12.9.20

12.09.1935 - Geraldo Vandré



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Marisa Matias – uma entrevista



«Aos 44 anos, a eurodeputada do Bloco de Esquerda Marisa Matias candidata-se pela segunda vez à Presidência da República. Porque estamos a atravessar uma nova crise e quer contribuir para resolver os verdadeiros problemas dos portugueses. Ela que gosta de ir ao seu encontro, no terreno.»

A ler AQUI.
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Afinal, Costa já tem candidato a Presidente



«Contactado pelo Expresso, o gabinete do primeiro-ministro sublinha que Costa está na comissão de honra de Vieira “não como primeiro-ministro ou secretário-geral do PS, mas como adepto e sócio do Benfica desde 1988”, repetindo o apoio que já deu ao presidente do Benfica em outros atos eleitorais.»

Expresso, 12.09.2020
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12.09.1924 – Amílcar Cabral



Nasceu na Guiné (Bafatá), em 12 de Setembro de 1924, fez  o liceu em Cabo Verde, veio mais tarde para Lisboa onde se licenciou em Agronomia. Em 1956 foi um dos fundadores do PAIGC, partido que liderou e que, em Janeiro de 1963, declarou guerra contra o colonialismo de Portugal. Dez anos mais tarde, em 20 de Janeiro de 1973, assassinaram-no em Conacri.

Foi precisamente em Conacri (1969) que esta entrevista teve lugar:



Vale a pena percorrer um riquíssimo arquivo, recuperado e tratado pela Fundação Mário Soares, a pedido das autoridades guineenses e caboverdeanas e com o especial empenho de Aristides Pereira, Iva Cabral e Pedro Pires. Encontra-se na «Casa Comum», site criado por aquela Fundação, e pode ser consultado a partir daqui.
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11.9.20

Disto não temos por cá (1-10)

 

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Cada um é como nasce


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Chile, há 47 anos

 

Faz hoje um ano, Luis Sepúlveda escreveu um belo texto dirigido a Salvador Allende na primeira pessoa. Guardei-o no blogue e recordo-o hoje, com um sentimento de dor pelo drama que entretanto nos levou Sepúlveda. Pode ser lido AQUI.


Marcelo no seu lugar



«Soa mesmo a eleitoralismo socialista, esta nova normalidade do PS perder a sua vocação de poder por altura das eleições presidenciais.

Um pouco como aquele tubarão de oportunidade, com razões para se sentir amplamente saciado ou mais do que capaz para ir à luta mas que prefere ficar à espera que a última presa lhe caia nas mandíbulas para lhe afiar "aquele" dente. Sem candidato presidencial em 2016 e sem candidato presidencial em 2021, eis o candidato-piloto-automático do PS: Marcelo Rebelo de Sousa. O recente episódio na Autoeuropa entre presidente e primeiro- ministro foi bem revelador: não houvesse limitação de mandatos e assim poderia ser para sempre, não fosse Marcelo obrigado a assumir o seu lugar político natural face à crescente demagogia à Direita e à marcação ideológica à Esquerda. Resta saber se o fará ainda durante a campanha ou se guardará o movimento de ajuste para o exercício do segundo mandato. As sondagens ditarão.

A estranheza de ver o PS sem candidato presidencial quando está no poder, ganha contornos mais esotéricos quando recusa apoiar uma candidata efectivamente sua, Ana Gomes. Se o não apoio ao "independente" Sampaio da Nóvoa há cinco anos se pode ler à luz do contexto, esta insistência em "não ir a jogo" revela falta de zelo democrático e, apesar do respeito pela decisão interna, escasso apreço militante. Ana Gomes não necessita de iluminar o seu currículo, não é uma militante qualquer. Mas a incomodidade que representa para o actual Governo é bem revelador do grau de conforto que Costa criou com Marcelo e do quanto o presidente da República agudizou o sentimento de orfandade na Direita.

Se é estranho que o PS não tenha candidato, é também excêntrico que o PSD não se reveja no candidato que tem. O PSD caminha com duas pedras no sapato, Marcelo e Rio, pelo que a tarefa não se afigura fácil no futuro próximo. É também revelador que, mais à Direita, o CDS se reveja no candidato que não tem. Este CDS moribundo e vítima de ataques internos cómico-ferozes de Nuno Melo além-fronteiras, acolhe agora Marcelo como o seu candidato, tentando (e bem) distanciar-se dos fenómenos populistas colados à sua Direita e sonhando retirar alguns dividendos do apoio a uma candidatura antecipadamente vencedora. O centro-direita parte para as eleições presidenciais perfeitamente desposicionado e em esforço. Sente-se a carregar um andor. À Esquerda, Marisa Matias e Ana Gomes irão obrigar Marcelo a ocupar o seu espaço político natural. O maior favor que Marcelo pode prestar à democracia é anuir e fazê-lo. É altura de servir de tampão às perigosas fendas extremistas que a sua ausência permitiu abrir na Direita. Será o grande desafio do seu segundo mandato.»

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10.9.20

Disto não temos por cá (10)



Metro de Moscovo, Rússia, 2012

Com um luxo decorativo único no género, inaugurado em 15 de Maio de 1935, o metropolitano de Moscovo merece, sem dúvida, que se lhe dedique o tempo necessário para ver uma parte das mais de 200 estações de que dispõe actualmente. Algumas são fabulosas arquitectonicamente, todas as que vi são lindíssimas em termos de decoração. Relevo especial para a «Praça da Revolução», com as suas dezenas de estátuas em bronze, sendo a de um homem com um cão a mais popular: os moscovitas passam e afagam o nariz do animal, ao mesmo tempo que exprimem um desejo.




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Marisa Matias - Entrevista


 

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Entretanto no Afeganistão

Estas mulheres estão a fazer exame de acesso à Universidade. 37ºC, sem qualquer protecção.

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Não esquecer os esquecidos



«De pouco nos vale o contentamento de termos salvo o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de si próprio, a expensas de uma pandemia que tirou o chão a todas as convenções e protocolos, se não tivermos aprendido uma lição fundamental: o país não pode esquecer-se novamente dos doentes que ficaram esquecidos. Dos largos milhares de portugueses não atingidos pela covid mas privados de consultas, tratamentos, cirurgias, internamentos, carentes de um simples aconselhamento médico, em demasiados casos órfãos de uma mísera prova de vida do outro lado do telefone. 

É natural e desejável que a máquina da saúde se acautele para o inverno que pode fazer despontar uma tempestade perfeita, quanto mais não seja porque continuamos a caminhar sobre o arame escorregadio das projeções. O regresso às aulas, ao trabalho, aos transportes públicos lotados e o impacto de uma sempre imprevisível gripe sazonal são desafios que se tornaram ainda mais exigentes num contexto de tão elevada transmissibilidade do vírus em que desgraçadamente nos encontramos. 

Mas uma coisa é adaptarmos o sistema à experiência adquirida e ao pior cenário, outra é fazê-lo de uma forma tão obstinada que acabará por resultar numa disformidade ainda maior. Nunca como agora foi tão clara a relevância de uma saúde pública acessível a todos. Mas os mais recentes números sobre os que ficaram para trás são alarmantes: menos 986 035 consultas nos cuidados primários, menos 16,8 milhões de atos médicos, menos 998 mil consultas externas hospitalares, menos 99 mil cirurgias. Se a atividade programada voltar a ser suspensa, será o caos. Por isso, a mensagem de que o Estado está preparado para responder a uma segunda vaga não pode sobrepor-se à ideia de que o SNS se esgota nessa resposta. As portas têm de continuar abertas para todos os outros. Salvar o sistema é salvar os doentes. Todos os doentes.» 

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9.9.20

Disto não temos por cá (9)



Metro de Tóquio, Japão, 2006

Andar de metro em Tóquio tem fama de aventura pelas multidões que o frequentam, mas não foi esse o meu problema. Eu e uma amiga decidimos abandonar as pessoas com quem viajávamos, regressar de metro ao hotel, até arranjámos este «simplicíssimo» mapa de que fotografei uma parte e estudámos onde tínhamos de sair para apanhar ligações (3 ou 4, se bem me lembro). Mas o que não esperávamos é que, nas estações (todas ou quase todas), tudo estivesse escrito apenas… em japonês. Conseguimos chegar ao destino, mas não foi fácil e nunca esqueceremos a experiência!
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Marisa Matias



«Sou socialista, republicana e laica. O medo divide, a República une. Marcelo Rebelo de Sousa quer um regime político de mais do mesmo, eu quero um regime político que responda à pandemia social e acabe com os privilégios.»
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Educação para a cidadania, ainda


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Quem tem medo da educação sexual? E da igualdade de género?



«Já tivemos famílias de etnia cigana nos tribunais exigindo dispensa da filha frequentar a escolaridade obrigatória, em nome da tradição. No Reino Unido há muitos casos de pais com as mais sortidas objeções de consciência. Pais extremistas tiraram os filhos das aulas de Educação Religiosa porque não aceitam que estes sejam contaminados com conhecimentos históricos sobre o Islão. Provavelmente acreditam que saber o ano da Hégira ou as diferenças entre sunitas e xiitas é três quartos do caminho para se oferecerem ao ISIS. 

Pelo seu lado, pais muçulmanos conservadores, tanto no Canadá como no Reino Unido, têm objeção de consciência às aulas de música. Em Birmingham, várias escolas tiveram de parar de falar aos alunos da parte curricular dos direitos LGBT, porque os progenitores correram às centenas para resgatarem os filhos e os salvarem de tais informações. 

Portugal, que não fica atrás no obscurantismo e na intolerância, também tem o já famoso caso do pai de Famalicão (sempre contente na televisão apesar do futuro escolar incerto da prole) que impediu os filhos de frequentarem as aulas de Cidadania e Desenvolvimento. E, aproveitando a conveniência da posição deste pai, um grupo bastante homogéneo de homens, com nomes sonantes (ainda que já um tanto fora de tempo), fez uma petição exigindo a possibilidade de objeção de consciência (dos pais) às tais aulas de Cidadania (dos filhos). Disciplina que, refira-se, o Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças em 2019 aplaudiu e recomendou que o Estado português aprofundasse. 

O que os perturba? Não é, claro, o módulo da segurança rodoviária ou de empreendedorismo. O que transtorna as personalidades signatárias são os módulos da sexualidade – onde se enquadram a Educação Sexual e os temas da tolerância para com gays, lésbicas e transexuais – e da Igualdade de Género. 

Incrível, não é? Um país com números aberrantes de violência doméstica, crimes sexuais que têm aumentado nos últimos anos, sentenças iníquas dos tribunais garantindo a impunidade a violadores e agressores domésticos, diferenças salariais de 17% a menos para as mulheres, num momento em que 90% dos desempregados com a crise da covid são mulheres – e há quem faça petições contra o ensino da igualdade de género. 

Mas não espanta. Lá em cima falei em homens. É este o primeiro reparo que faço. Na petição de quase cem pessoas só 15 são mulheres. Um grupo de senhores, que julga ainda ser a palavra dos homens a encerrar os assuntos, com média de idades justificando a incapacidade de perceção das necessidades educativas dos anos 2020, que nunca necessitaram de se preocupar com gravidezes fora de tempo, agindo para que pais objetores de consciência possam impedir às filhas os conhecimentos indispensáveis para não contraírem doenças sexualmente transmissíveis nem engravidarem sem desejarem. (Aos rapazes também, claro. Mas, apesar de tudo, o conhecimento da existência de preservativos é mais generalizado. A sexualidade feminina é mais complexa. E os rapazes não engravidam.) 

O segundo reparo que faço é a hipocrisia. Objetam à Educação Sexual obrigatória. No entanto, a lei que a tornou obrigatória é de 2009. Segundo me lembro, entre 2011 e 2015 houve um Governo liderado por um senhor chamado Passos Coelho. Era presidente Cavaco Silva. Curiosamente, os mais sonantes signatários da petição. Curiosamente, quando lideraram a política nacional não fizeram nenhuma alteração legislativa tornando a Educação Sexual facultativa. Por que razão? Mudaram de princípios ou é só oportunismo pelas crescentes ideias ultraconservadoras da extrema direita? Ou não estão acima de usar temas essenciais para a educação dos jovens como arremesso da politiquice? 

O terceiro reparo é a mentira. O setor que pede – mas só agora que o Governo é socialista – Cidadania e Desenvolvimento facultativa garante que de modo nenhum querem privar os seus rebentos dos conteúdos. Até falam com eles em casa de tudo isso. Bom, é falso. Como é evidente, os pais não têm a informação necessária para transmitir os conhecimentos técnicos sobre sexualidade. Nem as mulheres, que normalmente estão a par do assunto contracetivos, têm informação que chegue para muito mais que uma conversa superficial. Ou formação pedagógica para transmitirem a dose de conhecimento certa a cada idade. Donde, o resultado seriam filhas e filhos obtendo a (des)informação através da pornografia da internet. 

O quarto reparo vai para a alegação de ideologia. Qual é a ideologia de informar que a homossexualidade não é uma doença? Qual a ideologia de explicar aos adolescentes como funciona o seu sistema reprodutor? Os ciclos ovulatórios das mulheres tornaram-se marxismo cultural? Em que parte é ideológico ensinar – de um assunto com abundante pesquisa científica – que os preconceitos de género são o fator determinante nos menores ordenados das mulheres e na sua exclusão dos lugares de poder? 

Ideológicos são os que se opõem à disciplina de Cidadania: pretendem manter as mulheres e os gays e os transexuais vítimas de discriminação e violência; insistem em controlar (pela ignorância e pelo medo de uma gravidez) a sexualidade feminina. Isto, sim, é ideologia – e da má. 

Só se compreende o argumento da ideologia na medida em que parte da direita atualmente vê as alterações climáticas como assunto ideológico. O uso das máscaras na prevenção do contágio da covid como promoção do totalitarismo. E mais uns tantos exemplos esotéricos. 

Não, não é ideologia informar os adolescentes sobre os seus corpos e a sexualidade saudável. É, pelo contrário, um direito deles que objeções de consciência parentais não podem varrer. Como também cabe no direito à educação serem expostos à necessidade de aceitação e tolerância do diferente, tanto de cor de pele como de orientação e identidade sexual. E ainda conceitos fundamentais como o que é o consentimento sexual. 

É este o meu quinto reparo: a desconsideração absoluta deste movimento conservador pelos direitos dos adolescentes e, igualmente, pelos direitos das mulheres e das pessoas LGBT – desde logo o direito de viverem livres de violência e usufruindo das mesmas liberdades e oportunidades. Felizmente, a sociedade civil já começou a responder e com as armas eficazes: números massivos (o manifesto pela Educação para a Cidadania em poucos dias tem mais de seis mil signatários) e a diversidade de sexos, de raças, de proveniências, de ideias políticas, de religiões, de idades que de facto espelha a sociedade portuguesa atual.» 

8.9.20

Disto não temos por cá (8)



Joya de Cerén («A Pompeia das Américas»), El Salvador, 2014

Podia fazer uma série só sobre os Maias, tantos foram os locais onde estive em vários países da América Central. Mas escolho Joya de Cerén onde se encontra um dos mais importantes patrimónios arqueológicos de El Salvador, sobretudo porque apenas aqui, tal como em Pompeia, podem ser observados pormenores da vida quotidiana – neste caso dos Maias –, até ao início do século VII d.c. 

Por volta do ano 600, uma erupção do Vulcão Loma Caldera destruiu completamente o local que ficou coberto por três metros de cinzas até ser descoberto em 1976. As escavações foram interrompidas por causa da guerra civil, mas retomadas entre 1989 e 1996. Tipicamente, as casas familiares tinham duas divisões, onde se vêem camas de pedra, sendo cozinhas e outras áreas usadas comunitariamente. Muito interessante!



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Vicente Jorge Silva



Morreu hoje este excelente jornalista que, entre muitas outras funções, foi o primeiro director do Público. Pois este jornal não achou nada melhor para o «homenagear» do que repescar a mais polémica de todas as suas crónicas –«Geração rasca?» –, escrita em 1994, durante uma crise académica que marcou toda uma geração. Por ignorância, estupidez ou vingança? Vá lá saber-se!
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Presidenciais 2021


«Há quem esteja apostado em afunilar as próximas eleições presidenciais numa disputa com o candidato da extrema direita. Como se viu hoje mesmo, é isso que ele mais deseja. Dar-lhe esse prémio é um erro colossal.»

José Manuel Pureza no Facebook
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Os dias do Orçamento



«Até às próximas eleições parlamentares, cada orçamento vai contar com uma considerável dose de dramatismo político próprio das oportunidades perdidas. Se há exemplo de saídas de sendeiro, a condução política que o Governo fez deste orçamento é o melhor exemplo que se poderia encontrar nas actuais circunstâncias. A partir da altura em que o PS declarou que está fora de causa um entendimento político com o PSD, o orçamento transformou-se numa manifestação privilegiada das propostas que os partidos situados à esquerda do PS têm quanto ao que vêm defendendo desde que, pelo menos, os acordos de 2015 criaram um conjunto de oportunidades que prometiam condições da vida democrática bem melhores do que as que temos vivido nos últimos tempos.

Embora o orçamento acabe por ser aprovado com todos os avanços e recuos do Governo, cabe a vez ao BE e ao PCP tornarem as suas exigências condições para verem concretizadas grande parte das suas propostas, e pelas quais se têm batido, tanto nas palavras como nas acções. A verificarem-se recuos, eles só poderão ser fruto das condições próprias de uma negociação, mas em que nenhuma das partes é inferior à outra. Contudo, as negociações que se vão seguir com aqueles partidos irão decorrer, nas actuais circunstâncias, num ambiente próprio de uma troca de argumentos mais tenso do que o habitual, e deverão ser muito mais do que que um cerimonial já escrito e decidido.

As movimentações políticas que se têm vindo a assistir, com o Presidente da República, uma vez mais, a procurar influenciar o desfecho do que aos partidos políticos diz exclusivamente respeito, é prova de que os muitos milhões que o orçamento representa, somados aos milhões que Bruxelas decidiu colocar à disposição dos governos, são a causa de tanta turbulência política. Porque a razão principal para aproveitar as condições de aprovação deste orçamento é a satisfação de grande parte das necessidades que se têm mantido prisioneiras mais do acessório do que do fundamental, mais dos grandes interesses do que das condições de vida das pessoas, assistindo-se ao seu apodrecimento nos gabinetes dos ministérios. Toda esta situação tem responsáveis e um histórico político. São conhecidos e não vamos regressar a eles. Mas esses milhares de páginas de promessas não podem nem devem representar o argumento para tudo ficar na mesma.

O orçamento passou a ser, nas actuais circunstâncias, a prova da sinceridade com que as esquerdas se têm de apresentar aos eleitores. Por isso, cabe sobretudo ao PS dar os passos indispensáveis para que o orçamento para 2021 represente uma resposta ao tanto que há a fazer e que até agora se tem mantido na sombra das escolhas políticas. PS, BE e PCP continuam a representar a maioria eleitoral representada na Assembleia da República. Porém, é manifestamente insuficiente que o secretário-geral do PS mostre disponibilidade para replicar a aritmética de 2015. Porque, agora, já não se trata tanto de somar o número de deputados, e depois logo se vê, trata-se de dar a essa soma a qualidade programática que esteve deficitariamente presente na solução então encontrada. Agora trata-se de ir mais além, muito mais além, e o PS deve, por isso, mostrar que está disposto a abdicar das tradicionais cedências aos grandes interesses e virar-se para os milhares de trabalhadores que vivem do seu trabalho.

Encontrar soluções com aqueles empresários que contribuem para a riqueza nacional é bem diferente do que até agora tem sido a linha política do PS. Os empresários, quer pelo seu estatuto económico, quer pelo poder que detêm na qualidade de detentores dos mecanismos que têm limitado as margens por onde o rio deve passar, terão de desempenhar o seu papel social: geradores de riqueza para ser investida no bem-estar social. Esta deve ser uma das condições da solução política que o secretário-geral do PS afirma agora tanto desejar.»

Cipriano Justo

7.9.20

Disto não temos por cá (7)



Hanói, Vietname, 2009

Pouco depois de aterrar em Hanói, levaram-me para o centro da cidade, onde o trânsito era o que se vê. O que não esperava era o susto que apanhámos quando nos meteram numa série de tuc tucs, que, lentamente, nos introduziu no caos. E o mais extraordinário é que tudo se passou na maior das calmas, sem a mínima arranhadela.

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A abjeção de eterno retorno


Ainda a propósito da polémica sobre a disciplina de educação pata a cidadania, aconselho a leitura DESTE TEXTO de Fernanda Câncio.

Um excerto:

«Mete sexo? É com os pais. Não surpreende ver sob estas palavras as assinaturas de prelados e reconhecidos fundamentalistas católicos, como não surpreenderia ver a de fundamentalistas muçulmanos - os pais das meninas suíças impedidas de nadar assinariam de cruz. Mas encontrar ali um ex-presidente da República (Cavaco), um ex PGR e juiz do Supremo (Souto de Moura) e um ex primeiro-ministro (Passos), todos da democracia e portanto da obediência à Constituição em vigor e à legislação europeia, não pode deixar de chocar.

É que, como se lê na muito resoluta resolução do Conselho de Ministros chefiado por Passos que em 2013 aprovou o V Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não-discriminação 2014-2017, "é tarefa fundamental do Estado promover a igualdade entre mulheres e homens, sendo princípio fundamental da Constituição da República Portuguesa e estruturante do Estado de direito democrático a não-discriminação em função do sexo ou da orientação sexual."

Princípio fundamental e estruturante mas opcional, será? Parece que não: "A prossecução de políticas ativas de igualdade entre mulheres e homens é um dever inequívoco de qualquer governo e uma obrigação de todos aqueles e aquelas que asseguram o serviço público em geral." (…)

Poderá Passos, como poderão Cavaco o ex-ministro da Educação David Justino, também signatário do manifesto - e que em 2004, enquanto titular da pasta, defendeu que a educação sexual deveria fazer parte, incluída "num conjunto de questões ligadas à educação para a saúde e cidadania", de uma disciplina obrigatória ao longo de sete anos -, alegar que mudou de ideias. Que afinal as discriminações não devem ser combatidas pelo Estado, que a legislação europeia deve ser ignorada, que a defesa da igualdade na escola é só se os pais quiserem e que se a sociedade portuguesa é permissiva face à exclusão de pessoas, incluindo crianças, por causa da sua identidade de género e orientação sexual, ou se os estereótipos de género continuam a penalizar muito as meninas e mulheres - como a resolução citada reconhece - olha, azar.

Pode Passos, como podem Cavaco e Justino, até defender a "imediata revogação das leis de igualdade de género", à imagem do partido que está a marcar-lhes a agenda. Podem, em inconsciência ou consciência, objetar à Constituição. Podem isso tudo - e nós sentir abjeção.»
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Ano lectivo 2020 / 2021


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Compromissos de esperança



«Os portugueses e o país beneficiarão muito se, no quadro da discussão do Orçamento do Estado para 2021 e para um horizonte mais amplo, o Partido Socialista (PS) e os partidos à sua Esquerda forem capazes de fixar, com respeito recíproco, as linhas vermelhas do posicionamento de cada um e, a partir daí, trabalharem propostas geradoras de esperança.

A responsabilidade por tal empreitada reparte-se por todos, mas ao PS, que é maioritário e Governo, cabe a fatia maior. E não haverá exercício de ilusionismo, encenação de ruturas, ou sacudidela de água do capote que o possa isentar dessa obrigação.

Escrevi, neste espaço, no dia 4 de outubro de 2015, dia das eleições para a Assembleia da República donde emergiu a tão importante solução política e de Governo que enchem anterior legislatura: "Não tenhamos medo dos debates, do conflito de posições, da necessidade de mais negociação e da criação de compromissos novos". Nessa altura esse exercício impunha-se porque eram precisos "passos inovadores para corresponder aos apelos dos cidadãos", submetidos a uma austeridade injusta e estéril. Porém, os problemas com que Portugal se depara hoje e as dificuldades com que a maioria das pessoas se debate são, infelizmente, de maior dimensão que em finais de 2015.

No plano mundial as dinâmicas em marcha aceleram desigualdades e aumentam a especulação financeira. Da União Europeia não virão apoios que correspondam à imensidão das necessidades de que o país carece. Por outro lado, nos últimos cinco anos a matriz da nossa economia não evoluiu. O desemprego vai ser tão ou mais grave que na anterior crise e é enorme o número de trabalhadores sem acesso a subsídio de desemprego. Estes factos e a continuação de uma proteção social frágil farão disparar a pobreza. No plano político nacional, a extrema-direita foi penetrando na sociedade e arrasta a Direita, no seu todo, para políticas mais conservadoras e retrógradas. Marcelo Rebelo de Sousa, que tem largas possibilidades de ser eleito para um segundo mandato, já iniciou as guinadas que por certo o situarão bem na Direita.

Um Governo de centrão, agindo concertado com uma Presidência dos afetos, constituiria, no quadro em que estamos e vamos viver, a solução política perfeita (porque adocicada) para impor brutais políticas de austeridade, de submissão das pessoas, de retrocesso, de enfraquecimento da democracia. É, pois, imperioso aumentar-se a exigência de convergências e compromissos entre as forças da Esquerda.

Espera-se, com confiança e para bem dos nossos interesses coletivos e da democracia, que a festa do Avante corra bem e se possa esvair, a partir de amanhã, a histeria (em grande parte anticomunista primária) que se desencadeou a pretexto da sua realização e que, entre outros efeitos, tem servido para secundarizar o debate dos temas políticos prementes. Para se proteger as pessoas e implementar a atividade económica urge reajustar condições e capacidades das escolas, reajustar e reforçar o Serviço Nacional de Saúde, estruturar garantias para as pequenas e médias empresas e gerar-lhes confiança, pôr em marcha políticas laborais e salariais que travem oportunismos de redução de salários ou de eliminação de direitos fundamentais.

Como se provou na anterior legislatura é pela Esquerda que se pode gerar esperança e confiança no futuro.»

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6.9.20

Disto não temos por cá (6)



Metéora, Grécia, 2016

Em Metéora, na Grécia Central, encontra-se um dos mais importantes conjuntos de mosteiros bizantinos, apenas ultrapassado pelo Monte Atos. Cravados na rocha, mais ou menos suspensos, hoje são seis, já foram mais de vinte. Vi dois, de monjas: Ágios Stéphanos e Roussanou Só se visita as igrejas, cheias de belos ícones, mas, infelizmente, é proibido fotografar o que quer que seja.

Não se conhece exactamente a data da fundação de Metéora (a palavra significa «suspenso no ar»), mas pensa-se que os primeiros eremitas se instalaram nesta espécie de cavernas no século XI. Absolutamente impressionante pelas características do terreno!




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Mudam-se os tempos?



Bem me parecia que podia haver razões para Marcelo andar um pouco mais nervoso do que é habitual e esta pode ser uma delas. O Jornal de Negócios divulga todos os anos uma lista dos 50 «Mais Poderosos» em / para Portugal (seja lá o que isto queira dizer…). Marcelo ocupava o 1º lugar há três anos, mas cedeu-o agora a Costa.

A lista dos 50 pode ser vista AQUI.
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O obscurantismo pula e avança



Este texto é recente e o autor é pároco em Alcobaça.
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Fantasia e realidade nas eleições presidenciais



«Talvez mais do que qualquer outra, a eleição presidencial é terreno propício ao surgimento de candidaturas circunstanciais (em 2011, Coelho teve 190 mil votos; em 2016, Tino ficou só a 30 mil votos do candidato do PCP), ao erro das sondagens (em 2016, antecipavam 18% para Maria de Belém e 1,9% para Marisa, quando o resultado final foi 4,2% e 10,1%) e ainda a estratégias avulsas. Nada disso sobra quando passa o tempo, implacável como é. Por isso, antes de serem apresentadas candidaturas que contam, supondo que o serão proximamente e ficando para novembro a certeza da recandidatura de Marcelo, sugiro algumas reflexões.

A primeira é a mais óbvia: que esta eleição disputa ideias para Portugal, mas não o resultado final. É convenien¬te que se tirem as conclusões desta evidência: fingir que há uma incerteza dramática será o mais deficiente dos incentivos eleitorais. A eleição é importante não por decidir o que está decidido, o Presidente do próximo mandato, mas antes por ajudar a situar os braços de ferro que hão de fazer a vida social. Melhor será levar a sério o que a eleição representa mesmo, uma forma de olhar as dificuldades estruturais de um país com défice de liderança social, com uma economia atravessada por dependências e amarrado a um estado insuficiente nos cuidados essenciais, ineficaz na sua gestão e vulnerável aos interesses corruptores. Por isso o que importa é o que as candidaturas respondem à crise económica, ao futuro das políticas sociais e de como a nossa democracia representará os excluídos, ao liberalismo agressivo que dita regras europeias, à ‘trumpização’ da política.

A segunda é a mais pesada: que não há uma candidatura unificadora da esquerda. Não há um Jorge Sampaio. E o povo não o exige. Todos sabemos que Marcelo ganhará e, com ele, a ideia de um Presidente de direita que coopera com Costa. É por isso que os votos dos eleitores do PS parecem ser-lhe tão fiéis. Desmontando a conflitualidade cavaquista, o atual Presidente ocupou esse espaço sem ser contrariado. No desgaste que o prolongamento da crise social impõe, está mais resguardado do que o Executivo, que por isso tem vantagem em manter a parceria. Neste contexto, pretender que o que está em causa é a exigência de uma “unidade da esquerda” soa a montagem artificiosa: não existe personalidade que a una, a massa dos eleitores de esquerda não vê a que caso ela responderia, e pedir a Costa que apresente candidatura é ficção, bem como pedir ao PCP ou ao Bloco que desistam é chantagem. Todas as candidaturas de esquerda serão tribunícias, como agora se diz; nenhuma será tocada pelos anjos, e melhor seria que não se sobrepusessem.

A terceira é que há uma disputa à direita e, se esta é uma oportunidade conveniente para Ventura, não será uma esquerda que imite os seus temas que o atrapalhará. Essa candidatura, se existisse, seria de duvidoso resultado. Suponho até que não gostaríamos de assistir a tal espetáculo. Este é um confronto à direita, e é mesmo Marcelo quem o enfrenta, pela simples razão de que o eleitor radicalizado pelo ressentimento contra os ciganos poderá ser sensível a alternativas institucionais mas não responde à recusa dos termos do ódio. A esquerda não precisa de campeões de bate-boca, precisa de saber onde está o seu alvo, que é garantir segurança e proteção aos aflitos da crise. Por isso a fantasia seria desviar a atenção: para definir respostas consistentes para a gente, o medo do desemprego é mais importante do que os fogos de artifício dos venturistas. Mesmo nas presidenciais.»

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