24.10.09

Nem o ruído nem a cor das coisas

Paraíso a Oeste?

Costa Gravas tem 76 anos, nasceu na Grécia mas vive há muito tempo em Paris. Para muitos, continuará certamente associado para sempre a Z, um filme de 1969 sobre a chamada «ditadura dos coronéis» gregos.

Defensor incansável de grandes causas, denunciou os métodos estalinistas em L’Aveu, a colaboração americana com o golpe de Pinochet em Missing, o silêncio do Vaticano perante o Holocausto em Amen.

Agora, em Eden à l’Ouest, fala dos «sem papeis», esses novos nómadas que chegam clandestinamente à Europa e vivem nos nossos países com medo de serem devolvidos às condições degradantes de onde ousaram sair.



Em entrevista, que El País publica hoje, não esconde o seu pessimismo:
«El capitalismo, esa pasión por el dinero. Dinero, dinero, tener más coches y más grandes, una casa en el campo, piscina, eso es lo que mueve hoy al mundo. (…) Europa ha vivido todo lo peor, las masacres, las guerras más terribles, junto a lo más maravilloso, el arte, la filosofía, la literatura. ¿Y qué hacemos ahora que estamos juntos en la Unión Europea? Hablar de economía, ver dónde se gana más dinero. Cuando cayó el muro de Berlín pensamos que por fin el mundo iba a ser diferente, pero no, es peor. ¿Qué le estamos diciendo a la juventud sobre la necesidad de crear un mundo mejor? Que todo, el medio ambiente, el paro, la economía, que todo es peor, que no hay esperanza. No proponemos una vida mejor, sólo que cada vez vamos hacia un mundo más oscuro.»

P.S. - Quem quiser ver ou rever Z na íntegra, pode fazê-lo aqui.

23.10.09

Entretanto, no Chile












A justiça chilena está a reabrir centenas de processos das vítimas dos interrogatórios policiais do regime de Pinochet, com o objectivo de as indemnizar.

Acaba também de ser anunciada a criação do «Instituto de Derechos Humanos» e uma antiga prisão vai ser transformada em Museu da Memória. Mas, para muitos, a reconciliação será sempre impossível enquanto antigos torcionários passearem pelas ruas do Chile.

Para se entender um pouco do que se está a falar em termos de interrogatórios policiais, um testemunho entre muitos:
«Por la violación de los torturadores, y embarazada, aborte quedé en la cárcel. Sufri descargas eléctricas, acoso sexual y con perros me introdujeron ratas vivas por la vagina. Me obligaron um tener relaciones sexuales con mi hermano y padre, que también estaban detenidos. Tenía 25 años. Estuve en prisión hasta 1976.»

(Fonte)

Até 11 de Setembro de 1973, tudo isto pareceria impossível – mas não foi.

Admirável mundo livre

















As autoridades marroquinas proibiram a distribuição do Le Monde no país, pela publicação de um desenho considerado ofensivo para a família real. Nada que não fosse de esperar.
(Daqui)

Mas esta é melhor. Nos Estados Unidos, um homem arrisca um ano de prisão e uma multa de $2.000 por preparar um café, nu, na sua própria cozinha. Alguém passou na rua, olhou pela janela e fez queixa à polícia. Esta considerou poder tratar-se de exibicionismo…
(Daqui)

Coisas que me reconciliam com a blogosfera













Este humor logo no início de mais uma manhã.

22.10.09

E para acabar o serão de outra maneira


Não há futuro para os grafólogos

















Quando os computadores invadirem generalizadamente as escolas – o que será óptimo, sem qualquer espécie de reserva da minha parte – morrerá definitivamente o ensino da caligrafia (se é que ainda existe). Desapareceram há muito aqueles cadernos especiais, com duas linhazinhas paralelas que só as maiúsculas podiam ultrapassar. Mas muito em breve será a própria relação de cada um com a sua própria letra, com a da sua geração, ou mesmo com a do seu país, que se extinguirá, pura e simplesmente.

Para Umberto Eco, o declínio do ensino da caligrafia nas escolas prejudica a aprendizagem de uma habilidade psicomotora que favorece a coordenação entre a mão e os olhos e espera que a humanidade redescubra esta ferramenta que foi indispensável no Ocidente, desde a assimilação helénica da escritura fenícia, por volta do século VII antes de Cristo.

Não creio. As cartas de amor nunca mais serão manuscritas nem perfumadas (talvez com o Windows 9 ou 10, sabe-se lá...) e o meu amigo A. bem pode regressar ao estudo dos astros porque a grafologia tem certamente os dias mais do que contados.

(A partir de)

Allons enfants de la patrie

















A polémica regressa a 22 de Outubro, em França, desde que há dois anos Sarkozy tornou obrigatório que fosse lida nas escolas uma carta de Guy Moquet, como «testemunho dos valores de sacrifício e de coragem, fundamentais para os jovens franceses».

As reacções não se fizeram então esperar por parte de partidos, sindicatos e muitos professores que recusaram seguir a determinação, acusando-a de oportunismo e de instrumentalização de um documento - descontextualizado e de cariz tipicamente pessoal.

Guy Moquet foi um jovem comunista francês, de 17 anos, executado em 22 de Outubro de 1941, num campo de reféns em Châteaubriand, juntamente com mais de duas dezenas de resistentes. Na véspera da execução, escreveu um texto de despedida à família e não se entende, de facto, o que é que pode justificar a imposição da sua leitura nas escolas, a não ser um certo tipo de sentimentalismo destinado a fomentar o orgulho da pátria.

Menos entendo ainda por que mistério foi considerado que a dita carta podia «dar força» à equipa de rugby francesa!

De fil en aiguille, vem-me à memória o êxtase perante o hino nacional cantado pelos nossos bravos «rugbistas», que me arrepiou não de orgulho mas de medo. E porque há sempre mais fio e mais agulhas, façam o favor de ler o post que a M. Manuela Cruzeiro publicou hoje nos «Caminhos da Memória». Nada a ver? Mais do que possa parecer.

21.10.09

Mas também descubro outras diferenças









Retomo o diálogo com o João Tunes que acaba de se referir a um post deste blogue.

Assino tudo o que ele diz e também eu dava «os meus trinta [e alguns] anos vividos em ditadura para troca de uma qualquer democracia, mesmo que mal amanhada» - sem hesitação.

Mas a «humildade democrática e cidadã do anterior Presidente da República a cumprir voluntariamente o serviço cívico de membro vulgar de uma mesa de voto», nas últimas eleições autárquicas, tem tudo a ver com isto:
«O Presidente da República [Jorge Sampaio] lembrou-se dos tempos em que exerceu uma função fiscalizadora, juntamente com Francisco Salgado Zenha, quando procuraram controlar o processo eleitoral "nas supostas eleições de 1969".»

Não sei por onde andava então aquele senhor que hoje vive em Belém e diz umas coisas estranhas ao país. Já não estava em Boliqueime, mas dou alvíssaras a quem o tenha visto numa sessão da CDE ou da CEUD, nas arruaças do futuro MRPP ou mesmo na Ala Liberal de Marcelo Caetano. É esse «mundo», ou outro qualquer, que lhe faz falta – e a nós, por tabela.

Foi você que disse Gulag?












Leia a resposta aqui mesmo ao lado.

Sem memória, não há futuro que resista (2)














Há alguns dias, chamei a atenção para dois documentos relacionados com as eleições de 1969, publicados nos «Caminhos da Memória». Num deles, projecta-se que os CTT troquem listas nos envelopes enviados pela oposição.

Encontrei entretanto esta elucidativa descrição de Vital Moreira no «Causa Nossa»:

«Como a lei não previa que as listas concorrentes constassem de um boletim único, a oposição tinha de imprimir os seus próprios boletins de voto e distribui-los pelos eleitores, o que era uma tarefa trabalhosa e dispendiosa, e só cobriu parte dos eleitores inscritos. Para que os boletins de voto fossem iguais aos da Acção Nacional Popular (novo nome da antiga União Nacional, o partido oficial), conseguimos saber pelos tipógrafos comunistas clandestinos como seriam os dela, tendo depois feito imprimir os nossos com o mesmo tipo de papel e de impressão. Qual não foi a nossa surpresa quando nas vésperas da eleição recebemos os boletins de voto da ANP, impressos num papel de textura e de tonalidade ostensivamente diferentes e com uma impressão facilmente reconhecível pelo tacto. Tinham alterado à última da hora os boletins de voto, para os diferenciarem propositadamente dos nossos, de modo a inibir quem tivesse receio de ser identificado como votante da oposição...»

Assim se viviam as campanhas eleitorais há 40 anos…

(Na foto, Mário Soares e Maria Barroso a votar em 26/10/1969)

O turismo também serve para isto

















Há mais do que um motivo para ser impossível esquecer o Cambodja, onde estive há cerca de seis meses: os magníficos templos de Angkor, a miséria extrema em que vive uma parte da população (*) e as pegadas deixadas pelos inqualificáveis crimes dos Khmers Vermelhos.

Um texto que Rui Bebiano publicou ontem fez-me «regressar» porque não há família no Cambodja que não tenha uma história semelhante à que é contada no livro que é referido. A do guia turístico que acompanhou o grupo em que integrava não era muito diferente (tinha 13 anos em 1975), o que é inevitável num país que perdeu 20 a 25% da população (cerca de dois milhões de pessoas, embora não haja números exactos), em apenas quatro anos – enquanto nós por cá vivíamos o PREC e os anos que se seguiram, ou seja há relativamente pouco tempo.

Uma das consequências absolutamente impressionante e visível, mesmo para o turista desprevenido, é que o Cambodja é hoje um país quase sem velhos: a grande maioria dos que teriam actualmente cerca de 60 anos, ou mais, desapareceu - pura e simplesmente.

Mas o que nunca sairá da memória de quem por lá passou é a «fotografia» de um dos mais célebres killing fields, situado nos arredores de Phnom Pehn, onde se encontra o Museu do Genocídio de Tuol Sleng. Numa antiga escola transformada em prisão e nos terrenos que a rodeiam, terão sido torturadas e assassinadas cerca de 10.000 pessoas – homens, mulheres e muitas crianças –, como testemunham largas centenas de fotografias expostas em grandes painéis. É um museu muito simples, impressionante pobre, mas terrível.

Há muita literatura sobre este período negro de uma parte importante do sudoeste asiático, há um grande filme (The Killing Fields, Terra Sangrenta, em português) e muitos pequenos vídeos como este, precisamente sobre o museu de Tuol Sleng.




(*) Escrevi, in loco, um pequeno texto sobre as terríveis condições em que vivem muitos cambojanos.

20.10.09

O mundo é o mesmo, as vidas são outras













Há cinco anos, andei três dias num mini-cruzeiro no rio Yangtze, o tal onde existe hoje a monumental Barragem das Três Gargantas, então ainda em construção. Mais de um milhão de pessoas tinha sido ou estava a ser deslocado, já que a subida das águas fez desaparecer do mapa muitas aldeias.

Hoje leio que a construção de um canal que ligará o Norte ao Sul obrigará a deslocar mais 300.000 chineses.

Eu sei que se trata de um país tão populoso que, em percentagens, tudo é relativo. Mas é como os argumentos sobre as estatísticas relativas à pena de morte: um morto é sempre uma pessoa – e um deslocado é outra.

E passo a contar uma pequena história. No tal passeio pelo Yangtze, parámos junto a este pequeno pagode e, através do guia, falei com uma rapariguita que vendia bugigangas a turistas. Explicou que estava sozinha porque a família já deixara aquele local que, pouco tempo depois, ficaria inundado. Estavam agora longe? Nem por isso: a dois dias de viagem, de comboio.

Sem memória, não há futuro que resista (1)













No rescaldo de semanas e semanas vividas na agitação dos nossos recentes actos eleitorais, haverá certamente quem se recorde ainda de umas legislativas que se realizaram no dia 26 de Outubro de 1969 – há 40 anos, portanto.

Um ano depois de Salazar passar a estafeta a Marcelo Caetano, muitos acreditaram que a tal primavera anunciada iria permitir que tudo se passasse mais normalmente do que no passado, ou seja, com um mínimo de liberdade e de decência. Não foi o caso, como é sabido.

Nos próximos dias, deixarei aqui alguns apontamentos, fotos, links para os Caminhos da Memória. Por hoje, apenas o anúncio de um colóquio que será organizado pelo Instituto de História Contemporânea - As Eleições de 1969 e as Oposições, 40 Anos depois -, no qual colaborarei com grande prazer. Terá lugar no Sábado, dia 31 de Outubro, e o programa detalhado pode ser lido aqui.

19.10.09

O brinquedo
















Já com parte da alma no Laos e na Birmânia (a outra ainda anda por cá durante uns tempos…), comprei ontem este acessório de viagem – 1 kg, mais pequeno do que uma folha A4, lindo de morrer -, na esperança de poder relatar aqui umas histórias, com cedilhas e acentos, e de ir mostrando umas pelingrafias.

Mas sinto-me como quem faz fila para comprar pilhas sem ter lanterna, porque nem sei se vou conseguir ligar-me à net, muito menos ao Blogger, ao Facebook ou ao Twitter - talvez ao mail…. Em países onde nem há ATM’s nem cartões de crédito, e onde a censura é o que se sabe… Para já, vou recheando the little animal.

E já fiz também umas contas que metem fusos horários: se não houver atrasos, devo chegar a Luang Brabang 22 horas depois de descolar da Portela…

Que ninguém suspeite que embirro com Saramago
















.. porque embirro mesmo e há muitos anos.

Vai por aí um alvoroço com o lançamento de Caim, o seu último livro. Desta vez (!...), quem disse o que é absolutamente evidente e indispensável foi o porta-voz da Conferência Episcopal: «um escritor da craveira de José Saramago deveria ir por um caminho mais sério» e o livro é pura «operação de publicidade». Marketing, demagogia e mais nada.

Basta ver este vídeo:



Mais dislates por exemplo aqui.

Cavaco amigo















… pois parece que o povo já não está contigo!

«Pela primeira vez em muitos anos, a actuação de um Presidente da República é avaliada negativamente pelos portugueses. Talvez tivéssemos que recuar ao período pós-revolucionário para eventualmente encontrarmos uma avaliação igual.»

Aluno classificado pelos portugueses sempre com «Bom» (14,5% teria sido a sua pior nota desde que é presidente), vê agora na pauta um mísero 9,6%. Dantes, dava para ir à oral mas à justa.

Que assim continue, pliiize, pelo menos durante mais um anito. Que procure câmaras escondidas, descubra microfones e inspeccione computadores – e, sobretudo, que venha depois contar como foi.

Centro Nacional de Cultura






















Mais informações

18.10.09

Por cá, vai ser navegar à vista



E não será fácil. Logo à partida, «uma das primeiras coligações negativas da nova Assembleia» resultará de um pedido da principal aliada do PS na Câmara de Lisboa. Nada a ver? Mais adiante falaremos.

Palavras para quê

Não há beatos grátis


















«Foi recebida uma carta do «Reverendo Pároco da paróquia do Corgo, a solicitar um subsídio para fazer face às despesas com o processo de Beatificação do Servo de Deus – Frei Bernardo de Vasconcelos.
Aprovado por unanimidade: Atribuir o subsídio de 1.000.00 euros.»

A notícia é de 2005, mas o professor Marcelo, que foi presidente da Assembleia Municipal lá da terra durante doze anos e até Domingo passado, não podia ter dado estes tostões? E terá metido uma cunhazita em Roma? Será que, entretanto, esta causa já foi ganha e Celorico tem um beato, ainda por cima com mui nobre nome?

E já agora: 200 contos para quê?

(Notícia via Diário Ateísta)