30.4.11
1973 – O último 1º de Maio da ditadura
Como todos os anos, também em 73 se organizaram concentrações, obviamente proibidas, em diversas cidades do país, para assinalar o Dia do Trabalhador. Como sempre, com grande concentração de forças policiais que dispersavam, à força, os que mais não pretendiam do que manifestar-se pacificamente. Nesse ano com uma violência especial que provocou muitos feridos e se saldou em dezenas de prisões: era o estertor inconsciente de um regime que se aproximava do seu fim.
Nessa madrugada do 1º de Maio de 1973, as Brigadas Revolucionários fizeram explodir engenhos que destruíram dois pisos do Ministério das Corporações, na Praça de Londres em Lisboa. Na véspera, tinham distribuído panfletos convocando para as manifestações do 1º de Maio, em cerca de 200 localidades, através do rebentamento de petardos.
Durante a tarde, foram recebidos telefonemas com falsos alertas de bomba em várias grandes empresas de Lisboa. Veio a saber-se depois que se tratara também de uma iniciativa das Brigadas Revolucionárias, cujo objectivo era «libertar» mais cedo os trabalhadores para que pudessem participar na manifestação.
Assim se fintava o poder como se podia, sem sonhar, nem com muita imaginação, com o que viria finalmente a acontecer, menos de um ano mais tarde.
Para a história, o registo de uma circular da CNSPP (Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos), de 9/5/1973:
«Tem-se verificado, nas últimas semanas, um acentuado agravamento da repressão política no nosso país: com o pretexto de impedir quaisquer manifestações públicas por ocasião do 1.º de Maio, procedeu a Direcção-Geral de Segurança à prisão indiscriminada de um elevado número de pessoas, em várias localidades e pertencendo aos mais diversos sectores de actividade profissional. Só durante o período que decorreu de 7 de Abril a 7 de Maio tem a CNSPP conhecimento de terem sido presas 91 pessoas, cujos elementos de identificação se possuem já. Sabe-se, no entanto, que muitas outras dezenas de pessoas foram detidas (...)
As forças policiais desencadearam, nos primeiros dias deste mês, uma desusada onda de violência. No 1.° de Maio, as zonas centrais da cidade de Lisboa e Porto foram teatro de grandes concentrações por parte das forças das diversas corporações policias e parapoliciais (com agentes fardados e à paisana). No Rossio e em toda a área circundante essa presença não se limitou ao papel de intimidação ou de repressão, mas adquiriu características de verdadeira agressão: espancamentos brutais e indiscriminados, grande número de feridos, dezenas de prisões. Dessa agressão, foram vítimas muitos trabalhadores, assim como estudantes e outras pessoas que se limitavam a passar pelo local».
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En guardia
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(Via Miguel Cardina no Facebook)
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A «herança dramática» de João Paulo II
Regresso ao tema da beatificação de João Paulo II, que terá lugar amanhã em Roma, por duas razões: por um lado porque, agora que terminou o espectáculo Kate / Williams, e enquanto esperamos pelos veredictos finais da Troika, vamos ser bombardeados por relatos directos e indirectos (capitaneados, no nosso serviço público de televisão, pela inefável Fátima Campos Ferreira, evidentemente…) e, por outro, porque, se não faltam na imprensa referências à perplexidade provocada por esta decisão do Vaticano, me parece relevante citar uma crónica do padre Anselmo Borges, publicada hoje, no DN.
Se o autor não esconde a admiração pelo papa em questão, resume bem, em dois parágrafos, o contributo negativo deste para o estado actual das hostes católicas:
Se o autor não esconde a admiração pelo papa em questão, resume bem, em dois parágrafos, o contributo negativo deste para o estado actual das hostes católicas:
«Mas João Paulo II era apenas um homem, um homem do seu tempo, que vinha do leste e tinha uma certa visão da Igreja. Daí que não faltem vozes críticas quanto à sua actuação e, consequentemente, quanto à sua beatificação precipitada. Ele viveu grandes contradições, como, por exemplo, pediu perdão pelas culpas da Igreja ao longo da História ao mesmo tempo que continuou a condenar um grande número de teólogos, defendeu os Direitos Humanos para o mundo ao mesmo tempo que reprimiu quem dissentia das suas concepções doutrinais e teológicas. Pôs travão a horizontes abertos pelo Concílio Vaticano II, foi incapaz de rever algumas normas de ética sexual, opôs-se tenazmente a uma reflexão sobre a obrigatoriedade do celibato eclesiástico, recusou debater de modo sério o lugar da mulher na Igreja, pôs termo à teologia da libertação.
O facto é que a Igreja está numa crise profunda e muitos fiéis estão a abandoná-la ou encontram-se em autogestão da fé. Sobretudo, João Paulo II deixou uma herança dramática por causa do modo como terá lidado com os abusos de menores por parte do clero e com a figura perversa do fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel. »
Em rodapé, registe-se que, afinal, o reino dos céus tem interpretações muito estranhamente permissivas para ao Vaticano, que mantém relações diplomáticas com quem não é admitido em solo europeu por violação dos direitos humanos, mas será um dos chefes de Estado presentes, amanhã, na basílica de S. Pedro: Robert Mugabe, ao vivo e a cores…
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29.4.11
Ainda sobre os 4 x Presidentes x 4
E eis que, de repente, ao som de um granizo assustador que espalha um pouco o pânico aqui por Benfica, e à luz de uns belíssimos trovões, leio a crónica de Vasco Pulido Valente no Público de hoje (sem link) e dou por mim a concordar, se não com tudo o que diz, pelo menos no essencial do que transcrevo:
«Os quatro presidentes da República, para celebrar o “25 de Abril”, vieram pedir aos portugueses nada mais, nada menos do que um “compromisso nacional”. (…) Os catequistas do entendimento patriótico não querem mudar o mundo. Querem com a modéstia que sempre os distinguiu uma única coisa: que o PS não fique na oposição. Porquê? Porque gostam dele? Não. Porque têm medo que o PS um dia destes venha para a rua com o PC e o Bloco e com a gente que por aí anda na maior miséria. O “compromisso” nacional não se destina a estabelecer a fraternidade e o sossego entre a populaça. Ao que se destina é a isolar a extrema-esquerda e a privar o presumível descontentamento com as medidas do FMI e da “Europa” de uma cabeça política eficaz. Daí que ninguém se atreva a sugerir uma segunda Aliança Democrática: puro anátema para os crentes e quase uma provocação para o PS. Os presidentes não gostam disso. Nem os “negócios”, nem a “burguesia”, nem a “alta classe média”. Antes de tudo, ordem e sossego.»
Ninguém sabe como será desatado o nó do empate técnico que as previsões atribuem, neste momento, a PS e PSD. Mas qualquer que seja o desfecho, parece-me que o «processo de intenções» (chamemos-lhe assim) de VPV em relação aos presidentes faz todo o sentido.
E se a cena que ele prevê como possível, de um PS de braço dado com a esquerda da esquerda pelas ruas do país, a aplaudir os Homens da Luta e a cantar «que parvo que eu fui!», parece hoje fantasmagórica, basta recuar nove anos e refrescar as memórias: Ferro Rodrigues foi o primeiro secretário-geral do PS a ter participado numa manifestação do 1º de Maio da CGTP.
Isto aconteceu no dia 1 de Maio de 2002, vinte e cinco dias depois de Durão Barroso ter tomado posse como PM, na sequência do pedido de demissão de António Guterres. E e de o PS ter passado, portanto, para a oposição…
Mas não assistiremos, em Junho ou Julho de 2011, a algo de semelhante, Porque o mais provável é que o desejo dos 4 PRs se realize e que o PS vá mesmo para o governo.
Mas não assistiremos, em Junho ou Julho de 2011, a algo de semelhante, Porque o mais provável é que o desejo dos 4 PRs se realize e que o PS vá mesmo para o governo.
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Quase 5.000.000 de desempregados
Em Espanha, a «Encuesta de Población Activa» revelou agora novos números: 4,9 milhões de pessoas sem emprego, o que corresponde a 21,3% da população da população activa.
Durante o primeiro trimestre deste ano, mais 256.500 ficaram em casa. Com a actual crise, desapareceram 2,37 milhões de postos de trabalho, o que faz da Espanha o país industrializado com mais empregos destruídos desde 2008.
Um quinto dos cinco milhões de pessoas atingidas não recebe qualquer subsídio e o número de lares em que todos membros estão desempregados subiu agora para 1,38 milhões.
A crueza da situação é mais evidente quando não se mostram apenas percentagens. É meio Portugal que, mesmo aqui ao lado, vive este drama sem data de fim prevista. Como previsto não estava este terrível tropeção na história de todos nós.
(Daqui.)
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28.4.11
Sobre a reunião que não houve
Posição de Miguel Portas, divulgada hoje no Facebook, sobre a recusa do Bloco de Esquerda em estar presente nas reuniões com a troika. De um modo geral, estou de acordo.
Pedem-me que comente a não ida do Bloco e do PC à reunião com a troika. Passaram vários dias, mas pelos vistos continua actual. Então aqui vai o que penso:
1. Ir ou não ir não é uma questão de princípio. Nem é correcto dizer que se deve ir sempre porque “nunca se deve dizer não a um convite” ou “em todo o lado é preciso dizer o que pensamos”, como não é acertado dizer que “com o inimigo nunca se fala”.
2. Ir ou não ir é (foi), portanto, uma questão táctica. Não por causa de qualquer “plano obscuro”, mas porque se ponderaram argumentos de um lado e de outro e, finalmente, se decidiu. Isto quer dizer que é normal a existência de pontos de vista sobre a decisão tomada e que o bloco convive bem com isso.
3. Convém retirar da discussão argumentos menos produtivos. Evidentemente, o FMI não propôs as reuniões para negociar fosse o que fosse ou dizer fosse o que fosse. Desde logo porque a negociação se faz com o governo e depois porque, à época das reuniões, eles não tinham nada para dizer. Aliás, a equipa que estava em Portugal é ainda a segunda linha da troika. Eles estavam, isso sim, interessados em ouvir. O que se discute é se o bloco e o PC tinham interesse em fazer-se ouvir dessa forma.
4. Afastemos ainda outro argumento – o de que não tendo ido, ficámos sem pio, “protestámos calados”. Se o problema era o FMI saber que bloco e PC são contra e porquê, convenhamos que têm modos de o saber; se a questão era cá para dentro, então forçoso é reconhecer que os media deram, por boas ou más razões, mais atenção ao facto de não se ter ido do que alguma vez dariam se os dois partidos tivessem aceite as reuniões.
5. Dito isto, porque é que concordo com a decisão que foi tomada?
6. Em fins de Março, o senhor Trichet informou os banqueiros portugueses que o BCE deixaria de lhes comprar ou aceitar em contrapartida os títulos de dívida portuguesa que possuíam, a juros de seis, sete e oito por cento. Acto contínuo, os banqueiros informaram o governo português que deixariam de ir aos leilões de dívida. Postas as coisas nestes termos, melhor seria um resgate, disseram todos, de Trichet a Teixeira dos Santos, passando por Ricardo Salgado. Foi assim que chegaram a Lisboa uns senhores de óculos escuros e pastas negras com experiência nestas andanças. No Ministério das Finanças, estão a estabelecer ro programa que permite ao BCE retirar-se de jogo sem que os banqueiros vejam os seus interesses beliscados. Até Abril, o BCE assegurara liquidez e margens de lucro mais do que respeitáveis à banca; a partir de Abril, o BCE continuará a garantir liquidez, mas as margens passam a ser asseguradas pelos contribuintes portugueses. O resgate é, assim, o seguro dos credores e os homens de óculos escuros a sua garantia. A questão é: sendo este o esquema, Bloco e PC deveriam ter aceite?
7. Se estivesse na direcção da CGTP, a minha posição teria sido Sim. Os sindicatos não vão a votos, estão na concertação e devem dizer a quem prepara o catálogo de malfeitorias que aí vem, quais as linhas que, em sua opinião, não se devem pisar.
8. Mas eu estou na direcção do bloco e a minha posição foi Não. Com os partidos, o problema coloca-se de forma diferente. Em qualquer capital europeia se sabe que o resgate transforma Portugal num Protectorado... a três semanas de eleições. A decisão mais importante que afecta o país em muitos anos e para muitos anos, está a ser negociada por um governo diminuído, será assinada por dois partidos que precisam de ficar na fotografia e vai ser tomada numa reunião de ministros das finanças... em Bruxelas... a três semanas de eleições.
9. Não sei se me faço compreender: a decisão de Bruxelas impõe a Portugal, a três semanas de eleições, um programa de governo mais pormenorizado do que qualquer um até hoje aprovado no parlamento português. Normal? Mas isto não é o pior. O pior é que o resgate, decidido a 16 de Maio, obriga os contratantes indígenas a formarem um governo de coligação... posteriormente às eleições de 5 de Junho. Se tudo corresse como eles gostariam que corresse, o direito do povo ignaro resumir-se-ia, na mais generosa hipótese, à escolha do governador local de um poder sem rosto, que de Bruxelas enviará regularmente à província equipas de verificação com óculos escuros e, claro está, pastas negras.
10. Alguém duvida que a ronda de conversas visava apenas um suplemento de legitimidade que permita aos administradores coloniais explicarem que ouviram todo o mundo antes de apresentarem a sua prenda? Ou seja, que a eles lhes compete fingir que ouvem para fingirem que não mandam? Talvez eu esteja a ver mal a natureza da operação em curso. Mas ela tem sido escrita e descrita em todas as línguas como o que ela realmente é...
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Beato João Paulo II?
Se deixei de ser católica há algumas décadas, esse facto não me impede de manter excelentes relações com antigos compagnons de route e de estar atenta a grupos corajosos que se mantêm activos e lutadores dentro da Igreja, por vezes na maior das adversidades: ainda há pouco mais de três semanas, participei numa sessão do Movimento Internacional Nós Somos Igreja (MINSI), trazido para Portugal pelas minhas antiquíssimas amigas Ana Vicente e Maria João Sande Lemos.
Vem isto a propósito de notícias divulgadas hoje na imprensa sobre tomadas de posição do referido Movimento sobre a beatificação de João Paulo II, que terá lugar no próximo Domingo.
Se há razões internas à comunidade católica para considerar que esta decisão do Vaticano pode ter sido, no mínimo, precipitada (como o regresso a formas indesejáveis de autoritarismo dentro da Igreja), há outras que a transcendem e passo a citar um Comunicado à imprensa do MINSI, datado de 16 de Janeiro de 2011: «Ao ter mais consideração pela hierarquia eclesiástica do que pelas necessidades das pessoas, João Paulo II ajudou a criar um ambiente tóxico no qual se permitiu que padres abusassem sexualmente de crianças, muitas vezes repetidamente, enquanto o seu comportamento criminoso era mantido em segredo, preservando a imagem pública de imaculada liderança.» E também: «O seu posicionamento contra lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) torna-o cúmplice das igrejas locais e governos que continuam a negar a igualdade civil e moral das pessoas LGBT. Por outro lado, as suas repetidas reprovações do uso do preservativo complicaram a escolha moral de milhões de pessoas no mundo inteiro, que tentam prevenir a propagação do HIV/SIDA e promover a saúde sexual.»
Se o Vaticano quer honrar alguns dos seus, baseado naquilo que, para mim, são histórias da carochinha, tudo bem. Mas podia escolhê-los sem chocar as nossas memórias recentes, já que pretende que a sua acção e a sua influência saiam dos muros da Basílica de S.Pedro..
Julgo que é bom recordar estes factos antes que nos entrem pela casa dentro reportagens de jornalistas beatos e imagens do velho papa doente, exposto ao mundo até ao fim dos seus dias. Um papa «bom»? Sim, também João, mas XXIII.
Texto do comunicado do MINSI (16/1/2011):
No banco dos réus?
À margem de uma conferência sobre os 35 anos da Constituição da República Portuguesa, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, afirmou o seguinte: «É crucial que os decisores de política e os gestores públicos prestem contas e sejam responsabilizados pela utilização que fazem dos recursos postos à sua disposição pelos contribuintes. Repito: postos à sua disposição pelos contribuintes.» (vídeo aqui)
São afirmações graves, referidas mais ou menos de passagem em noticiários televisivos (ou nem sequer…). Durante horas, a atenção concentra-se na telenovela de terror em que se transformou o «diálogo», por entrepostas declarações e entrevistas, entre os líderes dos partidos que, infelizmente, nos governarão.
E, no entanto, o que Carlos Costa defende é grave e é muito importante. Mas «prestar contas» e «responsabilizar» como? Que não se diga, para passar à frente, que é nas urnas, até porque, que eu saiba, não elegemos os gestores públicos… Terá de ser nos tribunais, obviamente. Chegaremos lá algum dia? Sou optimista por natureza: uma vez mais, alô Islândia.
P.S. - Em off, alguém me fez notar, com toda a pertinência, que os recentes responsáveis pelo Banco de Portugal estão certamente na primeira linha dos candidatos a réus.
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27.4.11
Descubra as diferenças
«Para lá de tudo o que nos possa separar enquanto cidadãos livres, existe um compromisso patriótico de unidade que deve juntar os Portugueses. Podemos ter ideias diferentes, concepções distintas, mas temos de nos unir quanto ao essencial – e o essencial é Portugal e o seu futuro.»
Aníbal Cavaco Silva, 27/4/2011 (no Facebook)
«E na unidade resultante da sua integração e da concordância profunda dos seus interesses, ainda que às vezes aparentemente contrários, não há que separá-los ou opô-los, mas que subordinar a sua actividade ao interesse colectivo. Nada contra a Nação, tudo pela Nação.»
António de Oliveira Salazar, 21/10/1929
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A libertação
Caxias, 26/-27 Abril 1974
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O «Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta», por Diana Andringa
Hoje, dia 27, às 23H00, na RTP1.
Chamavam-lhe “o Campo da Morte Lenta”. Os críticos, naturalmente. Que as autoridades, essas, chamaram-lhe primeiro, entre 1936 e 1954, quando os presos eram portugueses, “Colónia Penal de Cabo Verde” e, depois, quando reabriu em 1961 para nele serem internados os militantes anticolonialistas de Angola, Cabo Verde e Guiné, “Campo de Trabalho de Chão Bom”.
Trinta e dois portugueses, dois angolanos, dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência do que ali tinham passado. Famílias houve que, sem nada saberem o destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias funebres.
“Ali é só deixar de pensar. Porque se não morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos.” A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974.
No 35º aniversário desse dia, a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Verona Pires, os sobreviventes reencontraram-se para um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal.
“Tarrafal: memórias do Campo da Morte Lenta” resultou desse reencontro. Durante os dias em que os antigos presos voltaram ao Tarrafal, gravámos entrevista após entrevista, registando as suas recordações. Trinta e dois presos, desde o português Emundo Pedro, um dos que o estreou, em 1936, aos angolanos e cabo-verdianos que foram os últimos a deixá-lo, no 1º de Maio de 1974, passando pelos guineenses que, ali chegados em Setembro de 62, saíram em 64 uns, em 69 os restantes. Um guarda, Joaquim Lopes, cabo-verdiano e convertido ao PAIGC. Uma das raras pessoas que testemunhou a vida no Tarrafal desde a sua abertura ao seu encerramento, Eulália Fernandes de Andrade, mais conhecida por D. Beba.
É um documentário feito à base de depoimentos e filmado quase sempre no interior do campo, afinal, o espaço em que os presos se moviam. Entre as raríssimas excepções, o cemitério, onde acompanhamos a homenagem dos sobreviventes aos que ali ficaram. Vozes, caras expressivas contra fundo de cela. Alguns objectos surpreendentes: as calças rasgadas pelo chicote e puídas pelo chão prisional, a planta do campo desenhada num osso de vaca, a bengala que testemunha o resultado da tortura. A alegria de se verem lembrados em duas exposições nas celas que tinham ocupado.
(com imagem de João Ribeiro, som de Armanda Carvalho e montagem de Cláudia Silvestre)
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Unidos pelo medo
À hora em que se realizaram os «festejos» do 25 de Abril em Belém, já tinha saído de casa e só regressei quase à noite. Não vi nada, só fui ouvindo, mais tarde, excertos das charlas dos quatro PR’s e opiniões de duzentos e vinte e três comentadores. Com uma estranha sensação de incómodo, que encontrou eco em parte de um texto de João Paulo Guerra, que li agora no Económico.
Uniram-se e querem-nos unidos pelo medo, numa fuga para a frente, esquecendo que o medo não é bom companheiro. Sobretudo quando sabem que, logo a seguir, pode estar mesmo um inevitável abismo.
«Num bizarro 25 de Abril coincidente com a Páscoa, no condomínio fechado de Belém, um actual e três ex-Chefes de Estado que no passado disseram cobras e lagartos uns dos outros, concordaram num apelo à unidade dos portugueses e dos partidos políticos para que, unido, o país percorra mais uma via-sacra e se deixe crucificar pelo FMI e - pior ainda, como agora se vê - pela Comissão Europeia. (…)
Esta estranha unidade presidencial que uniu em Belém forças pró e anti-bloqueio, para chegar a um entendimento por uma vez na vida foi preciso ver o país e os portugueses com uma corda ao pescoço. E então uniram-se e apelaram à unidade para que todos concordem em apertar voluntariamente a corda mais um bom bocado.»
.26.4.11
Bem esgalhado!
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Daqui.O Mayday Lisboa contra a Troika
O MayDay Lisboa realizou hoje mais uma acção de protesto contra o FMI, encenando uma reunião que não existiu, com um FMI que não existe.
Aproveitando o furor mediático gerado à volta da troika composta por representantes do FMI, BCE e CE, o MayDay Lisboa divulgou a sua presença junto ao FMI e rapidamente a palavra passou de boca em boca até acabar nas bocas do mundo. O comunicado apresentado pelos representantes do MayDay à imprensa após a hipotética “reunião” remete para uma troika hipotética, em alternativa àquela que está a projectar a destruição da vida e do trabalho dos trabalhadores e da maioria das pessoas. O vídeo que se segue apresenta as declarações dos representantes do MayDay após a encenação.
A posição do MayDay Lisboa perante o FMI é inequívoca e bradada aos 4 ventos: FMI Fora Daqui! Após as duas acções anteriores (pintura de um mural na Av. Infante D. Henrique e expulsão do FMI no aeroporto), o MayDay decidiu empreender uma encenação satírica contra a troika.
O FMI e a troika não se encontram em Portugal para negociar com quem quer que seja, e menos ainda com as pessoas que mais sofrem com as medidas de austeridade selectiva que pretendem impôr e acentuar. As negociações com o FMI são um logro destinado a criar uma aparência de flexibilidade negocial, quando esta entidade vem impor uma agenda ultraliberal de uma economia de exploração, desigualdade e terceira-mundização. Se os exemplos da África Subsahariana e da América Latina não nos chegam para nos apercebermos dos resultados da política do FMI, a Grécia e a Irlanda são retratos vívidos da miséria que o “salvamento” traria.
O MayDay Lisboa recusa esta falsa “inevitabilidade” e apela a todas as pessoas que querem uma vida com direitos e esperança a estarem presentes no 1º de Maio, Dia de todos os Trabalhadores, na manifestação dos trabalhadores precários e todas as pessoas que estejam contra a exploração e a precariedade.
O MayDay reunir-se-á às 13h do dia 1 de Maio no Largo de Camões, juntando-se de seguida à manifestação da CGTP.
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Velhas acções para novos tempos
Ontem, na Manifestação do 25 de Abril, uma amiga deu-me este folheto (o texto, que transcrevo a seguir, encontra-se no verso). Engana-se quem o leia distraidamente e o interprete apenas como relato de uma acção ocasional de vizinhos, indignados em frente de uma porta fechada. É bem mais: tem um profundo significado político, é um sinal de que a «sociedade civil», pela qual tantos clamam (mesmo que, no fundo, a temam…), começa a estar bem viva e se recomenda. Se / quando souber notícias desta iniciativa, dá-las-ei. Pode ser que me engane, mas vamos assistir a muitas acções semelhantes a esta nos próximos tempos.
«Hoje, 25 de Abril de 2011, nós, padeiras e padeiros livres, convidamos todos à padaria da calçada da bica - Travessa do Cabral nº 37, libertando-a do abandono a que foi votada pelas dinâmicas económicas da cidade.
Perguntamo-nos onde estão os proprietários desta padaria que não resistiram à economia de supermercado que dominou as nossas cidades e que tornou a actividade desta e de muitas outras padarias insustentável. Fazemo-lo por todas as actividades do nosso quotidiano, cada vez mais sufocadas por politicas de regulamentação que na verdade não são mais do que instrumentos para o domínio da nossa sociedade pelos grandes grupos económicos.
Quando crescemos, ainda conhecíamos pelo nome o padeiro, o talhante, o merceeiro. Esta vizinhança abria espaço para uma solidariedade que se esfumou no anonimato das cidades actuais. Ainda assim, não é um fascínio romântico pela vizinhança que nos move, mas a necessidade de nos organizarmos frente às dificuldades da situação em que nos encontramos.
Em horas difíceis como as que atravessamos, achamos que à ideia de propriedade se devem sobrepor conceitos de comunidade e de solidariedade, sobretudo numa cidade tão marcada pelo abandono. A cidade a quem a vive e usa, a quem dela precisa. Acreditamos que juntos somos mais e que todos devemos ter uma palavra a dizer e um par de mãos para construir o futuro das nossas vidas.
Por isto, convocamos todos os vizinhos, próximos ou distantes, a pensar o que fazer desta padaria, e a partir dele, do bairro, da cidade, do mundo. A assembleia acontecerá à mesma hora da manifestação convocada para a Avenida da Liberdade, não como forma de oposição a esta manifestação, mas com a revolução dos cravos no coração, tentando celebrá-la da forma mais viva que encontrámos.
Iremos distribuir pão gratuitamente desde as 8h da manhã, até que se nos acabe a farinha. Durante a tarde, iremos servir sandes, esperando para o lanche todos os que, depois da manifestação, se nos queiram juntar. Queremos construir um forno nesta padaria, para activá-la em todo o seu potencial. A forma como o faremos será um dos pontos que iremos apresentar à discussão na assembleia de vizinhos.
Unidos Venceremos!
Um velho slogan, herança do 25 de Abril que hoje se comemora. Queremos celebrar o entusiasmo que juntou tanta gente, na ilusão da construção colectiva de um novo mundo. Guiados pelo sonho, a todos o que nos vierem pedir pão, oferecemos esta padaria. Que haja pão para tanta mão.
PS: Por comodidade utilizamos o masculino genérico neste manifesto. Não que seja nossa intenção excluir as mulheres, que para nó.»
P.S. - 27/4: Notícias aqui.
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25.4.11
25 de Abril, 21:00 - Assassinados pela PIDE
Este filme é relativamente pouco conhecido. Nuns minutos de reportagem, ouvem-se alguns dos tiros que mataram vítimas civis da PIDE, ao princípio da noite do 25 de Abril.
Hoje, no local, uma simples placa na fachada da antiga sede daquela polícia política assinala o acontecimento. E foi difícil, muito difícil, que fosse reposta, depois de ter sido retirada para as obras de construção do condomínio de luxo que ocupa o edifício: o «Paço do Duque». Gaste uns minutos a ver e ler isto - será uma estranha maneira de terminar este dia festivo.
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O Inevitável é inviável – Sobre o Manifesto dos 74
Entrevista de Sofia Rodrigues a Miguel Cardina, no Público online, 24.04.2011 (*)
Miguel Cardina: “O património cívico e simbólico do 25 de Abril está em erosão”
É preciso “manter vivo o património cívico e simbólico do 25 de Abril que está em erosão”, justifica Miguel Cardina, historiador, e um dos subscritores do texto intitulado “O inevitável é inviável”.
Na lista (que não se quis compor de notáveis) constam nomes como o dos humoristas Ricardo Araújo Pereira, Jel, Marta Rebelo, ex-deputada do PS, mas também elementos do movimento Geração à Rasca e muitos anónimos – médicos, engenheiros e estudantes.
Na lista (que não se quis compor de notáveis) constam nomes como o dos humoristas Ricardo Araújo Pereira, Jel, Marta Rebelo, ex-deputada do PS, mas também elementos do movimento Geração à Rasca e muitos anónimos – médicos, engenheiros e estudantes.
Como é que surgiu a ideia do manifesto?
A proximidade do 25 de Abril tornava urgente a tomada de posição sobre Portugal. O 25 de Abril tem sido uma comemoração com discursos de circunstância. Os discursos dominantes, nomeadamente dos políticos, rasuram completamente o combate de democrático, de luta por direitos. Essa dimensão tem desaparecido. Há uma espécie de consensualização do 25 de Abril que está tornar-se num outro 5 de Outubro que é comemorado como data fundante mas que é secundarizado. Comemoramos o 25 de Abril, mas ao mesmo tempo vermos algumas perversões no dia-a-dia. Corremos o risco sério de perdermos o conjunto de direitos, de conquistas e de lutas que foram o 25 de Abril.
Este manifesto é um grito de alerta?
Sim, de preocupação de gente que não existia no 25 de Abril de 1974. Vivemos num tempo em que quem manda é o FMI e os consensos alargados. Democracia não é isso, pressupõe debate e discussão de ideias. Era bom que neste momento eleitoral os partidos apresentassem alternativas e as pessoas decidissem. O que estamos a ver é uma espécie de apagamento do processo eleitoral. Convinha que os partidos fizessem política e não arranjos prévios. O manifesto é também um convite a que as pessoas saiam à rua, cada um com os seus activismos, para manter vivo o património cívico e simbólico do 25 de Abril que está em erosão.
Partilham o desencanto de Otelo Saraiva de Carvalho sobre a revolução?
Falo em nome pessoal. Acho que o país está melhor depois do 25 de Abril. Não acho que não tenha servido para nada. Muitas das conquistas de Abril estão de pé, é preciso é defendê-las. Uma ruptura política e democrática não se constrói com gestos heróicos e individuais. O 25 de Abril foi feito por muitas pessoas anónimas e feito de muita esperança. Uma pessoa não pode ficar dona de um momento colectivo.
(*) Versão ligeiramente diferente na edição em papel
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24.4.11
Impossível é não viver
É um belíssimo texto do escritor José Luís Peixoto (contributo para o MayDay Lisboa).
Se te quiserem convencer que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.
Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.
Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.
O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.
Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.
(José Luís Peixoto é um dos subscritores do Manifesto dos 74)
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Até tu, Fefé Rodrigues…
O Miguel Serras Pereira diz que Ferro Rodrigues meteu a lógica na gaveta. Está bem visto e eu explico por outras palavras.
Em entrevista à RTP, ontem à noite (eu ouvi), o trunfo do PS na lista de candidatos por Lisboa defendeu que se impõe uma maioria forte no Parlamento, impossível de concretizar por um acordo político à esquerda, porque «aquilo que os partidos de extrema-esquerda fizeram durante este ano e meio foi colaborarem com a direita em relação à queda do governo PS».
Em forma de silogismo, já que Lógica é comigo:
- O PS tem de fazer acordos para uma maioria no Parlamento, à esquerda ou à direita
- Não pode fazê-los com a esquerda porque esta se aliou à direita
- Logo, terá de aliar-se à direita.
Quem teme que Ferro Rodrigues roube votos à esquerda da esquerda talvez possa preocupar-se com outros perigos. Ontem (e não só…), pareceu bem firme naquilo ao que vem, nestes primeiros dias do resto da sua vida.
P.S. - Para evitar falsos argumentos que já me chegaram no Facebook: o que estava em questão, na conversa, eram acordos PÓS-eleitorais e, que eu saiba, a esquerda da esquerda vai a votos.
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P.S. - Para evitar falsos argumentos que já me chegaram no Facebook: o que estava em questão, na conversa, eram acordos PÓS-eleitorais e, que eu saiba, a esquerda da esquerda vai a votos.
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