«De pouco nos vale o contentamento de termos salvo o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de si próprio, a expensas de uma pandemia que tirou o chão a todas as convenções e protocolos, se não tivermos aprendido uma lição fundamental: o país não pode esquecer-se novamente dos doentes que ficaram esquecidos. Dos largos milhares de portugueses não atingidos pela covid mas privados de consultas, tratamentos, cirurgias, internamentos, carentes de um simples aconselhamento médico, em demasiados casos órfãos de uma mísera prova de vida do outro lado do telefone.
É natural e desejável que a máquina da saúde se acautele para o inverno que pode fazer despontar uma tempestade perfeita, quanto mais não seja porque continuamos a caminhar sobre o arame escorregadio das projeções. O regresso às aulas, ao trabalho, aos transportes públicos lotados e o impacto de uma sempre imprevisível gripe sazonal são desafios que se tornaram ainda mais exigentes num contexto de tão elevada transmissibilidade do vírus em que desgraçadamente nos encontramos.
Mas uma coisa é adaptarmos o sistema à experiência adquirida e ao pior cenário, outra é fazê-lo de uma forma tão obstinada que acabará por resultar numa disformidade ainda maior. Nunca como agora foi tão clara a relevância de uma saúde pública acessível a todos. Mas os mais recentes números sobre os que ficaram para trás são alarmantes: menos 986 035 consultas nos cuidados primários, menos 16,8 milhões de atos médicos, menos 998 mil consultas externas hospitalares, menos 99 mil cirurgias. Se a atividade programada voltar a ser suspensa, será o caos. Por isso, a mensagem de que o Estado está preparado para responder a uma segunda vaga não pode sobrepor-se à ideia de que o SNS se esgota nessa resposta. As portas têm de continuar abertas para todos os outros. Salvar o sistema é salvar os doentes. Todos os doentes.»
0 comments:
Enviar um comentário