10.9.16
Chile, Golpe de 1973: um documento histórico
No dia 9 de Setembro de 1973, José Toribio Merino escreveu uma carta aos generais Gustavo Leigh e Augusto Pinochet, na qual é indicada a data e a hora para o golpe de Estado de 11 de Setembro.
9/Sept/1973
Bajo mi palabra de honor, el día 'D' será el 11 de setiembre y la hora 'H', la hora 6. Si ustedes no pueden cumplir esta fase con el total de las fuerzas que mandan en Santiago, explíquenlo al reverso.
El Almirante Huidobro - vea usted, señor Presidente, ¡qué apellido! -"está autorizado para tratar y discutir cualquier tema con ustedes. – Les saluda con esperanza y comprensión,
Merino.
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Dica (385)
O muro da estupidez. (David Pontes)
«A Europa onde eu cresci era a Europa que ostentava o muro de Berlim como a ferida em aberto de um século XX sangrento que urgia curar. A Europa em que envelheço é o continente onde crescem os nacionalismos, o populismo anda à solta e os muros multiplicam-se.»
. O uso do historicismo para justificar o «ajustamento»
José Pacheco Pereira no Público de hoje:
«É cada vez mais comum a utilização de argumentos de carácter histórico para justificar o “não há alternativa” do presente, ou seja a política do “ajustamento”. Todas as semanas eles são repetidos em comentários políticos, descrevendo um país preso nos atavismos de uma história multissecular, que o amarra no seu atraso e que explica a resistência às “reformas”. Estes argumentos funcionam como um diagnóstico que aponta os “maus” e os “bons”, os que fazem parte do Portugal imobilista e os que o querem a “desenvolver-se”. É também uma espécie de ”luta de classes” com outro nome, como é óbvio, e com outras “classes”. (…)
Na verdade, não se trata de história mas de historicismo, e de mau historicismo. São argumentos instrumentais para a luta política dos dias de hoje, não têm valor como interpretação histórica, quando muito são manifestos políticos de qualidade variada. Para além desse papel na luta política actual, que justifica ser discutida de per si, eles tem o efeito nefasto de divulgar uma espécie de história fast food, simplificada ao limite, e que depois impregna argumentários que se caracterizam exactamente por iludir a história, ou melhor o tempo histórico como mudança. São argumentos conservadores, destinados a impor às democracias uma noção da história que não depende da vontade e da escolha humana no presente, e que demoniza sempre o presente ou em nome de um passado atávico, ou de um futuro pré-escrito. O seu papel é condicionar as escolhas numa democracia a uma interpretação monolítica dos “males” do país e legitimar políticas no presente. (…)
No caso actual, dizem-nos que o único meio de sair deste passado que nos aprisiona é uma purga nacional, uma espécie de acto punitivo e doloroso, que nos últimos anos se chamou de “ajustamento”. O “ajustamento” destinava-se a fazer voltar o estado, o povo, as elites a um estado natural de “pobreza”, que é o que é Portugal, um país “pobre”, e que foi “desonrado” pelas suas elites, que criaram uma riqueza artificial para o seu próprio usufruto, garantindo assim que, “vivendo acima das suas posses”, o país permanecesse “estagnado”.(…) Não por acaso teria que ser um processo longo, de décadas, e não poderia ser afectado pelas escolhas eleitorais, que estragariam tudo, como parece que estragaram. Tinha uma componente punitiva do “mal” e de abertura de oportunidades para os “bons”. Era e é um caminho tendencialmente autoritário, para pôr na ordem os conflitos sociais. (…)
As elites são hoje descritas em termos de “interesses corporativos” (curiosa a utilização da palavra) e incluem a elite política (principalmente as dos partidos de esquerda e no limite a do PSD da “meia branca”, ou seja o de baixo, porque o de cima faz parte dos “bons”), os sindicatos e os funcionários públicos e os empresários do “sistema”, ou seja aqueles que não se reciclaram de acompanhantes da corte de Sócrates, para Passos Coelho, que aliás são poucos. Aquilo que em Portugal são os grandes interesses económicos, aquilo a que Portas erradamente chamava o “velho dinheiro”, na verdade incluindo os Espírito Santos (e o “PSD em que me revejo, o de Ângelo Correia”, como uma vez disse Portas), esses pelos vistos não fazem parte da elite malfazeja, o que os poria ao lado da CGTP. Excluída dessa elite, está também o “círculo de confiança” do poder económico e político, dos jornalistas “bons” aos advogados de negócios, aos “empreendedores” do Compromisso Portugal, ou seja, essa elite acaba por ser nos dias de hoje o PS, o PCP, o BE, os malvados críticos de Passos Coelho no PSD, a CGTP, os professores da FENPROF, os funcionários públicos e os reformados e pensionistas. E os seus antepassados históricos, os revolucionários liberais, os setembristas, os rotativos, os republicanos, a carbonária e a “formiga branca”, o Buíça e o Costa, a oposição pró-comunista à ditadura (e não era quase toda?), os esquerdistas de 68, os capitães de Abril, e os políticos da democracia acabando no “monhé”.
Estão a ver para que serve esta “história”? Percebe-se, não é verdade?»
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9.9.16
Nova sondagem: um problemazinho, dr. Passos Coelho
«Entre Julho e Setembro os socialistas aumentaram em 5,1 pontos percentuais a vantagem sobre o PSD. A sondagem da Aximagem mostra que em Setembro o PS lidera com 39,8% das intenções de voto, quase mais 10 pontos do que os 30,1% alcançados pelo PSD. Além dos socialistas, só o Bloco de Esquerda cresceu face a Julho.»
Sondagem Aximage.
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Depois
Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.
Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.
Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e se é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança
se recolhem também sob
lembranças extenuadas?
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas,
e de poços, e de portas entreabertas,
e sonham no escuro
as coisas inacabadas.
Manuel António Pina, in Poesia, saudade da prosa.
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Dica (384)
El TTIP tal vez esté muerto, pero nos espera algo peor. (George Monbiot)
«Los gobiernos y los lobistas de las grandes corporaciones buscan nuevas formas de blindar la privatización y esquivar el proceso democrático.»
. Um calor de santanás
«A previsão foi feita no início da "silly season", Passos disse aos seus seguidores: "Gozem bem as férias que em Setembro vem aí o Diabo."
Desde a primeira vez que vi o exorcista e o vestido de kiwis da Assunção Cristas, que não me sentia tão assustado. Passei Agosto atento aos indícios que anunciam a chegada da Besta, mas na verdade não imagino maior inferno que umas férias na Manta Rota com Passos Coelho e três caniches. (…)
Há várias razões que podem justificar o aparecimento de Mefistófeles em Setembro no nosso país, e vou excluir os cruzeiros e o crescimento do turismo. Temos de ser honestos, o Inferno, nesta altura do ano, não pode competir com a temperatura na Amareleja. Podemos incluir nesta lista a suposta cobrança de IMI das igrejas. Lúcifer, uma invenção da Igreja Católica, teria de se manifestar mais tarde ou mais cedo caso tivesse de pagar imposto pela cave que lhe foi atribuída.
Passos deixou de fazer papos de anjo e começou a fazer missas negras. Pedro apela à Besta que apareça, mas Schäuble não lhe atende o telefone. Está disposto a vender a alma ao Diabo, apesar de a proposta dos chineses ser melhor. Mas tal como - "ninguém quer investir num país governado por comunistas" - o Diabo torce o nariz a este Fausto, adepto da austeridade. (…)
Já lá vai o tempo em que as avaliações da troika eram o décimo céu, e até o Presidente da República atribuía à intervenção divina de Nossa Senhora a nota positiva dos cavaleiros do apocalipse. Esse mundo de esperança e luz acabou. O líder do PSD decidiu apostar tudo no preto. Meteu as fichas todas no maior número de desgraças na esperança de ser feliz. Quer que o mundo acabe antes que acabem com ele - "ou o mundo cai, ou cai a tua liderança no partido". O maior problema de Passos não é o constante adiar da vinda do Demónio, é a pressa dos que querem fazer um exorcismo na liderança.»
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8.9.16
Grécia. Na véspera de uma cimeira dos países da Europa mediterrânica
«“Hoje temos um Norte que acumula excedentes e um Sul que sofre com défices pesados. Não haverá convergência europeia enquanto houver tais disparidades”, diz o primeiro-ministro grego, concluindo que a Alemanha não pode continuar “a comportar-se como uma caixa de poupança com excedentes orçamentais excessivos”.
. Brasil, António Costa e «estados de alma»
«Leio que a crítica do Bloco de Esquerda à inoportunidade do encontro de António Costa com Michel Temer é um "estado de alma" irrealista no mundo da diplomacia. E penso: ainda bem que houve irrealistas que deram voz na diplomacia ao estado de alma que se comprometeu com a luta pela independência de Timor.»
José Manuel Pureza no Facebook
. O feice e o martelo
Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:
«As redes sociais são a grande vitória ideológica e a grande derrota comercial das revistas cor-de-rosa. Ideologicamente, as revistas ganharam: a ideia de que a vida privada deve manter-se privada, de facto, acabou. (…) Não parece ser bom negócio pagar por uma publicação que promete revelações sobre a intimidade dos famosos quando eles a exibem gratuitamente no chamado feicebuque.»
Na íntegra AQUI.
. Rajoy e a fábula do ex-ministro Soria no Banco Mundial
«Espanha política continua a deslumbrar-nos todos os dias. Já não basta estar há quase um ano à procura de um Governo que não seja de gestão. Agora Mariano Rajoy embrulhou-se num caso que levou a uma rebeldia dentro do PP.
José Maria Soria foi ministro de Rajoy. Apanhado em falso, por ter contas "off-shore" não declaradas, teve de se demitir. Mas agora o Governo, num processo de concurso público não existente, nomeou-o para director do Banco Mundial. O clamor foi tanto, especialmente depois do pacto PP-Ciudadanos, para a transparência política, que Soria se demitiu do cargo para o qual fora nomeado. No El País, Manuel Jabois escreve: "Com mentiras privadas pode ganhar-se muito mais; com as públicas detectadas pela sociedade, é difícil que se bata um recorde assim (226 mil euros livres de impostos), especialmente quando ela é promovida pela mesma instituição de onde teve de se demitir." O escândalo atravessou toda a sociedade espanhola e Rajoy foi obrigado a fazer o que mais sabe: calar-se.
No El Mundo, Lúcia Mendez, não cala o desconforto existente: "Este episódio passará a fazer parte da 'Guerra dos Tronos' do governo de Rajoy. Como se, na verdade, houvesse governo de Rajoy." Este sacode a água do capote. Diz a jornalista: "Ainda que Mariano Rajoy tenha sido explícito na hora de defender que a nomeação do seu ex-ministro era tão lógica como a regra de três e tão justa que não se podia duvidar, os 'hooligans' do presidente do PP passaram a culpa para De Guindos (o ministro das Finanças)." E assim Rajoy safa-se, sacudindo as responsabilidades para os seus colaboradores. E José Oneto, jornalista antigo que passou muitos anos no grupo Zeta, na República das Ideias é demolidor: "A renúncia fechou por momentos um dos casos mais vergonhosos com que se tentou enganar a opinião pública." Resta saber se ficará tudo igual.»
Fernando Sobral
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7.9.16
Os «golpes de calor» e os militares
Já foram hospitalizados 11 militares, um dos quais morreu. Alguém acha normal que «apesar das baixas», o curso não tenha sido interrompido?
Em que país vivemos nós?
. Da Europa dos direitos à Europa dos muros
21 milhões de euros para um muro com quatro metros de altura e pintado com flores, ao longo da estrada que dá acesso ao porto de Calais.
Isto vai acabar mal e não só para os refugiados.
. Dica (382)
# sim vai ter Costa. (Miguel Guedes)
«Hoje é o dia que António Costa escolheu para se reunir com o recém-empossado e golpista presidente do Brasil, Michel Temer. (…) O processo de destituição de Dilma Rousseff decorreu na praça públic(Miguel Guedes)
a e o assalto final ao poder por Temer era de tal forma previsível que até tinha data marcada. Não se pode alegar desconhecimento ou imprevidência. E não sendo um caso de inabilidade política, o que está em causa é a vontade.»
. A Lisboa de Medina
«Honoré de Balzac era um grande sonhador. Mandou construir um palácio que nunca habitou, mas este acabou por ser a fonte da sua ruína financeira. Fernando Medina tem sonhos mais modestos: tornou Lisboa num estaleiro e agora não sabe o que fazer com o caos criado.
É uma opção política tão legítima como qualquer outra. Mas com custos políticos bem maiores que o investimento que está a ser feito nestes últimos meses por "motivos burocráticos", como tentou explicar aos ingénuos habitantes da cidade o inamovível Manuel Salgado.
É certo que os portugueses são conhecidos por terem a memória curta e talvez alguns acreditem que, deslumbrados pela previsível sucessão de inaugurações que irão atropelar-se nos meses anteriores às eleições autárquicas, os lisboetas que ainda conseguem viver em Lisboa iriam correr para votar em Fernando Medina.
Esquecendo um ano de obras sem fim, feitas todas ao mesmo tempo, que podem ter alguma bondade subjacente, mas que tornam a vida na capital um inferno na terra. Porque Fernando Medina tem de ter a noção de que, com serviços cruciais sofríveis como o que Metro (em Agosto poderia fechar, porque simplesmente finge que funciona) e Carris fornecem, a Disneylândia só existe na Baixa para turista ver. Lisboa tem neste momento um problema maior: os cidadãos estão a ser empurrados para fora dela, devido à pressão do preço do imobiliário e do arrendamento.
Qualquer dia estas obras servirão para fantasmas. Talvez tenha sido um auxílio dos deuses alguém ser consultor e fornecedor da 2.ª Circular ao mesmo tempo. Para a CML as poder parar. Porque com essas obras em pleno, Fernando Medina até perderia com o Pato Donald para a CML. Mas vão ser ainda demasiados meses de obras por toda a Lisboa para que elas não caiam no lombo de Medina e o magoem politicamente. O que mostra, como em muitas outras coisas, uma falta de clarividência táctica notável. Balzac tinha um grande talento para criar personagens. Algumas eram mais reais do que o seu autor. Mas Fernando Medina não faz jus ao seu criador.»
Fernando Sobral
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6.9.16
Brasil: Não havia necessidade, dr. António Costa
«No respeito pela soberania do povo brasileiro e sem prejuízo das relações que ligam os dois Estados, o Bloco lamenta o inoportuno encontro marcado para amanhã entre o primeiro-ministro António Costa e Michel Temer, um político que chega à presidência da República do Brasil sem legitimidade e a braços com a justiça. Este encontro vem na sequência de declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, no sentido de uma legitimação do novo governo brasileiro, das quais o Bloco também se demarca claramente. A deslocação do primeiro-ministro, anunciada em apoio aos atletas portugueses nos jogos paralímpicos, é uma iniciativa louvável mas que não aconselha nem justifica o encontro com Michel Temer.»
. Dica (381)
O pacto. (José Manuel Pureza)
«Não há consenso possível entre as opiniões que defendem uma Justiça manietada pela austeridade e as que defendem o reforço de meios e de alcance da Justiça.»
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Mundo cão é isto
Um terço dos habitantes de uma cidade onde vivem 6 milhões de pessoas foi «convidados a deixá-la num longo período de férias, com fábricas fechadas e dissidentes em prisão domiciliária.
. Marcelo e Elena Ferrante
«É uma revolução cultural na política e na sociedade que Marcelo pretende. Contra governos incultos.
Muitas vezes os políticos portugueses fazem piruetas em volta da cultura. Não tendo a graciosidade dos dançarinos dos "Ballet Russes", estatelam-se no soalho. Especialmente por omissão face àquilo que se costuma reconhecer como determinante para a saúde de uma sociedade democrática e que é, ao mesmo tempo, um valor económico. Talvez por isso Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu, elegantemente, a António Costa e a Passos Coelho a leitura dos livros de Elena Ferrante. Porque, referiu, este tipo de leitura melhora o "enriquecimento cultural" da classe política, coisa que todos sabemos é deficitária.
A sugestão de Marcelo não é inocente. Sabe que o gosto pela cultura não floresce por milagre na sociedade portuguesa. Nem a classe política a engole porque saiu num pacote da Farinha Amparo. O resto da mensagem veio depois: "eu não entendo que se possa ser governante sem se apostar na cultura".
Claro que Marcelo sabe: a cultura é uma espécie de gambozino dos Governos; acende em noites quentes. Marcelo acerta em dois alvos: pede aos políticos para olharem mais para a cultura e para serem mais cultos e incentiva os portugueses a lerem a autora, cujas obras são mais do que as histórias de duas amigas. Ferrante fala de duas mulheres que durante décadas têm de lidar com a incerteza económica, com os favores políticos, o machismo, o crime organizado, o poder dos sindicatos e da Igreja frente a um Estado ausente, à injustiça e à pobreza.
Ferrante é hábil a transformar pequenos eventos pessoais em temas de reflexão pública. E é isso que Marcelo quer: os livros da autora italiana falam de uma sociedade que evolui de forma muito parecida com a portuguesa. Lendo-a, os portugueses podem questionar a sua própria vida e a da sociedade que os rodeia. É uma revolução cultural na política e na sociedade que Marcelo pretende. Mas isso choca com políticas seguidas exemplarmente por governos de direita e esquerda: os bilhetes de museus pagam 23% de IVA. Os livros são um produto de luxo. Cultura?»
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5.9.16
A nova santa de Calcutá e as crendices lusas
Além da crendice que esta notícia revela, mais do que as afirmações do doente entretanto curado, o que é extraordinário é que a Agência Ecclesia, órgão oficial da Igreja cá do burgo, a publique e lhe dê relevo.
O obscurantismo soma e segue, como se não bastasse já a canonização de personagem tão duvidosa. A propósito, vale a pena ler, por exemplo: Santos no siempre ejemplares.
(As fotografias foram tiradas por mim na casa da santa, em Calcutá…)
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Dica (380)
Quem se atreve a tocar nas rendas da energia? (Jorge Costa)
«O Estado chinês, principal dono da EDP e da REN, encaixa todos os dias mais de meio milhão de euros vindos dos lucros destas empresas. Portugal acumula recordes europeus no preço da eletricidade e nos picos de mortalidade no Inverno. Muitos idosos não podem pagar aquecimento. A energia não é um mercado: um pequeno grupo de empresas privadas tem os seus lucros assegurados por consumidores obrigados a pagar cada vez mais. A maior urgência é social: podemos baixar já as faturas.»
. Programa político, o susto
«A base de apoio necessária para uma força política chegar ao poder pode conquistar-se pela credibilidade democrática de programas políticos estruturados e trabalhados de forma séria na sociedade, ou ser construída pela negativa a partir da gestação de retrações e medos, da criação de cenários propícios ao susto que atordoa as pessoas. Esta segunda via é a opção que a Direita portuguesa adotou e persistentemente está trilhando, podendo dizer-se hoje, sem dúvidas, que a produção contínua de sustos constitui o seu programa político. (…)
A Direita recorre constantemente a paralelismos abusivos e desonestos. Diz que o atual Governo é despesista e que a dívida não para de crescer, procurando assim encontrar pontos de contacto com a situação que precedeu a intervenção da troika. O crescimento da dívida é um facto. Mas a Direita esconde que foi o seu Governo a operar o maior aumento da dívida em relação ao PIB, em consequência das políticas que encetaram e fizeram colapsar a economia portuguesa. Hoje, parte significativa dos problemas económicos ainda resulta de continuarmos a viver as consequências dessa depressão. O sistema financeiro - cujos principais responsáveis, em 2010/2011, fizeram coro com a Direita na criação do cenário do caos, acusando o Estado e os portugueses de gastadores quando nos haviam andado a roubar - ficou de rastos e são os portugueses que pagam essa fatura, com resoluções e recapitalizações, que embora não contando para o défice, não deixam de engrossar a dívida pública.
A dívida cresce, mas não é por ter aumentado a despesa pública ou porque subiram os salários. O atual Governo deu importantes passos na reposição pontual de rendimentos e na reversão de algumas das mais dolorosas medidas de austeridade, mas com as imposições de Bruxelas os apertos não desapareceram. (…)
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Sobre a pressão mediática, dominada pela agenda da Direita, o Governo não pode deixar-se intimidar ou ignorar as justas reivindicações de muitas das áreas da sociedade portuguesa, a começar pela área do trabalho. O Governo deve, sem reservas (com equilíbrio e naturais precauções), construir alianças e novas capacidades de mobilização coletiva. O trabalho não é o único campo de alianças em que é preciso agir, mas é indispensável.
A estratégia do susto autossustenta-se e autoalimenta-se, mas esfuma-se quando emerge a disposição de vencer o medo.»
Manuel Carvalho da Silva
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4.9.16
Butão, o país da felicidade
Poupe os euros que gasta nos Algarves, as praias não fogem. Faça as férias que interessam.
(Vale a pena ver as 32 magníficas fotografias.)
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04.09.1970 – O dia em que Salvador Allende ganhou as eleições
Há 46 anos, Salvador Allende ganhou as eleições presidenciais no Chile.
Excertos do discurso:
Texto na íntegra AQUI.
Eduardo Galeano em Los Hijos de los días:
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Admirável mundo novo?
«Foi em 1932 que Aldous Huxley lançou um dos mais perturbadores livros do século XX, "Admirável Mundo Novo". O mundo do futuro viveria, segundo Huxley, num "fordismo" extremo.
Os seres humanos veriam satisfeitos todos os desejos, através de uma droga milagrosa. No fundo transformavam-se em máquinas de consumo e já não de trabalho. Há dias, num texto no New York Times, dissecava-se a opinião de Silicon Valley (o epicentro da revolução tecnológica americana e global). Ali se dizia que se alguns pensavam que a emigração, a globalização e o comércio estavam a contribuir para a revolta política e social era melhor esperarem para ver o resultado da robotização que iria mesmo substituir muitos empregos "iintelectuais".
Sabe-se que se assiste já uma deslocalização da Ásia dos salários baixos para a Europa e EUA. Mas ela não vai criar novos empregos. Os trabalhadores estão a ser substituídos por robôs. (…)
Em 1967, antes da Internet ter sido construída, Edmund Leach deu uma conferência na BBC em que dizia que: "os homens transformaram-se quase em deuses". Desde então a nossa civilização tornou-se refém da ciência e da sua evolução. E sobretudo da revolução das tecnologias de informação e das ligadas à saúde. (…)
Segundo alguns, aproximamo-nos de um outro momento culminante, depois da hegemonia da democracia liberal como forma de poder depois do colapso do regime soviético. Mas a grande ameaça à democracia parece agora vir da revolução das tecnologias de informação e das biociências.
A robotização acelerada é apenas o facto já visível desta mutação. Parece cada vez mais claro que os centros das nossas sociedades (individualismo, comércio livre, democracia, direitos humanos) estão a ser colocados em causa pelos "progressos" da ciência e da tecnologia. As escolhas de cada um são cada vez mais determinadas noutras esferas. Os algoritmos de empresas como a Google ou o Facebook conseguem muitas vezes determinar e impulsionar os desejos de cada ser humano antes dele se dar conta. Uma lógica de "vigilância" é já hoje comum neste nosso mundo de mobilidade extrema, onde os telemóveis se tornaram o centro de tudo.
Com todo este aparato tecnológico à nossa volta os seres humanos estão a ser dispensáveis como trabalhadores (e num futuro próximo como militares ou consumidores). Como se conseguirá manter contratos sociais assim? Num mundo de fluxos de "data" que interessará o valor da democracia ou da liberdade individual? Vivemos tempos de mutação. Sonhados em Silicon Valley, esquecidos nesta Europa caduca. Resta saber como aguentará a pressão a panela onde a maioria dos seres se acumulam.»
Fernando Sobral
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