«It was a horrible evening for Karl Marx. Resting on his pedestal in the eastern German city of Chemnitz, he had to witness one of the biggest crowds shouting fascist chants in post-war Germany. The square where the sculpted giant head of the philosopher rests in what was Karl-Marx-Stadt from 1953 until 1990 had suddenly become the setting for an angry riot full of Nazi-symbolism whose images spread around the world. What has been going on in this old city with its rich industrial heritage?»
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15.9.18
E já lá vão 6 anos
Agora, é mais sofá…
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Não chega habilidade
Daniel Oliveira no Expresso de 14.09.2018:
«Não é a primeira vez que o CDS impõe o seu léxico político aos jornalistas. No caso da ‘taxa Robles’ é especialmente absurdo. Porque a criação de uma relação com o caso de Ricardo Robles, sendo compreensível no combate partidário, é falha de rigor. Nem se pode dizer que a medida é uma reação a essa polémica, porque lhe é anterior, nem se pode dizer que se aplicaria ao caso do edifício comprado pelo ex-vereador. Do que sei da medida, o Bloco de Esquerda propõe uma majoração fiscal sobre os lucros em venda de imóveis que não tenham sofrido qualquer intervenção. Não sei se a medida é eficaz e parece-me que o BE não a tinha suficientemente consolidada para a tornar pública. Sei que um partido não pode deixar que casos particulares de eleitos e respetivos e embaraços mediáticos determinem o abandono de propostas. Tinha de a manter.
Compreendo que o Governo faça saber que não concorda com uma proposta quando há notícias que indicam que a irá adotar. Mas o que aconteceu esta semana foi uma manobra manhosa baseada em insinuações falsas. E o seu autor mais prolixo foi António Costa. Não somos parvos e percebemos que a repetição, em todas as declarações, da expressão “pressa” servia para cavalgar a insinuação de que o BE tinha elaborado esta medida para se limpar do caso Robles. Ora, a intenção de avançar com esta medida foi comunicada ao Governo no fim de maio, numa reunião entre a direção parlamentar do BE e a secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares. Voltou-o a ser em junho, em reunião semelhante. E de novo em 19 de julho, numa reunião do BE com Pedro Nuno Santos, Mário Centeno e os seus secretários de Estado. Desde então houve conversações com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com troca de informação para chegar a uma boa solução. Isto acontece com esta e com muitas outras medidas já anunciadas pelo Governo e pelos partidos que lhe dão maioria. Nada explica a violência de Costa. A proposta foi referida em conferência de imprensa de Pedro Filipe Soares, a 25 de julho. Tudo antes do caso Robles. Ou Centeno e Nuno Santos não falam com Costa ou ele sabe, desde antes do verão, que isto está a ser conversado. O que quer dizer que teve meses para tentar perceber a proposta, contribuir para ela ou deixar claro que era contra. E que sabe que ela não foi uma reação a Robles. E se o sabe, é feio insinuar o oposto.
Fui defensor empenhado desta solução política muitos anos antes dela acontecer. Elogiei António Costa pela coragem de quebrar um tabu de meio século. Mas o último ano tem sido uma desilusão. Há meses que Costa tenta dar um golpe fatal ao aliado a quem pensa ir buscar os votos para uma mirífica maioria absoluta. E vê no tema ‘Robles’ uma oportunidade única que agora tenta aproveitar. Os repetidos sinais de deslealdade levam-me a concluir que, para Costa, este arranjo nunca teve outro objetivo que não fosse a sua própria sobrevivência política. Se não quer enfrentar a tragédia que se está a espalhar pela Europa, Portugal precisa de uma alternativa ao neoliberalismo. Isso depende da existência de um entendimento estratégico à esquerda. Se não o conseguir, o PS seguirá o caminho dos seus congéneres europeus. Costa percebeu-o num momento de desespero. Mas a habilidade que teve a construir esta solução não corresponde a uma visão política para a consolidar. Para ele, isto é só tática. Para ser mais do que isso, terá de vir uma geração consciente do momento tremendo que vivemos.»
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14.9.18
Nova Sondagem
«Nem o PSD desce nem o PS sobe. Nem Rui Rio aparece desgastado na sondagem com as polémicas de verão nem António Costa descola em direção à maioria absoluta. Os resultados do estudo da Eurosondagem Expresso/SIC registam que não há variações assinaláveis nas intenções de voto em relação ao inquérito realizado há dois meses (PS com uma subida de um ponto percentual e PSD a cair 0,7%). Agora, o PSD sobe ligeiramente — 0,2%, ou seja, na prática mantém-se — e o PS perde 0,6% pontos percentuais entre os inquiridos.
A conclusão de um verão que não foi propriamente uma silly season é que PS e PSD praticamente não mexeram e que, mesmo em relação aos outros partidos, as oscilações não são assinaláveis, o que pressupõe que, se as eleições fossem hoje, o PS precisaria de pelo menos de um parceiro para governar.
O BE, que com o caso Robles marcou a agenda política durante vários dias, provocando reações em todos os partidos, não sai neste inquérito beliscado pela polémica.
Do outro lado do espetro, o CDS voltou de férias a todo o gás, com propostas para várias áreas e uma rentrée entusiástica, mas até ver sem retorno: a ambição de Assunção Cristas não se traduz, para já, numa subida significativa nas sondagens.»
Expresso diário 14.09.2018
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Europeias: caixa de pandora ou ovo da serpente?
«O partido A República em Marcha, do Presidente francês Emmanuel Macron, e o Reagrupamento Nacional (RN) da líder da extrema-direita Marine Le Pen estão praticamente empatados nas intenções de voto para as eleições europeias de Maio de 2019.» (O PS não vai além dos 4.5%.)
Quando penso nas eleições europeias, hesito entre duas «imagens»: caixa de pandora ou ovo da serpente.
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Da caixa de Pandora ao contentor de Serena
«Já muito se disse acerca do que terá acontecido no mais recente incidente desportivo envolvendo a tenista Serena Williams durante a final do torneio US Open. Mas ainda estamos longe de desmontar as reações geradas fora do jogo. São essas reações, muito mais do que o comportamento de Serena Williams ou o profissionalismo do árbitro Carlos Ramos, que revelam da extensão do problema que tantos ânimos exaltou.
Muitos dos comentários ao sucedido insistem na tentação de descredibilizar poderosos regimes de poder que atravessam o quotidiano, fazendo-se valer de argumentos pouco sérios: não é sexismo porque a adversária era uma mulher; não é racismo porque a adversária não era caucasiana; não é discriminação porque houve manifestamente comportamento faltoso; não é injusto porque o árbitro é irrepreensível no cumprimento das regras. Há até quem acuse Serena Williams de ridicularizar o feminismo, colocando em causa reivindicações sérias. Não será preciso todo um semestre letivo para que se perceba que argumentos deste calibre mais não são do que uma forma de desconversação. Serena indignou-se contra um sistema que a impede de agir – e de agir mal, não é isso que está em causa – de forma idêntica aos seus pares masculinos. Trata-se de perceber se, em campo e fora dele, a reação desencadeada é idêntica em conteúdo e em dimensão quando tenistas homens e tenistas mulheres agem de forma incorreta. E é apenas isto, o que já não é pouco, que está em causa. Ora, já vários tenistas homens e mulheres, bem como associações desportivas, vieram a público reconhecer aquilo que se designa por duplo padrão, ou seja, que de facto a punição a Serena foi superior à que sucedeu noutros casos tão ou mais sérios com tenistas homens. Entre exemplos que se multiplicam, o muito recente apoio por parte de Steve Simon, diretor geral do circuito feminino, veio fortalecer a posição de Serena.
Quando um dia a poeira baixar e conseguirmos falar deste episódio sem soltar todos os males da caixa ou do contentor, talvez possamos reconhecer que sempre estivemos afinal de acordo nisto: queremos menos pessoas rudes em campo (mesmo que tenham razão, mesmo que a tenham perdido) e menos trolls machistas na vida, tout court.
Mas este episódio extravasa em tanto a final deste torneio que restringir a análise à minúcia dos factos e ao escrutínio da arbitragem é perder de vista a floresta tomada por árvore.
Para que não surjam dúvidas: o sexismo que Serena denuncia não é protagonizado pela sua adversária que ganhou justamente; tão-pouco terá sido o juiz da partida a criá-lo, cujo profissionalismo sob pressão parece inquestionável. Contudo, há a montante desta final do US Open um sistema de duplo padrão sexista que é implementado de forma assumida ou tácita, e negar a sua existência é desonesto.
Há comprovadamente sexismo e racismo no mundo do desporto, e a Serena sabe disso melhor que a esmagadora maioria das pessoas que, à boleia deste episódio, se sentiram autorizadas a debitar todo um manancial de insultos até então encaixotados. Não se percebe de onde vem tanta raiva sem se perceber o que jaz a montante do jogo.
Aquilo a que temos assistido na última semana demonstra que não admitimos a Serena o direito a estar errada sem que a punição mais torpe, pejada de tiques sexistas e outros, se solte pelas redes sociais, conversas de café e debates televisivos. A incidência de adjetivos como descontrolada, exagerada, birrenta, histérica e mimada não tem precedentes e remete-nos para outros cenários, que tão bem conhecemos, em que o duplo padrão moral que usa dois pesos e duas medidas para avaliar o mesmo comportamento em mulheres e homens se faz sentir. Haverá certamente exceções que permitirão confirmar esta regra: não me recordo de termos semelhantes para classificar maus comportamentos desportivos protagonizados por homens descritos como descontrolados, exagerados, birrentos, histéricos e mimados. Esta elucidativa incidência de padrões argumentativos reforça em tudo a denúncia de sexismo no desporto que Serena protagoniza. Infantilizar as mulheres configura uma fórmula gasta de descredibilização machista.
E se uma mulher zangada abre uma caixa de Pandora, uma mulher negra zangada abre todo um contentor.
Uma nota final acerca de vitimização. O estatuto de Serena enquanto grande atleta tem sido utilizado como forma de destituição negando-lhe o direito a sentir-se como se sentiu, vitimada, como se, por se tratar de uma atleta extraordinária, estivesse porventura acima de qualquer possibilidade de ataque sexista ou de outra índole. As vítimas não podem ser mulheres fortes e vencedoras. Já conhecemos esta mesma forma de pensamento aplicada a mulheres assertivas que denunciam os seus agressores em casos de violência doméstica, assédio ou violação. As vítimas têm que parecer vítimas para serem credíveis. A ingenuidade de se pensar que o patriarcado ou o racismo se rendem perante uma campeã sobre-humana é alarmante e ensina-nos acerca do tanto que está ainda por fazer.»
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13.9.18
Perspectivas da tragédia grega
Em resumo, o processo foi, e continua a ser, um sucesso do ponto de vista do capital internacional e uma enorme tragédia do ponto de vista da população grega. É tudo uma questão de perspectiva.»
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No jogar é que está a esperança
«Os primeiros seis meses deste ano mostram que nunca se apostou tanto em Portugal. Totobola, Euromilhões e M1lhão estão a perder terreno nas escolhas. Raspadinha mantém-se a mais escolhida.»
Gostaria também de saber quantos portugueses jogam. Leio que, em 2014, correspondiam a 2/3 da população. Arrisco, sem grande hesitação, que actualmente deve tratar-se de 3/4 ou 4/5! É que as filas para se pagar um jornal em qualquer tabacaria que venda jogo são cada vez maiores: há que esperar que umas tantas pessoas, de todos os tamanhos e feitios, raspem e tornem a raspar, recebam uns euros ou nem por isso, etc., etc.
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Fora de horas
«A discussão sobre o fim da mudança da hora que tão talentosamente a Comissão Europeia abraçou nas últimas semanas está deslocada na sua relevância. A única mudança de hora que deveríamos estar a debater era a do discurso do estado da União, um modelo começado em 2010 e indignamente enterrado pelos seus protagonistas. Ao contrário dos EUA, onde o presidente se dirige a um Congresso lotado em horário nobre, na UE o presidente da Comissão dirige-se a um Parlamento Europeu quase vazio às nove da manhã. Não há comunicação possível sobre as virtudes da União a uma hora em que nem as televisões, nem o comum dos cidadãos perdem um segundo para lhe prestar atenção. Mas se este é o ponto prévio ao modelo iniciado por Durão Barroso, importa olhar para o que traz Jean Claude Juncker.
Os menos críticos têm apresentado o argumento da veterania como um trunfo numa Europa aparentemente sem memória histórica: a experiência como um dos pais da moeda única, os muitos anos de corredores em Bruxelas e o facto de ter liderado um pequeno país habituado aos equilíbrios continentais. Tudo isto estaria correcto se Juncker acrescentasse autoridade política, energia decisória, assertividade argumentativa, carisma político e chama discursiva. Como ficou demonstrado neste seu último discurso do estado da União, Juncker não tem nenhum desses atributos. Tem o mérito de estar rodeado de alguns bons comissários com visão e coragem políticas, tem a pouca sorte de estar à frente de uma comissão garante dos tratados quando estes estão em cheque e permanentemente sob ameaça, e tem a virtude de estar, grosso modo, correcto na hierarquia das prioridades da agenda da comissão: comércio livre, reformas da zona euro, digitalização da economia, relacionamento com as outras instituições europeias, segurança europeia e estabilidade nos Balcãs.
Os mais críticos, onde me incluo, não se contentam com isso. Ter alguém que nos sintoniza com a memória histórica da União não pode, por si só, justificar o seu protagonismo num momento como o que a Europa atravessa. Se não trouxer capacidade política entre os Estados-membros, influência e prestígio em Moscovo, Washington e Pequim, ou um rasgo analítico sobre o sensível momento da Europa, pouco ou nada nos serve. O conteúdo e sobretudo a forma como Juncker expressou, neste último discurso, o seu pessimismo, a sua falta de chama, a sua incapacidade de ver a grande fotografia da globalização e, ao mesmo tempo, não conseguir transmitir a confiança que se lhe exige sobre as instituições e as decisões comunitárias, mostram-nos como é tão importante aliar uma mensagem realista a um mensageiro inspirador. Esperámos anos a mais para colocar a Polónia e a Hungria no devido canto do ringue, continuamos a "vender" mal a dimensão geopolítica da ambiciosa agenda comercial da Comissão, permanecemos enredados numa argumentação excessivamente funcionalista e deficitariamente política, e trazemos poucas vezes ao debate os anátemas da integração europeia, deixando-nos antecipar pelas apocalípticas mensagens nacionalistas. Por fim, continuamos pouco criativos e activos nas reformas que os partidos políticos precisam para, de baixo para cima, participarem de outra forma nos decisivos debates que a Europa enfrenta. Que a União saiba, em 2019, dar a resposta certa aos dilemas que Juncker nunca foi capaz de deslindar.»
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12.9.18
Dica (808)
A Warning From Europe: The Worst Is Yet to Come (Anne Applebaum)
«Polarization. Conspiracy theories. Attacks on the free press. An obsession with loyalty. Recent events in the United States follow a pattern Europeans know all too well.»
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O Parlamento Europeu sanciona a Hungria
«O relatório da comissão parlamentar das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos do PE, que considerava existir um risco manifesto de violação grave, pela Hungria, dos valores europeus, recebeu 448 votos a favor, 197 contra e 48 abstenções durante a votação realizada no PE, em Estrasburgo, França.»
Os eurodeputados portugueses votaram a favor, com excepção dos do PCP, que votaram contra, e de Marinho Pinto que se absteve.Algum espanto?
P.S. – A justificação oficial do PCP pode ser lida AQUI.
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P.S. – A justificação oficial do PCP pode ser lida AQUI.
Portugueses ciganos – o escamoteamento da ciganobofia e o discurso institucional
«A partir do caso de uma jovem cigana de 15 anos que pretende preparar-se para casar e ficar em casa a ajudar a mãe doente, em vez de continuar estudos para os quais não se sente vocacionada, o que foi aceite pelo juiz de Fronteira, o PÚBLICO de 5 de Setembro abriu, e bem, um debate sobre o abandono escolar, na dupla dimensão de abandono desejado por uma jovem, com apoio familiar, e de abandono aceite por um juiz. A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) não conseguiu demover a rapariga, dado o primado que é atribuído à vida familiar e, mais profundamente, a visão do mundo das comunidades ciganas que sabem que não contam com o apoio do Estado e que não existirá, mesmo com a escolaridade completa, qualquer inserção no mercado de trabalho. A jovem não desejava essa inserção profissional e, mesmo que desejasse, ela estar-lhe-ia vedada em 99% dos casos, mais ainda em Fronteira.
Do caso particular, que o juiz apreciou tendo em conta o contexto familiar e local, passou-se para o discurso idealista e normativo dos servidores do Estado e das instituições internacionais, escamoteando a real situação de marginalização e de xenofobia que atinge a larga maioria destes portugueses, e ainda mais no Interior. De Sul a Norte, a ciganofobia continua a constituir “a mais grave e escandalosa de todas as situações de racismo e xenofobia registadas em Portugal”, como descrevi, em 1997, num relatório sobre a juventude das minorias étnicas, encomendado pelo Governo de António Guterres [1]. Em 20 anos, pouco mudou. A pobreza, a exclusão habitacional e do mercado de trabalho por autarcas e empregadores, o analfabetismo e a baixa escolaridade, derivados do nomadismo forçado, a marginalização ciganófoba, a violência policial e a elevadíssima taxa de aprisionamento (por pequeno tráfico de droga, para fins de sobrevivência familiar) criavam e ainda criam um círculo vicioso a que escapavam sobretudo os feirantes (em vias de extinção, a sul) e os vendedores ambulantes. A vida familiar e comunitária, com os seus casamentos e festas, e a inserção de muitos nas Igrejas Ciganas, permitiam escapar à violência ciganófoba de populações [2] e ao silêncio cúmplice de políticos [3].
Escamoteado o quadro geral, de repente, o que fica em causa, para a secretária de Estado, é “o acesso à vida plena do seu futuro profissional e cidadão” (qual ‘vida plena’, qual futuro profissional?). E para a coordenadora do Observatório, o problema seria a “desigualdade de género entre estudantes ciganos” e, imagine-se, “o direito humano fundamental à formação de cidadãos conscientes e críticos/as”.
O discurso jurídico-filosófico, o universalismo constitucional e o pensamento escolástico, refugiando-se em categorias distantes das realidades sociais e políticas, têm consequências cognitivas que seriam ridículas se não lançassem a confusão mediática sobre as realidades sociais. Alvo de cinco séculos de perseguição criminosa e de marginalização, com resultados escandalosos, os portugueses ciganos precisam que o Estado promova um processo de discriminação positiva (como o que está a fazer para o interior ou promovendo quotas parlamentares), não precisam de devaneios sobre o “acesso à vida plena” e à “formação de cidadãos conscientes e críticos”.
Claro que, idealmente, como relembra Bruno Gonçalves, em casos particulares existiria o recurso excecional ao ensino doméstico, ou a ofertas alternativas (como ‘um curso de cozinha só com raparigas’), mas isso, na realidade, não existe para ciganos, em Fronteira, como, em geral, no resto do interior.
O que existe no interior e na generalidade do país é a continuação do nomadismo forçado (famílias a quem tiraram as casas, obrigadas pela GNR a percorrer um circuito de uma dezena de municípios para voltar ao ponto de partida; interdições de permanecer em distritos e vilas), a expulsão de vilas e cidades (como aconteceu em Beja, com o ‘parque nómada’), escolas com edifícios e turmas segregadas em que nenhum ensino escolar é dado a turmas ciganas, municípios que se recusam a construir habitação social que inclua portugueses ciganos, com medo do seu eleitorado, e uma recusa generalizada de contratar ciganos, por privados, por autarcas e até, com raras exceções, no funcionalismo público.»
[1] Portugal Multicultural. Lisboa, Fim de Século, 1999: 140-156
[2] Sintrenses ciganos. Sintra; Câmara Municipal de Sintra, 2007, 171-196
[3] Portugueses ciganos e ciganofobia em Portugal, Lisboa, Colibri e CRIA-FCSH, 2013, 337-389
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11.9.18
Barcelona hoje
Mais de um milhão de catalães nas ruas de Barcelona para pedirem a independência e a libertação dos presos políticos.
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Nova Iorque – 11.09.2001
ONE WORLD TRADE CENTER, com 102 andares, aberto ao público em Maio de 2015. Perto do 9/11 Memorial, nele se encontra o «One World Observatory», com 360º de vista sobre NY.
Com o requinte das novas tecnologias, é possível localizar e focar, num tablet, cada edifício ou espaço importante de Manhattan e ver, em detalhe, a sua estrutura, história e funcionalidade. Fascinante.
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Chile: já passaram 45 anos
11 de Setembro de 1973 foi uma data trágica para o Chile, o dia em que o regime democrático foi derrubado por uma acção conjunta dos militares e outras organizações chilenas, com o apoio do governo dos Estados Unidos e da CIA.
Salvador Allende afirmou, bem antes desse dia, que estava a cumprir um mandato dado pelo povo em 1970 e que só sairia do palácio depois de o cumprir. Ou que o faria «com os pés para diante, num pijama de madeira». Assim aconteceu.
Depois, foi o que é conhecido: 30.000 chilenos foram assassinados durante o regime de Pinochet.
Na íntegra, o texto do último discurso de Salvador Allende, que nem sempre é fácil seguir quando se ouve no vídeo:
«Seguramente ésta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Postales y Radio Corporación.
Mis palabras no tienen amargura sino decepción. Que sean ellas un castigo moral para quienes han traicionado su juramento: soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino, que se ha autodesignado comandante de la Armada, más el señor Mendoza, general rastrero que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al gobierno, y que también se ha autodenominado director general de Carabineros.
Ante estos hechos sólo me cabe decir a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar!
Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que hemos entregado a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente.
Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.
Trabajadores de mi patria: Quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo.
En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reacción, crearon el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.
Me dirijo a ustedes, sobre todo a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios clasistas que defendieron también las ventajas de una sociedad capitalista.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero que trabajó más, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo los oleoductos y los gasoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder.
Estaban comprometidos. La historia los juzgará.
Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la patria.
El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.
Trabajadores de mi patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.
¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!
Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano. Tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.»
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10.9.18
A televisão que temos…
Quando se lê este diálogo, numa entrevista a um novo director de programação de uma TV (Daniel Oliveira, SIC), estamos entendidos:
- O que quer que a SIC seja, sob a sua alçada de programador?
- Queremos ser competitivos.
(Cfr. Público de 10.09.2018)
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Dica (807)
SOTEU (Marisa Matias)
«SOTEU (State of The European Union) é o nome dado ao debate anual sobre o estado da União Europeia no qual o Presidente da Comissão em exercício, neste caso Juncker, se dirige ao Parlamento e aos cidadãos para fazer um balanço. Com mais ou menos criatividade, o exercício consiste em mostrar que tudo está bem, tudo o que foi feito no ano anterior foi a única opção possível e que no ano seguinte “é que vai ser” e “enfrentaremos todos os problemas” que até aí não fomos capazes de enfrentar.»
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Em vésperas do golpe de 1973 no Chile
No dia 9 de Setembro de 1973, José Toribio Merino, comandante-chefe da
Armada do Chile e membro da Junta do Governo durante os 16 anos que durou a
ditadura militar, escreveu uma carta aos generais Gustavo Leigh e Augusto Pinochet, na qual é indicada a data e a hora para o golpe de Estado de 11 de Setembro.
9/Sept/1973
Bajo mi palabra de honor, el día 'D' será el 11 de setiembre y la hora 'H', la hora 6. Si ustedes no pueden cumplir esta fase con el total de las fuerzas que mandan en Santiago, explíquenlo al reverso.
El Almirante Huidobro - vea usted, señor Presidente, ¡qué apellido! -"está autorizado para tratar y discutir cualquier tema con ustedes. – Les saluda con esperanza y comprensión,
Merino.
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O oó da política
«Adiar é uma estratégia nacional em Portugal. Causa escândalo, mas não espanto, que uma obra urgente como a construção da ala pediátrica do Hospital São João do Porto tenha sido sucessivamente adiada, através dos mais diversos pretextos.
Pinto da Costa, presidente do FC Porto, e que conhece como poucos os labirintos das decisões políticas, espanta-se também: "Como é que os governantes conseguem dormir com consciência tranquila sabendo que há crianças doentes que vivem e dormem em contentores há tantos anos?" Fazem oó, não porque tomaram ansiolíticos ou escutaram a música do Vitinho, mas porque a indiferença faz parte da arte da política. E esta é um teatro, uma ficção. O Excel não vê lágrimas, nem mede a dor. É cego, surdo e mudo. E quem decide não se preocupa se, em nome das "limitações orçamentais" e da "austeridade", milhares ficam sem emprego, sem comboios, sem médicos, sem serviços públicos, sem agências bancárias por perto ou sem comida. Quando inventou a "sopa dos pobres", Sidónio Pais percebeu o que era a pobreza deste país. Mas hoje, como os que decidem não andam nas ruas, e o seu mundo balança entre as intrigas palacianas, o telemóvel e o frio Excel, não há muitos afectos para distribuir. Por isso, Marcelo é rei.
Vivemos num tempo de falta de projectos políticos. Os únicos que os têm são os populistas, que vão cercando a democracia porque os que a deveriam defender só pensam em proteger-se a si próprios. Como disse Maquiavel, a mentira é uma formidável arma política porque é muito mais difícil acreditar na verdade. Até grandes líderes como Júlio César ou Alexandre, o Grande, não duvidaram em utilizar a mentira para atingir os seus fins, mas tiveram sempre a inteligência de não abusar dela. Hoje, a mentira tornou-se normal. Só que ela corrói a democracia, sobretudo através da sua aliada natural, a corrupção. Nestes tempos líquidos e pós-modernos ninguém se pode admirar porque quem decide dorme, enquanto há crianças doentes que dormem em camas improvisadas. Mas, um dia, demasiado tarde, acordarão.»
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9.9.18
Cântico Negro
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
José Régio, Poemas de Deus e do Diabo
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Desmemória e fascismo
«Ardeu tudo. Ou quase tudo. O quinto maior acervo museológico do mundo, reunido na mais antiga instituição científica brasileira, 20 milhões de itens classificados; duas bibliotecas inteiras, meio milhão de obras, 2400 das quais classificadas como raras. As coleções de Etnologia reuniam objetos únicos que, ainda hoje se diz na página online do Museu, “mostram a riqueza da cultura indígena [e da] cultura afro-brasileira”. Perdeu-se definitivamente um arquivo oral com gravações de conversas, cantos e rituais de dezenas de sociedades indígenas, muitas feitas durante a década de 1960, e que não haviam sido digitalizadas. Uma parte essencial da memória histórica das nações ameríndias anteriores à colonização portuguesa - já de si completamente desvalorizada por uma cultura hegemónica de matriz colonial que, como acontece em quase todas as Américas, imagina o Brasil como uma nação ocidental “resgatada” à “incivilização” indígena - está reduzida a fumo e cinzas. Centro de investigação para muitos arqueólogos, o que resta do Museu transformou-se agora, ele mesmo, num sítio arqueológico...
O caso não é único. Só nesta década, e só em São Paulo, quatro outros grandes acervos sofreram incêndios: o Instituto Butantan (2010), o Memorial da América Latina (2013), o Museu da Língua Portuguesa (2015), a Cinemateca Brasileira (2016). Em todos os casos, é nos cortes orçamentais das políticas liberais que é inevitável buscar responsabilidades. Já de si sistematicamente insuficiente nas últimas décadas, a quebra brutal da dotação financeira que o Governo Temer dedicava à Universidade que fazia a gestão do Museu veio confirmar os piores receios. “Os fios desencapados [que podem ter provocado um curtocircuito] estão nos gabinetes do Palácio do Planalto e do Ministério da Educação. O ministro, ninguém sabe quem é, nomeado a título de barganha em troca de votos no Congresso. (...) Do Museu Nacional, um património da humanidade, só ouviu falar depois da tragédia do incêndio.” (Álvaro Caldas, Jornal do Brasil, 7.9.2018) “O Brasil é um país onde governar é criar desertos. (...) Destrói-se a natureza e agora está-se destruindo a cultura, criando-se desertos no tempo. Estamos perdendo com isso parte da história do Brasil e do mundo”, dizia há dias Eduardo Viveiros de Castro ao PÚBLICO (4.9.2018), que receia agora que “se tente vender o canto de sereia da privatização dos museus, retirá-lo da universidade, transformá-lo numa fundação privada”.
É arrepiadoramente simbólico que tudo isto ocorra no momento em que o Brasil pode estar a semanas de ver eleito um presidente fascista como Jair Bolsonaro – sobretudo agora que, vítima de uma facada de um homem psicologicamente transtornado, pode vir a beneficiar do mesmo efeito que Hitler obteve com o incêndio do Reichstag dias antes das eleições de 1933. Duplamente simbólico: por um lado, Bolsonaro assegura que entrou na corrida à Presidência “por uma missão de Deus” (El País, Brasil, 6.9.2018), a mesma que o seu atacante reclama para si; por outro, perante o incêndio Museu Nacional, Bolsonaro declarou que nada mais poderia ser feito: “se não há dinheiro, paciência”. Paciência, mesmo. Porque este é o racista (e o misógino, e o homófobo, e o anticomunista) que tem o apoio de empresários do agronegócio como Luiz Antonio Nabhan Garcia, que espera que Bolsonaro ponha na ordem “essa gente da Fundação Nacional do Índio, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, do Ministério Público, que não respeita a propriedade privada” (El País, Brasil, 2.9.2018). Por outras palavras, o homem que homenageou o torturador de Dilma Rousseff ao votar o impeachment, que promete mandar “fuzilar os petralhas” (ou seja, os dirigentes do PT), “dar um pé no traseiro do comunismo”, restabelecer a pena de morte e, no país com mais homicídios per capita no mundo, liberalizar o porte de arma, é também aquele que de quem se espera que acabe com “essa politicagem de Direitos Humanos”, expressão que ele usa para designar as políticas de defesa dos direitos dos povos indígenas.
O apagamento da memória ameríndia que o Museu Nacional do Brasil conservava prolonga a “história de apagamentos e silenciamentos” que tem sido a história do Brasil. “Um povo que não conhece seu passado, que não compreende suas referências e suas origens, perde a chance de reparar seus erros históricos e não é capaz de trilhar seu caminho a um futuro de respeito aos direitos humanos e à democracia.” (Rogério Sottilli, ex-secretário de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo, cartacapital.com.br, 5.9.2018)»
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