13.6.20

Pichagens nas paredes de Lisboa



Para além do que tudo isto representa, há algo de muito estranho: a caligrafia é idêntica em todas estas pichagens. Têm assim tanta falta de mão de obra? Ou são vários os mandantes e apenas um o mandado?
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Isto não se inventa!




Um rei, um presidente da uma República e dois primeiros ministros vão encontrar-se algures «entre Caia e Badajoz» para abrir fronteiras! O mundo do espectáculo, regressados que estamos ao «antigo normal».

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Tintim?



Tintim com Hergé. Será que esta estátua escapará, depois de todas as acusações de que este foi objecto? Se a loucura continuar...
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Não funcionou



«Não eram necessárias grandes avaliações para se descobrir o óbvio: fechar as escolas não funcionou. Não me entendam mal. O encerramento das escolas era uma inevitabilidade (as famílias já estavam a impedir que os filhos fossem às aulas), foi decisivo para conter a propagação da pandemia e, na altura, era um sinal que tinha de ser dado à sociedade.

Mas as evidências não deixam margem para dúvidas. Nesta semana, o “Wall Street Journal” dava conta de que, nos EUA, estimativas preliminares sugerem que, quando regressarem as aulas, as aprendizagens de leitura corresponderão a 70% das de um ano letivo normal e, em matemática, em redor dos 50%. Estes valores são significativamente mais baixos em famílias com menores rendimentos e mais afetadas pelo confinamento.

Entre nós, a Fenprof, com base num inquérito a 3500 professores, chegou sensivelmente às mesmas conclusões. Em meados de maio, mais de metade dos professores (55%) ainda não tinha conseguido contactar todos os alunos, uma maioria esmagadora considerava que as desigualdades se agravaram (94%) e uma grande percentagem (60%) sustentava que o apoio do Ministério da Educação tinha sido negativo (sic).

Numa sociedade que vem recuperando, muito lentamente, nos indicadores de abandono escolar precoce e em que persiste um profundo défice de qualificações, estes meses de ensino à distância deviam fazer soar todos os alarmes. Estamos perante um exemplo gritante de impacto assimétrico da pandemia: com o afastamento físico e simbólico da escola pública, as desigualdades agravam-se e o país delapida um património de conquistas recentes.

A Fenprof tem razão no diagnóstico. A questão, agora, é como resolver o problema. O ensino à distância foi melhor do que nada e tenderia sempre a assentar em bases frágeis (até porque, como é reconhecido no Programa de Estabilização Económica e Social, há défices estruturais de competências digitais na escola, área em que o país esteve dez anos parado).

É impensável, em setembro, iniciar o ano letivo sem aulas presenciais. Só que, tal como colocadas hoje, as exigências de distanciamento físico inviabilizam qualquer forma alternativa de abertura das escolas (não há nem instalações nem professores nem horários para desdobrar turmas). Resta, como tal, flexibilizar as regras e abrir normalmente o ano letivo — com cuidados sanitários acrescidos e coletivamente preparados para, se for caso disso, fechar escolas de um dia para o outro e massificar testes.

Sobra um problema. Como temos percebido, entre os professores a incidência de membros de grupos de risco é desproporcional. Desenhe-se um mecanismo adequado de juntas médicas e financie-se a aposentação para quem corre riscos a dar aulas. Fica certamente mais barato do que o preço que o país pagará se as escolas se mantiverem fechadas. Estou certo de que a Fenprof, tão preocupada com as desigualdades, não deixará de apoiar.»

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12.6.20

Isto era dantes, na era pré-Covid



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No reino do disparate




Vale a pena ler a notícia completa sobre este pequeno restaurante que, por puro acaso, até conheço.

«O argumento da polícia era que a fita amarela e os manjericos (de papel) iriam atrair "multidões", diz Mafalda Nunes, que ontem, quando ainda não tinha retirado esses adereços, tinha apenas "moscas" dentro do espaço: "Clientes não existem".»
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Francisco Sousa Tavares faria hoje 100 anos


Um texto de Miguel, seu filho, publicado pelo Centro Nacional de Cultura:
O HOMEM DO LARGO DO CARMO.


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O país mais racista é aquele que não o admite



«A morte trágica de George Floyd levou a uma justificada onda de indignação em muitos países, incluindo Portugal. Como sempre, logo há quem se apresse a vir a público lembrar que o país não é racista. Desta feita, coube a Rui Rio, líder do maior partido da oposição, afirmar que “não há racismo na sociedade portuguesa”.

A afirmação é tonta, desde logo, porque há racismo em todas as sociedades. Não só porque há pessoas abertamente racistas em todos os países como (quase) todas e todos nós somos, implicitamente e em vários graus, racistas. Se quer uma prova, vá ao site Project Implicit da Universidade de Harvard e faça o teste do preconceito racial. Este teste mede o preconceito, mesmo que o queira esconder deliberadamente ou, simplesmente, não tenha consciência dele. Vai ver que, mesmo se pensa que não é racista, a sua mente vai pregar-lhe partidas.

Segundo os dados do Project Implicit trabalhados por investigadores da Universidade de Sheffield, Portugal é dos países com mais preconceito implícito da UE, a par de Itália e ultrapassado apenas por alguns países de Leste. Depois, há o racismo declarado, aquele que as pessoas declaram mesmo sem testes sofisticados de associações implícitas. Como aqui lembrou Luís Aguiar-Conraria em Janeiro, o European Social Survey pergunta às pessoas se consideram que há etnias biologicamente menos inteligentes e o país com maior percentagem de pessoas que concordam com esta afirmação é Portugal. É o único país em que mais de metade dos inquiridos concordam.

Uma questão diferente é saber se o racismo das pessoas tem expressão na sociedade e na economia. Há uma semana, o Expresso falava dos “Seis indicadores para avaliar a desigualdade entre brancos e negros nos EUA” e apontava a desigualdade de rendimento, salarial, de riqueza acumulada, de desemprego, de pobreza e de saúde (como a probabilidade de morrer de covid-19, que já assinalei no PÚBLICO há duas semanas, a prevalência de doenças crónicas, o acesso a seguro de saúde). Como em Portugal continuamos com a teimosia de não recolher dados étnicos, não podemos quantificar estas disparidades com dados oficiais. Sem quantificar, dificilmente podemos agir.

Felizmente, a Agência Europeia para os Direitos Fundamentais conduziu em 2016 o Inquérito à Discriminação de Minorias na UE, baseada em entrevistas presenciais com mais de 25 mil indivíduos de diferentes minorias étnicas nos 28 países. O inquérito tem informação para várias etnias, mas vou concentrar-me aqui nas pessoas com origem na África subsariana. Em Portugal, um terço dessas pessoas afirma ter sido vítima de discriminação nos últimos cinco anos em diversos domínios: procura de emprego e no próprio emprego, procura de casa, contacto com a escola dos filhos ou outras instituições educativas, na utilização de serviços públicos ou privados, restaurantes, hotéis, lojas, bares, contactos com a administração pública, utilização de transportes públicos. Os indivíduos da segunda geração sentem-se mais discriminados: são 48% a afirmar que já foram vítimas de discriminação. Quase um quarto afirmam que foram vítimas de assédio ou perseguição devido à sua origem étnica ou estrangeira nos últimos cinco anos.

Estes números mostram como foi absurda e infeliz a comparação com investidores bolsitas que o deputado Cotrim Figueiredo levou ao parlamento. Senhor deputado: o racismo que dói implica falta de oportunidades. A menos que me tenha escapado alguma coisa, oportunidades não faltam à nata da finança que quis trazer ao debate.

Para além dos inquéritos, basta olhar em volta para perceber como este país trata as minorias. Há um ano, quando defendi quotas aqui no PÚBLICO, desafiei os leitores a pensar em nomes de pessoas oriundas de minorias que se destaquem em Portugal nos lugares de poder: política, empresas, comunicação social, academia. Infelizmente, há muito poucos. É que o problema vem de trás. Não sabemos como é o percurso escolar destas crianças, mas adivinhamos que é pejado de espinhos. O inquérito que citei mostra que apenas 5% das pessoas oriundas da África subsariana terminam o ensino superior, quando na população portuguesa em geral esse valor é de 20%.

Será a falta de representação da minoria negra (e outras) no poder que explica o ensurdecedor silêncio das empresas e instituições portuguesas perante o movimento Black Lives Matter nas últimas semanas? Nos EUA, o número de grandes empresas que apoiou publicamente o movimento gerou surpresa. É provável que pelo menos algumas destas intervenções vão além da mera manobra de comunicação, como assinalou o Financial Times. Por um lado, há um risco de imagem, já que as sondagens mostram que nos EUA a polícia é mais respeitada do que a religião. Por outro, as intervenções mais marcantes vieram de empresas com executivos negros, como o Citigroup, cujo director financeiro falou de experiências pessoais de discriminação. Não foram só as empresas, nem foi só nos EUA. A generalidade das universidades inglesas e americanas publicaram posições públicas nos seus sites e a American Economic Association também.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem um grupo de trabalho de “especialistas em pessoas de origem africana” que fez uma visita a Portugal em Maio de 2011. As conclusões estão publicadas num pequeno relatório de Agosto de 2012, disponível online. Talvez tenha passado despercebido porque estávamos a braços com a troika e a visita do grupo de trabalho aconteceu durante o último estertor do governo Sócrates. Logo na primeira página, o relatório diz: “o grupo de trabalho conclui que os desafios enfrentados pelas pessoas de ascendência africana em Portugal estão principalmente relacionados com a falta de reconhecimento como um grupo específico na política nacional e no quadro legislativo” e recomenda, entre outras coisas, “a revisão da política que impede a recolha de informação desagregada por origem racial ou étnica”. Pois. O país mais racista é o que escolhe varrer o problema para debaixo do tapete.»

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11.6.20

Pela democracia e contra o genocídio no Brasil



Exmo Senhor Presidente da Assembleia da República,

Recentemente, centenas de juristas brasileiros de todos os quadrantes políticos assinaram o manifesto “BASTA!” para exprimir a sua preocupação pelo futuro da democracia no Brasil:

«O Brasil, suas instituições, seu povo não podem continuar a ser agredidos por alguém que, ungido democraticamente ao cargo de presidente da República, exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar com os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito, contra a saúde dos brasileiros, agindo despudoradamente, à luz do dia, incapaz de demonstrar qualquer espírito cívico ou de compaixão para com o sofrimento de tantos.»

Nos últimos meses, o governo de Jair Bolsonaro foi alvo de dezenas de denúncias na ONU, apresentadas por entidades brasileiras e internacionais. O mundo não pode assistir impávido à degradação sistemática das instituições democráticas brasileiras, aos crimes contra a saúde pública provocados pela política negacionista da pandemia do Coronavírus, e às graves violações dos Direitos Humanos de que é vítima o povo brasileiro.

Assim, em nome dos laços que unem os dois povos, o Estado Português deve assumir, em todas as instâncias internacionais em que se encontra representado, uma posição de solidariedade com o povo brasileiro, defesa intransigente dos direitos humanos e condenação do Governo de Jair Bolsonaro.

A Petição pode ser assinada AQUI.
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Dúvida existencial



Haverá jogos de futebol todos os dias até ser descoberta uma vacina contra Covid-19? 
Não são mostrados jogos, mas antevisões, visões e pósvisões ocupam horas, horas e horas. O país está a voltar à sua triste normalidade.
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O limite e o risco



«Vai por aí alguma barulheira por causa das manifestações antirracistas que desceram à rua no passado sábado em várias cidades do país. A extrema-direita protesta porque é racista e, naturalmente, não gostou de ver multidões de jovens irmanadas na sua denúncia. Outra parte da direita declina um antirracismo retórico, mas ataca com igual veemência todos os gestos práticos de condenação do racismo que, aliás, considera que não existe em Portugal. Estamos conversados. Mas há um sector da opinião que se preocupou com o que viu enquanto risco para a saúde pública. E considero que vale a pena, nesta perspetiva, discutir o assunto.

Começarei por dizer que sim, têm razão, não obstante todos os cuidados dos organizadores (em Lisboa vi distribuírem-se máscaras a todos os participantes e todos as usavam) é claro que houve riscos numa manifestação que trouxe uma massa de milhares de pessoas para a rua. Mas eu permito-me perguntar: o que levou milhões de mulheres e de homens no mesmo dia, nas principais cidades da Europa, em muitas da África, da Austrália e da América latina, em praticamente todas as maiores cidades do EUA, ao risco de enfrentar a pandemia para dar voz à sua indignação contra o assassinato de George Floyd?

Seguramente a morte bárbara de um homem negro desarmado e algemado, vítima de lenta asfixia causada pelo joelho de um polícia branco calcando sobre o seu pescoço enquanto num fio de voz que se extinguia ele dizia: “não posso respirar!” Seguramente a ação incendiária e provocatória de um presidente ensandecido que face à vaga de protestos apelava à repressão sangrenta e à guerra civil.

Mas há algo de mais decisivo que, penso eu, fez saltar em uníssono a mola do protesto internacional. O sentimento geral de que há um limite intransponível não só para a violência racista, não só nos EUA de Trump, mas para esse apodrecimento geral que traz consigo todas as formas de violência contra os mais pobres, contra o mundo do trabalho, contra os direitos das mulheres, contra as minorias racializadas, contra as minorias sexuais. Essa violência aparentemente inelutável que prepara a catástrofe climática e ambiental, esse inverno da humanidade que parece ameaçar-nos novamente não só na America first, mas desde o Brasil de Bolsonaro à Índia, às Filipinas, à China do capitalismo de Estado, à Itália de Salvini, à Hungria de Orbán, ao geral arreganho da extrema-direita europeia.

Um ambiente onde se está a formatar de novo, invisivelmente, a banalidade do mal, onde nas redes sociais e em certos media se produz organizadamente um clima de invisibilidade moral conducente à impunidade do abuso e do crime como forma de fazer política ou à indiferença normalizadora perante eles. À abolia e ao medo que matam a capacidade de escolha e historicamente abriram portas às piores formas de opressão.

É esse sentimento de limite, de urgência, que fez tanta gente, em tantos países, manifestar-se. Não “irresponsavelmente”, mas num assumido gesto de coragem cívica. E eu pergunto se lutar contra a vaga montante deste regressismo sinistro, por vezes em circunstâncias limite como esta, não vale a pena algum risco. Aliás, como a pandemia dramaticamente demonstra no Brasil e nos EUA, que saúde pública teríamos num mundo calcado pela violência racista e por essa espécie de fascismo que os Trumps e os Bolsonaros transportam?»

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10.6.20

Marisa Matias - 10 de Junho




«Perante a ameaça da doença e da desumanizacao da resposta, o povo português não se deixou derrotar nem por uma nem por outra. A pandemia ensinou-nos que os bens essenciais do país são o trabalho e os serviços públicos.

Quanto à intervenção do Senhor Presidente, registamos a referência ao Serviço Nacional de Saúde e ao heroísmo dos seus profissionais. É verdade que este é o momento para as alterações estruturais e não para os remendos. Começámos a fazê-lo com a aprovação da Lei de Bases da Saúde, uma aprovação feita pela esquerda parlamentar apesar da oposição do próprio Presidente da República.»
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Tangos


«A demissão de Mário Centeno encerra outra lição: a de que nem um ministro das Finanças que fez tudo bem e atingiu metas históricas é capaz de resistir à força centrífuga dos dois grandes pilares do regime: António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. São precisos dois para dançar o tango do poder. Três é uma multidão.»

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Um outro 10 de Junho em… 1974




No dia 10 de Junho de 1974, um grupo de quarenta e oito artistas plásticos pintou no Mercado do Povo, em Lisboa, um mural que viria a desaparecer num incêndio, em 1981. Entre os pintores, muitas caras conhecidas : Júlio Pomar, João Abel Manta, Nikias Skapinakis, Menez, Vespeira, Costa Pinheiro, etc., etc.

(O filme é um documento precioso, da autoria de Manuel Costa e Silva e foi-me disponibilizado, já há uns anos, por Fernando Matos Silva.)
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A superioridade moral do medo



«Como se esperava, o desconfinamento aumentou a ansiedade de muita gente. Sobretudo a dos que achavam que era provável as pessoas saírem de casa e o número de infetados cair a pique. Ou dos que não tinham percebido que se o Norte tinha sido muito mais infetado na primeira fase era inevitável que Lisboa e Vale do Tejo, a região mais populosa, mais densamente povoada e onde os movimentos pendulares são mais intensos, teria seguramente de se aproximar ao que aconteceu a Norte. Aparentemente, há um número impressionante de pessoas que nunca chegou a interiorizar o objetivo de achatar a curva e acha que é possível contornar o vírus.

Defendi, desde o início, a posição mediaticamente menos apelativa: a de ponderar os efeitos na economia e na saúde de cada decisão. E quando falo de saúde, incluo os efeitos físicos e mentais do confinamento, o adiamento de consultas e cirurgias, o encerramento de funções fundamentais e não apenas do vírus. Defendi as medidas tomadas, achei excessivo o discurso veiculado pela comunicação social. Com uma certeza: o confinamento teria sempre um tempo limite. Porque ele mata e porque a partir de um determinado tempo as pessoas começam a deixar de cumprir.

Respeito, desde o início, a forma como cada um vive este momento. Dentro dos comportamentos aceitáveis, estão os que não têm medo e se limitam a cumprir as indicações das autoridades – é a isso que estão obrigadas – e os que decidiram ficar em casa durante três meses, com contactos quase nulos com o exterior. Uns com problemas de saúde que o justificam, outros nem por isso. Nada tenho a ver com isso e tenho feito um esforço para, no espaço público, não transformar diferenças de temperamento em diferenças de opinião. Mas há uma coisa que não consigo que deixe de me irritar: a superioridade moral do medo.

Há mesmo pessoas que têm mais medo do que outras. Algumas é só mais medo da doença. Algumas têm razões para isso, outras não. O medo não é pecado. Na dose certa, é necessário para a sobrevivência. Assim como, na dose certa, precisamos de ser destemidos. O seguro não morreu de velho porque morreu de fome, com medo de sair da caverna para caçar. Entre a inconsciência e o pânico há um mundo de escolhas - e não deixou de ser assim nesta pandemia.

Da mesma forma que há pessoas totalmente inconscientes, há muitas pessoas – talvez ainda mais – paralisadas pelo pânico. E muitas delas sentem-se apoiadas pelo discurso mediático dominante e interiorizaram uma ideia que pode ser muito confortável: para não se confrontarem com os seus próprios medos julgam-se apenas mais responsáveis do que as outras. Até aqui, tudo bem. Cada um tem as suas estratégias. O irresponsável patológico também se pode julgar mais corajoso. O problema é quando essa autodefesa se transforma num discurso moral sobre os outros. Quem está paralisado pelo medo não é mais responsável. Está apenas com mais medo. E não é nesse extremo nem no oposto que a nossa relação coletiva com a pandemia se tem de fazer. É com bom senso, alguns erros e respeito pela liberdade e pela saúde dos outros. As duas coisas: saúde e liberdade.»

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9.6.20

Teletrabalho



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Piada do dia


«Isto de porem um gajo chamado João Leão como ministro das finanças é uma pura provocação aos tipos da Europa. É como quem diz "vá agora pronunciem o nome dele, que a gente quer rir".»

Jorge Candeias no Facebook
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Carta aberta ao Presidente da República



«Dizem os políticos que Portugal e o Brasil são países irmãos. Marcelo Rebelo de Sousa aprecia esta figura retórica. Mas chegou o momento em que é necessário decidir de que país Portugal é irmão. Do Brasil que está a matar? Ou do Brasil que está a morrer? O que se passa no Brasil hoje é mais grave do que um crime de Estado. (…)

No dia 1 de janeiro de 2019, há pouco mais de um ano, Marcelo Rebelo de Sousa era a estrela internacional da tomada de posse de Bolsonaro. Angela Merkel, Theresa May, Emmanuel Macron não foram à cerimónia, apesar de convidados. Os dirigentes da direita europeia tomavam uma posição distante face a um novo Presidente do Brasil, com um conhecido desprezo pela democracia.

Os únicos chefes de Estado europeus eram Marcelo e Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, cujas declarações sobre ciganos parecem extraídas de compêndios nazis. (…)

Quem cala, consente.

O que poderia fazer o Presidente da República? Poderia muito. Poderia liderar um movimento de pressão internacional. Poderia e deveria convocar o embaixador do Brasil e pedir explicações – nem que seja considerando a comunidade portuguesa no Brasil. A diplomacia não é apenas um entreposto para vender vinhos e azeite.

Além do Presidente, através do seu governo e dos seus deputados, Portugal pode apresentar moções condenatórias no Parlamento Europeu, no Conselho da Europa, na ONU. Isto seria próprio de um país irmão.» 

Sérgio Tréfaut
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EDP: aperta-se o cerco



«No processo judicial que ameaça tirar António Mexia da presidência executiva da EDP e Manso Neto da EDP Renováveis, o Ministério Público imputou a ambos a prática de quatro crimes de corrupção ativa e de um crime de participação económica em negócio.

A história é longa. Entre o final dos anos 90 e o período da troika, os governos PS/PSD/CDS privatizaram todas as empresas estratégicas do país, da Banca aos aeroportos, da eletricidade aos correios. Para isso, apoiaram-se numa narrativa, muito em voga na Europa, que caricaturava as empresas públicas como ineficientes e corruptas, geridas por burocratas incompetentes. Propunha-se, em alternativa, um modelo de "capitalismo popular", onde os cidadãos se podiam tornar investidores da bolsa, a par dos grandes grupos económicos nacionais, e as empresas seriam administradas por gestores profissionais. António Mexia, há 15 anos na EDP, ou Zeinal Bava, a estrela da PT, não foram simples gestores, mas os símbolos deste novo capitalismo português.

Foram precisas duas décadas, e a destruição de várias dessas empresas - como a PT ou a Cimpor -, para que a fraude ficasse à vista. O novo modelo enriqueceu gestores e grupos económicos, mas o país viu mais corrupção e menos capacidade produtiva e autonomia estratégica. Não se enganem, o objetivo nunca foi "retirar o Estado na economia". As relações entre o Estado e o privado não terminaram, só se tornaram mais obscuras e parasitárias, como o caso da EDP demonstra.

Os tribunais farão o julgamento destes crimes, mas deve ser lembrado que antes das conclusões criminais, o Parlamento apurou enormes consequências económicas da política de privilégio e rendas excessivas que se verifica há mais de duas décadas a favor do setor elétrico e, em particular, da EDP e dos seus donos privados.

A Comissão de Inquérito apurou que a privatização da EDP se fez a favor dos futuros acionistas que exigiram a assinatura de contratos com altas rentabilidades garantidas (os CAE). Esses contratos foram sendo alterados, passaram a chamar-se CMEC, sempre com enormes vantagens financeiras para a EDP. Depois veio o negócio das barragens, em que a EDP saiu beneficiada. No centro desses negócios, que estão agora sob investigação, esteve sempre a influência política, a porta giratória de governantes e assessores para a folha de pagamentos da EDP.

A comissão de inquérito concluiu e fez recomendações que o PS aprovou, para logo depois as colocar na gaveta. Se a Justiça demora, a política não tem porque esperar para reverter o privilégio e ressarcir os consumidores.»

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8.6.20

Crise mas só para alguns



«São celebridades internacionais norte-americanas da área do rock ou do mundo do espetáculo, vedetas das principais ligas de futebol europeias, multimilionários de Hong Kong, Singapura, São Paulo ou Londres e também muitos magnatas do petróleo vindos, sobretudo, do Médio Oriente.»

Expresso, 08.06.2020
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Entretanto na Índia



«Actualmente, cadáveres estão espalhados por toda a Índia – maioritariamente trabalhadores e trabalhadoras imigrantes e pobres. Depois de dois meses de lockdown, enquanto desesperadamente tentaram voltar às suas casas, morreram de exaustão, fome, ataque cardíaco, acidentes de viação, entre outras causas. (…) A maioria de trabalhadores e trabalhadoras migrantes ficou desempregada desde o lockdown nacional imposto há dois meses, desencadeando o maior movimento de migração intranacional visto na Índia desde 1947.»
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Um país de vidas seguras



«Diante da ameaça da doença e diante da ameaça da desumanização da resposta, eu vi um povo determinado a não se deixar derrotar nem por uma nem pela outra. Vi um povo extraordinário que soube respeitar a distância física sem nunca quebrar laços de solidariedade social. Vi um povo que soube contrapor à lógica que alguns quiseram que fosse “de guerra”, a lógica do cuidado e fazer dele o centro da vida e o centro da política. Não podemos desperdiçar o que o povo nos ensinou.

Sim, o cuidado – cuidado intensivo, por tanta gente praticado – foi o melhor que experimentámos nestes dias de pandemia. Foi ele que defendeu a nossa humanidade. Ele foi atitude e foi política. Na primeira linha da proteção – do cuidado – de todos, estiveram o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social.

O mundo dos negócios, sempre ávido de juntar lucro ao lucro, mostrou a sua imensa fragilidade e o imenso vazio da sua resposta à necessidade de segurança das pessoas. Quando o hospital público acolheu as pessoas doentes com competência e com disponibilidade sem fim dos seus profissionais, os grupos privados dividiram-se entre fechar as portas e fixar a conta de milhões a cobrar ao Estado para tratar as pessoas. Quando os despedimentos e a redução dos salários foram trazidos de volta como suposta inevitabilidade, foi a Segurança Social que se assumiu como garante do rendimento dos trabalhadores e da manutenção das pequenas empresas.

Sei bem que as respostas não chegaram a todas as pessoas. As vidas que já estavam comprometidas por baixos salários e pensões sofreram mais com esta crise. Sofreram, desde logo, com o aumento da precariedade, com a privatização ou o desinvestimento nos serviços públicos ou com a invisibilidade quase permanente. É o caso de cuidadores informais, pessoas com deficiência, daqueles para quem o rendimento era já curto ou de outros setores socialmente vulneráveis. Sem um caminho de transformações estruturais, limitados a medidas paliativas, Portugal verá reforçadas as desigualdades sociais existentes.

Depois da crise sanitária, o país deve devolver força e justiça ao mundo do trabalho. A pandemia está a ser pretexto para, novamente, empobrecer quem vive do seu trabalho e diminuir direitos. A limitada recuperação de rendimentos operada nos últimos cinco anos nunca agradou aos adeptos da competitividade alicerçada nos baixos custos do trabalho. Esses setores vêm a pandemia como oportunidade para reverter o caminho feito nos últimos anos contra esse programa. O programa de recuperação de que o país precisa tem, ao contrário, que barrar caminho ao descarte de trabalhadores e ao trabalho precário e tem que garantir salários motivadores e pensões que criem horizontes de vida dignos. Precisamos, por tudo isto, de um compromisso para a cobertura universal da protecção social, a promoção do trabalho com direitos e a criação de emprego.

Depois da crise sanitária, é estratégico para o país reforçar os serviços públicos, o seu alcance universal e a sua qualidade. À cabeça de todos, o Serviço Nacional de Saúde, lugar maior da nossa democracia. Contra os que querem deixá-lo refém dos privados, os mesmos que faltaram ao país quando se lhes exigiu um mínimo de sacrifício, eu assumo o reforço do Serviço Nacional de Saúde – em profissionais, meios técnicos, autonomia de gestão, recursos financeiros – como primeiro garante da segurança de todos e do cuidado com todos. Devemos investir no cuidado, respondendo às necessidades de longa duração e de apoio domiciliário.

A resposta de saúde deve ser articulada com as respostas social e ambiental. Os países que não souberem apostar nessa articulação, perderão em cada um dos três domínios. A crise pandémica evidenciou a necessidade de uma alteração estrutural dos padrões de mobilidade. Não podemos voltar atrás. Investimento público em transportes, transição energética, redução da dependência externa pelo reforço da produção local e pela redução das cadeias de distribuição são alguns dos desafios estratégicos que temos pela frente.

Esperar que tudo se solucione com um modelo económico já conhecidos ou na expectativa de que os fundos que vierem da União Europeia façam milagres é adiar o futuro sem perceber a fundo o impacto desta crise nas nossas vidas. Sem mudança de modelo, voltaremos a deixar para trás aqueles que são sempre sacrificados em tempos de crise.

A energia de um país solidário é a que me move e aquela por que lutarei nos próximos meses. Julgo que, sob a crise sanitária, compreendemos que o nosso desafio coletivo é o de sermos um país em que todos tenham vidas seguras. A pandemia ensinou-nos que os bens essenciais do país são o trabalho e os serviços públicos. É neles que temos que investir como pilares da segurança de todos.

O futuro começa a decidir-se agora. E as escolhas deste ano e do próximo ano vão determinar o país que teremos. À elite económica e social que faz da desigualdade a sua política, respondo com a universalidade do Estado social, com a solidariedade e a repartição da riqueza, com a luta por justiça climática e justiça social. A esquerda dirá presente a este desafio.»

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7.6.20

Já li hoje tantos disparates


… que até tinha pensado escrever um texto sobre o tema do dia, mas quando vi este boneco percebi que já estava tudo dito.
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Banksy, uma vez mais



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Trump, o senhor do caos



«Há quem diga que o sr. Donald Trump pode ser uma versão refinada de Godzilla. Espantosamente, o monstro, após ser bombardeado pelos caças japoneses, não é desintegrado e cospe ainda mais fogo. Alimenta-se da energia destrutiva. E vai ficando cada vez mais forte. Entende-se a comparação. Mas o certo é que o sr. Trump é o Presidente dos EUA. E que a sua forma de desgovernar é tortuosa. Diz mentiras e depois mente sobre as suas mentiras. Assim já ninguém sabe, ou se lembra, onde pode estar a verdade. Esta é a nova forma de fazer política no tempo das redes sociais. O que é mesmo assustador é que nem tudo é uma patranha. Por detrás desta galeria de enganos, há uma pensada agenda política, em que se conjugam o capitalismo selvagem, o fim do diálogo e do multilateralismo, o enterro desta globalização e o ocaso da democracia. O sr. Trump é, na realidade, uma versão de fato e gravata de Homer Simpson. Homer diz: “Oh não, alienígenas! Não me coma, tenho mulher e três filhos... coma-os a eles!” O dispensável é sempre o outro. Para esconder a sua incompetência para combater a covid-19, o sr. Trump precisa de várias telenovelas a serem transmitidas em simultâneo. Mesmo que crie um clima de guerra civil, os meios servem os fins que deseja.

Após os confrontos de 1967 e 1968, Marvin Gaye não escondeu o seu desespero. Cantou What’s going on?. O que mudou desde então? Pouco. E, por acção do sr. Trump, os EUA são hoje um país ainda mais dividido, mais desigual e pobre. Não fez um muro com o México. Ergueu-o dentro das suas fronteiras. Para viver, ganhar as eleições e destruir o resto das instituições americanas, o sr. Trump tem-se empenhado a criar inimigos. Qualquer um serve, se isso reforçar a sua base de apoio – e se semear o fascismo tecnológico, que vai ser um dos grandes desafios das sociedades neste século XXI. O mundo idealizado pelo sr. Trump (e pelos homens cinzentos que se movem por detrás dele) só conhece vencedores e perdedores. Os seres humanos são apenas mercadorias. Os valores, produtos de supermercado. Não há aqui espaço para idealismos ou filosofias. Não há amigos: só interesses.

Para vencer, o sr. Trump precisa de incendiar o mundo. De tornar os aliados ovelhas. De destruir os organismos de diálogo (hoje a OMS, amanhã a anémica ONU do sr. Guterres). A China, a grande concorrente. E a União Europeia. Não admira que o sr. Trump seja visto como esse monstro que se alimenta do caos. Há muito que a América que conhecíamos, contraditória mas atraente, se começou a desintegrar diante dos nossos olhos. Uma das melhores séries de todos os tempos, The Wire, de David Simon, mostrara-nos um mundo urbano onde é impossível a redenção. A série era uma tragédia grega, onde, em vez dos antigos deuses, as forças do Olimpo são as instituições pós-modernas: a polícia, a economia da droga, as estruturas políticas corruptas, as forças económicas que, na sombra, tudo manipulam. Nas tragédias gregas, os protagonistas são os joguetes dos deuses. Hoje, não passam de peões de interesses maiores e menos visíveis. Os seres humanos já não compreendem o mundo que criaram. São derrotados pelo medo. E pelo dinheiro. A política tornou-se o teatro do absurdo.

Para este projecto sinistro ser hegemónico, o sr. Trump tem de ser reeleito. Sem economia para alimentar os votantes, a China é o melhor inimigo. Para essa carga da brigada ligeira, o sr. Trump insiste em arrastar os aliados que tem humilhado. O primeiro round desta estratégia, no entanto, falhou, porque a sra. Angela Merkel recusou ir ao G7. Não esquece o que o sr. Steve Bannon tem andado a fazer na Europa para destruir a União Europeia, sob os auspícios do Presidente americano. A resposta? O sr. Trump rapidamente avançou para a ideia de criar um G10 ou G11, com a Rússia, a Coreia do Sul, a Índia e a Austrália, nascendo assim uma frente anti-China, com dois blocos antagónicos. Só que a Europa não pode confiar nele, um Bórgia dos tempos modernos, rápido a trair os aliados pelas costas quando lhe convém. A Europa precisa de manter a cooperação com a China – porque a globalização está a adquirir novas roupagens: a regionalização económica, como se está a ver na Ásia, é uma delas. É contra tudo isto que aqueles que apoiam o sr. Trump querem lutar. Acreditam ainda que é através da chantagem que os EUA dominarão, como senhores, parte do mundo. Eis o que está mesmo em jogo. Só que não é Alexandre, o Grande, quem quer.»

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