2.6.12

Poucos inocentes


No Expresso de hoje, um longo texto, violentíssimo, de Miguel Sousa Tavares. Alma caridosa mo enviou por mail, caridosamente aqui fica.

Alguns excertos e na íntegra também.

«Que o trio formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção matemática. Mas que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier candidatar-se a Presidente da República. (…)

Quando um dia se fizer a triste história destes anos de suicídio europeu, haveremos de perguntar como é que a Europa foi governada e destruída por um clube fechado de irresponsáveis, sem uma direcção, uma ideia, um projecto lógico. Como é que se começou por brincar ao directório castigador para com a Grécia para acabar a fazer implodir tudo em volta. Como é que se conseguiu levar a Lei de Murphy até ao absoluto, fazendo com que tudo o que podia correr mal tivesse corrido mal. (…)

Ou como é que um pequeno país, como Portugal, experimentou uma receita jamais vista — a de tentar salvar as finanças públicas através da ruína da economia — e que, oh, espanto, produziu o resultado mais provável: arruinou uma coisa e outra. E como é que, no final de tudo isto, as periferias implodiram e só o centro — isto é, a Alemanha e seus satélites — se viu coberto de mercadorias que os seus parceiros europeus não tinham como comprar e atulhado em triliões de euros depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para comprar tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam. 

Deixemos os grandes senhores da Europa entregues à sua irrecuperável estupidez e detenhamo-nos sobre o nosso pequeno e infeliz exemplo, que nos serve para perceber que nada aconteceu por acaso, mas sim porque umas vezes a incompetência foi demasiada e outras a inocência foi de menos. (…)

Tenho muitas mais ideias, algumas tão ingénuas como estas, mas nenhumas tão prejudiciais como aquelas com que nos têm governado. A próxima vez que o careca, o etíope e o alemão cá vierem, estou disponível para tomar um cafezinho com eles no Ritz. Pago eu, porque não tenho dinheiro para os juros que eles cobram se lhes ficar a dever.»

NA ÍNTEGRA:

Há que tempos que não ouvia isto!




E juro que não estou a pensar na madame Lagarde...
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E se os deuses não voltam?



No «i» de hoje, um excelente texto do Luís Rainha que esteve recentemente na Grécia. A ler na íntegra

«Os gregos parecem dotados de um optimismo inquebrantável, pelo menos os que mantêm os seus empregos e não são funcionários públicos nem pensionistas; Andreas assevera-nos que a maioria ainda não viu os seus rendimentos afectados pela austeridade. O paralelo com a conhecida fábula do grego Esopo, do miúdo que tantas vezes gritou avisos sobre a presença do lobo que a páginas tantas ninguém acreditava nele, é evidente. Anuncia-se para breve, de novo, a bancarrota do Estado grego, sem dinheiro para mandar cantar o proverbial cego. Parece que desta feita o executivo até já lançou mão dos fundos para reconstrução em caso de catástrofe natural; mas o alarme de catástrofe iminente não basta para assustar a população. A ideia de que “mais uma vez o dinheiro vai aparecer a tempo” impera na rua. (…) 

A Grécia é assim um país dilacerado entre o desejo e o medo da mudança. Entre a busca de redenção e as orações para que afinal o pior não chegue. Entre o negrume dos bas-fonds de Atenas e a electricidade dionisíaca ali mesmo ao lado. Talvez sejam parecidos connosco. Mas muito nos separa dos gregos, pelo menos por enquanto. Em Portugal vamo-nos encolhendo e esperando que o pior aconteça ao vizinho do lado mas não a nós; deixamos a maçada das manifestações para os comunistas e continuamos a compensar com o nosso voto quem nos trouxe até ao precipício. Há gregos convencidos de que somos “mais obedientes”; talvez por educação, ninguém usou o epíteto que Franco nos lançou há umas décadas: “Cobardes.” 

Em breve teremos ocasião de ver se eles levam o seu desafio até ao fim; e se nós continuamos de cabeça baixa na rota do matadouro, “custe o que custar”. Pois não consta que os deuses estejam na iminência de regressar ao Olimpo e ao desvelo com os seus filhos caídos.» (O realce é meu.)
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1.6.12

It was 45 years ago today



Regressando às origens: promoção original na época do lançamento do disco, em 1 de Junho 1967:




Versão melhorada:




Muito mais aqui.
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Notícias da pátria: desemprego vai subir

Do outro lado do Atlântico


Anteontem, milhares de pessoas percorreram as ruas de 70 cidades canadianas, nas já célebres «cassaroladas», em solidariedade com as lutas estudantis contra medidas de austeridade, que levaram ao aumento das propinas, e contra a Lei 78 que «enquadra» o direito de manifestação, proibindo assembleias não autorizadas e reduzindo assim, segundo os manifestantes, o direito de protesto. 

(Fonte, via Mariana Avelãs no Facebook)


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Entretanto, ainda se mata por apedrejamento



Neste caso, no Sudão: uma jovem de cerca de 20 anos foi condenada a este tipo de pena de morte, por motivo de adultério. Está numa prisão dos arredores de Cartum, algemada, com um filho bebé. 

Foi lançado um Apelo internacional para que a sentença não seja executada, ao qual se pode aderir AQUI.  

(Fonte)

31.5.12

São Lázaro 94 – Pela boca morre o peixe



As notícias sobre o despejo que hoje ocorreu estão um pouco por todo o lado e podem ser encontradas aqui. Indo para montante, deixo aqui este texto que o Zé Neves publicou no Facebook (*): 

«Deixemos em paz, por um momento, os polícias que estão a conduzir a desocupação de São Lázaro. 

O centro da questão é Helena Roseta, primeiro, e António Costa, depois. 

Não esperava que Roseta promovesse ocupações. Ou sequer que fizesse alguma coisa de esquerda. Em relação aos eleitos, eu sou assim, espero pouco das pessoas, que é para depois não me desiludir à grande. 

Mas esperava que Roseta não fosse mais zelosa do que os tribunais e que não ultrapassasse a lei pela direita. 

Roseta não precisava de ter feito nada de esquerda, nada de democrático, nada de cidadão. Bastava-lhe ter cumprido a lei como qualquer outro animal. 

E também ajudava ter vergonha na fronha. Que lhe dêem a escutar as críticas que fez a Rui Rio pela desocupação da Fontinha. Que lhe mostrem imagens da senhora vereadora que procurou assumir protagonismo na Assembleia Popular do Rossio. 

Roseta era do PSD, passou para o PS, passou para a ala esquerda do PS, criou um movimento de cidadãos à esquerda do espaço partidário. 

E de há uns tempos para cá iniciou o caminho de volta, embora agora, parece, com uma velocidade que não se viu antes, pois num par de anos: voltou para o espaço partidário que antes classificara como decadente; voltou para uma lista do PS sob o comando de António Costa; e agora, finalmente, ultrapassou sentenças judiciais pela direita. 

Com argumentos que fazem dela a Christine Lagarde portuguesa. (Diz Roseta que está a desocupar uma ocupação ilegalmente porque há pessoas mais carenciadas que efectivamente necessitam de casa ao contrário dos ocupas). 

Só não lhe chamo de vendida porque nunca comprei toda aquela gelatinice.»

(*) Texto entretanto publicado também no Vias de Facto.

P.S. – Talvez seja hoje o dia adequado para reler um texto que Helena Roseta escreveu há um ano
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GIPSI ?



Greece, Ireland, Portugal, Spain, Italy

Sempre é mais simpático do que PIGS ou PIIGS…
O termo não é novo (e já Krugman tinha usado GIPS), mas tinha escapado a muitos e anda por aí agora. 
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Então e eu? – A pergunta que todos fazemos



Estou com Manuel António Pina:

«Será a minha vida privada tão desinteressante que (…) os espiões do SIED e do SIS não têm nada a relatar sobre, como os velhos informadores da PIDE, o meu "porte moral"? 

É triste chegar quase aos 70 e ter a esquisita sensação de que a minha vida é, afinal, um livro tão aberto (ou tão fechado) que nenhuma "secreta" quer saber quem são os meus amigos e os meus inimigos; se tenho família, dívidas, pensamentos, conta bancária, colesterol. (…) 

A minha esperança é que tudo isso seja Informação Estratégica de Defesa e que, quando a Ongoing desvincular Silva Carvalho do segredo de Estado, eu descubra que, como os outros, também tenho uma vida merecedora de relatório com 16 páginas.» 
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30.5.12

Estão a fazer por isso...

Os gregos não pagam impostos?



Não pára a discussão sobre o tema, trazido de novo às «gordas» da comunicação social pelas recentes declarações da responsável pelo FMI, Christina Lagarde. 

Talvez valha a pena citar Eric Toussaint, especialmente conhecedor dos meandros das dívidas e das suas raízes, que, em entrevista recente, recordou muito claramente o seguinte: 

«Há algumas categorias da sociedade [grega] que não pagam impostos, mas não são os trabalhadores. Por exemplo, a Igreja ortodoxa não paga impostos, assim como todos os armadores de navios, que constituem um sector extremamente poderoso da economia grega. São os seus privilégios que alimentam os deficits e estes levam ao aumento da dívida pública.» 

Não li o Memorando que o governo grego assinou com a troika. Mas gostava mesmo de saber se impõe a cobrança de impostos às duas entidades referidas por Toussaint: a Igreja ortodoxa e os armadores. 
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O hino novo




(Corre por aí, chegou-me via Tomás Vasques no Facebook)
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Colados à casa e aos bancos do jardim



O Económico divulga hoje uma notícia preocupante sobre o decréscimo de utilização de comboios e de metropolitano pelos portugueses.

Traduzindo as percentagens, ficamos a saber que no primeiro trimestre de 2012, quando comparado com o de 2011, houve menos 3 milhões de passageiros que recorreram ao transporte ferroviário e 4,3 ao metro, em Lisboa e no Porto.

Como é de crer que apenas uma percentagem relativamente baixa tenha passado a utilizar o automóvel (também decresceu o seu uso, e muito, segundo outras estatísticas), só se pode concluir que a razão está na conjugação de aumento de preços dos transportes, diminuição geral do poder de compra e desemprego a crescer em flecha.

Ou seja: para além de muitos portugueses terem deixado de se deslocar para trabalhar, vão certamente menos às suas terras, não passeiam pelas cidades com os filhos durante os fins-de-semana, têm mais pais e avós reformados colados à casa, aos bancos dos jardins, quando muito ao bairro.

Não estamos a falar de peanuts: num país com menos de 11 milhões de habitantes, os números acima indicados são assustadores. Só daqui a algum tempo seremos capazes de avaliar as consequências sociais e psicológicas que decorrem de tudo isto. E não serão boas.

(Imagem da Paulete Matos
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29.5.12

Ressuscita, Padeira, a pátria chama-te



Aguiar Branco, hoje:

«A batalha da dívida está hoje na mesma dimensão que era a luta em relação a Castela, na época.» 
«A confiança que dantes havia é aquela que hoje os portugueses têm demonstrado. O engenho que dantes havia, é aquele que hoje temos demonstrado». 

E pachorra para aturar estas luminárias?!...
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Paris versus Nova Iorque

Os gregos vivem bem sem a «simpatia» que o FMI tem pelo Níger



«Niger was a victim of the IMF's now infamous Structural Adjustment Programme from 1982 and remains under an IMF programme to this day. As in Greece, the IMF loaned money to Niger to bail out Niger's creditors. (…) 

To pretend that the IMF operated in a somehow kinder way towards Niger than it is doing in Greece stands up to no scrutiny whatever. The IMF's policies cannot assist countries in crisis. Greece can learn from this – and has little to gain from Lagarde's "sympathy".» 

Ler em The Guardian: Greece can do without the 'sympathy' the IMF has shown Niger

Quando em Portugal as mulheres pegaram em armas e puseram bombas



Um texto de São José Almeida, publicado no Público de 28/5/2012 (sem link).

A história do PRP-BR antes de 25 de Abril começa a ser contada. Factos inéditos e histórias na primeira pessoa, de quando mulheres portuguesas assaltaram bancos em nome da luta política.

“Era muito insatisfatória a vida naquela altura. Era uma noite escura. Vivíamos uma noite escura e éramos meio cegos.” Assim é caracterizado o período final da ditadura, por uma das activistas do Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias (PRP-BR), ouvida sob o seu “nome de guerra” e que é a Joana II, no livro Mulheres de Armas. Histórias das Brigadas Revolucionárias. As acções armadas, os riscos as motivações, da autoria de Isabel Lindim, agora editado pela Editora Objectiva. 

Uma das mulheres dessa organização, Isabel do Carmo, é mãe da investigadora Isabel Lindim e faz o prefácio à obra que assume contornos inéditos. A antiga activista e dirigente política fala sobre o feminismo e o papel social e político das mulheres em Portugal, destacando a última geração do combate antifascista, então marcado pelas lutas estudantis e pela contestação à Guerra Colonial. E reflecte também sobre o que foi a história do PRP-BR, de que foi umas das principais dirigentes, em conjunto com Carlos Antunes e com o então seu companheiro, Orlando Lindim Ramos, pai de Isabel Lindim. 

“Não foi fácil” fazer esta reconstituição”, explica ao PÚBLICO Isabel Lindim. “Depois da primeira entrevista, com a Marília, começaram a surgir contactos. Falei com o homem que fez mais acções e ele deu-me o contacto de várias”, prossegue a investigadora, acrescentando: “Para algumas, foi um exorcismo e foi  difícil que falassem. Outras, logo ao telefone, começavam a contar coisas. Todas as conversas foram mostradas às próprias, para confirmar que podia sair o que saiu”. E lamenta: “A algumas não consegui chegar. Mas se não pusesse fim à recolha, não acabava. Fiz o livro entre 2010 e 2011, ao longo de ano e meio.”


Mulheres que ousaram 

Ousar o que só poucos homens tinham coragem de fazer é uma das peculiaridades destas mulheres: integrar acções armadas contra a ditadura. Mesmo assim, Isabel Lindim alerta para que, “apesar de haver algumas mulheres na organização, a política continuava a ser um mundo essencialmente dos homens, ainda mais quando envolvia acções clandestinas” (p. 210). 

Mulheres de Armas apresenta-nos, assim, a história de 15 mulheres que, na primeira linha ou na retaguarda, personificaram as 15 acções do PR-PBR, iniciadas em 7 de Novembro de 1971 na sabotagem à sede da NATO na Fonte da Telha, até 9 de Abril de 1974, com a sabotagem ao navio Niassa. Assim surgem-nos as operacionais, ainda sob pseudónimo, Graça, Joana I, Joana II e, assumindo o nome próprio, Maria Elisa da Costa, Maria Patrocínia Raposo Guerreiro, Paula Viana. Ou seja, seis mulheres que desempenharam a tarefa política de colocar bombas, rebentar petardos com panfletos de propaganda política, de assaltar bancos.

Já no apoio a estas acções armadas este livro traz para a história o contributo assumido na primeira pessoa de Teresa Gaivão Veloso, Manuela Lima, Marília Viterbo, Maria João Ceboleiro, Celeste Ceboleiro, Laurinda Queirós, Alexandra Ramos e Joana Lopes. E ainda Luísa Sarsfield Cabral, que, por ser dona de uma casa de apoio onde esteve uma mala com explosivos, sem que ela soubesse do que se tratava, acabou por ser presa pela PIDE com direito a quatro noites de tortura do sono e um mês de isolamento, para ser forçada a falar sobre um assunto que em absoluto desconhecia. Aliás, o segredo era a arma organizacional do PRP–BR. Ninguém sabia nada sobre ninguém ou sabia apenas o essencial. 

“A PIDE não teve tempo nem audácia para descobrir a fileira das Brigadas Revolucionárias. Para a polícia política, a organização foi sempre uma incógnita, um grupo difícil de definir, por não se ligar a nenhum partido, e difícil de apanhar, possivelmente porque ninguém estava à espera de que uma organização vinda do nada desatasse a roubar bancos e a destruir alvos militares”, afirma Isabel Lindim, acrescentando: ”Se não tivesse acontecido o 25 de Abril, talvez a polícia tivesse descoberto o rasto da organização e dos elementos. Esta questão nunca foi esquecida pelos intervenientes das BR: um dos princípios alinhavados era o de não se saber muito sobre a vida dos outros. Assim, se fossem forçados a falar, não saberiam o que contar, por muito ‘espremidos’ que fossem” (p. 163-4). Outras regras da organização eram o autofinanciamento, através de assaltos a bancos, e o princípio de que as acções armadas e o rebentamento de bombas em alvos militares não causassem mortes. “Não apadrinhávamos a luta armada violenta, mas achávamos que era necessário fazer qualquer coisa…” (p. 111). 

Mesmo assim, uma acção falhada em que a bomba rebentou ao ser instalada levou à morte de dois operacionais, Carlos Curto e Arlindo Garrett. E se mais operacionais não morreram, não foi pela ausência de risco nas operações. Exemplo é a tentativa falhada de colocação de uma bomba no Ministério do Interior, no Terreiro do Paço, através das instalações da Direcção-Geral de Saúde, que funcionava no mesmo edifício, contada no livro por Joana II. “Simulámos uma história em que eu ia pedir emprego de professora. Fiz de grávida. As bombas iam à volta da barriga, sem detonador. Quando cheguei à casa de banho, montei tudo. Eram uma espécie de chouriços, que presumíamos caber na sanita, só que eram demasiado grandes e não cabiam”, relata a operacional do PRP-BR. 

“Foi mal previsto, tecnicamente. Tive medo de desmontar a bomba, portanto saí do ministério com ela montada. Na saída, ainda houve um senhor que me deu uma festinha na barriga e perguntou para quando era”, prossegue Joana II e acrescenta: “Quando saí, não vi a pessoa que estava a fazer o apoio de carro e que me levaria dali para fora. Tive de apanhar um táxi e pedir para ir devagar, disse que estava maldisposta por causa da gravidez.” E conclui: “Quando cheguei à casa onde estava a Isabel do Carmo e as outras pessoas, ia com a bomba montada. Ela disse para toda a gente sair e ajudou-me a desmontar os explosivos. Fiquei triste por não ter conseguido, porque corri todos os riscos sem efeito nenhum” (p. 112).
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28.5.12

Verdade e verosimilhança



José Queirós, «Provedor do Leitor» do Público, explicou ontem longamente, na sua coluna semanal, a posição que tem neste momento quanto à saga que opõe o ministro Relvas a várias instâncias daquele órgão de comunicação. 

Alguns dirão, imediatamente, que é parte interessada neste caso. Mas a sua análise (que pode ser lida aqui na íntegra) parece-me muito calma, lúcida e cuidadosa. Destaco o seguinte: 

«Con­virá recor­dar que são aber­ta­mente con­tra­di­tó­rias as des­cri­ções fei­tas por Miguel Rel­vas e Leo­nete Bote­lho acerca do con­teúdo das con­ver­sas tele­fó­ni­cas que, por ini­ci­a­tiva do pri­meiro, man­ti­ve­ram no dia 16. A edi­tora rea­firma que foram pro­fe­ri­das, em duas cha­ma­das dis­tin­tas, as ame­a­ças que o jor­nal denun­ciou; o minis­tro nega tê-las feito. Não espe­rem os lei­to­res encon­trar aqui uma ver­dade apu­rada de acordo com inequí­vo­cas pro­vas mate­ri­ais, que, ao que tudo indica, não existirão.

Não me fur­ta­rei, con­tudo, a um juízo de vero­si­mi­lhança. Não con­si­dero crí­vel que as ame­a­ças denun­ci­a­das pos­sam ter sido inven­ta­das pelo PÚBLICO, e a con­sis­tên­cia das expli­ca­ções que recebi reforça essa con­vic­ção. Não se vis­lum­bra que motivo ou inte­resse pudes­sem con­du­zir a tama­nho aten­tado à ética pro­fis­si­o­nal, que pres­su­po­ria o envol­vi­mento de um con­junto de jor­na­lis­tas res­pei­ta­dos numa cons­pi­ra­ção ini­ma­gi­ná­vel em que esta­riam a enga­nar cons­ci­ente e deli­be­ra­da­mente os seus lei­to­res. No essen­cial, o balanço da his­tó­ria do jor­nal é o maior argu­mento con­tra essa hipó­tese mira­bo­lante, e a repu­ta­ção pro­fis­si­o­nal da edi­tora que escu­tou as fra­ses agres­si­vas de Rel­vas desau­to­riza qual­quer sus­peita desse tipo. (…)

Não posso dizer o mesmo da cre­di­bi­li­dade do minis­tro envol­vido neste caso, que nos últi­mos dias fez várias decla­ra­ções con­tra­di­tó­rias no âmbito das ave­ri­gua­ções sobre o escân­dalo das secre­tas — era esse, aliás, o objecto das ques­tões que o PÚBLICO lhe diri­giu — e foi intro­du­zindo adap­ta­ções e infle­xões no seu dis­curso de nega­ção das ame­a­ças ao jor­nal e à jor­na­lista, em con­traste com a con­sis­tên­cia inal­te­rada da nar­ra­ção dos fac­tos que o com­pro­me­tem. Aquilo que já reco­nhe­ceu que fez, e que o terá levado a pedir des­cul­pas cujo con­teúdo ainda não é total­mente claro, indi­cia um inte­resse empe­nhado em tra­var as notí­cias sobre o seu rela­ci­o­na­mento com o ex-espião acu­sado pelo Minis­té­rio Público.»
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«Der Spiegel» entrevista Alexis Tsipras




Excertos:

SPIEGEL: You might be Greece's prime minister the next time you come to Berlin. If that happens, will Greece still be a member of the euro zone?
Tsipras: Of course. We'll do everything we can so that Greece can retain the euro. We're trying to convince our European partners that it's also in their interest to finally lift the austerity diktat. We need policies that don't destroy the Greek economy but, rather, allow for renewed growth. (…)

SPIEGEL: Are you seriously claiming that the reforms which Europe is demanding as a precondition for loan assistance are the reason for Greece's miserable situation?
Tsipras: If we are once again pushed and blackmailed into an austerity program that has so obviously failed, then it won't be long before Greece is in fact no longer capable of paying its creditors. (…)

SPIEGEL: If Greece ultimately exits the euro, you will also bear some of the blame. You promised your voters the impossible: retaining the euro while breaking Greece's agreements with the rest of Europe. How can such a plan find success?
Tsipras: I don't see any contradiction in that. We simply don't want the money of European citizens to vanish into a bottomless pit. The fact that there is financial assistance is the principle of European solidarity and a mark of being part of a community. That's good. But we think these resources should also be put to sensible use: for investments that can also generate prosperity. Only then will we in fact be able to pay back our debts. (…)

SPIEGEL: Given your dependence on financial support and your rejection of vital structural reforms -- such as that of the public administration -- already agreed on, how do you propose doing so?
Tsipras: We're not opposed to reforms. We're only saying what so many economists, what many German newspapers and what even former German Chancellor Helmut Schmidt are saying -- and what the OECD has now reconfirmed in a study: The austerity policies we've been implementing for two years -- the policy of solely relying on drastic belt-tightening -- have failed. We now find ourselves in the fifth year of the recession. This year too, our economy will once again contract by at least 6 percent. (…)

SPIEGEL: The most recent talks in Athens aimed at forming a government failed because you refused to join in any coalition. At the moment, opinion polls indicate that your Syriza alliance is running neck and neck with the conservative Nea Dimokratia (New Democracy) party. Who would you like to partner with after the new elections on June 17?
Tsipras: We would, of course, like to have a left-wing coalition. And we'll do everything we can to make things add up in our favor this time.
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A cultura é barata




Activistas de norte a sul do país saíram esta madrugada à rua para reivindicar a falta de investimento no sector Cultural. Sob o mote "a Cultura é barata", exibiram frases em várias sedes da EDP e BPN com o objectivo de mostrar aos portugueses quais é que têm sido as escolhas políticas nos últimos anos e o que representam para o sector cultural.

Mais aqui e aqui.
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Semi-morto



José Medeiros Ferreira:  

«Marcelo Rebelo de Sousa prevê que o ministro Relvas fique em estado semi-morto depois desta enorme confusão instalada. Admito. Mas o "estado semi-morto" tem ajudado a carreira de muita gente nos governos. Ou como diria o doutor Salazar "Se quiser ir longe faça-se morto". Semi-morto é uma nuance trazida pelo PSD...r»
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28 de Maio de 1926 - Data sinistra...



Dia sinistro e decisivo para a nossa História, esse que pôs termos à 1ª República, daria mais tarde origem ao Estado Novo e que era devidamente assinalada todos os anos até… 1973. 

Foi num 28 de Maio, mais concretamente em 1936, no 10º aniversário da «Revolução Nacional», que Salazar proferiu um discurso que viria a ficar tristemente célebre: 




Em 1966, no 40º aniversário, para assistir às celebrações, em Braga, Salazar, então com 77 anos, viajou pela primeira vez de avião até ao Porto – entre os outros passageiros, acompanhado pela governanta. 



Mas não se vê, neste vídeo, uma frase do discurso que deixou o país suspenso: «Eis um belo momento para pôr ponto nos trinta e oito anos que levo feitos de amargura no Governo». Mas Salazar continuou: «Só não me permito a mim próprio nem o gesto nem o propósito, porque, no estado de desvairo em que se encontra o mundo, tal acto seria tido como seguro sinal de alteração da política seguida em defesa da integridade da pátria»

E ficou no cargo até cair de uma cadeira abaixo!...

Há quem não considere politicamente correcto recordar Salazar e os seus discursos. Não concordo: é importante «sentir» de onde vimos e para onde não queremos voltar.
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27.5.12

No dia 25 de Maio



Mais um texto de Rita Veloso.


No dia 25 de Maio, o Zé Mário Branco fez anos. Enviei-lhe um e-mail de parabéns, «oferecendo-lhe» o link para um texto que escrevi a propósito de um outro 25 de Maio, publicado aqui no «Brumas». A sua resposta trazia mais memórias desse período soterrado pelas aparências de liberdade, igualdade e fraternidade que vivemos hoje. Comentei com a Joana Lopes, enviei novo e-mail ao Zé Mário, que autorizou que partilhássemos a sua resposta aqui.

***** 

Zé Mário

Vi agora, na coscuvilheira net, que faz anos! O dia 25 de Maio também tem história para mim. Mando um abraço e um link para um texto que escrevi para ser publicado hoje. É pequeno, espero que goste! Está aqui

Um abraço!
Rita

***** 

Obrigado, Rita. 

É uma história comovente, e um belo presente de anos. 

Nesse 25 de Maio de 1969 estaria eu, em Paris, em pleno entusiasmo de criação de uma cooperativa cultural com amigos franceses, espanhóis e portugueses, o «Groupe Organon», e dando o salto da vida dos empregos para a profissionalização na música — tudo isso resultado do Maio do ano anterior... 

Mas há outra coincidência, além da data: sete anos antes, em 62, depois de fazer os meus 20 anos num dos curros do Aljube, com o Lousã Henriques como companheiro de cela, algum familiar me levou dois livros para eu ler: Crime e Castigo, do Dostoievsky, e Aurélien, do Aragon. Os carcereiros não deixaram entrar o Dostoievsky por ser russo, mas deixaram passar o Aurélien, sem fazerem a mínima ideia do que fosse. E este foi um dos livros que mais me marcaram em toda a vida. Como vê, já então, antes de acontecer, de certo modo Aragon me dissera que algum Pai de alguma Rita se iria chamar Aurélio. 

Retribuo a prenda mandando-lhe uma foto da libertação, a minha chegada a Lisboa em 30 de Abril de 1974 (o seu Pai fora libertado três dias antes), cantando a Grândola no aeroporto com o Zeca e o Adriano — foto tirada pelo fotógrafo Carlos Gil, que era primo da minha mãe (a senhora de óculos fumados do lado direito). 

Um beijo do JMB
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Não parece mas é



... uma pulga de gato (imagem obtida por electromicrografia).
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Cambodja: exploração de crianças



Já escrevi, nem sei quantas vezes, como o Cambodja me impressionou e nunca mais me saiu da cabeça e das entranhas, desde que, in loco, tomei consciência do drama histórico deste país até quase ao fim do século passado e da pobreza em que ainda vive. 

Hoje leio que, apesar da paz dos últimos tempos e dos dois milhões turistas que por lá passam por ano, as histórias escabrosas continuam. 

Na esperança de que os filhos recebam uma educação de «estilo ocidental», muitos pais, muito pobres, entregam os filhos a orfanatos que viram a sua população mais do que duplicar na última década, apesar dos progressos da economia do país. 70% desses órfãos têm pelo menos um dos pais vivo. 

Se muitos turistas, impressionados pelo que vêem, ficam no país para ajudarem como voluntários nesses orfanatos e em escolas, descobre-se agora que algumas das organizações que enquadram esses voluntários e planificam o seu trabalho exploram as próprias crianças. A maldade humana parece não ter limites. 

Tudo explicado aqui: notícia e vídeo. 
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Tadinhos dos Tugas



Na Revista do Expresso desta semana, mais um óptimo texto de Clara Ferreira Alves sobre a Grécia – ou sobre nós e os gregos… (No mesmo número, também, uma longa reportagem da jornalista, a partir da sua estadia em Atenas: «A hecatombe grega».) 

«Se, apesar de tudo, a Alemanha decretar a morte dos gregos, a morte dos portugueses é inevitável. O terramoto será lá mas as ondas de choque farão cair aqui pela base as certezas do Governo que temos. O de Pedro Passos Coelho, insuperável estadista. O de Álvaro Santos Pereira, ministro do coiso. O de Vítor Gaspar, rapaz que nasceu no país errado. E o do ministro (esperemos que breve) Relvas, esse monumento à liberdade e ao superior intelecto nacional. Mais os seus criados de servir e alcoviteiras. Visto de Atenas, este Governo parece-me tão seguro como o “Costa Concordia” a passar em frente à ilha para o cozinheiro poder dizer adeus aos primos. O navio vai morrer na praia. Citando o comandante Schettino, a culpa não é deles, é das rochas.» 

Na íntegra AQUI
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