5.11.11

A UE ou os dias do fim


Mais um texto nada optimista de Nicolau Santos, no Expresso-Economia de hoje (sem link)

«Sim, os gregos terão falsificado estatísticas e exageraram no Estado social que construíram. Sim, são eles em primeiro lugar os culpados pelos problemas que enfrentam. Mas a Europa em geral e a Alemanha em particular têm uma pesadíssima responsabilidade no drama que se desenrola no berço da democracia. Berlim adiou até ao limite a ajuda à Grécia, permitindo que a ferida gangrenasse, contagiasse outros países e se tornasse uma ameaça para a União. E quando finalmente a ajuda chegou, a pulsão punitiva bávara esmagou a racionalidade económica. E assim a Grécia entrou numa cornucópia recessiva, em que a austeridade gera recessão e esta exige mais austeridade conduzindo a mais recessão. Mas o referendo sobre as medidas de austeridade anunciadas pelo primeiro-ministro George Papandreu não é o responsável pela situação a que a Europa chegou. Angela Merkel e Nicholas Sarkozy são os principais culpados de terem conduzido a União até à beira do abismo, com decisões calculistas e timoratas, tomadas a reboque dos acontecimentos e sob pressão destes. Sem a grandeza nem a visão dos grandes estadistas que construíram o sonho europeu, Merkel e Sarkozy ficarão na História por terem conduzido a Europa à sua desintegração — e, quem sabe, a uma nova guerra.»
(O realce é meu.)
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Atenas e Praga


Um texto de José Manuel Pureza, que ajuda a reflectir nas curvas da História.

«Com quase meio século de distância, as notícias que hoje vêm de Atenas são em tudo semelhantes às que vieram em 1968 de Praga. A mesma ânsia de democracia, o mesmo sufoco de todo um povo, a mesma intransigência na defesa do deus maior – o “socialismo real” então, o “mercado” agora – contra os cidadãos/vítimas.

O que os tanques de Praga então impuseram foi um limite intransponível ao regime vigente naquela área de influência de Moscovo. A política do aceitável impôs-se à política da transformação e o espaço para a intervenção foi implacavelmente restringido. Em Cannes não houve tanques. Mas era preciso? O que o directório a dois fez teve o mesmo impacto sobre os democratas gregos e europeus na área de influência de Berlim-Paris que as dezenas de tanques tiveram em Praga. Também agora se fez valer a política da força, do sufoco da aspiração democrática grega às mãos do deus mercado. (…)

Se em Praga se evidenciou a falta de socialismo que havia no socialismo real, em Atenas mostrou-se a falta de democracia que há na democracia de mercado.»

Na íntegra aqui.
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Cannes: o outro festival

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Cartas Vermelhas


Um livro fascinante de Ana Cristina Silva, que se lê de um trago e que traz para a luz do dia, de forma romanceada, uma figura feminina da resistência portuguesa dos anos 30 do século passado, muito pouco conhecida: Carolina Loff. Vasco da Graça Moura já a tomara como tema em O enigma de Zulmira, a autora de Cartas Vermelhas dá-lhe agora uma nova vida.

«Nascida em Cabo Verde de família branca e abastada, Carol nunca se resignou à miséria das ilhas. E, movida pelo sonho de construir uma sociedade mais justa, ingressou ainda jovem no Partido Comunista. Não se importando de usar a beleza como arma ideológica, abraçou a luta revolucionária, apaixonou-se por um camarada e ficou grávida pouco antes de ser presa. Foi a sua mãe quem tratou de Helena nos primeiros tempos, mas, depois de libertada, Carol levou-a para Moscovo, onde trabalhou nas mais altas esferas do Comintern. Aí, o contacto com as purgas estalinistas não chegou para abalar as suas convicções, mas o clima de denúncia e traição catapultou-a para o cenário da Guerra Civil espanhola, obrigando-a a deixar Helena para trás; e, apesar de ter escapado aos fuzilamentos franquistas, a eclosão da Segunda Guerra Mundial impediu Carol de voltar à União Soviética para ir buscar a criança. Será apenas vinte anos mais tarde que mãe e filha se reencontrarão em Berlim; mas a frieza e o ressentimento de Helena farão com que, na viagem de regresso a Lisboa, Carol decida escrever um romance autobiográfico com o qual a filha possa, se não perdoar-lhe, pelo menos compreender as circunstâncias do abandono, a clandestinidade, a prisão, a guerra, a espionagem e o inconcebível casamento com um inspector da polícia política. Inspirado na vida de Carolina Loff da Fonseca, este romance extremamente empolgante vai muito além dos factos, confirmando Ana Cristina Silva como uma das mais dotadas autoras de romance psicológico em Portugal.»


«À Volta dos Livros» - Antena 1 (6/10/2011)



Jornal de Letras, por Miguel Real
(Clicar e ampliar para ler)
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Nada mais reconfortante do que chegar tarde a casa às tantas e ler, preto no branco, o que se andou a tentar digerir durante quase 24h

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«Personalidades de esquerda subscreveram uma petição que, independentemente das intenções, aceita um enquadramento do debate que garante estruturalmente a derrota de qualquer projecto progressista. As convergências são mais do que nunca necessárias, mas o problema é a seguinte hipótese: “Os signatários reconhecem a necessidade de medidas de austeridade para o saneamento das finanças públicas e que a redução do défice se faça prioritariamente do lado da despesa.”

Quem aceita esta hipótese no actual contexto tem de aceitar, até tendo em conta a estrutura das despesas públicas, a austeridade em vigor e as suas desastrosas e inevitáveis consequências socioeconómicas: o desemprego de massas, em primeiro lugar, a erosão progressiva do Estado social, em segundo, a desvalorização salarial generalizada, em terceiro. Não há austeridade digna. Não há austeridade justa. E, obviamente, nem sequer há saneamento das finanças públicas com a recessão profunda que assim se engendra.»

João Rodrigues, no Arrastão.
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4.11.11

Os Nadas

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(Via Jorge Pires da Conceição no Facebook)
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Margem de certa maneira


A tese de doutoramento de Miguel Cardina, agora em livro (com uma capa digna de um mural de Abril…).

O lançamento será dia 11 de Novembro na Fnac Chiado.
Apresentação de Fernando Rosas e José Pacheco Pereira.
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A abstenção do PS


Sem surpresa, o PS decidiu esta madrugada que irá abster-se quando o Orçamento de Estado for aprovado pela maioria parlamentar. Anunciou, desde já, que o fará não só na generalidade mas também na votação final – quaisquer que sejam, portanto, eventuais modificações que o texto venha a reflectir.

Ou seja, parte sem qualquer poder negocial e vale a pena tentar perceber que sentido tem a principal proposta que, aparentemente, fará: ao que parece, reduzir o corte de subsídios a funcionários públicos e pensionistas de dois para um. Trata-se de pura manobra de window dressing, sem consequências e sem esperança, ou terá acordado algo nesse sentido nos tais encontros «secretos» com Passos Coelho? No segundo caso, ficariam / ficarão ambos um pouco melhor nas fotografias e Cavaco respirará de alívio.

Mas tenha-se consciência do absurdo que é podar uma árvore no meio de uma floresta queimada e esquecer que este OE é tão importante que só é susceptível de receber votos a favor ou votos contra. Ao abster-se, o PS não vai salvar Portugal nem o euro, vai votar em Merkel, Sarkozy e outros que tais, contra o futuro da Europa e de Portugal.

Não se «culpe» António José Seguro porque Assis já disse que teria feito o mesmo – «irmãos gémeos que são há décadas na escola do instinto centrista do PS», como ontem escreveu Paulo Pedroso. E é inútil insistir-se na tecla da responsabilidade fundadora do PCP e do BE porque esse peditório está esgotado.

Sejamos claros: o que esta decisão mostra, preto no branco, é que este Partido Socialista como tal (não grande parte dos seus militantes, como é óbvio) saiu mesmo, esperemos que provisoriamente, do campo de batalha da esquerda, por muito condescendente que se seja na definição dos limites da mesma. Resta-lhe o terceiro lugar no pódio do arco da (tristíssima) governabilidade – lugar que até está livre, quem sabe se à sua espera…
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Desenlaces trágicos


No novo número de Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), mais um excelente texto de Sandra Monteiro, integrado no dossier: As esquerdas, a crise e a transformação do mundo.

«A engenharia de demolição social que, começando pelas periferias da Zona Euro, ameaça levar a violência da austeridade e a espiral de recessão prolongada a uma União Europeia em processo de implosão, entrou numa fase em que vai obrigar a tornar mais nítidos os posicionamentos políticos resultantes das linhas de clivagem desenhadas pela crise. À medida que se torna claro que a resposta austeritária é incompatível com o crescimento e não resolve, antes agrava, qualquer problema de défice e de dívida, e à medida que se percebe que a única função da austeridade e dos «planos de resgate» que consolidam a sua imposição consiste em organizar à escala europeia a transferência de recursos e de rendimentos do trabalho, e do Estado, para o sistema financeiro, torna-se impossível fugir à questão: de que lado da austeridade irão colocar-se os cidadãos e as forças políticas que se identificam habitualmente à esquerda; que associam a qualidade da democracia à liberdade e às condições de igualdade; que pensam que o contrato entre regiões, gerações e classes de rendimentos é a melhor forma de prosseguir as finalidades sociais de Estados dotados de instrumentos públicos para assegurar os serviços básicos e a redistribuição? (…)

A austeridade recessiva, que apenas garante empobrecimento e mais desigualdades, sendo incapaz de qualquer rota de crescimento, pode servir aos que, cá dentro e lá fora, olham para o país como um laboratório neoliberal em que os cidadãos são transformados numa espécie de variáveis endógenas moldáveis ao objectivo primordial: «Portugal como possibilidade de ajustamento bem sucedido no quadro da Zona Euro», afirmou Vítor Gaspar, a 17 de Outubro, na apresentação do orçamento. Mas como poderá servir aos cidadãos de um Estado democrático?

As esquerdas que hoje se colocarem do lado do contrato social em que têm estado assentes as democracias, do lado do Estado social e contra o governo do sistema financeiro, serão as que compreenderão algo que, durante algum tempo, talvez se tenha considerado demasiado simples e consensual: que, como lembrou recentemente o bispo das Forças Armadas, Januário Torgal Ferreira, «a justiça devolve ao outro o que lhe pertence; a solidariedade partilha do que é seu». Uma sociedade que consiga reconhecer que está a ocorrer um conflito entre duas visões e que se posicione no combate do lado da universalidade dos direitos e dos meios para lhes aceder, do lado da dotação dos poderes públicos com os meios financeiros para sustentar esta perspectiva e ainda do lado das confluências sociais, políticas e partidárias necessárias para transformar estes valores em medidas levadas à prática será a única capaz de evitar a demolição social em curso e os desenlaces trágicos que ela diariamente está a preparar.»

Na íntegra AQUI.
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«Avante!», Messias e Jerónimo

(Clicar para ler)

Pior a emenda do que o soneto...

(Via Maria João Pires no Facebook)

O que Richard Zimler escreveu no mural do Facebook:
«Quer ficar indignado e chocado? O Partido Comunista Português está a divulgar as mentiras de uma falsificação anti-Semíta e repugnante que se chama "Os Protocolos dos Sábios de Sião". Trata-se de um texto surgido, originalmente, em idioma russo, forjado em 1897 pela Okhrana (polícia secreta do Czar Nicolau II), que descrevia um suposto projeto de conspiração para que os judeus atingissem a "dominação mundial".
Estamos em 2011 ou 1911?
Agradecia que condenasse o anti-Semitismo do PCP o mais rapidamente possível!"»

(Episódio já referido aqui.)
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3.11.11

Haverá que pagar...

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E ontem é que foi dia de finados!


Na Grécia, vai o que se sabe e nem sequer dá para imaginar o que aí vem, diz-se que a prisão de Isaltino está iminente e é suposto que o PS decida hoje como vai votar o OE!
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Tenebroso e repugnante


O texto do Avante! já tem uma semana, correu o Facebook e muitos blogues, nem tive paciência para então o referir e já nem o faria não se desse o caso de Manuel António Pina (MAP) o comentar na sua crónica de hoje no JN.

Pela 50ª vez, virão certamente comentadores, em nome próprio ou com pseudónimo emprestado, lembrar que o texto é de opinião, que vem assinado e que não compromete por isso a direcção do jornal. O argumento não colhe: «tenebroso» e «repugnante» são os adjectivos justos para o qualificar, esteja ele num órgão de comunicação que devia honrar o seu passado ou no pior pasquim à venda nos quiosques.

MAP diz o mínimo do que deve ser recordado.

O lado sombrio

Alguns dos motivos por que não leio o "Avante!" são os mesmos por que talvez devesse lê-lo. De facto, com não rara ingenuidade, ali fica frequentemente à vista, a justificar posições do PCP em matéria de política internacional, um rosto tenebroso que aparentemente (e só uso esta palavra por respeito pela história do PCP) se oculta sob a máscara de tolerância que o partido internamente exibe. Como compreender, por exemplo, que o PCP se bata contra as leis ultra neo-liberais do trabalho em Portugal apoiando, ao mesmo tempo, a exploração selvagem do trabalho assalariado na China?

Desta vez, o órgão oficial do PCP não hesita em usar o ominoso texto anti-semita dito "Protocolos dos sábios de Sião", gigantesca fraude congeminada no século XIX pela polícia política czarista, para "explicar" a actual situação internacional. "A história dos 'Protocolos' poderia, em princípio, parecer um conto de fadas, mas os quadros dos anúncios que aí se promovem são bem reais", diz o "Avante!", repetindo despudoradamente Hitler no "Mein Kampf": "Eles [os 'Protocolos'] são baseados num documento forjado [...]: é a melhor prova de que são autênticos".

Para o PCP, a "ameaça judaica" com que os nazis justificaram a sua política de extermínio mantém-se e idem aspas o "plano [judaico] de dominação mundial", agora também do... Vaticano.

Eis um rosto repugnante, o do anti-semitismo, que o PCP deveria ter vergonha em exibir.
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Don't Occupy

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A Grécia de Merkosy


Como o próprio Miguel Portas diz num texto que divulgou esta manhã no Facebook, o ritmo a que tudo está a acontecer na Grécia impossibilita qualquer previsão do que se seguirá nas próximas horas. Que isso não nos impeça de reflectir sobre o que se passou até agora.

«Os acontecimentos na Grécia sucedem-se a velocidade vertiginosa. É possível que o governo caia esta sexta-feira e que o referendo seja substituído por eleições gerais. No momento em que escrevo, o PASOK perdeu a maioria de 2 deputados de que ainda dispunha no Parlamento e o ministro das finanças retirou o tapete ao seu primeiro-ministro.

Ontem mesmo, G. Papandreou teve uma desagradabilíssima reunião com os dois tenores da política europeia. Foi por estes informado de que a tranche de 8 mil milhões de euros do primeiro empréstimo, prevista para Novembro, se encontrava suspensa; e que a pergunta do referendo, a ocorrer, deveria incidir sobre a pertença à zona euro e não sobre o pacote associado ao segundo resgate da Grécia. Tanto quanto se sabe do conclave, o primeiro-ministro grego cedeu. Mas, verdadeiramente, ainda é ele que detém as rédeas da situação? Tudo indica que não.

A dupla Merkosy joga em dois tabuleiros: no primeiro, impõe a pergunta que mais lhe convém - a da chantagem euro/sim, euro/não - não vá o diabo tecê-las e o referendo ocorrer mesmo; no segundo, trabalha na sombra para se libertar de um aliado que se revelou instável, por muito que lhe desagrade um temporário vazio de poder em Atenas.

A nenhuma destas criaturas ocorreu, por um segundo sequer, interrogar-se sobre o porquê da inusitada decisão de Papandreou de recorrer a um referendo. Aliás, esta observação é extensiva à generalidade dos comentadores, que se apressaram a escrever, em todos os registos possíveis, que a Grécia “não podia fazer isto à Europa e ao euro”. Mas não podia porquê?

Porque há-de ser “crime de lesa Europa” ouvir um povo, se todos os dias se ouvem os chamados mercados e não há chancelaria que se queixe? Porque hão-de ser as obrigações com os Estados e com os credores mais importantes do que as obrigações que os Estados contraem com os seus cidadãos? Porque é que nos primeiros casos assistimos a “rupturas de contrato” e nos outros não?

Foi assim tão inusitada e esdrúxula a decisão de convocar o referendo? Inexplicável? Não creio. A decisão reflecte a vontade de um líder em perda de velocidade sacudir a brutal pressão a que estava a ser submetido quer por Bruxelas quer pela parte mais combativa do seu povo. Não se percebe nada do “inexplicável” sem se reconhecer a violência social escondida no programa de austeridade imposto por Bruxelas e pelo FMI.

Sabe-se que Papandreou não tinha ficado contente com os resultados da última cimeira. Com efeito, o chamado “perdão de 50 por cento” da dívida é uma fraude que, na melhor das hipóteses, se saldará numa perda de 20 por cento para os bancos, entretanto recompensados com dois programas de transferência de recursos públicos. Papandreou nunca se teria decidido pelo referendo se outra fosse a aproximação europeia aos problemas da Grécia. Ele decide-se pelo referendo porque esgotou a sua própria reserva de decisão. Com efeito, a mais importante decisão imposta aos gregos é também a mais simbólica e humilhante: a troika transferiu-se de armas e bagagens para Atenas. Tantas vezes vai o cântaro ao poço que um dia ele parte-se e foi o que aconteceu.»
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2.11.11

Yoani Sánchez fala sobre Cuba

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Mais aqui.
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O relatório que há-de ser escrito sobre Portugal?


Na sua crónica de hoje no Público, Rui Tavares evoca um episódio relacionado com um relatório «Estritamente Confidencial», deixado despreocupadamente em cima das secretárias do Parlamento Europeu e divulgado em blogues e jornais um pouco por todo o mundo.

Nestes dias em que não conseguimos tirar os olhos da Grécia, talvez valha a pena registar dois parágrafos:

«Esse documento era a avaliação do plano de resgate da Grécia feito pela própria troica. Aparentemente, precisava de ser estritamente confidencial por dizer aquilo que toda a gente já sabia: não está a funcionar. Não que a troica o admita. Mas os dados são claros: o plano de austeridade para a Grécia não funciona porque a austeridade não deixa a Grécia cumprir o plano.
O erro não está na Grécia. O erro está no plano. O documento ultrahiper-mega-secreto que andava espalhado por todo o lado possui até uma utilidade extra. A continuar tudo da mesma forma, é o relatório “estritamente confidencial” que há-de ser escrito sobre Portugal daqui a um ano.»

P.S. - O relatório em questão pode ser lido por exemplo aqui. (Obrigada, Ana Cristina)
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Nicolau Santos : implosão do euro ou uma nova grande guerra?

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Ver e ouvir AQUI.
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Grécia – Da ironia dos destinos


«A ironia do destino é que tudo isto se passe na Grécia. Talvez seja esclarecedor recordar que, no século V a.c., a civilização grega se dividia em duas classes de cidadãos: uma abastada, que possuía terras e tirava partido do desenvolvimento da moeda e das trocas comerciais, e os trabalhadores, livres mas muito pobres, que dependiam dos nobres – aos quais se juntavam os escravos. A invenção do dinheiro desestabilizou os pobres que se endividaram enquanto os outros enriqueciam. A classe inferior acabou por se unir contra os nobres e Sólon foi escolhido como árbitro; as suas reformas valeram-lhe a fama de ser o pai da democracia.

Foi daqui que nasceu a democracia ateniense, que inspirou tantas nações. Hoje, ela está formatada para se integrar no sistema financeiro. Porque os mercados, eles, são incapazes de se adaptar?»

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1.11.11

Para ver se isto ajuda a entender

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Citações do dia (12)




«It must be said right at the beginning: The Greeks will, for a change, decide for themselves how they and their country will move forward.
They have had no real opportunity to do so for quite some time. For about a year and a half, this once proud country has been under foreign administration; it is de facto no longer a sovereign state.»

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«A l'instar de la population islandaise, le peuple grec retrouve de la voix. Et démontre quelques siècles après la fameuse agora que la démocratie peut aussi s'exprimer dans la rue.
Inutile de préciser qu'en ce jour de la fête des morts, les fesses sont nombreuses à trembler dans les hautes sphères. Les manchettes de leurs journaux du microcosme ne parlent-elles pas de « pari risqué » ?
Risqué pour qui ?»

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«For a start, Papandreou may win the referendum. Polls in Greece have shown that 60% of the population are against the terms of the bailout but 70% are against leaving monetary union. If the vote is framed as "do you want to stay in the single currency or not" (which it will be if Papandreou has any sense) there is every chance the Greeks may agree to swallow another dose of austerity, however unlikely that looks at present. (…)
The second thing in Papandreou's favour is that if Europe is a problem for Greece then Greece is actually an even bigger problem for Europe. If ever there was a case of "when you owe the bank €1000 you have a problem but when you owe €100bn the bank has a problem" then this is it.»

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«Não somos os Estados Unidos da América, infelizmente. Não criámos um “povo europeu”. Os fundos não serviram para fundar o que seria adorável – uma identidade comum que nunca existiu e não havia maneira de inventar. Vivemos uma alucinação colectiva, durante décadas, com o objectivo supremo de enterrar o monstro da Segunda Guerra – e ganhar uns trocos, evidentemente. Esta alucinação, como todas as alucinações, não superou a prova da realidade crua e dura: a primeira vez que a Europa foi submetida a uma prova de fogo falhou estrondosamente. Os líderes não estão, como se diz, “à altura”, mas é o povo que não está “à altura” de uma Europa federal, com os instrumentos políticos e económicos dos Estados Unidos da América. Quanto a isso, nada a fazer – o povo, por muito mal e egoisticamente que o faça, é quem mais ordena. É triste, mas acabou. Os grandes líderes conseguiram avançar com o projecto europeu sem referendos, dando passos de gigante sem que os seus povos nacionalistas se apercebessem de grande coisa. Mas agora esse tempo acabou. Rest in peace.»
Ana Sá Lopes, Acabou. R. I. P.
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Leitura imprescindível


«1975 Luanda. A descolonização instiga ódios e guerras.
Os brancos debandam e em poucos meses chegam a Portugal mais de meio milhão de pessoas. O processo revolucionário está no seu auge e os retornados são recebidos com desconfiança e hostilidade. Muitos não têm para onde ir nem do que viver. Rui tem quinze anos e é um deles. 1975. Lisboa.
Durante mais de um ano, Rui e a família vivem num quarto de um hotel de 5 estrelas a abarrotar de retornados — um improvável purgatório sem salvação garantida que se degrada de dia para dia.
A adolescência torna¬-se uma espera assustada pela idade adulta: aprender o desespero e a raiva, reaprender o amor, inventar a esperança.
África sempre presente mas cada vez mais longe.» 
(Contracapa da obra)

A ver e ouvir, esta entrevista feita à autora por Pedro Vieira. A ler (em papel...) uma outra, de Carlos Vaz Marques, publicada no número de Outubro da revista LER.



Dulce Maria Cardoso, O Retorno, Tinta-da-China, 2011, 272 p.
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Grécia e o exercício da democracia


O anúncio da realização de um referendo na Grécia caiu ontem como uma pequena bomba. George Papandreou afirmou que os gregos serão chamados a dizer se querem, ou não, que o país adopte o novo acordo proposto há alguns dias em Bruxelas e que a sua vontade será respeitada. Não terá resistido às divergências dentro do seu próprio partido e, sobretudo e definitivamente, à pressão da rua.

Independentemente de todas as consequências possíveis que decorrerão da decisão em causa (e serão muitas, para a Grécia e para a Europa), o que me parece absolutamente extraordinário é que não se considere normal recorrer a esta prática democrática para decidir o que está neste momento em causa para um povo. Uma decisão que só peca por tardia.

Em vésperas da reunião do G20, Sarkozy mostra-se «consternado», os alemães «estupefactos» e também «irritados», o FMI «surpreendido».

Mas, qualquer que seja o desfecho, uma coisa é certa: o povo grego recordou ao mundo que a democracia nasceu na (sua) rua. A Praça Syntagma repôs a velha Ágora na História.

P.S. - Conselho para quem tem acesso ao meu mural no Facebook: seguir os comentários a este post aqui. Como já disse e repito: estas «catacumbas» que são as Caixas de Comentários da blogosfera «já foram»...
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Se há razões para recorrer

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… a bruxas, temo-las todas, mais do que nunca.




Tradições mais caseiras:


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31.10.11

E a China aqui tão perto

«Occupy» e «Tea Party» – dois movimentos simétricos


A extensão e a rapidez com que «We are the 99%!» se espalhou, nos Estados Unidos, estará a contribuir para uma importante mudança no cenário político americano. 

Para além do cansaço e do desespero perante a crise e as desigualdades sociais, o movimento tem certamente como uma das suas principais raízes a desilusão e o desencantamento face às expectativas criadas pela eleição de Obama, em 2008. Se nem ele foi capaz de mudar significativamente a realidade, de cumprir promessas que terá feito com a maior das boas vontades, se não conseguiu impor a sua autoridade aos mercados financeiros e aos lobbies, quem o fará? O povo – responde a «rua».

«We are the 99%!» contrapõe-se ao posicionamento do «Tea Party», bem acantonado na direita conservadora, mas, apesar de tudo, acusado pelos Republicanos mais tradicionais de afastar eleitores e de pôr assim em risco uma possível vitória em 2012. Se «Occupy» acaba por ter um efeito paralelo para os Democratas, então é bem provável que os dois partidos se «radicalizem».

Viremos a assistir a «uma verdadeira revolução do sistema representativo americano, tradicionalmente caracterizado por um bipartidarismo bastante “mole”», «sem uma ideologia interna muito coerente e radical»? «Empurrando cada um dos dois partidos para lados políticos opostos, Occupy e Tea Party vão poder contribuir para redefinir o jogo político americano».

Veremos, em 2012, um partido democrata socialista face a um partido republicano conservador?

(A partir daqui.)
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Já está! Mas, contra factos, há novos argumentos

Catastroïka

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Vem aí, depois de Debtocracy:



The creators of Debtocracy, a documentary with two million views broadcasted from Japan to Latin America, analyze the shifting of state assets to private hands. They travel round the world gathering data on privatization in developed countries and search for clues on the day after Greece’s massive privatization program.

Ver o site.
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30.10.11

Pergunta para Álvaro Santos Pereira


«Ao afirmar que o salário mínimo nacional só pode aumentar com o aumento da produtividade, tem noção de que está a interpelar-se a si próprio, pois é responsável por uma política que diminui recessivamente a produção? E que essa contracção afecta o que há de mais essencial na produtividade, a criação de riqueza? Ou pretende alcançar a produtividade por pura aritmética, isto é, por um aumento de desemprego ainda mais grave do que a recessão do produto?»

José Reis, professor de Economia da Universidade de Coimbra (Público, 30/10/2011, sem link)

Citações do dia (11)




«Se os governantes entenderem que a situação de emergência nacional justifica tomar medidas que a actual Constituição impede, o que têm que fazer é chamar o líder do PS de quem são tão amigos e mudar a Constituição com os votos do PS, PSD e CDS. Como já se viu quando de revisões constitucionais extraordinárias a pretexto dos tratados europeus, tal pode ser feito muito depressa, haja vontade das partes. Não penso que mudar a Constituição para a moldar às necessidades do momento seja muito saudável, mas é certamente mais saudável do que estar a actuar à sua revelia.»
José Pacheco Pereira, O Tribunal Constitucional continua em funções?

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«É verdade que o papel a desempenhar pelo PS nunca seria fácil. Entalado entre os últimos seis anos de governação, que António José Seguro renega, e o acordo de assistência financeira negociado pelo seu partido, o espaço para fazer oposição seria sempre reduzido. Mas o Governo fez-lhe um enorme favor e escancarou-lhe a porta de saída: optou por ir politicamente muito para lá dos acordos com a troika e fez escolhas em sede de orçamento, no mínimo, discutíveis. E o que faz o PS? Rigorosamente nada. E se não consegue construir uma alternativa face às opções radicais do Governo, ou estamos perante um caso de incompetência total, ou então, no fundo, concorda com as opções da maioria, apesar dos remoques e da retórica apatetada. Pode muito bem ser isso, pode ser que o caminho escolhido pelo PSD e CDS seja também o do actual PS e, nesse caso, em razão desse consenso, está na prática a disponibilizar-se para aderir à coligação.»
Pedro Marques Lopes, 'Quo vadis' PS?

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«Com um ano e meio de atraso, foi finalmente reconhecida a necessidade de reestruturar a dívida grega. Várias vozes se juntaram para entoar: “foi uma grande perda para os credores”. É bem verdade que os credores irão ganhar muito menos do que previam, mas ganhar menos não é bem sinónimo de perda. Recuemos ao passado. Alguém contestou os lucros abusivos destes mesmos credores quando cobravam taxas de juro agiotas e iam ganhando às custas do desespero de muitos? Avancemos para o futuro. Alguém está a contestar o outro lado desta decisão? Não, pelo contrario, foi aplaudida, e é bom lembrar que outro lado é esse. Os mesmos credores que perdem nos lucros previstos, beneficiarão das medidas adoptadas para a recapitalização da banca. Traduzido por miúdos, os bancos livram-se dos produtos tóxicos ao mesmo tempo que ganham dinheiro fresco. »
Marisa Matias, Uma mão cheia de nada
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Já agora...

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«O casamento entre capitalismo e democracia acabou»?

@Gui Castro Felga

Uma entrevista a Slavoj Žižek, a ser ouvida na íntegra, goste-se muito, pouco ou nada do controverso pensador esloveno. Nada optimista, mas concluindo que «estamos a viver e a aproximarmos de tempos muito interessantes»: «o campo está aberto».

«Penso hoje que o mundo está a pedir uma alternativa. Gostaremos nós de viver num mundo em que a única existente seja escolher entre o neoliberalismo anglo-saxão e o capitalismo sino-singapureano com valores asiáticos?

Julgo que, se nada fizermos, nos aproximaremos de um novo tipo de sociedade autoritária. É aqui que vejo a importância do que está a acontecer hoje na China: se até agora havia bons argumentos para o capitalismo, mais tarde ou mais cedo chegaram exigências de democracia…

O que temo é que, com este capitalismo com valores asiáticos, venhamos a ter um capitalismo muito mais eficiente e dinâmico do que o nosso, ocidental. Mas não partilho a esperança dos meus amigos liberais - dêem-lhe dez anos e haverá uma nova Tiananmen Square . Não: o casamento entre capitalismo e democracia acabou.»



(Daqui, encontrado via artigo 58)

Ler também: Slavoj Žižek: “Nosso inimigo é a ilusão democrática”
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