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30.5.20
DGS: Informação precisa-se
Oiça-se, AQUI, Constantino Sakellarides que diz o que é evidente: a população tem de ter dados rigorosos, para poder tomar decisões em relação ao desconfinamento, é fundamental que a Direção-Geral da Saúde partilhe toda a informação de forma exacta e precisa.
«Devo ir ao restaurante da minha vizinhança ou não?» «Nós podemos obedecer cegamente durante dois meses, mas não podemos fazê-lo durante dois anos.»
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CDS
Este rapaz vai mesmo continuar a ser presidente do partido, ou fica por lá até a pandemia abrandar para entreter algum pessoal? Alguém o leva a sério?
Para podermos respirar
«”Não consigo respirar”. O grito, como é sabido, não é de nenhuma vítima da Covid-19, mas sim de George Floyd, o cidadão negro, afro-americano, de 46 anos, que foi executado barbaramente por um polícia em Minneapolis. A frase foi repetida dezenas de vezes, em estado de aflição, enquanto o polícia continuava a esmagar com o joelho imperturbável a garganta de Floyd. Ao contrário do que escreveu alguma imprensa, o polícia não se “ajoelhou no seu pescoço”. Asfixiou-o deliberadamente. Floyd não morreu por isso em nenhum “incidente”. Perante os apelos dos transeuntes para que o deixassem respirar e a passividade criminosa dos restantes agentes policiais, que recusaram prestar qualquer assistência a uma pessoa que estava a ser assassinada, George foi linchado por quem tem, supostamente, a missão de proteger os cidadãos.
“Não consigo respirar”. Foi também este o grito, repetido desesperadamente mais de uma dezena de vezes, por Eric Garner, cidadão negro que tinha 43 anos quando foi estrangulado ate à morte, durante mais de 15 segundos, em julho de 2014, por um agente da polícia de Nova Iorque, também ele um homem branco. O caso, seis anos antes numa outra cidade, e que terminou sem qualquer condenação do homicida, tem todas as afinidades possíveis com o de Minneapolis. E mostra como nada parece ter mudado para todos aqueles que não podem sentir-se seguros se a polícia estiver por perto.
Enquanto tantos se mobilizam, um pouco por todo o mundo, para combater um vírus que nos impede de respirar, para que haja ventiladores capazes de salvar vidas, há outras vidas e outros corpos que são tratados como se não tivessem direito a viver. Como se o poder pudesse dispor deles e eliminá-los.
A asfixia dos negros não vem, como se sabe, de agora. Estes episódios estão longe de ser acontecimentos isolados. Muito menos são tristes coincidências. São, de facto, a expressão da política do racismo estrutural, que é brutal nos Estados Unidos, mas não só. Estas histórias, que nos revoltam por dentro, existem porque foram conhecidas, porque alguém filmou e nós as testemunhámos. Imaginem agora quando não há ninguém a registar o que acontece, quando é no silêncio e na impunidade absoluta que estes assassinatos acontecem. Quantos não existem, todos os dias? Quanta violência racista é perpetrada sem que nunca ninguém seja condenado por isso? Sabemos bem, em Portugal também. É preciso lembrar Alfragide, por exemplo?
É por isso que me declaro solidário com quem manifesta a sua indignação e a sua repulsa, que são também minhas, contra esse racismo larvar que atira migrantes e negros e pobres para as periferias das cidades e dos empregos mal pagos, para as vias desvalorizadas do ensino e para os transportes cheios e expostos à doença, para as prisões e para os bairros com poucas condições. Para a violência estrutural às mãos das instituições.
Em Minneapolis, esta revolta é já um potente grito coletivo e multirracial que ocupou as ruas, com gente de várias comunidades e pertenças, com igrejas solidárias a abrirem as suas portas para abrigar os manifestantes durante os ataques de gás lacrimogênio da polícia, com comerciantes a anunciar o seu repúdio pelo que aconteceu, com gestos importantes como o de Joan Gabriel, presidente da Universidade de Minnesota, que anunciou, numa carta pública, o corte de todos os contratos com o Departamento de Polícia de Minneapolis e o cancelamento de qualquer pareceria para a segurança de concertos, palestras ou outros eventos daquela instituição.
Está visto, é certo, que vai ser preciso muito mais luta para que as coisas mudem. Hoje mesmo, Omar Jimenez, um repórter negro da CNN que tem coberto as manifestações naquela cidade, foi detido pela polícia em pleno direto televisivo. As imagens deixam qualquer um perplexo – a mim, pelo menos, deixaram-me boquiaberto. Depois de tudo o que se tem passado, Jimenez é levado pela polícia sem que se perceba porquê: “Por que estou preso?”, pergunta em direto. A polícia divulgou mais tarde a sua explicação: o repórter e a equipa haviam sido detidos por não se terem afastados quando receberam essa ordem. A câmara televisiva, caída no chão, continuou a transmitir as imagens em direto.
Os olhos do mundo estão em Minneapolis, porque Minneapolis é em muitos lugares do mundo. George Floyd é hoje o símbolo das vítimas deste vírus insuportável que torna as nossas sociedades irrespiráveis. O racismo mata, de muitas maneiras. E será só pela nossa luta sem tréguas e sem hesitações que poderá ser erradicado.»
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29.5.20
Marcelo: segue-se estadia num Hostel?
Populismo e/ou em plena campanha para as presidenciais – tanto faz. Mas que cansaço!...
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Jamaica, Azambuja, Banco Alimentar: os pobres da covid-19 e a nossa hipocrisia
«Um dos meus livros de economia preferidos chama-se “The Economics of Poverty” e foi escrito por Martin Ravallion, um estudioso da pobreza e antigo diretor do departamento de investigação do Banco Mundial. Ravallion começa logo nas primeiras páginas com a pergunta “Porque existe pobreza?” e explica que existe uma longa tradição intelectual de culpar as mulheres e homens pobres pela sua condição, atribuindo-lhes estereótipos como o de serem preguiçosos, irracionais, incapazes de gerir a sua vida. Esta velha tradição intelectual de separar o mundo entre “nós” e “eles” reflete-se na organização da sociedade e da economia e, infelizmente, uma parte destes estereótipos sobreviveram até ao dia de hoje no nosso subconsciente coletivo. Vem isto a propósito da crise causada pela pandemia. Raramente na história recente a separação entre os privilegiados e os destituídos foi tão crua.
Comecemos pelo confinamento que, quando nasce, não é para todos. O surto nas plataformas logísticas da Azambuja ou a fábrica de conservas em Peniche, que enviou esta semana 200 funcionários para casa devido a um caso positivo, mostram que nem toda a gente pode proteger-se do risco de contágio. Desconhecemos que medidas de segurança foram implementadas nestas fábricas e armazéns. Não sabemos quantas pessoas esconderam sintomas por medo de perder uma parte do pouco rendimento que têm. Mas sabemos que não conseguimos coletivamente proteger estes trabalhadores mal pagos e com poucos direitos laborais, que carregam nos ombros o que de mais essencial flui na economia, como a comida para os supermercados.
Como uma desigualdade nunca vem só, a do rendimento mistura-se nesta história com a étnica e de país de origem. Segundo os jornais, muitas pessoas que trabalham nas empresas afetadas na Azambuja são imigrantes jovens, que se deslocam para o trabalho de comboio, a partir de bairros periféricos da Área Metropolitana de Lisboa. Os hostels de Lisboa também concentravam imigrantes, provavelmente com trabalhos precários e mal pagos, a viver em espaços sobrelotados no limite da indignidade. Agora temos um surto no Bairro da Jamaica, onde as autoridades se preparam para encerrar os cafés para evitar que o contágio se generalize. Aparentemente, uma festa no início de maio estará na origem dos contágios. É que isto de aguentar o confinamento depende muito da qualidade do sofá, da velocidade da internet e da variedade do que há no frigorífico. Para os jovens do Bairro da Jamaica e do vizinho Santa Marta é menos suportável do que para a burguesia do teletrabalho onde me incluo.
Serão estes exemplos fruto do acaso? Em Portugal não temos como quantificar estes fenómenos, mas no Reino Unido e Estados Unidos, onde há informação étnica e disponibilidade de dados, há vários estudos que mostram como as minorias étnicas são mais afetadas pela covid-19. No dia 8 de maio, o The Lancet publicou o artigo “Evidence mounts on the disproportionate effect of covid-19 on ethnic minorities”. O título é sugestivo, os números também. No Reino Unido, a taxa de letalidade entre as pessoas de ascendência africana é 3,5 vezes maior do que a dos brancos britânicos. Já os caribenhos e paquistaneses morrem 1,7 e 2,7 vezes mais do que os brancos. Em Nova Iorque, um estudo mostra que as mortes entre os negros são de 92,3 por 100 mil habitantes e entre hispânicos e latinos de 74,3, o que contrasta com menos de 50 por 100 mil para brancos e asiáticos.
O The Lancet afirma que a diferença na prevalência de doenças crónicas entre estas comunidades e os brancos não é suficientemente elevada para explicar por si só as discrepâncias na mortalidade, e explica que estas pessoas “trabalham muitas vezes em empregos que os colocam em risco, como de atendimento ao público e transporte de mercadorias ou entregas, e é menos provável que tenham empregos que lhes permitam fazer teletrabalho”. Qualquer semelhança com os trabalhadores da Azambuja e de Peniche ou os residentes dos hostels não é mera coincidência.
Lembrei-me ontem de Martin Ravallion a propósito do esquema de apoio de emergência aos artistas da Câmara de Lisboa, que exigia em troca até 30 horas de trabalho. A capa do livro de Ravallion é uma fotografia de uma “workhouse” para pobres da Inglaterra vitoriana, uma estrutura de acolhimento e trabalho típica das políticas de combate à pobreza daquele período. Como nos explica Ravallion, encontramos nos dias de hoje heranças deste passado negro nos apoios ao rendimento com componentes “workfare”, que é como quem diz: obrigação de trabalho em troca de transferências. Ao ator e produtor Filipe Crawford, por exemplo, foi-lhe exigida tal contrapartida em troca de 154,69 euros de apoio mensal. A vereadora da cultura da CML, Catarina Vaz Pinto, comunicou que a câmara decidiu revogar esta norma, mas aproveitou para insistir que isto não configura uma “prestação de serviços” mas antes uma “contrapartida do apoio concedido”. Descubra as diferenças.
A ideia de que os pobres são “diferentes” reconfortou as elites ao longo da história na sua inação para erradicar a pobreza. As “workhouses” da Inglaterra vitoriana eram instituições assistencialistas e moralizadoras, que alimentavam – mal e pouco – as pessoas pobres e procuravam corrigir os seus supostos maus hábitos. Durante o fim de semana, Marcelo Rebelo de Sousa visitou a sede do Banco Alimentar contra a Fome e apelou aos donativos de comida, alegando que há 400 mil pessoas com fome, mais cerca de 20 mil do que as habituais 380 mil servidas habitualmente pelas instituições de solidariedade apoiadas pelo Banco Alimentar. Segundo o Presidente, “não é preciso gostar do Banco Alimentar, da líder ou dos voluntários. É preciso pensar nos que estão mal e que vão estar assim mais um mês, dois, três, mais um ano, o tempo que durar a crise”.
A mim, parece-me que é preciso pensar que espécie de sociedade é esta que perante pessoas que podem ficar com fome durante mais de um ano se contenta com oferecer uns pacotes de arroz para as campanhas do Banco Alimentar. Este cheirinho feudal dá-me náuseas.»
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28.5.20
Covid-19 e a pobreza das crianças
Mais 15% de crianças na pobreza em comparação com o ano passado.
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Requiem pela democracia
«Mais uma vez, depois de tantas, as elites brasileiras preferiram correr o risco de cair na ditadura (quando não a desejaram desde o início) sempre que as classes populares manifestaram a sua aspiração a ser incluídas na nação, a nação que as elites sempre conceberam como sua propriedade privada. A leitura do transcrito da reunião do conselho de ministros do Brasil no dia 22 de Abril é uma experiência dolorosa, assustadora e revoltante.
O ter sido dado conhecimento público desse vídeo e transcrito é um sinal eloquente de que a democracia ainda sobrevive. Ocorreu no seguimento da denúncia do ex-ministro Sérgio Moro de que o Presidente tentara interferir com as investigações em curso na Polícia Federal do Rio de Janeiro contra um dos seus filhos por suspeita de graves condutas criminosas. Ao ordenar a divulgação do vídeo, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, inscreveu o seu nome no livro de ouro da breve e tormentosa história da democracia brasileira. Esperemos que o sinal de esperança que ele nos deu seja potenciador do despertar das forças democráticas de esquerda e de direita, o despertar de um sono profundo e inquietante, feito de ignorância histórica e de vaidade míope, um sono que lhes permite sonhar com cálculos eleitorais sem se dar conta da frivolidade de tais intentos quando a própria democracia está por um fio.
Os fascistas nem sequer escondem os seus intentos. O Presidente faz um apelo directo e inequívoco à luta armada. Mais do que um apelo, informa que está disposto a dirigir o armamento de civis à margem das forças armadas. E faz isso ladeado por generais! Está a confessar um crime de responsabilidade e um crime contra a segurança nacional. E nada a acontece. Ao lado do vice-presidente, está sentado impávida e parvamente o então ministro da Justiça Sérgio Moro, o grande responsável pela destruição da institucionalidade democrática, para o que sempre contou com a cumplicidade das elites e dos seus media. O anúncio do Presidente não só é recebido com sorrisos complacentes de quem o ouve, como vários ministros se esmeram em soltar por conta própria as cloacas do ódio e do preconceito. Para além de outras aleivosias avulsas.
O que se lê é de tal modo torpe que é melhor ler para crer:
Presidente: “É putaria o tempo todo para me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa, oficialmente, e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigos meus, porque não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha — que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final… Eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. E se eu fosse ditador, né? Eu queria desarmar a população, como todos fizeram no passado quando queriam, antes de impor a sua respectiva ditadura. Aí, que é a demonstração nossa, eu peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assine essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais.”
Ministro da Educação (extrema-direita): “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF. E é isso que me choca… A gente tá conversando com quem a gente tinha que lutar. A gente não tá sendo duro o bastante contra os privilégios, com o tamanho do Estado e é o... eu realmente tô aqui aberto, como cês sabem disso, levo tiro... odeia... odeio o prutido (sic) comunista. Ele tá querendo transformar a gente numa colônia. Esse país não é... odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré. É povo brasileiro, só tem um povo.”
Ministro do Meio Ambiente (momento maquiavélico): “Porque tudo que agente faz é pau no judiciário, no dia seguinte. Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspeto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas… Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação.”
Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (evangelismo reacionário): “Neste momento de pandemia a gente tá vendo aí a palhaçada do STF trazer o aborto de novo para a pauta, e lá tava a questão de... as mulheres que são vítima do zika vírus vão abortar, e agora vem do coronavírus? Será que vão querer liberar que todos que tiveram coronavírus poderão abortar no Brasil? Vão liberar geral? [dirigindo-se ao ministro da Saúde] O seu ministério, ministro, tá lotado de feminista que tem uma pauta única que é a liberação de aborto… Porque nós recebemos a notícia que haveria contaminação criminosa em Roraima e Amazônia, de propósito, em índios, pra dizimar aldeias e povos inteiro pra colocar nas costas do Presidente.”
Ministro da Economia (feira de vaidades): “Eu conheço profundamente, no detalhe, não é de ouvir falar. É de ler oito livros sobre cada reconstrução dessa (Alemanha, Chile). Então, eu li Keynes, é... três vezes no original antes de eu chegar a Chicago. Então pra mim não tem música, não tem dogma, não tem blá-blá-blá.”
Nada disto é novo. Sobre o que disse o Presidente, basta referir que, depois das eleições de 1932, foi assim que se expressou Hitler, invocando a necessidade da ditadura para se defender da ditadura… da democracia. A reunião teve lugar no dia em que o Brasil se aproximava de 3000 mortos pelo coronavírus. Este, no entanto, foi um tema ausente. Ou, ainda mais perversamente, pretendeu-se usar a preocupação mediática com a pandemia para fazer avançar a perda de direitos, os casinos, a privatização, o desmatamento da Amazónia e a eliminação das restrições ambientais. O sistema democrático brasileiro está em tamanho desequilíbrio que vive um momento de bifurcação: uma qualquer acção ou omissão política tanto o pode resgatar como afundar de vez.»
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27.5.20
Colômbia? Nem sei o que dizer…
«"A ABC põe a sua criatividade ao serviço da saúde com o desenvolvimento de uma cama de cartão 100% ecológica. Contribuindo para a necessidade de aumentar a capacidade hospitalar do país e com uma cama que é 100% reciclável, biodegradável, a menos de metade [do preço] de uma cama convencional. Esta cama conta com um segundo propósito, vendo a situação que se apresentou noutros países, que esperemos não se chegue a dar uso no nosso país", escreveram no Facebook, em finais de abril. O segundo propósito é transformar-se num caixão.»
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O estranho caso de um texto da Presidência
«Festivais e espetáculos de natureza análoga» ou como tudo se transformou numa questão de semântica, nesta prosa mal amanhada.
Presidente da República promulgou diploma da Assembleia da República
O presente diploma, na versão final aprovada pela Assembleia da República, só proíbe, até trinta de setembro, o que os promotores qualificam como festivais e espetáculos de natureza análoga.
Quer isto dizer que, se uma entidade promotora definir como iniciativa política, religiosa, social o que poderia, de outra perspetiva, ser encarado como festival ou espetáculo de natureza análoga, deixa de se aplicar a proibição específica prevista no presente diploma.
Por outro lado, mesmo os assim qualificados festivais e espetáculos de natureza análoga podem realizar-se desde que haja lugares marcados e a lotação e o distanciamento físico sejam respeitados.
Atendendo a este quadro legal, ganham especial importância a garantia do princípio da igualdade entre cidadãos, a transparência das qualificações, sua aplicação e fiscalização e a clareza e o conhecimento atempado das regras sanitárias aplicáveis nos casos concretos.
Nestes exatos termos, o Presidente da República promulgou o diploma da Assembleia da República que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença Covid-19 no âmbito cultural e artístico, procedendo à segunda alteração ao Decreto-lei n.º 10-I/2020, de 26 de março.
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Querem mesmo um ensino sem aulas presenciais?
«Confesso que fiquei surpreendido quando ouvi um dirigente sindical criticar a abertura das aulas para o 11º e 12º anos. O que começou por dizer pareceu-me convincente: é preciso garantir a segurança de alunos, professores e funcionários. Mas depois acrescentou, se bem registei, que preferia que se mantivessem as aulas à distância. Eu não prefiro. Por isso é que gostaria de ter ouvido algo mais, que temos que nos mexer para ter as condições para voltar à vida das escolas. O mais depressa possível. Sem aulas presenciais não há ensino.
É provável que sem aulas presenciais também deixe de haver professores. De facto, manda a prudência que se tenha em conta que, se o sistema de ensino for só uma telescola, alguém um dia imaginará que basta um vídeo das aulas de cada cadeira e que se pode repeti-lo ad infinitum. Umas dezenas de figurantes contratados para apresentarem um texto e um powerpoint e está dado o curso. Ponham-lhe o bastão na mão e já verão como é o vilão, saltar da telescola para a youtubescola será um ápice.
Este risco profissional pode ser grave, mas ainda assim não é a única ameaça. Até sugiro aos leitores, sentindo o ceticismo de alguns que leram as últimas linhas, que esqueçam por completo esta questão. O que não se pode ignorar, em contrapartida, é que o encanto das novas tecnologias não substitui a relação entre os docentes e os alunos, a atenção ao detalhe, a aprendizagem viva, a insistência e a resposta imediata, as dúvidas durante e no fim da aula, a conversa nos intervalos, as atividades extracurriculares, a forma como os estudantes se envolvem com a escola.
Se quem estuda não reconhecer a escola como o seu lugar de aprendizagem e de socialização e ficar reduzido a aulas por ecrã no canto da sua casa, o percurso da maior parte dos alunos será um desastre. Por exemplo, o ministério da educação de França calcula que, durante os dois meses de confinamento, já 5 a 8% dos alunos “descolaram”, mas o facto é que nesse país chega a 40% a percentagem dos que não entregam regularmente os trabalhos. O sistema educativo não resiste ao artificialismo da distância e pode até acentuar alguns dos seus principais defeitos, dado que a tendência vai ser multiplicar o tpc, inundar os alunos de obrigações, exigir aos pais que vigiem, tutelem e complementem a educação, ocupando obsessivamente o tempo como se isso impedisse as distrações.
Vai ser um ensino-lantejoula, uma coisa assim tipo EdTech, dizem-nos, as aulas vão passar a ser videojogos, uma maravilha, assim a modos que um Fortnite levezinho, vão multiplicar-se as aplicações e os sistemas de motivação, até de vigilância (algumas universidades discutem se podem obrigar os alunos a fazer exame com as câmaras dos computadores ligadas), criando uma feira popular de conteúdos clicáveis. Acabou a hierarquia e a autoridade, a educação passou a ser horizontalizada, dizem e repetem, e eu desconfio. Sem aulas presenciais não há ensino, insisto.
Sem escola física, que aproxima as crianças e os jovens, cada um fica fechado no lugar de onde vem e sobra a desigualdade. Sem universidades e politécnicos não há nem ensino de excelência nem investigação. Sem comunidade escolar não há obrigações nem para os professores nem para os estudantes, nem para as suas famílias.
Por isso, ao ouvir o ministro elogiar o B-learning, um estranho e mal definido cocktail de aulas virtuais e algum atendimento individual, fico ainda mais preocupado. E se, em vez de perdermos tempo com fantasias, pensássemos em soluções mais interessantes? E se fossemos pelo caminho de turmas menores, equipas de professores nos primeiros anos, horários mais curtos e mais desencontrados no secundário? Se começasse a produção de conteúdos de apoio pedagógico pelo ministério da educação, para tornar as aulas mais interessantes? Tudo menos o facilitismo deslumbrado com um mundo virtual em que há entretenimento, mas não há certamente uma educação completa. Se não queremos desistir dos estudantes, devolvamos-lhes a escola, o mais depressa que for possível.
NB- É público e notório, mas registo a declaração de interesses: sou professor e, portanto, profissionalmente envolvido na escolha sobre o tipo de ensino que vamos ter.»
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26.5.20
Eu quero falar com o meu pai
«Nos piores momentos, o meu pai, de 89 anos, ficava tão confuso que achava que estava no forte de Peniche. Eu tentava explicar-lhe que não estava preso, mas era em vão. Ele temia que quando as visitas terminassem houvesse outro interrogatório. Quando as funcionárias do lar passavam, suspeitava que a PIDE-DGS nos estivesse a escutar e eu, a chorar, garantia-lhe que não, papá, que já estás livre, porra, que fizeste o 25 de Abril.»
Leitura absolutamente obrigatória AQUI.
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Senegal e Covid-19
Graffitis para sensibilizar a população e agradecer aos cuidadores.
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Se vai à praia…
É assim, já a partir de hoje. Pode ler um resumo AQUI ou o Decreto-Lei n.º 24/2020 AQUI.
(E não se esqueça de comprar uma fita métrica!...)
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Por direitos sem intermitência na cultura
«A partir de 1 de junho será possível apanhar um avião cheio e andar num metro a dois terços da sua capacidade. Mas a cadeira que tiver reservado num teatro fará parte de um restrito número de lugares disponíveis, correspondentes a menos de um terço do total.
As regras de lotação das salas de espetáculo são apenas um dos problemas que o setor da cultura enfrenta num futuro próximo.
Em causa não está a necessidade de proteção no desconfinamento. O que se exige é, por um lado, sensatez e equilíbrio no que é pedido a estruturas de pequena dimensão e, por outro, os apoios necessários para suportar um setor tão afetado pela pandemia.
Sabemos bem o que está por debaixo das enormes dificuldades agora sentidas: para a maioria das 130 mil pessoas que trabalham na cultura, são décadas de precariedade e subfinanciamento. O Estado conta com elas para continuarem a fornecer um serviço público essencial e ninguém imagina o que seria não ter produção artística em contínuo. Mas, apesar de serem profissionais, estas pessoas raramente tiveram um contrato de trabalho, fosse de curto ou de longo prazo. O amanhã é quase sempre uma incógnita, mas a crise tornou esse amanhã demasiado prolongado para quem tem contas para pagar, casa, filhos.
É verdade que o Estado manteve o pagamento dos espetáculos que de si dependiam diretamente, mas isso não basta quando as bilheteiras estão fechadas, os concertos foram suspensos e a produção audiovisual está quase parada. No meio da pandemia, a única linha de emergência lançada, num valor de 1 milhão e 700 mil euros, foi um novo concurso, que avaliou novos projetos, e que deixou de fora milhares de pessoas. E nem às instituições que têm apoio público, como Serralves ou a Casa da Música, foi exigido que mantivessem os seus trabalhadores que, por sinal, eram falsos recibos verdes. O mesmo se passa com muitas autarquias e teatros municipais, como o Rivoli, onde assistentes de sala e técnicos de som ficaram sem salário.
Sim, sabemos que é um setor complexo, pela sua heterogeneidade, mas também pelos vícios que o subfinanciamento criou. Mas a desculpa não pode servir para sempre, e não justifica o orçamento público diminuto (em que mais de metade vem de receitas próprias), nem a precariedade que deixa milhares de pessoas fora da proteção de segurança social.
No imediato é preciso apoios para evitar que tanta gente caia na pobreza. Qualquer história de fome em Portugal deve ser motivo de vergonha, e o setor das artes já acumula bastantes. No curto prazo, está na hora de pagar uma velha dívida de respeito: dar contratos e direitos laborais a estas pessoas.»
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25.5.20
Saiam da bolha
«Há cerca de dois meses o país tinha acabado de entrar em confinamento e todos nos lembramos de ouvir discursos a romantizar a pandemia e as possibilidades de aprendizagem que ela nos traria.
Era o tempo em família, a redução da nossa gigantesca pegada ambiental, o travão num modelo económico assente em consumo e lucro imediato, o nascimento de iniciativas de solidariedade capazes de vencer a solidão.
À distância, percebemos que as afirmações de que nada seria como dantes terão sido manifestamente exageradas e é bastante provável que, à semelhança do que nos mostrou a história em crises anteriores, nos esqueçamos rapidamente das lições que era suposto o universo revelar-nos em forma de minúsculo vírus. Só mesmo alguém com a gigantesca fé do Papa Francisco acreditará que este declarado "ano especial" sirva para refletir sobre sustentabilidade e meio ambiente, numa louvável iniciativa que coloca a Igreja no meio do Mundo e dos seus mais pobres.
Quase um mês depois de se iniciar o desconfinamento, no geral há dois extremos comportamentais - simplificando, claro, porque a realidade nunca se descreve em meia dúzia de palavras. Há quem continue sem contactos sociais, evitando a todo o custo lojas, praias e parques. E quem se exponha a transportes públicos, às ruas, a locais de trabalho cheios de gente.
Os indicadores já recolhidos em sucessivos estudos mostram que o isolamento é um privilégio não acessível a todos, que aumenta à medida que sobe a escolaridade e o rendimento. A pandemia acentuou desigualdades e os níveis de desemprego e pobreza vão continuar a aumentar quando se clarificar a situação de empresas hoje em lay-off que poderão a médio prazo não ser viáveis.
E quando começarem a apertar os compromissos adiados com moratórias em créditos e outros benefícios a prazo. O isolamento é uma opção legítima, mas não pode ser sinónimo de alheamento. A nova normalidade não é só a ausência de beijos e abraços. A nova normalidade é um país com mais gente desprotegida e a passar dificuldades. E esta é uma lição à qual ninguém pode fechar os olhos.»
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24.5.20
Maria Velho da Costa
Foi ontem, quase ao fim do serão, que caiu a notícia que não queria ouvir. Conheci-a como Fátima Bívar bem antes de tudo o que veio a celebrizá-la, andámos por aí na noite de Lisboa, em grupos improváveis que já se foram esvaziando pelas leis da vida – e do fim da mesma. A dela acabou agora.
Se foi sobretudo a sua colaboração nas célebres Novas Cartas Portuguesas, que escreveu a seis mãos com Isabel Barreno e Teresa Horta e que a trouxeram, com estrondo, para a ribalta da perseguição da PIDE e dos tribunais, ela é para mim, antes de mais e acima de tudo, a grande autora de Maina Mendes que li de um trago e reli nem sei quantas vezes. E tudo o que seguiu daquela que sempre foi a «minha» maior escritora portuguesa.
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Uma espiral de silêncio
«É comum dizer-se que os economistas apenas estudam Economia e nada sabem de História, Antropologia, etc. Ainda assim, têm opiniões convictas sobre tudo. Desde alterações climáticas a modelos epidemiológicos. Como economista, encarno esses defeitos. Há uma vantagem: somos frequentemente convidados para tratar de assuntos que não são da nossa área e, à custa disso, aprendemos coisas. Talvez por isso, fui há uns anos convidado para arguir uma tese de doutoramento em Ciências da Comunicação na Universidade da Beira Interior.
O autor, José Carlos Alexandre, do Instituto Politécnico da Guarda, escreveu sobre a teoria da espiral de silêncio, de Elisabeth Noelle-Neumann, uma cientista política alemã. A tese central é simples: quem se sente em minoria tem tendência a manter-se em silêncio, deixando o espaço público entregue à opinião maioritária (reforçando a ideia de que se está mesmo em minoria, o que alimenta o silêncio, etc.). Que circunstâncias proporcionam essa espiral? Para Noelle-Neumann, o medo do isolamento é a força que a põe em marcha. O medo do isolamento é maior do que o de estar errado e é alimentado pela forma como a sociedade trata os que desafiam o consenso. Conjugado com a ameaça do isolamento e a perceção de que se está em minoria, o medo do isolamento leva ao silêncio.
Com a covid-19, criaram-se as condições para uma espiral de silêncio. Não só o assunto tem uma forte carga moral, o que leva a que, em vez de se discutir o que está certo ou errado, se discuta o bem e o mal, como a comunicação social se mostrou mais empenhada em dar conselhos do que notícias. Quantas vezes nos explicaram que éramos agentes de saúde pública e que tínhamos de proteger os outros, em especial os velhinhos? Que dizer das homilias de Rodrigo Guedes de Carvalho nos telejornais da SIC ou das “reportagens” sobre a Suécia que tantas vezes nos informaram de (inexistentes) volte-faces?
Quando Jorge Torgal, especialista em saúde pública, defendeu que as escolas permanecessem abertas e comparou a covid a uma gripe mais violenta, foi linchado no altar das redes sociais e da opinião publicada. Uma das premissas de Noelle-Neumann, a ameaça do isolamento, funcionou em pleno.
Jorge Torgal terá sido o primeiro, mas não foi o único. Fosse nas redes sociais, fosse nos jornais ou televisões, quem emitisse uma opinião ligeiramente ao lado era imediatamente vilipendiado; quem apontasse para a Suécia era imediatamente colado a Bolsonaro; quem lembrasse a destruição da economia era acusado de ser materialista e não querer saber das pessoas e das mortes. Havia quem fosse para a rua tirar fotografias às pessoas que estavam na rua para as denunciar nas redes sociais.
Eu, que, com a exceção de manter as escolas fechadas até setembro, concordei com as principais opções do Governo, senti falta das minorias. Ainda por cima, a teoria dominante estava cheia de pontas soltas. Como é que em abril ainda se falava num pico para maio quando todos os dados indicavam que o mesmo já tinha ocorrido na última semana de março? A ausência de opiniões minoritárias empobrece-nos. Sem ser desafiada, não há nenhuma garantia de que a opinião dominante seja a que tem melhores argumentos. Passa a ser uma mera materialização da tirania da maioria de Tocqueville.
Essa diversidade existe em economia. É fácil encontrar nas colunas de opinião economistas keynesianos, marxistas ou hayekianos. Entre os economistas, a diversidade é tanta que é fácil encontrar alguns que nada sabem de economia. No entanto, num assunto tão novo e sobre o qual se sabe tão pouco como a covid, era raro haver opiniões dissonantes. No mundo dos opinion makers regulares, a principal exceção terá sido José Miguel Júdice, que, obviamente, não tem nenhuma espécie de autoridade académica para opinar sobre o vírus. Já o credenciado Pedro Simas, em diversas entrevistas foi-nos suavemente sugerindo que o confinamento geral talvez não fosse a melhor forma de combater o vírus.
Na minha bolha das redes sociais, as principais vozes dissonantes foram as de Henrique Pereira dos Santos (arquiteto paisagista), Paulo Fernandes (especialista em fogos florestais), André Azevedo Alves (cientista político), Rodrigo Adão Fonseca (especialista em ciber-risco), Pedro Santa Clara (economista) e André Dias. Este tem credenciais académicas na área e, talvez por isso, foi quase acusado de ser um psicopata. Foi desafiado a escrever nos jornais e, compreensivelmente, recusou, explicando que não estava para ser linchado. O meu artigo no Expresso online de 6 de abril era uma contestação às teorias de André Dias. Não o nomeei, porque ele evitava a exposição nos jornais. Entretanto já escreveu um artigo no jornal online “ECO”.
A todas as vozes dissonantes, quer as que referi quer outras, tiro o meu chapéu. Graças a elas, a espiral de silêncio que nos envolveu não foi ainda maior.»
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