2.3.19

O «Vasquinho» Pulido Valente



Conheci relativamente bem, em várias plateias, o «Vasquinho», Pulido Valente no nome do meio (já que atirou Correia Guedes às malvas). Se me tivessem dito, há meio século, que ele escreveria um dia uma prosa destas, eu teria afirmado, antes de tempo, que era um texto de fake news. Mas não é o caso, trata-se apenas de mais um triste português.

(Público, 02.03.2019)
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Neto de Moura?



Recolham, sejam simpáticos, o homem merece...

Isto não é, mas parece, a história do homem que morde o cão: Neto de Moura processa políticos e humoristas.
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Árvores de Inverno


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Ovos não, purpurina sim!



«Com a proximidade do Carnaval há quem poderia aproveitar a quadra para sair da casca, partindo o ovo. Basicamente, iniciar o movimento de saída do armário.

O mote já foi dado há dias, onde duas centenas de manifestantes antifascistas abafaram o protesto da extrema-direita, organizada numa dúzia em grupo, aquando da conferência do activista Jean Wyllys em Coimbra. Queriam os fascistas atirar ovos ao político brasileiro. Pois a resposta certeira voou sobre a forma de purpurina multicolor na direcção do rosto de um dos líderes do grupelho. Nada como os tornar visíveis. Há um conjunto de pessoas que bem podia pintar-se, dispensando o arremesso. Os fascistas nunca se souberam esconder.

O CDS-PP parece estar a querer tratar do assunto. Na semana em que mais um retardado artigo de opinião da tendência "Esperança em Movimento" (TEM) fez da mulher um objecto-fofinho-para-homem-limpar-o-penacho-após-o-trabalho-no regresso-ao-lar, Assunção Cristas pede a eventual suspensão ou exclusão do FIDESZ (partido populista e nacionalista húngaro de Viktor Orbán) do PPE. Não aparenta ser "make-up", antes purpurina pura. O recado interno está dado ao inenarrável Abel Matos Santos e "sus muchachos", os que fazem do tiro a Cristas um subterrâneo jogo do galo com o alto patrocínio do "Observador". Estatutariamente, o direito de tendência no CDS surge pela mão de Paulo Portas, como uma forma do partido combater o monolitismo de opinião, promovendo o debate interno entre as suas correntes. Nos dias de hoje, dá guarida a um grupelho dentro de um armário.

Está aceso o debate entre aqueles que entendem que os partidos podem ser panelas de escape ou válvulas-tampão para extremistas, contendo-os, e aqueles que consideram que, ao lhes darem guarida, apenas os institucionalizam perigosamente. Quando vemos o deputado do PSD Miguel Morgado a referir-se ao perigo das "fake news" e do populismo como "tretas de Bruxelas", percebe-se que o PSD ainda não encetou o que o CDS aparenta ter começado. Não está na altura desta gente desatar a dizer "Chega", saindo do armário?

Estão, ainda assim, a ser dias de clarificação. A Jerónimo Martins apresenta lucros de 401 milhões em 2018 e Soares dos Santos afirma que os pobres foram feitos "para a gente os transformar em classe média". A Associação Sindical de Juízes celebra o Dia da Mulher organizando um workshop de maquilhagem, numa altura em que - também na magistratura - o debate sobre a igualdade de género está na ordem do dia após a estupra decisão do juiz Neto de Moura relativamente a mais um caso de violência doméstica sobre mulheres. A Comissão Europeia recomenda a abolição dos vistos gold por comportarem mais riscos do que eventuais benefícios, mas só BE e PCP defendem a opinião que nos chega da Europa. António Cluny, magistrado português no Eurojust, finge que não há incompatibilidade de interesses quando o seu filho trabalha na sociedade que defende investigados e poderosos no Football Leaks e no e-Toupeira, tendo defendido um banco nas Ilhas Caimão contra o "whistleblower" Rui Pinto. Ovos não, purpurina sim!»

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Marisa Matias, 28.02.2019



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1.3.19

Bienvenue, Madame Lagarde



Ao ler este título do DN, lembrei-me imediatamente de uma velha história.

Quando estudei em Lovaina, os exames orais passavam-se com uma grande informalidade, só entre aluno e professor, por vezes mesmo em casa deste.

Famoso pela sua extrema delicadeza, Jean Ladrière, o meu queridíssimo orientador de doutoramento, iniciava sempre a prova dizendo ao aluno que escolhesse um tema e que o desenvolvesse. O que não esperava é que lhe aparecesse um tontinho que, na cadeira de «Teoria da Matemática», lhe perguntasse se podia então falar sobre… o dogma da Imaculada Conceição (se o tema era à escolha…). Sem coragem para recusar, Ladrière ouviu-o durante não sei quanto tempo, nem lhe perguntou mais nada e despediu-se, calorosamente como sempre. Teve de o chumbar, mas tenho a certeza de que lhe custou fazê-lo.

Ora bem: será que Lagarde, hoje, no Conselho de Estado, falou sobre griffes, por exemplo? Sei lá! Porque não? Se era para falar sobre o que quisesse...
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Cavaco: Calimero foi, Calimero morrerá




«A comunicação social nunca gostou muito de mim, ou quase nada, porque eu tinha determinados princípios de que não me afastava no relacionamento com a comunicação social.»
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Mujica: por favor, Europa, não fique surda




Menos de 7 minutos de uma importante declaração datada de ontem.

Não faz sentido discutir legitimidades na Venezuela no momento: "Ilegítimo é absolutamente tudo". E não há negociações impossíveis.

(Daqui)
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A greve que Portugal ainda não viu



«Os adolescentes não estão a dormir. Pedem que se faça o que a ciência e as Nações Unidas dizem que é preciso fazer. Está a emergir uma nova “geração de Gretas”. São miúdos, mas devem ser levados a sério. Eles têm razão.

Porque hoje é sexta-feira, Greta Thunberg vai faltar às aulas e passar o dia à porta do parlamento de Estocolmo com um cartaz que diz “Skolstrejk för klimatet”. Tradução: greve à escola em defesa do clima. Pelo menos, foi assim que passou as últimas 27 sextas-feiras.

Em seis meses, o esforço solitário desta adolescente sueca fez nascer um movimento internacional, fez cair uma ministra do Ambiente e matou a ideia de que os jovens da era digital são individualistas e só pensam em likes no Instagram. Ao mesmo tempo, deu voz à nova “geração de Gretas”, a geração de adolescentes ecológicos e preocupados, que está a emergir e deve ser levada a sério. Há dias, numa conferência de imprensa em Bruxelas, uma adolescente belga respondeu assim a uma jornalista da televisão pública: “A pergunta não é quando é que vamos parar [de faltar às aulas], mas quando é que os políticos vão começar a cumprir o Acordo de Paris.”

Talvez por ter síndrome de Asperger, Greta Thunberg, 16 anos, tem uma obsessão radical pelas alterações climáticas. Aos 11 anos ficou deprimida quando percebeu que os adultos não se preocupavam com o planeta. Sentiu que não ia conseguir fazer nada de útil, ficou em casa e só queria morrer. Os pais, um actor e uma cantora de ópera, abandonaram as carreiras e ficaram um ano em casa com ela. Dessa ida aos fundos, os pais saíram convertidos e a filha saiu activista. A mãe voltou a cantar mas só na Suécia — deixou de andar de avião. Todos abandonaram a carne e os lacticínios.

Há um radicalismo desconcertante em Greta Thunberg. Quando lhe perguntaram como é viver com esta perturbação neurológica da família do autismo, respondeu: “Vejo tudo a preto e branco.” A Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger identifica a interpretação literal da linguagem, os interesses especiais e o comportamento rotineiro como características comuns da doença. Muitos dos santos canonizados ao longo dos séculos teriam Asperger, sugeriu-me um amigo. Faz sentido.

A Asperger está a ajudar à causa ambiental, mas é apenas uma parte. Só quem não quer é que não vê que os jovens estão acordados. Na Roménia, há centenas de milhares de jovens que protestam na rua contra o actual governo (herdeiro do comunismo de Nicolai Ceausescu), que há dois anos altera a legislação de modo a proteger os políticos corruptos. Nos EUA, milhares de estudantes fizeram protestos a seguir ao massacre na escola secundária Marjory Stoneman Douglas, na Flórida, onde um antigo aluno matou a tiro 17 estudantes e funcionários. Foi nesses adolescentes que Greta Thunberg se inspirou. Ela viu que a seguir ao “national school walkout” — os alunos saíram da escola às dez da manhã e faltaram às aulas em Nova Iorque, Chicago, Atlanta, Santa Mónica e Denver, mas também em comunidades rurais como Potosi, no Wisconsin — o Governador da Flórida assinou uma nova lei que subiu de 18 para 21 anos a idade mínima para comprar uma arma e impôs três dias de espera até a arma ser entregue. Em Agosto de 2018, dias antes de Thunberg iniciar o seu protesto em Estocolmo, vários estados americanos, incluindo 14 com governadores republicanos, tinham aprovado 50 novas leis para restringir o acesso a armas.

A semana passada, a Economist fez capa sobre o “regresso do socialismo” e a emergência do “socialismo millennial”, pondo as coisas nestes termos: como a direita deixou de defender ideais e se fechou no chauvinismo e na nostalgia, e a esquerda se focou na igualdade e no ambiente, os jovens encontram no socialismo a forma de fazerem uma crítica incisiva sobre o que está mal.

Os jovens podem estar descontentes com a democracia, mas não estão a dormir. A razão está do seu lado: pedem que se faça o que a ciência e as Nações Unidas dizem que é preciso fazer.

Inspirados na perseverança de Greta Thunberg, nos últimos seis meses houve “greves à escola pelo clima” em 300 cidades. Perto de meio milhão de miúdos de 15 e 16 anos foram para a rua. Uns fazem greve sozinhos todas as sextas. Outros lideram protestos de milhares, como no Reino Unido, na Bélgica, na Alemanha e na Austrália. Chamam-lhe “school strike for climate”, “Fridays for Future”, “Youth for Climate”, “Klimastreik”, “grève du climat”. A velocidade e a projecção do novo movimento espantou veteranos do activismo ambiental.

E apanhou de surpresa Joke Schauvliege, ministra do Ambiente da Flandres. Incapaz de interpretar o novo fenómeno — jovens do secundário a tomarem uma posição política —, disse que os adolescentes estavam a ser manipulados e acabou por se demitir depois de ser desmentida pelos serviços secretos. O primeiro-ministro australiano reagiu com uma cegueira igual.

Os pais olham sempre para os filhos como crianças. Os políticos podem até fazer o mesmo. Mas vão ter de encontrar melhor estratégia para esta nova vaga de “Gretas verdes”: Alexandria Villasenor em Nova Iorque; Lilly Platt em Zeist, Holanda, Ellida Dilley em Corsham, Reino Unido; Isra Hirsi no Minneapolis; Haven Coleman em Denver; Holly Gillibrand em Fort William, Escócia. A boa notícia: o movimento chegou a Portugal. No dia 15, vamos saber quantas Gretas temos.»

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28.2.19

Bloco de Esquerda 20 Anos




O partido que apoio e em que voto desde que existe.


@Paulete Matos

(Daqui)
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Juízes, no país dos Neto de Moura




«Quando o país debate o sexismo nas decisões judiciais e se apela à formação dos magistrados para a igualdade de género, os representantes sindicais dos juízes escolhem para o dia que celebra a luta feminista um tutorial de make up. (…)

Na eventualidade de se tratar mesmo de uma partida de Carnaval, como aventou a magistrada citada, o DN tentou falar com Manuel Soares, o presidente da ASJP, juiz desembargador no Tribunal da Relação do Porto e coautor do acórdão que ficou conhecido como "da sedução mútua" (no qual, a propósito da violação de uma jovem, enquanto inconsciente, numa casa de banho de uma discoteca, por dois dos seus funcionários, se considera que existiu "mediana ilicitude" e "um clima de sedução mútua"). Mas Manuel Soares remeteu os esclarecimentos para o assessor de imprensa da associação, José Brandão. Este manifestou-se surpreendido: "Nunca ouvi falar disso." Mais tarde, porém, confirmou a veracidade do e-mail: vai mesmo haver um workshop de maquilhagem a celebrar o Dia Internacional da Mulher na sede lisboeta da associação sindical dos juízes.»
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O Marcelismo e o «meu» sismo de 1969



Hoje, jornais e redes sociais estão cheios de testemunhos pessoais sobre o sismo de há 50 anos. Aqui fica o meu.

Dava então aulas na FLUL, o meu salário não chegava a 2 contos por mês (é só fazerem as contas, menos de 10 euros), acrescido de mais 1 conto e tal por dar também teóricas, o que não estava previsto na função dos assistentes – uma vergonha, mesmo para a época.

Mas para meu azar e de muitos, já devia haver «cativações» na era de Marcelo I, e, chegados ao fim de Fevereiro de 69, ainda não nos tinha sido pago um tostão do tal acréscimo precioso a que tínhamos direito. Alguém se lembrou então de pedir uma audiência ao ministro da Educação, José Hermano Saraiva, e, audiência concedida, lá fomos recebidos em grupo ao fim da tarde do dia 27. Saímos com a certeza de que o problema seria resolvido (e foi) e resolvemos acabar a tarde e a noite a festejar em casa do irmão de uma das contestatárias (btw prima direita do ministro em questão).

A conversa durou até altas horas da noite, cheguei a casa a caí num sono à prova de bala – e de tremor de terra. Ou seja: não senti nada, não acordei, e a minha mãe, com quem ainda vivia então, viu tudo tremer e, embora apavorada, não me acordou (o que as mães não fazem pelos filhos…), mesmo quando um meu amigo atravessou Lisboa e tocou à campainha para perguntar se não queria que nos evacusaase no seu carro.

E foi assim que falhei a única hipótese de ver os meus vizinhos em cuecas nas ruas de Lisboa.
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Pacheco Pereira: leitura mais do que recomendada




Uma boa entrevista de Nuno Ramos de Almeida, a não perder.

Qual a razão por que Portugal parece imune a esta subida da extrema-direita?
Isso é uma coisa que se está sempre a repetir mas que eu não tenho a certeza que seja verdade. Na atual recomposição da direita há o aparecimento de fenómenos que têm expressão não tanto em termos institucionais, como o “Chega” e quejandos, mas a outros níveis.

Está a falar por exemplo de sites como o Observador e a sua opinião?
Sim, porque nessas coisas cria-se primeiro a cama e depois é que se deita nela. E de alguma forma a cama já está a ser criada nas redes sociais, em certos ’think tanks’, e certos ativistas políticos fazem-na todos os dias. E os órgãos de comunicação social têm um papel decisivo nesta loucura justicialista e populista que domina quase todo o ’primetime’ das televisões.
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Um juiz sem passadeira



«Imagine o seguinte cenário: entra numa urgência hospitalar com uma fratura exposta num braço e é-lhe prescrita uma pomada dermatológica à base de cânfora inventada por um "endireita" habilidoso que "atende" nuns anexos.

Estranho, no mínimo. Agora imagine que há um juiz que decide inspirado na Bíblia. É, numa comparação propositadamente exagerada, uma aberração da mesma índole. E não apenas por sermos um Estado laico. Mas porque uma e outra enfermam de uma grosseira subjetividade num contexto em que apenas deveria haver objetividade.

Aludo, obviamente, a Neto de Moura, o juiz que, depois de ter citado as escrituras num acórdão em que censurou uma mulher vítima de violência doméstica por esta ter sido infiel ao marido, decidiu, mais recentemente, pela revogação da aplicação de pulseira eletrónica a um comprovado agressor que perfurara, a soco, o tímpano da companheira, escudando-se no facto de os juízes da primeira instância não terem fundamentado devidamente a necessidade de o homem ter de continuar a ser "controlado" através desse expediente.

A tentação para lançar novamente a toga de Neto de Moura para a fogueira é grande mas, descontando as observações moralistas e machistas que, mais uma vez, o juiz fez questão de verter, a sua decisão, neste caso, parece estar escudada na lei (na perspetiva da salvaguarda dos direitos das partes) e não é comparável à situação anteriormente descrita (embora o juiz, na dúvida, pudesse ter pedido para melhorarem a fundamentação inicial, o que não fez).

Na verdade, o que este segundo acórdão nos vem dizer é que a discussão mais importante talvez não esteja a ser feita. Como estão redigidas as leis, se são adequadas à realidade e, acima de tudo, se salvaguardam os interesses das vítimas. Basta dizermos que esta mulher esteve mais protegida do antigo companheiro enquanto este foi arguido do que depois de ter sido condenado. E que vive agora num renovado sobressalto.

E isto acontece porquê? Porque depende sempre da vontade do agressor usar pulseira eletrónica. Donde, as leis não estão pensadas para defender as vítimas. E um sistema justo não pode premiar quem agride. Porque um sistema assim é uma passadeira vermelha para as convicções inabaláveis de juízes como Neto de Moura.»

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27.2.19

Il est interdit d'interdire


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O CDS e o seu «Tea Party»




«São contra o aborto, a eutanásia, a adoção de crianças por casais homossexuais e recusam as quotas para as mulheres. Dizem-se democratas-cristãos mas "não confessionais", criticam um suposto "marxismo cultural" e acham que as mulheres estão a ser obrigadas a ter uma carreira, a sair de casa, a não ter filhos e agora "até querem" obrigá-las ir para a política.
São militantes do CDS e organizaram-se numa corrente de opinião interna, a Tendência Esperança em Movimento (TEM).»

Do dito TEM, faz parte uma cronista do Observador, que se tornou «célebre» por este artigo que já aqui referi há uns dias. Vai longe esta gente, com jeito chega ao século XIX!
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Dica (848)




«What characterises the present moment in history is a pervasive sense of unrealism among elites. Official discourses are no longer used as guides to action, laws are not applied and regulations are ignored.»
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Venezuela: ajuda humanitária, o tanas!



«A catástrofe social e humanitária na Venezuela tem dois responsáveis políticos. O primeiro é Nicolás Maduro, que se agarra ao poder como uma lapa apesar da sua incomensurável incompetência e evidente impopularidade. O segundo é Donald Trump, que organiza o cerco à Venezuela, fazendo os cidadãos pagar o preço deste braço de ferro. Os dois, Maduro e Trump, devem ser condenados por este jogo macabro.

A resposta à crise política na Venezuela são eleições presidenciais antecipadas, que nem Maduro nem o autoproclamado Presidente querem marcar, apesar de ser o dever político do primeiro e do segundo se ter comprometido a isso perante a comunidade internacional. Só não reconheço qualquer legitimidade à administração Trump para qualquer intervenção em qualquer país da América Latina, usando o esfarrapado argumento da defesa da democracia. Falta aos Estados Unidos, que sempre se com comportaram como uma potência colonial na região, o currículo mínimo para se autoproclamarem polícias do continente. E muito menos Donald Trump, admirador dos mais abjetos ditadores do mundo. Quanto à Europa, não lhe reservo mais do que umas linhas para o seu miserável seguidismo, apenas para anotar que a UE já se esforçou mais pela democracia na Venezuela do que pela democracia na Hungria, que é seu Estado-membro.

Não há nada de novo na utilização da “ajuda humanitária” como arma política. Não sei se alguma vez tinha atingido o espalhafato hollywoodesco de vir acompanhada com espetáculos musicais na fronteira, abrilhantados pela presença do intrépido combatente pelos direitos humanos, Mike Pence. Mas esta forma de “ajuda humanitária” só engana quem quer ser enganado. Nicolás Maduro não tem razão em coisa alguma, a começar pelo facto de não ter reconhecido um Parlamento eleito e a acabar pela recusa em marcar eleições presidenciais que façam o país sair do impasse. Mas tem toda a razão numa coisa: o envio de ajuda humanitária para a Venezuela é de um cinismo pornográfico.

A Venezuela tem a maior reserva petrolífera do mundo e é um dos maiores produtores de crude. O levantamento do bloqueio à compra das suas matérias-primas e à venda de material de refinaria, assim como o descongelamento de contas do país, chegaria para resolver o problema humanitário da Venezuela num ápice, permitindo que o país se sustentasse a si mesmo. Cercar economicamente um país para o obrigar a receber em esmola política o que pode pagar com o que é seu é o oposto de uma ajuda humanitária. A ajuda oferecida pelos EUA e pela Europa é tão humanitária como a da Rússia. É um jogo político que usa a fome dos venezuelanos.

A retórica cínica da ajuda humanitária pode, no entanto, ter outro propósito: tornar aceitável mais uma intervenção militar que ofereça aos EUA o controlo de reservas petrolíferas e restabeleça o seu total poder no quintal da América Latina. A conversa humanitária já foi usada para invadir outro importante produtor petrolífero, o Iraque. Também então os promotores daquela aventura (alguns são repetentes, como o sinistro John Bolton) prometiam a democracia em troca da rendição. Estamos ainda hoje a pagar, com uma tragédia no Iraque e na Síria, a crise dos refugiados e o terrorismo no mundo, o preço da irresponsabilidade. Também então os que não estiveram do lado de Bush foram acusados de cumplicidade com um ditador. Estavam apenas do lado da razão, da cautela e da decência. É desse lado que devem continuar.

Os que agora usam o povo da Venezuela para o seu cinismo “humanitário” são mais ou menos os mesmos que prometiam espalhar a democracia pelo Iraque e seus vizinhos. Sem ser preciso qualquer tipo de solidariedade, apoio ou compreensão para com Maduro, devem merecer a mesma oposição que tiveram em 2003. Se o Iraque serviu para alguma coisa foi para não voltarmos a ser enganados pela máquina de propaganda de Washington. O que os movia então é o que os move agora.»

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26.2.19

Neve no Pico



Hoje, na Ilha do Pico.

Via Renato Goulart no Facebook.

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Venezuela: outras vozes




Hoje, no noticiário das 19h da SIC N, Alfred de Zayas, especialista independente da ONU no domínio dos direitos humanos, fez curtas declarações sobre a Venezuela, na mesma linha do que pode ser ouvido aqui.
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Não vá em arrastões


«A história do arrastão mostra-nos que a sensação de insegurança não precisa de um perigo real. Para o propósito da construção do medo como programa político, as pessoas não têm de viver em perigo, basta que se sintam inseguras. E não faltam hoje em Portugal jornais, programas e canais de televisão dispostos a encher esse balão, nem políticos, eleitos ou candidatos, dispostos a aproveitá-lo. Os tempos são de guerra, é verdade, mas pelas audiências. E somos então inundados de crime. O crime está em todo o lado, é analisado, repetido e difundido como se fosse uma epidemia. O país não mudou, as ruas e as praias são as mesmas, mas a insegurança sente-se, como um arrastão que nunca aconteceu.

Não se deixe enganar. O nosso país é o quarto mais seguro do Mundo e a criminalidade tem descido. A maior ameaça à segurança em Portugal é a violência doméstica, um crime tolerado dos vizinhos ao juiz, mas que matou 500 mulheres nos últimos 15 anos e 11 desde o início de 2019.»

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Pilaretes?



Percebi, finalmente, uma possível utilização para os milhares de pilretes que foram semeados no bairro em que vivo.

O futuro pertence à esquerda e não à direita



«Por enquanto, a direita está em crescendo, mas a sua ascensão está autolimitada. Matteo Renzi, ex-primeiro-ministro de Itália, está a preparar-se para formar o seu próprio movimento político centrista, muito parecido com o La République en Marche!, do presidente francês Emmanuel Macron. Um novo grupo centrista no Reino Unido também causou excitação, embora por motivos diferentes.

Mas as hipóteses não são boas para muitos deles. A democracia liberal está em declínio por uma razão. Os regimes liberais mostraram-se incapazes de resolver problemas que surgiram diretamente de políticas liberais como cortes de impostos, consolidação orçamental e desregulamentação: instabilidade financeira persistente e as suas consequências económicas; um aumento da insegurança entre as pessoas de baixos rendimentos, agravada pela mudança tecnológica e pelas políticas de imigração abertas; e falhas de coordenação de políticas, por exemplo, na repressão à evasão fiscal global.

Quando a crise financeira os atingiu, os governos europeus continentais não assumiram o controlo total dos seus sistemas bancários, não reprimiram a sério os bónus nem impuseram impostos sobre transações financeiras. Eles não aumentaram os impostos sobre o rendimento nem sobre as empresas para contrabalançar os cortes na despesa do setor público. Eles não reforçaram as políticas de imigração.

As estatísticas económicas usuais não capturam a forma como as vidas das pessoas de baixos rendimentos mudaram nas duas últimas décadas. A estagnação do rendimento real disponível é importante, mas também o é a menor segurança no emprego e a redução do acesso a mercados de crédito e hipotecas.

Penso que a resistência contra o liberalismo virá em etapas. Estamos no primeiro estágio - a fase trumpiana anti-imigração. A imigração acarreta benefícios económicos líquidos, especialmente no longo prazo. Mas também há perdedores, reais e imaginários. A decisão da chanceler Angela Merkel de abrir as fronteiras da Alemanha a um milhão de refugiados em 2015 foi justificada por razões éticas e tenho a certeza de que trará benefícios a longo prazo, mas transformou-se numa crise porque ela não preparou politicamente o seu país.

Também o euro foi uma construção liberal de um clima propício. Quando a crise chegou, os políticos fizeram o mínimo necessário para garantir a sua sobrevivência, mas não conseguiram resolver os problemas subjacentes, que hoje se expressam como desequilíbrios que não se autocorrigem. Sem um ativo seguro único e uma união bancária genuína, a zona euro permanecerá propensa a crises financeiras.

A democracia liberal foi bem-sucedida a derrubar barreiras comerciais, proteger os direitos humanos e fomentar sociedades abertas. Mas a incapacidade para gerir as consequências sociais e económicas de tais políticas tornou os regimes liberais inerentemente instáveis.

Por enquanto, a direita está a prosperar com a reação anti-imigração. Mas a sua ascensão está autolimitada por duas razões. Primeiro, as políticas de direita não estão a ser bem-sucedidas nem mesmo nos seus próprios termos restritos. Um muro ao longo da fronteira com o México não vai impedir os fluxos migratórios dos EUA, da mesma forma que a renacionalização das políticas de imigração na Europa também não o faria. Em segundo lugar, suspeito que a imigração será superada em breve por outras questões, como o impacto da inteligência artificial nos meios de subsistência da classe média; os níveis crescentes de pobreza; e a deslocalização económica decorrente das mudanças climáticas.

Este é um ambiente político que favorece a esquerda radical sobre a direita radical. A direita não está interessada na pobreza e os seus partidos estão cheios de negacionistas das alterações climáticas. Alguns dos populistas de direita podem falar a linguagem das classes trabalhadoras, mas a esquerda tem maior probabilidade de as satisfazer.

A política assassina da esquerda será a taxa de imposto de 70% proposta pela recém-chegada congressista norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez. Não é o número que importa, mas a determinação de reverter uma tendência de 30 anos para uma tributação mais baixa de rendimentos e lucros muito elevados. Uma tal política traria danos colaterais, com certeza, mas, do ponto de vista da esquerda radical, danos colaterais são uma promessa, não uma ameaça.

E o centro radical? Macron demonstrou que o liberalismo de base pode ter sucesso como estratégia eleitoral. Mas existem fatores específicos no sistema eleitoral francês que favoreceram a vitória de Macron em 2017, e ainda é cedo para avaliar se as suas políticas reais vão cumprir o que os seus eleitores desejavam. A Itália também é candidata a uma revolução ao estilo de Macron, mas isso, por si só, não conseguirá resolver os problemas profundamente arreigados do país.

O impacto económico e social das políticas liberais varia conforme os países. A Alemanha evitou até agora a espiral descendente devido à sua posição única dentro da zona euro e a sua base industrial ainda relativamente forte, mas basta esperar até que a força irresistível do carro elétrico autónomo atinja o objeto imóvel dos condutores de carros a diesel.

Entrámos numa era que favorecerá o radicalismo sobre a moderação, e a esquerda sobre a direita. Não vai ser a era de Donald Trump.»

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25.2.19

Nesta todos caem


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Carnaval no país do respeitinho



Estamos mesmo a regressar ao país do respeitinho. Mas o tiro acabou por sair pela culatra: a imagem da Senhora da Bola será o grande sucesso do Carnaval de Torres Vedras.


(Daqui)
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De pulseira eletrónica devia andar Neto de Moura há muito tempo!




«Um homem de 53 anos deu vários socos na cabeça da mulher perfurando-lhe um tímpano. A vítima fez queixa e o agressor ficou com pulseira eletrónica como medida de coação. O agressor recorreu da condenação e, em outubro do ano passado, o juiz Neto de Moura do tribunal da Relação do Porto retirou-lhe a pulseira eletrónica.»
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Inconsistências e cheiro a esturro



«No quadro de regras europeias que são "estúpidas" e que o Governo português diz querer mudar - diga-se, sem grande empenho no objetivo e acima de tudo sem que o consiga fazer -, está provado ser impossível fazer uma governação que ao mesmo tempo comprima o défice, reponha rendimento disponível para a esmagadora maioria dos portugueses que dele carecem, e reforce o investimento público.

E, daqui para a frente, num cenário em que se perspetiva menor crescimento e em que a ganância do grande poder financeiro e económico é crescente, pior ainda. Este facto retira consistência ao discurso do Governo e é justo e necessário colocar em evidência aquela impossibilidade.

Entretanto, quando analisamos os discursos da Direita, por exemplo no debate da moção de censura ao Governo apresentada pelo CDS, constatamos que as suas propostas são ainda bem mais inconsistentes. PSD e CDS pretendem que, ao mesmo tempo, se comprima ainda mais o défice para pagar a dívida, se reduzam os impostos e se aumente o investimento público. Como é que tal objetivo poderia ser atingido? A Direita não revela mas advinha-se o que faria para conseguir tal "milagre".

Se os salários dos trabalhadores da Administração Pública não fossem aumentados mas de novo reduzidos e as suas carreiras congeladas por cem anos, se as pensões de reforma fossem cortadas, o sistema da segurança social enfraquecido e em parte desbaratado (como queria Passos Coelho), se fossem aplicados cortes drásticos nos direitos universais à saúde, ao ensino ou à justiça, naturalmente a Direita conseguiria alguma folga para tentar aplicar a sua receita. Os efeitos já os conhecemos e são dolorosos: empobrecimento, maiores desigualdades, expulsão de população, em particular jovens, destruição de empresas, incapacitação do Estado, afundamento do nível de desenvolvimento do país.

A inconsistência das posições do PSD e em particular do CDS revelam-se quando acusam o Governo de ter criado expectativas incomportáveis e, ao mesmo tempo, apoiam e incentivam as reivindicações de vários setores da sociedade. Reivindicações essas que, eles mesmos, identificam como a expressão daquilo que "o Governo prometeu de forma ligeira sabendo que não podia cumprir".

Se o apoio da Direita a esses setores profissionais e ao conjunto dos trabalhadores fosse verdadeiro, então estávamos perante a expressão absoluta da inconsistência: um programa propondo ir além da Comissão Europeia na compressão do défice, aumentar os rendimentos de todos os trabalhadores da Administração Pública, reduzir impostos e, ainda, aumentar o investimento público. Não bate a bota com a perdigota. Este programa seria, em absoluto, inviável. No entanto, é repetido como se as pessoas não fossem suficientemente inteligentes para perceberem que tanta inconsistência cheira a esturro.

As iniciativas políticas do PSD e do CDS não passam de estrebuchamentos no atoleiro de contradições insanáveis. No contexto político que se perspetiva, estes partidos não têm qualquer proposta nova e positiva. A moção de censura do CDS, para além de ser um gesto de desespero tendo como vítima o PSD, mostra duas outras coisas: os dirigentes daquele partido consideram-se ungidos para a governação e para terem sempre as mãos nos potes do poder, e que Assunção Cristas é um caso de liderança que confirma o princípio de Peter.

No encerramento do debate daquela moção, o primeiro-ministro assumiu, em resposta às intervenções do BE e do PCP que haviam exposto contradições e insuficiências da governação, "sim, podemos ir mais longe e devemos continuar a trabalhar para ir mais longe". Há políticas bem positivas a adotar que não implicam problemas financeiros: tornar a distribuição da riqueza mais justa, dar mais eficácia ao investimento, equilibrar poderes nas relações de trabalho, negociar compromissos progressivos com setores que têm fortes razões de protesto, defender capacidades do Estado para nos garantirem acesso ao direito à saúde e a outros direitos fundamentais.

Precisamos de aromas mais agradáveis e saudáveis e isso, no imediato, exige de António Costa e do seu governo, mais solidez e atenção aos problemas, e responsabilidade perante o futuro.»

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24.2.19

O «Observador» passou a ter uma secção humorística?




Eu não sei se o «Observador» passou a ter uma secção humorística. Mas, por favor, não deixem de ler este texto de alguém, cuja existência ignorava, mas que se diz membro de TEM/CDS.

«O potencial feminino refere-se a tudo o que, por norma, caracteriza a mulher. Gosta de se arranjar e de se sentir bonita. Gosta de ter a casa arrumada e bem decorada. Gosta de ver ordem à sua volta. Gosta de cuidar e receber e assume, amiúde, muitas das tarefas domésticas, com toda a sua alma, porque considera ser essa, também, a sua função. (…)

A mulher gosta de se sentir útil, de ser a retaguarda e de criar a estabilidade familiar, para que o marido possa ser profissionalmente bem sucedido. Esse sucesso é também o seu sucesso! Por norma, não se incomoda em ter menos rendimentos que o marido, até pelo contrário. Gosta, sim, que seja este a obtê-los, sendo para si um motivo de orgulho. Porquê? Porque lhe confere a sensação de protecção e de segurança.»
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Alô, PS?



Eu não li o artigo todo porque é reservado a assinantes, e não sei se o vídeo está transcrito na íntegra, mas o título exprime o que me pergunto desde que os PS existe.
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Pergunta dominical


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Pobreza



«"A essência da pobreza aniquila o futuro", escrevia Orwell. Um quarto da população europeia vive numa situação de risco de pobreza. São 120 milhões de pessoas, doze "países" iguais a Portugal. Falamos de pessoas que vivem na região mais rica do mundo. Este facto não tem comovido as instituições europeias que, nos últimos trinta anos, recuaram, e muito, em relação ao que haviam traçado como estratégia. Aos defuntos Programas Europeus de Combate à Pobreza seguiu-se um objetivo de reduzir a pobreza até 2010. Ninguém lhe prestou atenção e esse objetivo não saiu do papel.

Os esforços de inclusão social, o reforço dos serviços públicos ou o aumento dos salários têm caído no altar onde se exibe o Tratado Orçamental ou o Pacto de Estabilidade e Crescimento. O investimento social ou o reforço da capacidade de proteção social são as primeiras vítimas. Não há compromisso que vingue perante as metas e as exigências da contenção. O problema é que falamos de uma contenção que é sempre para os mesmos.

Nas esferas de decisão, nos debates ou em qualquer canto de qualquer sociedade, é difícil encontrar pessoas contrárias ao combate à pobreza e, no entanto, ela aí está para nos mostrar como as políticas não têm sido eficazes ou não têm sequer tentado evitá-la ou reduzi-la.

Em Portugal, sentimos na pele a austeridade a cravar fundo e a pobreza a aumentar. E, mais uma vez, no discurso sempre houve um voluntarismo garantido de que um dia se acabaria com ela. E não se acaba. Porquê? Porque a pobreza não resulta de uma qualquer combinação astral e reduzir sistematicamente o investimento público nos serviços públicos não é compatível com uma política de inclusão social. Porque a ausência de uma política de habitação que garanta o direito à casa não é compatível com o apadrinhamento da especulação imobiliária. Porque o acesso à escolaridade de qualidade e igualitária não é compatível com o encerramento de estabelecimentos de ensino ou a inexistência de redes de transporte e de serviços de apoio. As contradições existentes a este respeito poderiam estender-se sem fim, mas o que é importante perceber é que a pobreza não é um problema retórico de se somos a favor ou contra ela. A pobreza é um problema político e todas as políticas essenciais têm falhado no essencial para o seu combate.

Como podemos quebrar este círculo vicioso? Desde logo, parando de fingir que algo está a ser feito e assumindo que só integrando uma avaliação dos impactos das políticas em termos de pobreza se pode efetivamente começar a combatê-la.

Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior taxa de pobreza e de exclusão. Se não se começar a integrar a pobreza em todas as políticas, a pedra de Sísifo continuará a ser carregada nos discursos, mas rolará sempre até à base porque a prática não os acompanha. Em tempos em que tanto se debate a democracia é preciso não esquecer que a pobreza é a sua maior inimiga.»

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