriosa “guerra popular.” Pequim terá ganho a batalha da opinião interna, mas é improvável que vença a internacional, apesar do esforço em se apresentar como “potência generosa” que auxilia os outros. Mas a batalha das máscaras não lhe correu muito bem. E sofre um inesperado desaire: tencionava proclamar em 2021, no centenário do Partido Comunista Chinês, a duplicação do seu PIB numa só década. O coronavírus estragou a festa.

A Administração Trump começou por saudar a “transparência” de Pequim. Quando a covid-19 atingiu a América, Trump virou a agulha e respondeu com a “revelação” de que o novo coronavírus teria nascido num laboratório de Wuhan. O coronavírus passou ser o “vírus chinês”. Pequim teria mentido em toda a linha. Depressa a guerra das tarifas comerciais se prolongava na novíssima “guerra do vírus”.

Efeito na ordem mundial

O veterano Joseph Nye, o cientista político que criou o conceito de soft power, escreve na Foreign Policy que “o coronavírus não mudará a ordem mundial”. Apela à cooperação. E adverte: “Se a política americana continuar neste caminho, o novo coronavírus apenas acelerará a tendência para o populismo nacionalista e para o autoritarismo. Ainda é muito cedo para predizer uma viragem geopolítica que altere fundamentalmente a balança de poder entre os Estados Unidos e a China.”

Na Foreign Affairs, o australiano Kevin Rudd, antigo primeiro-ministro e hoje professor de Geopolítica, especialista na China, faz uma interessante abordagem. Económica e militarmente, Pequim é mais fraca que os EUA. Mas tem sabido manipular habilmente a percepção do seu poderio, ao ponto de convencer turcos e alguns europeus de que o coronavírus ilustra a marcha para a supremacia chinesa. “Diz-se que a percepção é a realidade. Mas, na realidade, não é.”

Aponta três factores que moldarão a ordem mundial: “Mudanças na capacidade militar e na força económica das grandes potências; o modo como estas mudanças serão percebidas no mundo; e as estratégia escolhidas. Com base nestes três factores, a China e os Estados Unidos têm razão em se preocupar com a sua influência mundial pós-pandemia.”

A América é um problema. “A caótica gestão da Administração Trump deixa uma indelével impressão de um país incapaz de lidar com as suas próprias crises. (…) Os EUA parecem emergir [da pandemia] como uma comunidade política mais dividida do que unida, como seria normal numa crise desta magnitude. A contínua fragmentação do sistema político americano é mais um forte constrangimento para uma liderança global americana.”

A Administração Trump agravou o problema “ao enfraquecer a estrutura de alianças dos EUA (que na lógica estratégica convencional seria central para manter a balança do poder em relação à China) e sistematicamente deslegitimar as instituições multilaterais (criando um vazia para a China preencher). O resultado é um mundo crescentemente disfuncional e caótico.”

O teste da vacina

Em Abril, o jornal americano Politico advertia sobre o receio de que Trump incitasse a uma “rixa global” sobre a vacina. “A recente corrida às máscaras, luvas e outras protecções pessoais dá um instrutivo exemplo. Imaginem agora, dizem especialistas e altos funcionários, uma similar competição para obter doses de vacinas: poderia agravar a crise sanitária, deixando espalhar o vírus por muito tempo, devastando os países menos equipados para o combater.”

Lembramo-nos de que Trump tentou negociar com um laboratório alemão o “exclusivo” de uma virtual vacina. Também Pequim não está interessada na cooperação sobre a vacina. Aposta em fazer a sua, tal como Trump. A tentação de controlo da vacina é muito forte.

A comunidade científica internacional continua a colaborar na investigação sobre a vacina. Mas este esforço comum pode não ser partilhado pelas potências concorrentes. Se a Europa surge como pólo dinamizador da cooperação, é incerto o que se passará com os Estados Unidos e com a China. Quem chegar primeiro à vacina comandará a produção e, sobretudo, a distribuição. Seria uma incalculável vantagem política, económica e de prestígio. Uma vacina chinesa seria uma inédita vitória num terreno em que a América sempre foi líder. Criaria uma percepção mundial análoga à do Sputnik soviético: a nova potência que começa a superar a América.

O benefício político da vacina é óbvio. No plano interno, permitiria imunizar prioritariamente a sua própria população, o que além das vidas salvas seria uma importante poderosa arma económica na fase pós-covid.

Esta corrida está lançada e decidirá se triunfa uma lógica nacionalista ou uma lógica cooperativa. A vacina será o grande teste. A decisão muito pesará sobre o futuro modelo das relações internacionais.

No mundo da pandemia, destacam-se três pólos: Estados Unidos, China e Europa, cada um com as suas forças e fraquezas. Será a Europa capaz de exercer uma influência global de modo a impor a cooperação numa questão de vida ou morte?»

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