Um texto de São José Almeida, publicado no Público de
28/5/2012 (sem link).
A história do PRP-BR antes de 25 de Abril começa a ser
contada. Factos inéditos e histórias na primeira pessoa, de quando mulheres
portuguesas assaltaram bancos em nome da luta política.
“Era muito insatisfatória a vida naquela altura. Era uma
noite escura. Vivíamos uma noite escura e éramos meio cegos.” Assim é
caracterizado o período final da ditadura, por uma das activistas do Partido
Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias (PRP-BR), ouvida sob o
seu “nome de guerra” e que é a Joana II, no livro Mulheres de Armas. Histórias
das Brigadas Revolucionárias. As acções armadas, os riscos as motivações, da
autoria de Isabel Lindim, agora editado pela Editora Objectiva.
Uma das mulheres dessa organização, Isabel do Carmo, é mãe
da investigadora Isabel Lindim e faz o prefácio à obra que assume contornos inéditos.
A antiga activista e dirigente política fala sobre o feminismo e o papel social
e político das mulheres em Portugal, destacando a última geração do combate
antifascista, então marcado pelas lutas estudantis e pela contestação à Guerra Colonial.
E reflecte também sobre o que foi a história do PRP-BR, de que foi umas das
principais dirigentes, em conjunto com Carlos Antunes e com o então seu
companheiro, Orlando Lindim Ramos, pai de Isabel Lindim.
“Não foi fácil” fazer esta reconstituição”, explica ao
PÚBLICO Isabel Lindim. “Depois da primeira entrevista, com a Marília, começaram
a surgir contactos. Falei com o homem que fez mais acções e ele deu-me o
contacto de várias”, prossegue a investigadora, acrescentando: “Para algumas,
foi um exorcismo e foi difícil que
falassem. Outras, logo ao telefone, começavam a contar coisas. Todas as
conversas foram mostradas às próprias, para confirmar que podia sair o que
saiu”. E lamenta: “A algumas não consegui chegar. Mas se não pusesse fim à
recolha, não acabava. Fiz o livro entre 2010 e 2011, ao longo de ano e meio.”
Mulheres que ousaram
Ousar o que só poucos homens tinham coragem de fazer é uma
das peculiaridades destas mulheres: integrar acções armadas contra a ditadura. Mesmo
assim, Isabel Lindim alerta para que, “apesar de haver algumas mulheres na
organização, a política continuava a ser um mundo essencialmente dos homens,
ainda mais quando envolvia acções clandestinas” (p. 210).
Mulheres de Armas
apresenta-nos, assim, a história de 15 mulheres que, na primeira linha ou na
retaguarda, personificaram as 15 acções do PR-PBR, iniciadas em 7 de Novembro de
1971 na sabotagem à sede da NATO na Fonte da Telha, até 9 de Abril de 1974, com
a sabotagem ao navio Niassa. Assim surgem-nos as operacionais, ainda sob
pseudónimo, Graça, Joana I, Joana II e, assumindo o nome próprio, Maria Elisa
da Costa, Maria Patrocínia Raposo Guerreiro, Paula Viana. Ou seja, seis
mulheres que desempenharam a tarefa política de colocar bombas, rebentar
petardos com panfletos de propaganda política, de assaltar bancos.
Já no apoio a estas acções armadas este livro traz para a
história o contributo assumido na primeira pessoa de Teresa Gaivão Veloso,
Manuela Lima, Marília Viterbo, Maria João Ceboleiro, Celeste Ceboleiro,
Laurinda Queirós, Alexandra Ramos e Joana Lopes. E ainda Luísa Sarsfield
Cabral, que, por ser dona de uma casa de apoio onde esteve uma mala com explosivos,
sem que ela soubesse do que se tratava, acabou por ser presa pela PIDE com
direito a quatro noites de tortura do sono e um mês de isolamento, para ser
forçada a falar sobre um assunto que em absoluto desconhecia. Aliás, o segredo
era a arma organizacional do PRP–BR. Ninguém sabia nada sobre ninguém ou sabia
apenas o essencial.
“A PIDE não teve tempo nem audácia para descobrir a fileira
das Brigadas Revolucionárias. Para a polícia política, a organização foi sempre
uma incógnita, um grupo difícil de definir, por não se ligar a nenhum partido,
e difícil de apanhar, possivelmente porque ninguém estava à espera de que uma organização
vinda do nada desatasse a roubar bancos e a destruir alvos militares”, afirma
Isabel Lindim, acrescentando: ”Se não tivesse acontecido o 25 de Abril, talvez
a polícia tivesse descoberto o rasto da organização e dos elementos. Esta
questão nunca foi esquecida pelos intervenientes das BR: um dos princípios
alinhavados era o de não se saber muito sobre a vida dos outros. Assim, se
fossem forçados a falar, não saberiam o que contar, por muito ‘espremidos’ que
fossem” (p. 163-4). Outras regras da organização eram o autofinanciamento, através
de assaltos a bancos, e o princípio de que as acções armadas e o rebentamento
de bombas em alvos militares não causassem mortes. “Não apadrinhávamos a luta armada
violenta, mas achávamos que era necessário fazer qualquer coisa…” (p. 111).
Mesmo assim, uma acção falhada em que a bomba rebentou ao ser
instalada levou à morte de dois operacionais, Carlos Curto e Arlindo Garrett. E
se mais operacionais não morreram, não foi pela ausência de risco nas
operações. Exemplo é a tentativa falhada de colocação de uma bomba no
Ministério do Interior, no Terreiro do Paço, através das instalações da
Direcção-Geral de Saúde, que funcionava no mesmo edifício, contada no livro por
Joana II. “Simulámos uma história em que eu ia pedir emprego de professora. Fiz
de grávida. As bombas iam à volta da barriga, sem detonador. Quando cheguei à
casa de banho, montei tudo. Eram uma espécie de chouriços, que presumíamos
caber na sanita, só que eram demasiado grandes e não cabiam”, relata a
operacional do PRP-BR.
“Foi mal previsto, tecnicamente. Tive medo de desmontar a
bomba, portanto saí do ministério com ela montada. Na saída, ainda houve um
senhor que me deu uma festinha na barriga e perguntou para quando era”, prossegue
Joana II e acrescenta: “Quando saí, não vi a pessoa que estava a fazer o apoio de
carro e que me levaria dali para fora. Tive de apanhar um táxi e pedir para ir
devagar, disse que estava maldisposta por causa da gravidez.” E conclui:
“Quando cheguei à casa onde estava a Isabel do Carmo e as outras pessoas, ia
com a bomba montada. Ela disse para toda a gente sair e ajudou-me a desmontar
os explosivos. Fiquei triste por não ter conseguido, porque corri todos os riscos
sem efeito nenhum” (p. 112).
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