28.4.11

Sobre a reunião que não houve


Posição de Miguel Portas, divulgada hoje no Facebook, sobre a recusa do Bloco de Esquerda em estar presente nas reuniões com a troika. De um modo geral, estou de acordo.

Pedem-me que comente a não ida do Bloco e do PC à reunião com a troika. Passaram vários dias, mas pelos vistos continua actual. Então aqui vai o que penso:

1. Ir ou não ir não é uma questão de princípio. Nem é correcto dizer que se deve ir sempre porque “nunca se deve dizer não a um convite” ou “em todo o lado é preciso dizer o que pensamos”, como não é acertado dizer que “com o inimigo nunca se fala”.

2. Ir ou não ir é (foi), portanto, uma questão táctica. Não por causa de qualquer “plano obscuro”, mas porque se ponderaram argumentos de um lado e de outro e, finalmente, se decidiu. Isto quer dizer que é normal a existência de pontos de vista sobre a decisão tomada e que o bloco convive bem com isso.

3. Convém retirar da discussão argumentos menos produtivos. Evidentemente, o FMI não propôs as reuniões para negociar fosse o que fosse ou dizer fosse o que fosse. Desde logo porque a negociação se faz com o governo e depois porque, à época das reuniões, eles não tinham nada para dizer. Aliás, a equipa que estava em Portugal é ainda a segunda linha da troika. Eles estavam, isso sim, interessados em ouvir. O que se discute é se o bloco e o PC tinham interesse em fazer-se ouvir dessa forma.

4. Afastemos ainda outro argumento – o de que não tendo ido, ficámos sem pio, “protestámos calados”. Se o problema era o FMI saber que bloco e PC são contra e porquê, convenhamos que têm modos de o saber; se a questão era cá para dentro, então forçoso é reconhecer que os media deram, por boas ou más razões, mais atenção ao facto de não se ter ido do que alguma vez dariam se os dois partidos tivessem aceite as reuniões.

5. Dito isto, porque é que concordo com a decisão que foi tomada?

6. Em fins de Março, o senhor Trichet informou os banqueiros portugueses que o BCE deixaria de lhes comprar ou aceitar em contrapartida os títulos de dívida portuguesa que possuíam, a juros de seis, sete e oito por cento. Acto contínuo, os banqueiros informaram o governo português que deixariam de ir aos leilões de dívida. Postas as coisas nestes termos, melhor seria um resgate, disseram todos, de Trichet a Teixeira dos Santos, passando por Ricardo Salgado. Foi assim que chegaram a Lisboa uns senhores de óculos escuros e pastas negras com experiência nestas andanças. No Ministério das Finanças, estão a estabelecer  ro programa que permite ao BCE retirar-se de jogo sem que os banqueiros vejam os seus interesses beliscados. Até Abril, o BCE assegurara liquidez e margens de lucro mais do que respeitáveis à banca; a partir de Abril, o BCE continuará a garantir liquidez, mas as margens passam a ser asseguradas pelos contribuintes portugueses. O resgate é, assim, o seguro dos credores e os homens de óculos escuros a sua garantia. A questão é: sendo este o esquema, Bloco e PC deveriam ter aceite?

7. Se estivesse na direcção da CGTP, a minha posição teria sido Sim. Os sindicatos não vão a votos, estão na concertação e devem dizer a quem prepara o catálogo de malfeitorias que aí vem, quais as linhas que, em sua opinião, não se devem pisar.

8. Mas eu estou na direcção do bloco e a minha posição foi Não. Com os partidos, o problema coloca-se de forma diferente. Em qualquer capital europeia se sabe que o resgate transforma Portugal num Protectorado... a três semanas de eleições. A decisão mais importante que afecta o país em muitos anos e para muitos anos, está a ser negociada por um governo diminuído, será assinada por dois partidos que precisam de ficar na fotografia e vai ser tomada numa reunião de ministros das finanças... em Bruxelas... a três semanas de eleições.

9. Não sei se me faço compreender: a decisão de Bruxelas impõe a Portugal, a três semanas de eleições, um programa de governo mais pormenorizado do que qualquer um até hoje aprovado no parlamento português. Normal? Mas isto não é o pior. O pior é que o resgate, decidido a 16 de Maio, obriga os contratantes indígenas a formarem um governo de coligação... posteriormente às eleições de 5 de Junho. Se tudo corresse como eles gostariam que corresse, o direito do povo ignaro resumir-se-ia, na mais generosa hipótese, à escolha do governador local de um poder sem rosto, que de Bruxelas enviará regularmente à província equipas de verificação com óculos escuros e, claro está, pastas negras.

10. Alguém duvida que a ronda de conversas visava apenas um suplemento de legitimidade que permita aos administradores coloniais explicarem que ouviram todo o mundo antes de apresentarem a sua prenda? Ou seja, que a eles lhes compete fingir que ouvem para fingirem que não mandam? Talvez eu esteja a ver mal a natureza da operação em curso. Mas ela tem sido escrita e descrita em todas as línguas como o que ela realmente é...
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