28.6.14

Há 100 anos

Um autocarro chamado vergonha



Eduardo Paz Ferreira, no Expresso de hoje:

«Há poucos dias, sob a presidência (poderá usar-se o termo?) do príncipe de Gales, o mayor de Londres, o “Financial Times” e a Inclusive Capitalism Iniatiative, ligada à conservadora Henry Jackson Society, organizaram, em Londres, uma conferência especialmente divulgada por aquele jornal económico e consagrada ao tema do capitalismo inclusivo.

Entre os vários oradores, um lugar de destaque especial vai para a presidente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, uma fonte inesgotável de charme e declarações surpreendentes. Desta vez e depois de recordar que os níveis de desigualdade nos Estados Unidos atingiram os níveis da Grande Depressão e que, no Reino Unido, França e Alemanha, esses níveis voltaram ao valores de um século atrás, afirmou que “as oitenta e cinco pessoas mais ricas do mundo, que cabem num só autocarro de dois pisos de Londres, controlam o mesmo montante de riqueza como a metade da população global — isto é 3,5 biliões de pessoas”.

Ainda que se tratasse de uma mera imagem, este hipotético autocarro ficará para sempre na memória de qualquer ser humano com um pingo decência, como um autocarro chamado vergonha. (...)

O que é especialmente grave pensar é que o significado profundo dessa conferencia não é o de repensar o sistema económico. Esta é uma conferencia fechada sobre si própria, com um carácter defensivo, bem evidente nas palavras de um dos organizadores: “Sentimos que pode haver um descontentamento público com o sistema tão forte que possa haver um risco real dos políticos o procurarem remediar legislando no sentido de acabar com o capitalismo”.

Pairará, por aqui, a sombra do Papa Francisco ou de Thomas Piketty, lidos de forma primária?»
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Peregrinemos – o arco da governação gosta



Por iniciativa do PSD e do CDS, foi proposta e aprovada ontem, pela Assembleia da República, uma Resolução que institui o Dia Nacional do Peregrino. O texto começa assim e o resto pode ser lido no site da AR.

1 - Desde tempos imemoriais que os peregrinos – vocábulo de origem latina, per agrum, que significa ‘pelos campos’ –, realizam, no âmbito histórico e religioso, individualmente ou em grupo, jornadas em direcção a um determinado lugar sagrado.
2 - Em Portugal, existe uma forte tradição na realização de peregrinações cristãs direccionadas para os mais variados locais de culto, com destaque para aquelas que se decorrem no Santuário de Fátima, que envolve inúmeras pessoas.
3 - É de referir que a condição de peregrino não se esgota na intenção de caminhar em direcção de um lugar sagrado; importa também valorizar o motivo que o levou a fazer essa jornada, determinante para a sua vida, onde muitas vezes se procura o sentido da própria existência, como um percurso interior.

Toda a gente deve ser livre para peregrinar, peregrine-se a pé, de carroça ou de avião, nada contra quem decide fazê-lo pelos mais variados motivos. Tenho um amigo que foi a Fátima a pé para festejar a vitória do Sporting num campeonato e desejei-lhe, com sinceridade, boa sorte.

Outra coisa é ver os deputados que representam o conjunto de um povo com iniciativas como esta. Primeiro porque estamos num estado laico, segundo porque se escolhe, uma vez mais, uma das religiões existentes quando ela é ainda maioritária mas cada vez menos. Para «amanhã», um Dia do Ramadão??? Além disso: pretende-se exactamente o quê: incentivar a venda de velas e de imagens da Virgem?

Last but not the least: pelo Público fico a saber que a Resolução foi aprovada por PSD+CDS+PS. Deste último partido, é certo que 26 deputados se abstiveram (porquê, terá havido declarações de voto?) e que 4, apenas 4, votaram contra: Pedro Delgado Alves e Marcos Perestrello, Isabel Moreira e Sérgio Sousa Pinto. Como são 74 (julgo...), e mesmo que um ou outro já estivesse em modo fim-de-semana, a maioria votou a favor. Registe-se. 
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Lido por aí (63)


@João Abel Manta

* Globalização das empresas acelera com a crise internacional (Jorge Nascimento Rodrigues)

* O PS cheio de tralha por todos os lados (Ana Sá Lopes)

* Lições há muitas, professor Cavaco (Mariana Mortágua)
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27.6.14

Menos 4.000 escolas?



António José Teixeira, no Expresso diário de ontem:

«O encerramento de escolas do 1.º ciclo tornou-se uma rotina desde 2005. Em três anos este governo fechou 923 escolas. Mas se as somarmos às que sumiram antes já vamos em mais de quatro mil escolas desmanteladas. Não será demais? O processo é imparável? A população residente está a minguar e a natalidade não para de baixar. Por este andar, não será que os únicos destinos para as nossas crianças são as escolas de Lisboa e Porto? É isso que queremos?

Portugal tem recursos limitados. Tem de fazer escolhas. Escolas, centros de saúde, segurança social, comunicações, tribunais, polícias e bombeiros são dimensões do Estado que devem obedecer a um critério de organização territorial. Não apenas a um critério economicista, que é relevante, mas não suficiente. Talvez num futuro próximo vivamos todos em cidades. Talvez boa parte do território se destine à floresta. Talvez tudo isto seja exagerado. Já tínhamos decretado o fim da agricultura e, afinal, não era boa ideia. Está a ressurgir. Precisamos dela. Como precisamos de gente, de mais coesão territorial e social. O esvaziamento continuado de muitas parcelas do território não resulta só do envelhecimento. É também a consequência do desinvestimento privado e público, da retirada dos marcos de serviço público. As escolas do 1.º ciclo do ensino básico são sinais de civilização, portas e janelas indispensáveis para qualquer horizonte de futuro. A reorganização da rede escolar não pode ser apenas uma questão aritmética. Há outros critérios a considerar. Os pedagógicos não são irrelevantes, mas devem ser conjugados com objectivos estratégicos nacionais e, consequentemente, com uma rede coerente de serviço público.

A inércia como critério não ajuda à agonia demográfica. O número 21 como fronteira da sobrevivência escolar é absurdo. As boas escolas e as escolas necessárias implicam outras abordagens. Há uma fundamental: Que estratégia de crescimento económico queremos adoptar? Esta decisão remete para outras abordagens: Como queremos organizar o território? Que espaço de manobra deixamos à sociedade? Perguntas há muito sem resposta cabal. Perguntas que exigem compromissos de futuro. Mas a que, teimosamente, não respondemos.» (Os realces são meus.) 
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Rastos futebolísticos


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Casa roubada, trancas à porta

Lido por aí (62)


@João Abel Manta

* Defend Argentina from the vultures (Martin Wolf)

* Por una desobediencia compasiva (Alicia García Ruiz)

* Todos no mesmo barco (Alexandre Abreu)
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26.6.14

«Ich bin ein Berliner» – há 51 anos



Frase proferida por John F. Kennedy, em Berlim Ocidental, no dia 26 de Junho de 1963, quase dois anos depois de o Muro de Berlim ter dividido a cidade, num discurso em que o presidente dos Estados Unidos quis mostrar o seu apoio à Alemanha Ocidental e que foi considerado um dos momentos mais importantes da Guerra Fria.



O texto do discurso pode ser lido aqui.

Poucos meses depois, Kennedy foi assassinado em Dallas.
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Bye, bye




... daqui a quatro anos há mais. 
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Bandeira (mal) enforcada



Ricardo Araújo Pereira, a propósito do enforcamento da bandeira nacional:

«Se o artista queria criar uma boa metáfora sobre o estado do País, colocava a corda ao pescoço de um funcionário público ou de um reformado, como faz o Governo, e não incorria em qualquer crime. (...) Uma lição para Élsio Menau.
Não é a única lição que este delinquente precisa de aprender. A bandeira nacional não serve para fins artísticos. A bandeira nacional é sagrada e destina-se apenas a propósitos mais altos, como vender cerveja em anúncios televisivos, ser desfraldada em varandas em apoio de jogadores de futebol, ou enfeitar lapelas de governantes enquanto eles desempenham a nobre missão de confiscar salários.»

Na íntegra AQUI.
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A criada de Rui Rio




«Qualquer dia a minha empregada [doméstica] não aceita ir para a política porque é desprestigiante.» Isto tem um nome: boçalidade.
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Números, só números



«Este Governo alimenta-se de números. Faz concorrência, na galeria dos glutões, a Obélix (obcecado por javalis), a Garfield (apaixonado por lasanha) ou às Tartarugas Ninja (fixadas na pizza).

Mas se estas personagens de ficção amam comida real, o Governo delira com os números do défice, da dívida pública, dos impostos que cobrou, dos cortes de salários e pensões que sonha cortar. A sua grande ambição é transformar cada cidadão português num único número. É um caso patológico, porque os números, uma parte importante da vida dos cidadãos e das sociedades, não esgotam tudo.

O Governo, claro, é guloso: só gosta de números embrulhados em açúcar. Esquece, sempre, aqueles que azedam no seu estômago. (...)

Os números são cruéis: nos últimos dois anos deixaram o país mais de 250 mil portugueses, que tiveram de ir procurar futuro no estrangeiro. O Governo é uma espécie peculiar de Tartaruga Ninja: só come pizzas com origem em Bruxelas ou em Berlim. Rebentará de colesterol mas antes, em nome dos números, destruirá a dieta nacional.»

Fernando Sobral, no Negócios.
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25.6.14

Terra de acácias vermelhas



Nasci portuguesa de segunda, numa rua com acácias vermelhas que nunca esqueci.

Sem qualquer consciência do que significava ser filha de colonos, achando perfeitamente normal que o mainato Fabião estivesse sempre por perto, 24 horas por dia, excepto durante algumas, poucas, nas tardes de Domingo, em que desaparecia através do canavial que separava os quintais dos moradias nem sei exactamente de quê. Sem estranhar que só houvesse meninos brancos na escola, a decorar nomes de estações e apeadeiros da linha do Norte de um Portugal desconhecido, também os afluentes do Dão, e com a árvore de Natal posta numa varanda mas enfeitada com flocos de neve. Com a Polana como praia civilizada e o Palmar ainda totalmente deserto.

Fui «retornada» bem antes do tempo de outros, odiei Lisboa – cinzenta, tacanha e suja –, mas por cá fiquei, nem sei se para o bem ou se para o mal.

Hoje, a terra que vi quando cheguei a este mundo comemora 39 anos de independência. Carrega um passado duro, espero que tenha pela frente um belo futuro. Como belo é este hino de que tanto gosto.

Isabel do Carmo: A greve da fome


@João Abel Manta

Texto que me foi enviado por Isabel do Carmo para divulgação neste blogue:

Memória da greve da fome dos presos do PRP em Novembro de 1979. Os pides tinham sido julgados com benevolência em Junho de 1977. Um ano depois davam-se as prisões do PRP. Este texto foi lido por Isabel do Carmo em 24 de Maio de 2014, integrado numa performance sobre o esforço realizada pelo grupo «Visões Úteis» no Festival Serralves em Festa, no Porto.

Não comer…

Esgotadas que estão outras formas de luta …

Que formas de luta? Na prisão há poucas formas de luta. Fugir é dar razão à acusação. Bater, bater nas grades, dá direito a castigo. Fazer queixas, reclamar, recorrer. Os papéis vão caindo em resmas na secretária. Dos advogados. Dos tribunais. Dos directores. Dos provedores. São montes de papéis. Palavra escrita que voa entre a cela e o ar respirável que nos separa da liberdade.

Não comer…A greve da fome é a luta mais eficaz dentro das cadeias. As autoridades temem ver cair morto pela fome um preso. Quem morre em greve da fome é porque tem razão. E a razão de quem morre é sempre mais forte do que a razão de quem manda.

Não comer … Levar a greve até ao fim. Uma greve sem fim. É essa falta de limite que mais dói. Um esforço sem fim à vista.

Iniciar a greve da fome. Começa amanhã. Não sei quando vai acabar. Ou se vai acabar. É uma viagem de que não conhecemos o fim. Começa amanhã. Os primeiros dias são os piores. As refeições na cadeia são um momento de corte. É como se fosse a vida a correr lá fora, pequeno-almoço, almoço, jantar. É a fingir a vida quotidiana em liberdade. Durante a greve da fome não há cortes, não há intervalos. Não comer… No primeiro dia não nos sentamos à mesa. Nem de manhã, nem ao meio dia, nem à noite. É o tempo que passa contínuo. Sem intervalos. Um dia atrás do outro. Não comer… Primeiro dia. Segundo dia. Terceiro dia. Trinta dias. Durante trinta dias, trinta camaradas fizeram greve da fome pela publicação da lei de amnistia. Terminou ao fim de 30 dias. Mas não sabíamos, nem ao primeiro, nem ao segundo, nem todos os dias.

Convém estar parado. Deitar-se na cama. Gastar o mínimo de energia. É assim que deve ser. No entanto uma hiperactividade mexe por dentro. E anda que anda. E fala. E decide. E mexe. Tal e qual como vejo fazer às jovens anoréticas enquanto duram que duram as baixíssimas rações. Tal e qual como aconteceu com a grande anorética mística – Santa Catarina de Siena. Anda que anda de Siena para Roma. Convence o Papa. Recusa Avignon. Afirma Roma. Anos a sobreviver e a mexer. Até que cai sobre as lajes de uma igreja de Siena. E o confessor escreve – Catarina recusa alimentar-se.

Os dias passam. Tentam convencer-nos a comer. Não comemos. Os dias passam. Fazem-nos análises. O açúcar do sangue baixa. Mas o fígado vai fabricando açúcar. O organismo vai queimando os músculos para sobreviver. Come os músculos. Sinto os músculos a atrofiarem. A produzir açúcar desta maneira diferente, o organismo fabrica acetona. Cheiramos a acetona. Será que o músculo do meu coração também está a ser digerido a pouco e pouco? Nunca mais deixei de ter palpitações, taquicardia. O músculo do meu coração é que comanda.

Perdemos muitos quilos. Estamos magras, a cara está escavada. Algumas estão deitadas. Pálidas. Olheiras. E no entanto fazemos um esforço para beber água, muita água. É preciso não ficar desidratado. Resistir. O segredo da greve da fome é resistir o mais possível. Até o poder ceder. O poder leva tempo a ceder. Quando cede.

O meu pai escreve-me uma carta a falar de Boby Sands. Boby Sands é o preso do Exército Republicano Irlandês que lutava pela independência da Irlanda. Estava preso. Lutava para ser considerado preso político. Fez greve de fome. Fome… Fome… Fome… Até ao fim. A dama de ferro, Sra. Tatcher, não cedeu. Ao fim de 52 dias morreu. O meu Pai escreveu-me, ela tem coração de ferro, eles têm coração duro.

Vamos para o hospital. Dão-nos soro. Não comemos. Vemos as análises. O potássio está baixo, tão baixo. Potássio baixo faz parar o coração. Espero que o meu coração não pare. Tenho medo.

Ao fim de 30 dias, a lei de amnistia vai ser publicada. Mas não nos será aplicada. Outras greves. Mais greves. Ao fim de 4 anos saímos. A minha filha percebeu o que foi a greve da fome. O meu filho não percebeu nada. Mas sentiu. 
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Se alguma dúvida houvesse



... sobre a colagem do PR ao austeritarismo descabelado do governo: o próprio veio ontem sublinhar, uma vez mais, que «aprendemos a lição dos últimos anos». E não foi só para patrão da Alemanha ver, ele é mesmo assim. 
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Reduzir ou erradicar a pobreza?



José Vítor Malheiros, no Público de ontem:

«Se perguntarmos a alguém se é a favor ou contra a pobreza, é praticamente certo que essa pessoa dirá que é contra, seja qual for a sua ideologia, as suas preferências partidárias, a sua instrução, a sua riqueza pessoal e a sua posição social. Mas é fundamental em termos práticos, em termos políticos, conhecer o grau dessa recusa. Há pessoas que acham que se deve tentar reduzir a miséria extrema mas que, a partir daí, cabe às próprias pessoas mergulhadas na pobreza sair dela pelos seus próprios meios, de forma a não criar entre os assistidos fenómenos de "dependência" da ajuda. Há pessoas que acham que o Estado deve ter políticas activas de combate à pobreza, devotando-lhe alguns recursos, mas que fundamentalmente cabe ao desenvolvimento económico, ao disseminar naturalmente pela sociedade a riqueza produzida, pôr fim ao flagelo. E há pessoas que acham que o combate à pobreza, à exclusão e à desigualdade deve ser um elemento central de todas as políticas, porque consideram inaceitável viver numa sociedade onde uma criança passa fome e onde o destino dessa criança é escrito no momento em que nasce, condenando-a à pobreza, à ignorância e à doença apenas por ter nascido naquele bairro e naquela família.

Há pessoas que acham que devemos reduzir a pobreza e há outras que querem erradicar a pobreza. E há pessoas que querem erradicar a pobreza nos próximos cem anos e outras que querem erradicar a pobreza o mais depressa possível, nos próximos anos, já, porque acham que não podemos dizer a uma mãe que a sua filha vai ser pobre e que nunca vai cumprir os seus sonhos mas que a sua neta talvez já não seja.

Há pessoas que acham que devemos resgatar algumas pessoas da pobreza e há outras pessoas que acham que não podemos deixar nem uma única pessoa para trás, porque essa pessoa tem a mesma dignidade, os mesmos direitos e os mesmos sonhos que os nossos filhos e os nossos pais. Somos todos contra a pobreza? Sim. Mas há uns que são mais do que os outros. É uma questão de grau? É. É por isso que "JÁ!" é uma palavra tão importante nos combates da esquerda. Os direitos não podem esperar.» 
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24.6.14

Quais são as empresas que obrigam mulheres a não engravidar?



Crónica de Diana Andringa, lida hoje, na Antena 1:

Há alguns dias, entrevistado nesta mesma rádio, o Cooordenador do Grupo de Trabalho criado pelo Governo para estudar incentivos à natalidade, Professor Joaquim de Azevedo, referiu a existência de empresas que obrigam mulheres «a assinar declarações em que se comprometem a não engravidar nos próximos cinco ou seis anos».

É sempre salutar que um Grupo de Trabalho nomeado para estudar seja o que for descubra situações a corrigir – mesmo quando aquilo que descobre podia ter sido sabido pelo Governo ouvindo organismos já existentes, Sindicatos e Comissões de Trabalhadores, por exemplo. É verdade que, vinda desses, a informação seria olhada com suspeição. Mas talvez a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, a CITE, ou a Comissão para a Igualdade de Género, a CIG, também pudessem explicar ao Governo algumas das razões por que nascem poucas crianças em Portugal... Aliás, também um responsável da CITE disse aqui saber que havia empresas que impunham às funcionárias não engravidar, mas não ter recebido nenhuma queixa formal.

Infelizmente, nem esse funcionário nem o Professor Joaquim de Azevedo entenderam útil dar-nos a conhecer o nome das empresas que cometem esse ilícito, respeitando uma reserva que as mesmas empresas não concedem às mulheres em causa.

Fosse um jovem que, convencido do seu direito à liberdade de expressão, simbolicamente enforcasse uma bandeira de Portugal, ou outro que, perante um acto de repressão policial, entendesse ter o direito de resistência, e já estaria a preparar-se um tribunal para os julgar. Mas são empresários que violam diversos artigos do Código de Trabalho – 16º, 17º, 23º a 28º, segundo a Associação de Mulheres Juristas – e ficamo-nos pela expressão de algumas indignações, sem que seja sequer possível chamar os bois pelos nomes.

Isto se não vier entretanto a ser-nos dito que, se os casais em idade fértil não procriam, é por serem egoístas e não quererem sair da sua zona de conforto, por exemplo, prontificando-se a, mesmo no desemprego, mesmo sem subsídios, mesmo sem casa, parirem os filhos que a Pátria lhes exige.

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Lido por aí (61)


@João Abel Manta

* Aventureiros sem glória (Viriato Soromenho Marques)

* Primavera delgadista (José Reis Santos)

* La redefinición del conflicto de clases (Vicenç Navarro)
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Cavaco, uma espécie de Dona Inércia?



Dona Inércia ou nem por isso: estamos tão habituados a silêncios e a faltas de intervenção do presidente, mesmo quando nos parecem insuportáveis, que já perdemos por vezes distância para vermos que os mesmos são no fundo bem «activos» e contribuem sempre para um apoio, tácito ou explícito, à política deste governo. Realidade que é flagrante quanto às relações entre o Executivo e o Tribunal Constitucional e Isabel Moreira sublinha-o bem, em artigo no Público de hoje. 

«Nesta data, não há ser pensante que não saiba que o Governo faz por não saber governar de acordo com a Constituição (CRP). (...) Todos os chumbos foram os esperados e, no que não foram, a causa de algum espanto foi os acórdãos pecarem por defeito na penalização do executivo. (...)

As manobras de ataque ao TC, insisto, são apenas a afirmação de que serão sempre os mesmos os alvos da austeridade.

Como esse ataque sistemático é, já sabemos, inconstitucional, nada como pedir ao cúmplice do ataque que entre em campo.

Temos, pois, Cavaco. O Governo que não sabe, diz, governar dentro da lei, pede ao PR que este trate de accionar a fiscalização preventiva dos diplomas para que fiquem claras as tais das “orientações políticas” do guarda da CRP.

É bem pensado. Cavaco, bem assessorado, e sabendo ainda melhor do que a minha vizinha das inconstitucionalidades que remontam a 2012, nada fez de relevante quanto ao poder que tem de se dirigir ao TC, poder que tem, precisamente, porque lhe compete “fazer cumprir a Constituição”. (...)

Este é o regular funcionamento de Cavaco. Não há ética de convicção, mas ética de colaboração.

Por isso, quando agora o Governo pede a Cavaco para suscitar a fiscalização preventiva de diplomas para se saber das orientações do TC apelidadas de “políticas”, o Governo assume que não quer governar de acordo com a CRP, fingindo que não sabe – nem escutando assessores, Secretários de Estado e Ministros peritos em direito constitucional –, e envolve, naturalmente com acordo prévio, o PR.

Fica então aquele órgão de soberania sediado em Belém destinado a requerer a fiscalização preventiva de diplomas, não por ter a convicção de que os mesmos sejam inconstitucionais, mas para colaborar com o Governo na sua convicção de que o peso do incumprimento, o peso da violação do direito e da separação de poderes, deve ser colocado no TC.

Pior: o ónus.» (O realce é meu.)
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23.6.14

Um pequeno esforço


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Bandeiras não enforcarás



Num país onde a pena de morte foi abolida há tantos anos, acho mal que se enforquem bandeiras.

Só com este tipo de raciocínio irónico posso vislumbrar um pingo de razoabilidade para a notícia que enche jornais: em 2012, um aluno de Artes Visuais da Universidade do Algarve decidiu apresentar como trabalho de fim de curso uma montagem em que a bandeira portuguesa pende de uma forca, obteve 17 valores, mas tem de ajustar agora contas com a Justiça, arriscando-se a cumprir uma pena mínima de prisão de cinco anos, por ultraje contra símbolos nacionais.



Parece que, entretanto, o Ministério Público já pediu a absolvição de Élsio Menau, tudo isto deverá provavelmente acabar bem para ele, mas enfim: num país com os problemas que conhecemos, e com os tribunais afogados, há quem se lembre de perder tempo com processos disparatados como este. Nada que nos deva admirar muito, é certo, quando a União Europeia se preocupa com galheteiros, rolhas e palitos. Mas ainda assim...
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Lido por aí (60)

Senhores e súbditos



«[O governo português], dócil e humildemente agradecido, remeteu-se ao silêncio habitual sobre as questões europeias, o que permite adivinhar que continuará a fazer tudo o que julga ter de ser feito em nome da mais estrita fidelidade ao Governo alemão. Será esta a triste e inelutável sina do Governo de um pequeno país que, justamente, acabou de sair daquele limbo da "soberania limitada" que tanto invocou ao longo destes últimos três anos para justificar, sempre à conta de terceiros, as políticas que promovia? (...)

Os governantes domésticos ignoram uma dimensão essencial da política democrática e do civismo republicano: a estratégia negocial, a capacidade de assumir o confronto mas também de saber contemporizar, a persistência nos objectivos sem comprometer a concertação das soluções necessárias, o diálogo entre pares. Apenas se reconhecem na velha rábula do "bom aluno da Europa" que nos conduziu à miséria presente e que postula uma clara antinomia entre a subserviência e a velhacaria, com os mais fortes, em contraponto à manipulação e à prepotência com os mais fracos. Submissos e discretos com os credores e os funcionários da troika mas ferozes com os cidadãos rebaixados à condição de meros súbditos. Nem conhecem outra forma de "fazer política", como por cá demonstra, com exuberância, o tipo de relacionamento cultivado com os parceiros sociais, os partidos e os próprios órgãos de soberania. A maquinação agressiva agora lançada contra o Tribunal Constitucional é o mais flagrante exemplo deste padrão de conduta estranho à cultura democrática e a um mínimo de sentido de Estado. Não se recorre ao tratamento insultuoso e à ameaça explícita que penosamente vimos testemunhando ao longo das últimas semanas, por força de meros "intuitos dilatórios". O desígnio prosseguido foi disfarçar os clamorosos fracassos da governação e responsabilizar o mensageiro pelas más notícias. Não importa que a independência dos tribunais se comprometa, que a democracia se degrade e que o povo sucumba... desde que o Governo se salve.»

Pedro Bacelar de Vasconcelos

22.6.14

Isto não vai acabar bem

A censura que não temos e a que nasceu entretanto



Faz hoje 88 anos que foi instituída a censura prévia à imprensa em Portugal, pela ditadura militar saída do golpe de 28 de Maio. Como é sabido, iria durar 48 anos.

Vivemos agora com liberdade de expressão e dispomos de uma diversidade de meios de acesso à informação com que nem sequer podíamos sonhar nos tempos que se seguiram ao 25 de Abril. E, no entanto...

Num texto que escrevi para a edição portuguesa de Le Monde Diplomatique, e que reproduzi mais tarde neste blogue, chamei a atenção para um interessante conceito definido por Ignacio Ramonet em A Tirania da Comunicação (1). Segundo o autor, existe actualmente uma «censura democrática» que se introduz subrepticiamente nos países livres onde se respeita o direito de expressão e de opinião. Não se concretiza em cortes ou proibições, mas sim «na acumulação, na saturação, no excesso e na superabundância de informações», que permitem artifícios, mentiras e silêncios, que toldam a transparência do que é transmitido. A informação é tanta que pode ser dissimulada ou truncada, sem que se chegue a perceber o que falta, e torna-se mesmo naturalmente incontrolável. Voluntária ou involuntariamente, acaba por ser manipulada.

A pressa e a leveza com que quase tudo é abordado, e muitas vezes reduzido a puros soundbites, acabam por influenciar muitíssimo a opinião pública, aquela que está para além das elites, sempre minoritárias, que são capazes de filtrar o que lêem, o que vêem e o que ouvem. É assim que estamos. É útil não esquecer.

(1) Ignacio Ramonet, A Tirania da Comunicação, http://pt.scribd.com/doc/2230907/IGNACIO-RAMONET-tirania-da-comunicacao, p.13. 
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Lido por aí (59)


@João Abel Manta

* Grandes contos (20): Cortázar (Pedro Correia)

* Cavaco, o anticompromissos (Pedro Marques Lopes)

* La Grèce vend tout, les Grecs vent debout (Nathalie Dubois)
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As entrelinhas com que a Europa se cose



François Hollande reuniu ontem, em Paris, oito chefes de governo social-democratas, que decidiram unanimemente apoiar a nomeação de Juncker para presidente da Comissão Europeia e obter em troca a presidência do Conselho.

Até aqui nada de muito especial e a notícia também é dada em artigo de hoje no Público (sem link, neste caso felizmente...), mas em texto tão mau que poupo na utilização de mais adjectivos. E mau porque aborda, «ao lado», o mais interessante do que se passou e que é bem realçado em El País, aliás no próprio título do artigo: François Hollande aplaca el ansia de Matteo Renzi.

«La minicumbre de nueve gobernantes socialdemócratas fue convocada por Hollande para aplacar la furia reformista de Renzi, que en los últimos días había asustado a Alemania (y a la sumisa Francia) al exigir cambios radicales en las políticas de la UE para espolear el crecimiento y el empleo. (...)

Obstinado en su promesa de reformar Italia, y reforzado por el histórico 40% obtenido en su primera gran cita con las urnas, el exalcalde de Florencia es el único político con respaldo popular de un centroizquierda castigado por los votantes, abandonado por las musas y alejado de la realidad.

Al exigir un nuevo Pacto de Estabilidad, que ahora limita el déficit de los Estados al 3% y la deuda al 60%, Renzi ha dividido a los conservadores y atemorizado a los socialdemócratas. El presidente saliente del Consejo, Hermann Van Rompuy, le anunció el martes en Roma que sus peticiones eran “inaceptables para los socios europeos”, y que no se dan las condiciones para tocar los tratados. (...)

La actitud meliflua de los socialistas europeos indica que la UE se apresta a vivir un quinquenio marcado por una gran coalición bipartidista. La tendencia, estrenada en Italia tras el avance del Movimiento 5 Estrellas, abrazada luego por Alemania, y ambicionada por muchos en España e incluso en Francia, está llamada a perpetuar el poder de los grandes partidos y a limitar el avance de los grupos eurófobos y extremistas que aprovecharon la crisis para expandirse por el continente. Ahora, conservadores y progresistas tienen enemigos comunes, y pueden decirle a su añeja rivalidad la palabra soñada: adiós.» (Realces meus.)

Entendido, nas linhas e nas entrelinhas?
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