28.7.18

Dica (788)




«Se quem é ateu como eu viu milagres, um deles é a existência de Caetano Veloso. Dá esperança à raça humana, pretos, brancos, índios, mulatos, o que cada um pensar que é, e mais virá a ser. A Segunda Abolição da Escravatura tem de passar por aí, ou não o será.»
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Nos EUA é assim


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Mati ou o fim dos paraísos da nossa infância



«Para os quatro milhões de habitantes de Atenas, a bela costa ática sempre foi uma fonte de conforto. Praias sem fim, algumas coroadas por ricas florestas e águas cristalinas. Não admira por isso que tanta gente, quando Atenas sofreu nos anos 50 e 60 um rápido processo de urbanização anárquica, tenha decidido comprar um bocado de terreno perto do mar. Era um oásis para a classe média.

Ao caminhar entre carros e casas destruídas pelo fogo na vila de Mati, à beira mar, com o cheiro perturbador a plástico e madeira queimada a encher-me as narinas, é-me difícil reconhecer os locais que visitei tantas vezes na infância. Uma tia minha tinha uma pequena casa no porto vizinho de Rafina e no início dos anos 80 passei lá uma série de fins de semana com os meus primos, indo dar um mergulho a Mati, o sítio mais bonito ali perto. Era o nosso paraíso de verão, um tempo cheio de gelados, castelos de areia e o aroma de melancias frescas servidas em caixas de plástico. Mais tarde, ia para lá quando não tinha aulas, em saídas com amigos para um dia de praia.

Trinta anos depois, ao descer as mesmas estradas, percebo que quando somos novos passa-nos muita coisa despercebida. O cenário idílico de casinhas nos pinhais implica que o Governo não teve qualquer controlo sobre o desenvolvimento urbanístico na zona. As casas mais pequenas são provavelmente clandestinas. As maiores, com mais de um piso, têm normalmente licença de construção — dada sabe Deus como. Os bares perto ou sobre o mar são completamente ilegais. As pessoas morreram queimadas por não poderem atravessar as ruas estreitas; um carro, abandonado no meio do pânico, foi suficiente para bloquear toda a circulação. As pessoas morreram queimadas pelos mesmos pinheiros de cuja sombra gozavam nos dias quentes de verão. Foram o rastilho para o fogo que destruiu as suas casas. Tudo aconteceu tão depressa que só os primeiros a fugir, ou que conseguiram chegar à praia, sobreviveram. Alguns, como o grupo de 26 pessoas encontradas mortas num campo, não conseguiram passar, por não haver um caminho sem uma casa ou um bar a bloqueá-lo.

À medida que são identificados os cadáveres dos mortos pelo fogo ou por afogamento (alguns tentaram afastar-se a nado das chamas) e as famílias podem por fim chorar os seus, as conversas na Grécia viram-se outra vez para as causas desta tragédia insuportável. A mesma conversa de 2007, quando 77 pessoas foram mortas pelo fogo no Peloponeso. Este foi o segundo desastre natural em Ática, em menos de um ano: 23 pessoas perderam a vida em novembro numa cheia na cidade de Mandra a oeste de Atenas.



27.7.18

José Mário Branco e o Maio de 68




«A radicalidade é uma força motora da História.»
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Morreu num 27 de Julho, sim




A ler: este texto de Diana Andringa, então presa em Caxias, em que ela descreve como a notícia foi recebida: O velho foi à viola.
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O acordo comercial e Steve Bannon



«Não foi a paz. Foi uma trégua. A conferência de imprensa, em Washington, de Donald Trump e Jean-Claude Juncker pareceu, sobretudo, um momento de pausa na longa marcha do presidente americano contra a União Europeia. A guerra comercial desencadeada por Trump contra a Europa, a China e mesmo outros aliados (Canadá, Coreia do Sul…) pareceu esfriar, já que UE e EUA prometem novas taxas enquanto decorrerem negociações entre os dois blocos. Ficou-se sem se saber o que acontecerá às taxas já aplicadas, mas da contenda salvar-se-ão os automóveis europeus (e isso era fulcral para a Alemanha, vértice maior deste conflito).

Em troca, a Europa vai ter de engolir soja e gás natural americano. Ou seja, se bem que a Europa vá importar "enormes quantidades" de soja, será difícil que isso substitua as importações chinesas dessa mercadoria. Pelo caminho sabe-se que Trump vai dar enormes ajudas estatais aos produtores agrícolas americanos (12 mil milhões de dólares), dentro da perspectiva "liberal" que acompanha as suas decisões. Há que não esquecer que é neste interior dos EUA rural e agrícola que está um dos bastões fortes de Trump.

A questão central deste aparente acordo tem sobretudo a ver com os EUA e com a Alemanha: os automóveis são uma dor de cabeça de Berlim e a questão energética também. As possíveis importações de gás natural e petróleo americano (muito dele proveniente de gás de xisto através da utilização do pouco ecológico "fracking") podem travar o anunciado plano de construir um gasoduto entre a Rússia e a Alemanha, que tantas reservas tinham merecido a uns EUA que querem exportar o seu excesso de energia para a Europa.

Muito deste pingue-pongue comercial decorre numa altura em que o antigo ideólogo de Trump, Steve Bannon, se instalou na Europa e pretende concretizar um "sonho europeu". Dá pelo nome de "The Movement" e nele Bannon (numa estratégia similar à da Casa Branca, de destruição da UE) pretende unificar todos os grupos da direita europeia mais radical. A sede deste movimento será em Bruxelas e a sua presença nas próximas eleições europeias será uma certeza. Bannon sonha em criar a antítese da Open Society (de ideais liberais), financiada por George Soros. Bannon aproximou-se de Marine Le Pen, Viktor Orban e Matteo Salvini. Tem feito muitas reuniões com grupos de direita radical na Polónia, Eslováquia e República Checa e outras na Áustria, Alemanha, Suécia e Finlândia.

O seu ideal radical e de defesa do ódio parece ser uma base de unificação, tal como o cepticismo face à UE. Enquanto Trump pressiona Bruxelas por via do comércio, Bannon fá-lo através da ideologia e de grupos políticos internos, criando uma espécie de Cavalo de Tróia dentro da UE. O objectivo é só um: destruir a UE, seja nesta ou noutra fórmula. O Brexit serviu, de resto, às mil maravilhas a Bannon, onde utilizou as suas estratégias de "marketing eleitoral" (com ligação forte à Cambridge Analytica e à Aggregate IQ) ao serviço de Nigel Farage. Face a estas ameaças resta perceber o que fará Bruxelas. Ou se manterá esta postura defensiva, visível na ida de Juncker à Casa Branca.»

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26.7.18

Grécia: tragédia e tristeza




Quem acompanhou de perto o processo grego, há três anos, como foi o meu caso, não esqueceu certamente o nome de Zoe Konstantopoulou e o que se seguiu, depois do OXI no referendo e da aceitação do terceiro resgate. Tudo isto é muito triste, para além de toda a tragédia que está a atingir a Grécia!

«Eu era membro do Syriza e presidente do Parlamento no primeiro governo. Não era só próxima. Era alguém que, de coração, acreditava naquilo que estávamos a fazer. Estou na triste posição de constatar que Tsipras não só tinha escolha, como fez a escolha de trair o povo e entregar o país e que fez essa escolha muito antes das eleições de 2015. Lamento imenso que tenhamos sido todos defraudados, sinto-me frustrada por ele ter defraudado toda a população, não só os seus camaradas e o seu partido. Tenho a certeza, porque estava na presidência do Parlamento na altura, que os dois relatórios que o Comité para a Verdade sobre a Dívida Grega produziu a dizer que a dívida grega era ilegal e devia ser anulada nem sequer foram usados por Tsipras. Ele também não honrou o mandato do povo. Não estamos a falar de escolhas em abstrato. As pessoas foram chamadas a votar [no referendo de 5 de julho de 2015] e votaram "Não" a mais austeridade. Tsipras violou esse "Não", transformou-o em "Sim" e assim tem estado a governar nos últimos três anos. Se ele tinha escolha? Tinha. E fê-la. A sua escolha foi manter-se no poder e, por isso, ficará nas páginas negras da História. O povo grego não esquecerá. O Tsipras em quem confiaram, o Tsipras que representava esperança, traiu-os da forma mais cínica possível.»
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Dica (787)




«Explosive narcissism and vulgar capitalism: It is impossible to engage in politics with this U.S. president. Europe should resist the temptation to fixate on Donald Trump and instead pursue its own goals. That's the lesson of a deeply disorienting week.»
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A Espanha e o seu velho rei




«Frenar una comisión de investigación que ponga negro sobre blanco la actividad de Juan Carlos I durante la larga etapa postfranquista en este país implica poco respeto a los ciudadanos y frena muchas expectativas. No intentar siquiera abrir una investigación judicial sobre el ex jefe del Estado es insultante: no basta con dignificar a los muertos que lo merecen, hay que tratar a los vivos como adultos maduros y capaces de abordar un proceso de regeneración plena de nuestro pasado, presente y futuro.»
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Urgente: Mobiliário a ser adquirido pelo Panteão Nacional




E muito modernaço, o nosso PR, em termos de família: temos dois pais!

«Marcelo foi assertivo a defender a justeza das propostas. "Parecia-me justíssimo e parece-me justíssimo, num caso como noutro caso. São pais da democracia portuguesa. Isso parece incontestável."»
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A História não se repete?



«A crise migratória em curso é apenas a ponta do icebergue do que se está a passar na Europa. É a face visível de algo a emergir (ou a renascer), que a maioria de nós acreditava nunca defrontar. A recusa em prestar apoio humanitário a homens, mulheres e crianças, fugidos da guerra, fugidos da fome, à procura de uma vida digna, devia fazer corar de vergonha as velhas e novas democracias europeias. Além disso, a recusa de acolhimento contradiz a necessidade de rejuvenescimento de uma Europa envelhecida, sem vontade de contribuir para o aumento da natalidade.

Quando vemos os barcos de socorro das ONG a serem retidos pelas autoridades de Malta, ou a chanceler Merkel a ser chantageada pelo seu ministro do Interior, para não falar já da lei agora aprovada pelo regime húngaro, que condena a prisão quem auxiliar imigrantes ilegais, devemos perguntar: o que está afinal a acontecer nesta Europa construída a pensar no bem comum, seguindo a matriz dos Direitos do Homem, da igualdade, da fraternidade.

Em Itália, o impensável aconteceu. Movimentos populistas e de extrema-direita tomam o poder. E querem lançar raízes, chegar a outras geografias. São eles que estão a condicionar a política europeia, a sua força levou Bruxelas, para salvar a honra, após longas horas de negociação no último Conselho Europeu, a propor a criação de campos de imigrantes em Marrocos.

Matteo Salvini, o ministro do Interior italiano, o mesmo que impediu o acolhimento do navio Aquarius com centenas de imigrantes a bordo, lança agora as sementes para a criação de uma rede europeia de partidos nacionalistas. Basta vento de feição e o fogo propaga. E quando acordarmos, poderá ser tarde para uma reação eficaz contra a barbárie. Dizem, a História é longa e nunca se repete. Pelos sinais que nos chegam, é melhor duvidar da sentença. Talvez seja o momento de se criar uma nova divisa: não deixes que a História se repita.»

Paula Ferreira
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25.7.18

Dica (786)



Quem tem medo da geringonça II? (Ricardo Paes Mamede) 

«Mas não é só a direita que vive desconfortável com a ideia de uma geringonça II. Há vários sectores do PS que não lidam bem com os constrangimentos que as negociações à esquerda impõem, nem com a perspectiva de perpetuação da dependência face à esquerda para governar. Por sua vez, o Bloco de Esquerda vive pressionado entre, por um lado, a cultura antipoder predominante no seio da militância e da direcção e, por outro lado, a maioria do seu eleitorado que espera do BE uma maior predisposição para o compromisso. Para o PCP, prolongar o apoio a um governo que se impõe a si próprio o cumprimento das regras orçamentais europeias enfraquece um dos eixos fundamentais da sua identidade política contemporânea: a convicção sobre a impossibilidade de desenvolver Portugal sob o espartilho da UE.»
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Acções possíveis e eficazes




Ler: Swedish student's dramatic plane protest stops man's deportation 'to hell'.
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SIC, Grécia e vergonha alheia



Miserável jornalismo! Do pior, do mais inoportuno!
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Imagine que vai nascer amanhã e, desta vez, não lhe sai a sorte grande



«Proponho-lhe um jogo. Imagine que vai nascer amanhã e que, hoje, tem a possibilidade de escolher um número de um a seis. A escolha é sua, é o número que quiser. Agora lance um dado, daqueles dos jogos de tabuleiro. Se não lhe calhou o número em que pensou – ou seja, tendo calhado qualquer um dos outros cinco números –, chegado o dia de amanhã irá nascer num país sem infra-estruturas e sem cuidados de saúde. Não lhe posso garantir acesso a água potável. Para isso terá que lançar uma moeda ao ar. Se sair caras, então, sim, terá água potável e casas de banho à sua disposição. É disto que estamos a falar quando pensamos no lugar onde nascemos e das condições de vida que temos.

Numa página oficial da União Europeia lê-se que “nem todas as pessoas que chegam à Europa necessitam de protecção”. É, claramente, uma noção muito estrita de protecção. Quem enfrenta condições de pobreza e incerteza – mesmo que fora de um cenário de guerra, perseguição ou desastre natural – necessita de protecção. Não só ambas as motivações – económicas e políticas – estão muitas vezes interligadas, como são igualmente legítimas. Nenhum de nós embarcaria num daqueles barcos. Quem o faz, fá-lo porque a diferença entre lá e cá é incomensurável. A Europa é sinónimo de segurança e é também – mesmo depois do embate da crise – próspera, muito próspera face aos países de origem destes migrantes. O poder de atracção da UE devia deixar-nos felizes: nascer na Europa é ter tido muita, muita sorte.

Por erro de percepção, temos um sentimento de propriedade, de direito sobre este feliz acaso, procurando limitar o acesso dos outros, os menos afortunados. Somos privilegiados por ter nascido na Europa. Esse facto – acrescido do contexto socioeconómico dos nossos pais – determina, de forma muito marcada, o nosso rendimento e qualidade de vida enquanto adultos. De acordo com a OCDE, alguém nascido numa família pobre em Portugal precisa de cinco gerações para conseguir atingir o nosso nível de rendimento médio. Mesmo nos países nórdicos, é preciso esperar três gerações. Ambos os factores – a nacionalidade e os pais – são privilégios de nascimento, que tão veementemente combatemos noutros contextos.

É naturalmente legítimo que procuremos, dentro das possibilidades da política pública, promover a igualdade de oportunidades para os nacionais, mitigando o lastro geracional. Mas não defender o mesmo para os não nacionais é, como sublinha Kenneth Rogoff, uma hipocrisia moral. A igualdade de oportunidades, que dificilmente algum de nós rejeitará enquanto princípio, é negada a todos quantos não tenham tido a sorte que tivemos. Os nossos valores terminam, subitamente, na fronteira. Procurar um futuro melhor – deixando para trás uma vida claramente abaixo do que, no mundo Ocidental, é o limiar da pobreza e da dignidade – não pode ser considerado uma motivação menor. Não o é.



24.7.18

E quanto à Grécia




«“Portugal não é a Grécia”, repetíamos desesperados em 2010 e 2011, com medo “dos mercados”. É verdade, não éramos. Mas hoje, neste preciso dia, somos. Somos países que ardem, onde se morre nas chamas em casa e a fugir delas nos carros. Somos países a fingir estratégias nacionais e irrelevantes na Europa, que nos quer para postal. Lá chegaremos, a esse debate, sem procurar culpas nem encontrar desculpas, esperando que nessa hora se entenda que isto não são casos nem acasos. É um planeta mais quente, é uma União Europeia mais fria, são Estados fracos e enfraquecidos pelos seus próprios sistemas políticos, administrativos e orçamentais»
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Entretanto no Laos




Hundreds missing in Laos after collapse of dam under construction.
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Santana Lopes: E os violinos de Chopin, os violinos de Chopin?



Santana Lopes eleito académico honorário da Academia Portuguesa da História.

Ver o nome de PSL a História é a melhor anedota do dia!

O título terá sido atribuído, aparentemente, por a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ter apoiado a publicação da Obra Completa do Padre António Vieira, com um montante de 500.000 euros. Dinheiro de PSL? Não, claro, dos pobres da cidade.

Mas dá sempre jeito um currículo enfeitado quando se pretende criar um novo partido político…
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Em defesa dos refugiados rohingya



António Guterres no Público de hoje: 

«Crianças pequenas massacradas diante dos pais. Raparigas e mulheres violadas em grupo enquanto as suas famílias são torturadas e mortas. Aldeias incendiadas e arrasadas.

Nada me poderia ter preparado para os arrepiantes relatos que ouvi, no início deste mês, no Bangladesh, dos refugiados rohingya, que fogem dos massacres e da violência generalizada do estado de Rakhine, no Mianmar.

Um homem, membro desta etnia maioritariamente muçulmana, lavado em lágrimas, descreveu como mataram a tiro o filho mais velho à sua frente, como a mãe foi brutalmente assassinada e a sua casa incendiada até ficar reduzida a cinzas. Contou ainda como se refugiou numa mesquita, acabando por ser descoberto por soldados que o agrediram e queimaram o Corão.

As vítimas do que tem sido justamente qualificado de limpeza étnica sofrem uma tal angústia que o visitante não pode deixar de comover-se e indignar-se. Estas horríveis experiências desafiam a compreensão, contudo, constituem a realidade de um milhão de refugiados rohingya.

Os rohingya têm sofrido uma perseguição constante do seu próprio país, o Mianmar, e carecem dos direitos humanos mais elementares, começando pelo direito à cidadania.



23.7.18

A Europa fez o pino




«Por duas vezes este verão, a Suécia pediu assistência a Bruxelas para fazer face às dezenas de incêndios florestais que continuam ativos no país, onde só nos últimos dias arderam mais de 20.000 hectares, tendo os primeiros aviões de combate às chamas (oriundos de Itália) começado a operar na passada quarta-feira.»

E como disse alguém no Facebook: « E é só copos e gajas lá por cima...»
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Dica (785)



Arcos, charneiras e alternativas (José Manuel Pureza) 

«Há dois conceitos que marcaram a identidade do exercício do poder político em Portugal nas últimas quatro décadas. O primeiro deles é o de “arco da governação”. O segundo é do “partido charneira”.
O primeiro serviu para deslegitimar o envolvimento dos partidos de esquerda na determinação das políticas governamentais. O segundo serve para legitimar a ambivalência do Partido Socialista na escolha das políticas governamentais. Os dois critérios juntos servem para prescrever a máxima dificuldade em que haja governos de esquerda em Portugal.»
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23.07.2004 – O dia em Serge Reggiani se calou



Serge Reggiani morreu há 14 anos. Foi certamente um dos grandes cantores franceses que marcaram algumas gerações, mesmo em Portugal, antes de a língua francesa ir desaparecendo lentamente da vida dos mais novos. Pela interpretação, pelo encanto pessoal, pelo compromisso político, certamente pelos poetas que ajudou a conhecer ao divulgá-los nas letras de muitas canções.

Nasceu em Itália e ainda criança instalou-se com os pais em França para escapar ao fascismo. Começou como ajudante de barbeiro, inscreveu-se no Conservatório com 19 anos, estreou-se no teatro onde contracenou com Jean Marais, entrou em alguns filmes. Passou no entanto rapidamente à clandestinidade na Resistência francesa. Regressou ao cinema depois do fim da guerra, mas foi como cantor que se consagrou, a partir de 1964. Entre muitos outros, cantou Boris Vian, Rimbaud, Prévert e Appolinaire.

Algumas das canções a não esquecer:




E esta, acima de todas as outras:


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Turismo estatal



«Hoje já não existe a "Berlin Alexanderplatz" que Alfred Doblin descreveu na sua obra magistral. Berlim está na moda mas já não há berlinenses lá e os poucos que existem intitulam-se aborígenes. Berlim é uma criação, um fantasma e os actores já não estão lá. O que seria bom é que as pessoas que foram para lá deixassem de ser espectadores e se tornassem actores. Mas essas pessoas não têm criatividade, esperam apenas ser entretidos. Lisboa, por exemplo, arrisca-se a ser como Berlim, enquanto o turismo não rumar para climas novamente seguros mais a sul. Poderemos estar a perder uma oportunidade histórica, porque não temos infra-estruturas (comboios que não estejam decrépidos, Metro e autocarros que funcionem, aeroporto que não seja apenas um entreposto de lucro para o gestor). O efeito na luz de Lisboa esgota-se. Depois da Baixa pombalina e dos Jerónimos, que há mais para ver? Faltam grandes exposições únicas que possam atrair os visitantes e outros acontecimentos que, ciclicamente, sejam marcantes. Lisboa é apenas o símbolo maior desta atracção fatal.

No meio deste número de hipnotismo transversal que não admite uma discussão séria, deparámo-nos, há uns meses, com a criação pelo Governo de um instrumento, com um orçamento total de 25 de milhões de euros para "fixar pessoas e criar empregos no interior". A bondosa ideia causa, no entanto, alguma perplexidade: quem quiser explorar uma casa numa aldeia pode colocá-la num fundo imobiliário (o Turismo Fundos, detido pelo Turismo de Portugal e por dois bancos), que a compra, e fica depois a cobrar uma renda ao promotor. Por norma, as operações poderão durar até 15 anos e no final, o promotor pode recomprar o imóvel. Ou seja, o Estado que anda a alienar imobiliário por todo o lado, volta a ser proprietário. Faz sentido? E se, passados tantos anos, o promotor não desejar adquirir novamente a casa, porque não ganhou dinheiro para isso? O Estado faz o quê? Fica com ela, criando uma nova FNAT? Ou encontrou, apenas, uma nova vocação, a de "croupier"?»

Fernando Sobral
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22.7.18

É o mínimo...


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Era uma vez um pirata honrado



Francisco Louçã no Expresso Economia de 21.07.2018:

«Era uma vez um pirata honrado, uma bruxa formosa e um lobito bom, que era maltratado por todos os cordeiros, quando Paco Ibañez cantava este mundo ao contrário em versos de Goytisolo. Lembra-se dele? A recente cimeira de Helsínquia foi como este mundo fantasioso, em que dois piratas não tão honrados se encontram para prosseguir a sua corrida comum. Já tudo se sabe sobre o que trataram e sobre a vitória estrepitosa de Vladimir Putin ao levar Donald Trump a admitir que confiava nas garantias do Presidente russo sobre a não interferência nas eleições norte-americanas. Traidor, disse-se nos EUA, e mesmo entre os apoiantes do Presidente houve algum incómodo por causa desta cedência pacóvia. É o mundo ao contrário, mas porque é que dois piratas não haveriam de acreditar nas fábulas um do outro? Ora, levemo-los a sério e imaginemos então, só por um momento, como seria o mundo se fosse ao invés do que nos dizem e prometem.

Trump ganharia a sua reeleição, adorado pelos seus apoiantes de uma direita radicalizada no ódio imperial aos outros povos, iluminada por inspirações religiosas e prometendo mobilizar as energias militares e o controlo político para criar um mundo temente a Washington, submetendo aliados e apoiando as investidas dos empresários que se escudam no Presidente agente económico.

Trump e Putin dividiriam o mundo em zonas de influência, deixando ao primeiro as mãos livres para um confronto com a China, numa guerra comercial eternizada por sanções e contrassanções. No meio, as instituições da globalização liberal seriam enfraquecidas, a Organização Mundial do Comércio porque não pode ser, a ONU porque é um embaraço. Quanto à NATO, não se exagere, bastaria que continue a assumir o dever estatutário de cumprir as ordens do Pentágono.

Neste mundo ao contrário, a União Europeia poderia desfazer-se por dentro, como vai acontecendo agora à vista de toda a gente. Orban conseguiria aliar-se a Salvini e à CSU da Alemanha e constituir a Internacional Populista, o tradicional Partido Popular Europeu perderia grande parte da sua força na eleição europeia e, se se conservar ainda na posição de primeiro partido, será porque as outras famílias dominantes se esfarelaram em múltiplas seitas. Macron leva uma parte dos liberais e dos socialistas, o Partido Socialista Europeu soçobra, e a esquerda, que se reforça, não tem uma proposta unificada. O Leste está mais próximo de Putin do que de Bruxelas e, quando a crise financeira sacudir a Europa, o euro volta a clamar por troikas.

Acontece o impossível, voltam os fantasmas do passado e as caricaturas tomam o poder. Mas acha mesmo que este mundo em que Trump e Putin se aliam e em que tudo o que era sólido se dissolve está assim tão longe de nós?»
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Viver em Gaza



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Política e ética



«Nesta última semana tivemos, em Portugal e no plano internacional, comportamentos de alguns políticos que causam indignação e deixam, ao cidadão comum, acrescidas desconfianças para o futuro. Trump foi, uma vez mais, a expressão limite da amoralidade, da utilização descarada da mentira, da negação de valores e princípios éticos que se exigem no exercício da política. E não faltam por aí atores políticos com total desprezo pela verdade e dispostos a mobilizar os cidadãos contra a democracia e pela negação da política. Na Assembleia da República (AR) assistimos a um comportamento desses: Manuel Pinho achincalhou os deputados e gozou com os portugueses, talvez por acreditar que os buracos nas leis, o espaço para manobras processuais e o arrastamento dos processos judiciais, e a sobreposição do poder económico ao poder político lhe permitirão passar impune. A sua arrogância e sobranceria foram chocantes.

Entretanto, também esta semana, vimos partir um político exemplar - João Semedo - um Homem de enorme humanismo e compromisso com as gerações futuras, que dedicou a vida à causa pública buscando como contrapartida a construção de vida mais feliz para o conjunto dos seres humanos - sempre a partir da defesa dos que mais precisam - e por consequência para ele. Era esse o alimento da alegria que nos mostrava nas horas boas e más dos combates políticos, sociais ou culturais em que se envolveu, a partir de uma militância empenhada primeiro no PCP e depois no BE.

Este contraste desafia-nos a uma reflexão séria sobre o que se passa com o exercício de responsabilidades públicas, com a política e a ética, identificando e denunciando as suas subversões. Imaginemos, por exemplo, uma associação cuja missão é a ajuda a terceiros em situação de necessidade e que nela, oportunisticamente, alguém se oferece para ocupar um cargo de responsabilidade, não para cumprir a missão da associação, mas para retirar do cargo vantagens pessoais de algum tipo. Quando a tramoia é descoberta, o prestígio da associação sofre um duro golpe, da mesma forma que a honorabilidade de todos os que trabalham para essa associação, mesmo a dos mais honestos e dedicados. E basta a existência de um ou outro caso destes para a reputação de todas as associações serem postas em causa. A partir daí, o desconforto de ser confundido com práticas detestáveis não afastará malandros dispostos a obterem vantagens por qualquer forma, mas levará muitas pessoas generosas e honestas a pensar duas vezes antes de se disponibilizarem para assumir responsabilidades.

Nesta sociedade tão dominada pela economia e pela finança, lembremos o palavrão que os economistas usam - "seleção adversa" - para designar situações em que o mau produto expulsa do mercado o bom produto. É claro que falar de política é mais amplo e exigente do que tratar estas questões, mas na verdade a política é para aqui chamada.

O que designa a expressão "classe política" nestes dias? Um grupo sob suspeita a que se associam normalmente epítetos do tipo "o que tu queres sei eu" e "eles são todos iguais" - uma associação de malfeitores. Quem quer ser da "classe política"?

As coisas estão tão mal que há um certo espanto quando se descobre, geralmente demasiado tarde, que há mulheres e homens honrados que dedicam ou dedicaram uma vida inteira à política por convicção e por generosidade. Aí surge uma espécie de ritual coletivo de penitência pública feito de elogios adiados, alguns genuínos, outros hipócritas.

Se queremos evitar que os partidos e outras instituições sejam desacreditados, que as cadeiras do Governo ou da AR não passem a estar em pleno ocupadas por malandros - mesmo que malandros finos, de gravata e muito "bons modos" - são precisos mais do que elogios requentados. É preciso sermos severos contra a conversa do "é tudo farinha do mesmo saco" que polui as caixas de comentários da Internet. É necessário não transigir com o "ele rouba mas faz" que já produziu, mesmo entre nós, candidatos vencedores. É preciso combater os julgamentos na praça pública feitos pelo jornalismo de cordel. É indispensável construir projetos políticos alternativos de rigor e de compromisso efetivo com as pessoas.»

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