8.11.14

E depois vende-se o Palácio aos chineses

Será fatalidade?



«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática de vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido!»

Eça de Queiroz, Farpas, 1871.
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Lido por aí (156)


@João Abel Manta

* Exército de invisíveis (Mariana Mortágua)

* PT: discutir soluções, acordar o país (Carvalho da Silva)

* The Lost Children: France Takes Stock of Growing Jihadist Problem (Julia Amalia Heyer)
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É fácil, é barato e dá milhões




Receberão também 100 electrodomésticos à escolha e 1.000 bilhetes para um concerto de Tony Carreira. Assim vamos. 
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7.11.14

Bons conselhos, nos tempo que passam


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«Olhe que não, olhe que não!»



Este ano vai com um dia de atraso, mas é um ritual: recordar um dos debates mais célebres – e mais longos – que teve lugar na televisão portuguesa, em 6 de Novembro de 1975. Um frente-a-frente entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, que durou 3 horas e 43 minutos, sem publicidade pelo meio nem interrupções por urgências futebolísticas, que o país parou para ver e para ouvir, sem saber que estava a menos de três semanas do 25 de Novembro.

Dessa noite, ficou para a história uma frase com que Cunhal respondeu a Soares quando este afirmou que o PCP dava provas de querer transformar Portugal numa ditadura: «Olhe que não! Olhe que não!»

Um curto excerto:



(AQUI, três vídeos onde o debate pode ser visto na íntegra – boa sugestão para um noite de insónias ou para um ataque de gripe outonal.)
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Lido por aí (155)

Nem capitalistas temos



«Existem muitos milionários em Portugal. Mas as nossas maiores fortunas derivam do retalho, do comércio de artigos de mercearia ou de rolhas. E isso não faz um capitalista. Da mesma maneira que os ingleses dizem que são precisas três gerações para fazer um lorde, também um capitalista não se cria de um dia para o outro. Até há algumas semanas, Portugal só tinha um verdadeiro grupo capitalista. A família Espírito Santo era o nosso equivalente dos Rothschild ou dos Rockefeller. Tinham bastante menos dinheiro, mas o mesmo estilo, a mesma forma de exercer e manipular o poder, a mesma visão de domínio absoluto. Faliram. Não sobrou nada comparável. (...)

O caso da PT é sintomático. A PT não é só uma empresa de telecomunicações. É a mais destacada fonte de inovação no nosso país. (...) Num momento em que se perdem tantos talentos, que emigram ou ficam no desemprego, esta será a machadada final na oportunidade de, enquanto comunidade, fazermos parte do mundo. Caminhamos para uma condição absolutamente periférica. Uma espécie de "interior" da Europa. Pobre, desqualificado, sem capacidade de investir no futuro.

Que o Governo não reaja é normal já que, desde o início, assumiu como missão a defesa do interesse dos nossos credores e não os do país. (...)

Mas que a sociedade também não reaja é mais grave. Mostra o estado de adormecimento a que se chegou. Vendeu-se a EDP, a REN, a ANA, a Fidelidade, os escombros do BES, segue a PT e depois a TAP. Tudo a estrangeiros. E os portugueses resignam-se. A maioria dos países, com os quais nos queremos sempre comparar, não o permitiria. (...) Sem mais nada para vender, sem verdadeiro capitalismo, estamos destinados à condição de empregados dos outros. Somos os Moedas e os Manuel Pinhos dos donos disto tudo.»

Leonel Moura

6.11.14

Podia ter sido muito pior

Maternidades adiadas



Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje:

«Empresas como o Facebook estão a oferecer-se para pagar a congelação de óvulos às funcionárias, para que elas possam dedicar-se à carreira, adiando a maternidade.

Uma vez que, do ponto de vista das empresas, nenhuma altura é oportuna para ter filhos, talvez o melhor seja guardar os óvulos no congelador até à reforma. Aos 65 anos, a funcionária poderá, então, incubar o filho sem prejuízo para o seu empregador, e com óbvias vantagens para si: tem tempo para dedicar à criança, sabedoria acumulada para lhe transmitir, e talvez não viva o suficiente para a ver chegar à adolescência, que é uma idade tão parva.»

Na íntegra AQUI.
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Lido por aí (154)

Bipartidarismos



«Se houvesse um desastre nuclear neste país, sobreviveriam as ratazanas, as baratas e os votos do bipartidarismo.»

A afirmação tem com alvo Espanha, mas também se aplica (e talvez bem mais) a esta tira que fica aqui mais a Ocidente.
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5.11.14

Art Garfunkel, 73



Garfunkel é quase indissociável de Paul Simon, naquele que foi um dos duos musicais, que mais significativamente marcaram a minha geração e não só. Faz hoje 73 anos (quase inacreditável, não?), este cantor americano, neto de judeus que emigraram para os Estados Unidos no início do século XX.

Conheceu Paul na escola, quando ambos participaram em «Alice no país das maravilhas», na festa de encerramento do 6º ano do ensino básico, e continuaram juntos até ao fim do Secundário.

Em 1963, apresentaram-se oficialmente como «Simon and Garfunkel», publicaram um primeiro álbum no ano seguinte, mas foi em 1965 que emergiram para o mundo com «The Sound of Silence». Continuaram juntos até 1970 e decidiram então seguir cada um o seu caminho, curiosamente depois do maior sucesso de sempre: «Bridge over Troubled Water».

Reapareceram episodicamente, como em 1981 no famosíssimo concerto no Central Park de Nova Iorque, numa série de espectáculos «Old Friends», em 2003 (nos EUA), seguida por uma outra, internacional, que culminou no Coliseu de Roma com 600.000 espectadores.

Art Garfunkel também gravou muito sozinho, mas é com Simon que o recordo sempre.









Old friends, / Sat on their park bench / Like bookends. / A newspaper blown through the grass / Falls on the 'round toes / On the high shoes / Of the old friends.
Old friends. / Winter companions, / The old men / Lost in their overcoats, / Waiting for the sunset. / The sounds of the city, / Sifting through trees, / Settle like dust / On the shoulders / Of the old friends.
Can you imagine us / Years from today, / Sharing a park bench quietly? / How terribly strange / To be seventy. / Old friends, / Memory brushes the same years, / Silently sharing the same fear... 
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Como se afunda uma nação



«Como se afunda uma empresa? Como se afunda uma nação? Entre o BES e a PT alguns generais com reumático explicaram a forma como se faz isso levianamente. Os chamados centros de "decisão nacional" implodiram uns após outros: uns pela ganância, outros pela falta de sentido estratégico de quem tem gerido o Estado.

O actual Governo que tem do liberalismo uma visão estreita e falsamente inocente (e que deveria olhar como os "liberais" da França, Alemanha ou Inglaterra alinham os interesses do Estado com os do sector privado) poderia ter uma posição de defesa dos interesses nacionais. Duvida-se que a tenha, porque Passos Coelho, como explicou no seu livro "Mudar", acha que o Estado não se deve colocar "na posição simultânea de árbitro e jogador", e só se deve preocupar com a estabilidade macroeconómica e com a regulação. Ainda deve ter pesadelos por não ter privatizado a CGD e a própria Presidência do Conselho de Ministros.

Para Passos Coelho, o Estado não tem de defender interesses estratégicos da nação e dos seus cidadãos. Só deve cobrar impostos. O problema é que se um país sem empresas suficientemente fortes o não fizer, vale mais vender este sítio como estância turística.»

Fernando Sobral

Caerán todos



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Deflação à vista – «Japanização» da Europa?



Paul Krugman compara a crise actual europeia àquela que atingiu o Japão entre 1990 e 2012 e acusa os países da zona euro de nada terem aprendido com a experiência que lançou os nipónicos numa grave crise de deflação, a partir do fim da década de 90. 

Afirma que, com as actuais políticas de austeridade, «o Ocidente mergulhou num marasmo semelhante ao do Japão, mas pior», pergunta «por que é que o Ocidente, com todos os seus reputados economistas (...) chega a uma situação caótica, ainda pior do que a que o Japão viveu» e acrescenta: «O banco central japonês nunca fez nada tão aberrante como o banco central europeu que aumentou as taxas em 2011, contribuindo para lançar a Europa na recessão». 

Paul Krugman nada optimista, portanto, acerca do perigo deflacionista que espreita em várias esquinas deste velho continente.  

(Fonte)

4.11.14

Lido por aí (153)

Foi você que pediu um mundo cão?



Nunca consigo ficar indiferente quando leio notícias sobre as condições de vida e de trabalho no Camboja, um dos países em que estive e que mais me impressionaram, pelo seu terrível passado político ainda bem recente e, actualmente, pela conturbada presença nos meandros da globalização.

Leio hoje que as autoridades daquele país «resgatam» as prostitutas, obrigando-as a trabalhar em fábricas. Mais concretamente, forçam-nas a escolher entre ficar presas e receber formação relacionada com a indústria têxtil, para depois trabalharem 6 dias por semana, por cerca de 60 euros por mês, em péssimas condições, em multinacionais como a H&M.

Vale a pena gastar 12 minutos para ver o vídeo.




Quem não aprecia comprar roupa decente e muito barata na H&M que levante o braço. E nem estou a sugerir com isto qualquer tipo de boicote – tentar esvaziar o mar com um dedal já deu o que tinha a dar.

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Apelo para resgatar a PT



Texto (na íntegra) divulgado ontem:

As razões do descalabro e desmembramento da PT, no contexto da sociedade e da economia portuguesa, advêm, ao longo deste século, de graves erros, distorções, falta de visão estratégica nacional e diluição ética de diferentes níveis de decisão. Importa, por isso, aprofundar as ilações a extrair desta situação.

Mas, olhando para o próximo futuro, a gravidade da situação da PT é incompatível com silêncios, omissões ou acomodações. Está em causa o interesse nacional na sua mais genuína interpretação. Está em causa a prossecução do bem comum e a defesa estratégica da soberania nacional. Por isso, exige-se das autoridades políticas e públicas uma actuação intensamente activa. Não importa agora justificar a inacção com a inexistência jurídica de uma “golden share”. O assunto já não é apenas empresarial, mas assume contornos políticos nacionais que implicam uma atitude que respeite o primado do interesse e da responsabilidade públicas.

Este problema não pode, pois, ser exclusivamente deixado à lógica estrita de mercado e de interesses particularistas. Não pode ser tratado como se tratasse de um assunto de quase rotina sujeito à lei mecânica da indiferença e da passividade. Exige apuramento profundo e integral de responsabilidades e a salvaguarda de aspectos inalienáveis da nossa soberania.

Portugal não pode ficar desarmado. Os órgãos de soberania devem interpretar fielmente a prossecução do bem comum que é pertença da Nação.

António Bagão Félix / Diogo Freitas do Amaral / Eduardo Paz Ferreira / Francisco Louçã / Isabel Allegro de Magalhães / João Ferreira do Amaral / João Cravinho / José Pacheco Pereira / José Silva Peneda / Manuel Carvalho da Silva / Mariana Mortágua / Pedro Adão e Silva / Ricardo Cabral / Ricardo Bayão Horta

(Daqui)

3.11.14

Lido por aí (152)

Quem fala assim não é gago



Reis Novais, em entrevista ao Público.

«- Acha que o Presidente está a ser parcial?

- Completamente, com este Governo. O que é muito grave para o funcionamento do nosso sistema. A grande vantagem do sistema semipresidencial é precisamente não apostar tudo no vector parlamentar e governamental. É ter outro órgão com legitimidade democrática plena que pode fazer o balanceamento e desempenhar o papel de moderação. Quando o Presidente se alinha completamente com o Governo e contra a oposição, perde todas estas faculdades e deixa de acrescentar alguma coisa de positivo. Nestes últimos anos, é como se vivêssemos em sistema parlamentar. O Presidente não acrescenta absolutamente nada.»
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Essa é que é essa


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Ler Maquiavel



«Maquiavel, conhecedor requintado da política, recomendava que para se conquistar um Estado se fizesse uma avaliação das ofensas que era necessário levar a cabo e executá-las todas de uma só vez.

Desconhecedor do pensamento do florentino, Passos Coelho prefere os ensinamentos ideológicos de Clint Eastwood na sua personagem "Dirty Harry". Durante três anos, Passos Coelho foi executando ofensas políticas às pinguinhas. Julgava-se que o tempo o tivesse ensinado a ser um estadista, mesmo dos menores. Não é o caso. A prestação do primeiro-ministro no debate sobre o OE mostra que nada aprendeu com o tempo que passou no poder. Ao dizer uma coisa às 10 da manhã e outra às 12 horas, disparando sobre o funcionalismo público e driblando uma decisão do Tribunal Constitucional, foi claro: a legalidade é-lhe indiferente e, findo o tempo da troika, ele mantém-se no poder como o seu vice-rei que gere o protectorado. (...)

Depois de ter feito da sua política uma versão da Inquisição, culpando os portugueses pela dívida e pelo défice, os velhos pelo desemprego dos jovens, e o sector público pelos impostos do sector privado, Passos Coelho entrega os votos da administração pública nas mãos de António Costa. Há políticos desastrados e com uma visão de 10 graus. Passos Coelho é um deles. Deveria ler Maquiavel para se cultivar.»

2.11.14

Capitalismo


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Jorge de Sena – 2 de Novembro



Em jeito de homenagem, no dia em que Jorge de Sena faria 95 anos.

No país dos sacanas

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.

No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

Jorge de Sena (Outubro de 1973)
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Mas PORQUÊ 1640, mas porquê???

Faço minhas as palavras de Vasco Pulido Valente


«Imploro ao sr. José Rodrigues dos Santos que não me pisque mais o olho.» 
(Público de hoje)

Há muito que eu fecho os olhos antes de o telejornal acabar, só para não o ver!
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Donos da dívida



«Não é um conto de fadas. É simplesmente o nosso fado. Três anos de austeridade que passou por Portugal com a inclemência de uma ceifeira debulhadora e o défice estrutural lá continua.

O serviço da dívida público (e, já agora, privado) é tão elevado que bastará um espirro dos chamados mercados para que uma gripe se instale entre nós. Três anos depois de alquimias perfeitas (porque sempre iguais quando um país deixou de ter a arma da desvalorização cambial) do FMI, da União Europeia e da OCDE, só há uma convicção: o país está mais pobre. Mas continua de mãos atadas pelo défice e pela dívida. Ou seja, entregue aos humores das grandes potências e interesses estrangeiros. A oligarquia que nos governa mudou algumas faces mas continua a distribuir entre si o que sobra. Ou seja, o sistema está bloqueado. Em 1918, Ezequiel de Campos, na revista "Pela Grei", clarificava friamente a questão: "Não pode haver liberdade política onde há completa sujeição económica". Ou seja, ao contrário do que por aí corre, não nos libertámos da troika, nem desta União Europeia obtusa que, depois da estagnação, caminha para a deflação e que, um dia destes, será apenas um museu de cera do mundo. (...)

O défice não é o micróbio moderno da nossa vida financeira mas, pelo contrário, é tão antigo como a nacionalidade. Não parece ir parar por aqui. O que custa é que nunca aprendemos lições com o passado. Mas nisso não estamos sós. A Europa parece hoje uma tertúlia caduca obcecada com as contas de somar e subtrair. O desafio militar de Putin a uma Europa que militarmente não tem voz, e por isso deixou de ser uma voz forte nos conflitos internacionais, mostra que a austeridadezinha como ideologia vai levar à insignificância. E Portugal, bom aluno, segue assim rumo ao abismo. Comandado de Berlim e Bruxelas, os donos da dívida.»

Fernando Sobral