7.6.20

Trump, o senhor do caos



«Há quem diga que o sr. Donald Trump pode ser uma versão refinada de Godzilla. Espantosamente, o monstro, após ser bombardeado pelos caças japoneses, não é desintegrado e cospe ainda mais fogo. Alimenta-se da energia destrutiva. E vai ficando cada vez mais forte. Entende-se a comparação. Mas o certo é que o sr. Trump é o Presidente dos EUA. E que a sua forma de desgovernar é tortuosa. Diz mentiras e depois mente sobre as suas mentiras. Assim já ninguém sabe, ou se lembra, onde pode estar a verdade. Esta é a nova forma de fazer política no tempo das redes sociais. O que é mesmo assustador é que nem tudo é uma patranha. Por detrás desta galeria de enganos, há uma pensada agenda política, em que se conjugam o capitalismo selvagem, o fim do diálogo e do multilateralismo, o enterro desta globalização e o ocaso da democracia. O sr. Trump é, na realidade, uma versão de fato e gravata de Homer Simpson. Homer diz: “Oh não, alienígenas! Não me coma, tenho mulher e três filhos... coma-os a eles!” O dispensável é sempre o outro. Para esconder a sua incompetência para combater a covid-19, o sr. Trump precisa de várias telenovelas a serem transmitidas em simultâneo. Mesmo que crie um clima de guerra civil, os meios servem os fins que deseja.

Após os confrontos de 1967 e 1968, Marvin Gaye não escondeu o seu desespero. Cantou What’s going on?. O que mudou desde então? Pouco. E, por acção do sr. Trump, os EUA são hoje um país ainda mais dividido, mais desigual e pobre. Não fez um muro com o México. Ergueu-o dentro das suas fronteiras. Para viver, ganhar as eleições e destruir o resto das instituições americanas, o sr. Trump tem-se empenhado a criar inimigos. Qualquer um serve, se isso reforçar a sua base de apoio – e se semear o fascismo tecnológico, que vai ser um dos grandes desafios das sociedades neste século XXI. O mundo idealizado pelo sr. Trump (e pelos homens cinzentos que se movem por detrás dele) só conhece vencedores e perdedores. Os seres humanos são apenas mercadorias. Os valores, produtos de supermercado. Não há aqui espaço para idealismos ou filosofias. Não há amigos: só interesses.

Para vencer, o sr. Trump precisa de incendiar o mundo. De tornar os aliados ovelhas. De destruir os organismos de diálogo (hoje a OMS, amanhã a anémica ONU do sr. Guterres). A China, a grande concorrente. E a União Europeia. Não admira que o sr. Trump seja visto como esse monstro que se alimenta do caos. Há muito que a América que conhecíamos, contraditória mas atraente, se começou a desintegrar diante dos nossos olhos. Uma das melhores séries de todos os tempos, The Wire, de David Simon, mostrara-nos um mundo urbano onde é impossível a redenção. A série era uma tragédia grega, onde, em vez dos antigos deuses, as forças do Olimpo são as instituições pós-modernas: a polícia, a economia da droga, as estruturas políticas corruptas, as forças económicas que, na sombra, tudo manipulam. Nas tragédias gregas, os protagonistas são os joguetes dos deuses. Hoje, não passam de peões de interesses maiores e menos visíveis. Os seres humanos já não compreendem o mundo que criaram. São derrotados pelo medo. E pelo dinheiro. A política tornou-se o teatro do absurdo.

Para este projecto sinistro ser hegemónico, o sr. Trump tem de ser reeleito. Sem economia para alimentar os votantes, a China é o melhor inimigo. Para essa carga da brigada ligeira, o sr. Trump insiste em arrastar os aliados que tem humilhado. O primeiro round desta estratégia, no entanto, falhou, porque a sra. Angela Merkel recusou ir ao G7. Não esquece o que o sr. Steve Bannon tem andado a fazer na Europa para destruir a União Europeia, sob os auspícios do Presidente americano. A resposta? O sr. Trump rapidamente avançou para a ideia de criar um G10 ou G11, com a Rússia, a Coreia do Sul, a Índia e a Austrália, nascendo assim uma frente anti-China, com dois blocos antagónicos. Só que a Europa não pode confiar nele, um Bórgia dos tempos modernos, rápido a trair os aliados pelas costas quando lhe convém. A Europa precisa de manter a cooperação com a China – porque a globalização está a adquirir novas roupagens: a regionalização económica, como se está a ver na Ásia, é uma delas. É contra tudo isto que aqueles que apoiam o sr. Trump querem lutar. Acreditam ainda que é através da chantagem que os EUA dominarão, como senhores, parte do mundo. Eis o que está mesmo em jogo. Só que não é Alexandre, o Grande, quem quer.»

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