Como o próprio Miguel Portas diz num texto que divulgou esta manhã no Facebook, o ritmo a que tudo está a acontecer na Grécia impossibilita qualquer previsão do que se seguirá nas próximas horas. Que isso não nos impeça de reflectir sobre o que se passou até agora.
«Os acontecimentos na Grécia sucedem-se a velocidade vertiginosa. É possível que o governo caia esta sexta-feira e que o referendo seja substituído por eleições gerais. No momento em que escrevo, o PASOK perdeu a maioria de 2 deputados de que ainda dispunha no Parlamento e o ministro das finanças retirou o tapete ao seu primeiro-ministro.
Ontem mesmo, G. Papandreou teve uma desagradabilíssima reunião com os dois tenores da política europeia. Foi por estes informado de que a tranche de 8 mil milhões de euros do primeiro empréstimo, prevista para Novembro, se encontrava suspensa; e que a pergunta do referendo, a ocorrer, deveria incidir sobre a pertença à zona euro e não sobre o pacote associado ao segundo resgate da Grécia. Tanto quanto se sabe do conclave, o primeiro-ministro grego cedeu. Mas, verdadeiramente, ainda é ele que detém as rédeas da situação? Tudo indica que não.
A dupla Merkosy joga em dois tabuleiros: no primeiro, impõe a pergunta que mais lhe convém - a da chantagem euro/sim, euro/não - não vá o diabo tecê-las e o referendo ocorrer mesmo; no segundo, trabalha na sombra para se libertar de um aliado que se revelou instável, por muito que lhe desagrade um temporário vazio de poder em Atenas.
A nenhuma destas criaturas ocorreu, por um segundo sequer, interrogar-se sobre o porquê da inusitada decisão de Papandreou de recorrer a um referendo. Aliás, esta observação é extensiva à generalidade dos comentadores, que se apressaram a escrever, em todos os registos possíveis, que a Grécia “não podia fazer isto à Europa e ao euro”. Mas não podia porquê?
Porque há-de ser “crime de lesa Europa” ouvir um povo, se todos os dias se ouvem os chamados mercados e não há chancelaria que se queixe? Porque hão-de ser as obrigações com os Estados e com os credores mais importantes do que as obrigações que os Estados contraem com os seus cidadãos? Porque é que nos primeiros casos assistimos a “rupturas de contrato” e nos outros não?
Foi assim tão inusitada e esdrúxula a decisão de convocar o referendo? Inexplicável? Não creio. A decisão reflecte a vontade de um líder em perda de velocidade sacudir a brutal pressão a que estava a ser submetido quer por Bruxelas quer pela parte mais combativa do seu povo. Não se percebe nada do “inexplicável” sem se reconhecer a violência social escondida no programa de austeridade imposto por Bruxelas e pelo FMI.
Sabe-se que Papandreou não tinha ficado contente com os resultados da última cimeira. Com efeito, o chamado “perdão de 50 por cento” da dívida é uma fraude que, na melhor das hipóteses, se saldará numa perda de 20 por cento para os bancos, entretanto recompensados com dois programas de transferência de recursos públicos. Papandreou nunca se teria decidido pelo referendo se outra fosse a aproximação europeia aos problemas da Grécia. Ele decide-se pelo referendo porque esgotou a sua própria reserva de decisão. Com efeito, a mais importante decisão imposta aos gregos é também a mais simbólica e humilhante: a troika transferiu-se de armas e bagagens para Atenas. Tantas vezes vai o cântaro ao poço que um dia ele parte-se e foi o que aconteceu.»
.