José Vítor Malheiros, no Público
de hoje (acessível ou não):
«"Erros de gestão", "imprudência", "irregularidades", "risco de crédito", "falta de activos", "imparidades", "activos tóxicos", "incumprimento", "problemas de solvabilidade", "insuficiências de capital", "infidelidade", "gestão danosa", "abuso de informação privilegiada", "abuso de confiança". Há, no simples léxico usado pelo mundo político, pelo mundo financeiro e pelo mundo mediático para descrever o caso BES, narrativas implícitas que se impõem como explicações naturais para o descalabro do império Espírito Santo. (...)
Apesar de se acumularem os sinais de "irregularidades" no BES (algumas denunciadas pela CMVM ao Ministério Público, ainda antes das suspeitas de insider trading dos últimos dias) a verdade é que a narrativa se arrisca a amornar, com a CMVM e o Banco de Portugal e o Governo a lavarem as suas mãos e o contribuinte a pagar os luxos de que Ricardo Salgado fez beneficiar tantos amigos. (...)
O que o Governo tem de anunciar é o pedido dessa grande investigação ao Ministério Público, com a máxima urgência e garantindo-lhe todos os meios. E, se não o fizer, apenas poderemos concluir que receia ver-se envolvido ele próprio (leia-se PSD e CDS) nos negócios sob escrutínio. Recordam-se de Carlos Costa a garantir há um mês que nem o BES nem o GES tinham um problema de solvabilidade? E de Cavaco Silva? E de Passos Coelho? Que as responsabilidades políticas não sejam assumidas pelo Governo é algo a que estamos habituados, mas temos de exigir a responsabilização criminal de quem rouba de forma tão colossal e tão descarada. E a verdade é que falta dinheiro no BES e que nos vão pedir para tapar o buraco. Não chegará isso para exigir a investigação?
O que não podemos aceitar, em nome da decência, são processos tão vergonhosos como o do BCP ou o do BPN. Não podemos aceitar que, de novo, um processo BES se salde por uma multa ridícula, pela inibição de gerir um banco durante os próximos anos, pela prescrição do crime ou pela condenação de um bode expiatório isolado. (...)
À imprensa cabe, entretanto, ir juntando as pedrinhas dos factos – como a discrepância sobre o momento em que o Banco de Portugal decidiu partir o BES em dois e o momento em que comunicou essa decisão à CMVM, como as razões da autorização do aumento de capital do BES pelo BdP e pela CMVM, como as razões dos perdões dos esquecimentos fiscais de Salgado, como a venda das acções da Rioforte aos balcões do BES, etc., etc. – de forma a tornar incontornável a exigência de uma verdadeira averiguação.
E a todos os cidadãos que recusam viver numa sociedade onde os ricos têm todos os direitos, incluindo o direito a roubar o nosso dinheiro e a escapar impunes, cabe-nos exigir justiça.» (Realces meus.)
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