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João morreu há cinco anos, em 21 de Maio de 2009.
Na memória colectiva, ficou certamente ligado sobretudo ao cinema, como director da Cinemateca, antes como coordenador do respectivo sector na Fundação Gulbenkian, desde sempre por causa da sua paixão pela 7ª arte. Talvez nem todos se lembrem de que foi também actor em onze filmes de Manoel de Oliveira e num de João César Monteiro (e bem recordo o entusiasmo com que se estreou nas filmagens de O Passado e o Presente, em 1972).
Escreveu livros, esteve desde sempre ligado à
aventura que foi a história da Editora Moraes, lançou, em 1963,
O Tempo e o Modo e foi o seu elemento central durante toda a primeira fase da revista. «Católico progressista» quase
avant la lettre, foi também um dos primeiros a deixar o barco, pelo menos como elemento activo.
Mas, para mim, ele ficou sobretudo como um entre muitos amigos de um grande grupo de fronteiras variáveis, com quem atravessei uma das épocas mais importantes da minha vida, não só em militâncias várias mas no entusiasmo inesquecível de todas as vivências de juventude na segunda metade dos anos 60. Foi também um dos elementos de uma família extraordinária que me «acolheu» como amiga próxima e a quem devo, sem dúvida, uma parcela importante daquilo que hoje sou.
A Arrábida foi uma das maiores paixões da sua vida, a ela me ligam também muitas recordações de longas semanas na casa da família Bénard da Costa, em Alportuche, ainda sem electricidade, das intermináveis conversas noite fora à luz da vela, com o mar de um lado e o Convento incrustado na Serra do outro, da festa pela chegada do primeiro gira-discos a pilhas, vindo dos Estados Unidos, dos dramas de amores e desamores. Aqui fica, por tudo isso, um excerto desta crónica de JBC:
«A gente nunca imagina o que a vida nos reserva. Nos anos 40 e 50, nunca imaginei que havia de chegar o dia em que Alportuche deixasse de ser a minha praia na Arrábida e no mundo. Nos anos 60 e 70, nunca imaginei que fosse desaparecer a Praia dos Pescadores, quando, depois de carregado luto pela praia da infância e da adolescência, a ela me costumava a habituar. Já nesses anos a entremeava com o Quereiro, a duna meigamente opulenta que fica no fim do Portinho. Nos anos 80 e 90, ela tornou-se quase um exclusivo como exclusivas eram as idas e vindas no yellow boat, dos
restaurantes do Portinho (Galeão, primeiro, Beira Mar, depois) até esse areal relativamente longínquo – que alguns, menos preguiçosos, percorriam a pé, em coisa de vinte minutos. Mas o século XX acabou e, no actual, a opulência do Quereiro foi-se, como se foi a meiguice. Este ano, a devastação completou-se. Duna de areia? Digam antes cova com areia, que tudo que era convexo côncavo se tornou, com a mesma mágoa sem remédio com que assistimos a semelhantes esvaziamentos nos humanos.»
(Público 5/10/ 2008)
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