21.9.13

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... anos tem Leonard Cohen a partir de hoje.

Esqueço o poeta e o escritor e regresso a algumas canções dos seus dois primeiros álbuns, propositadamente em versões antigas – as primeiras em que o ouvi.








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Pois, isto pode complicar-se


Os estivadores europeus ameaçam prejudicar o tráfego marítimo de e para Portugal, caso o Governo de Passos Coelho não altere a nova lei laboral que regula o setor. Para o presidente do Sindicato dos Estivadores do Centro e Sul de Portugal, estão em causa centenas de postos de trabalho e o aumento de precarização da atividade de estivador.

O governo português já tinha sido directamente avisado.


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Tempestade perfeita: quatro em um



Esta frase de Miguel Sousa Tavares, da sua crónica no Expresso de hoje, arrisca-se a andar por aí durante uns dias porque exprime uma boa síntese:

«Desgraçadamente, o que se abateu sobre nós foi uma tempestade perfeita: Passos Coelho no Governo, Seguro na oposição, Cavaco na presidência e Merkel na Europa.»

Mas, realmente, por muitos pecados que possam ser-nos atribuídos, mesmo tendo nascido como país com um filho a bater na mãe, aguentado mais de quatro décadas de ditadura à espera que uma cadeira partida dela nos livrasse, desperdiçado uma bela revolução, parece excessivo o castigo que os deuses nos reservaram para este início do século XXI! Isto deve estar perto do fim, não? 
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Também tu, Brutus?

Pensadores



António Guerreiro publica, no Ípsilon de ontem, mais um excelente texto: «Pensadores e filósofos» – uma óptima leitura para uma manhã de Sábado (os realces são meus).

«Dizia-se em tempos — agora já se diz menos, porque a “despoetização” chegou a todo o lado — que Portugal é um país de poetas. Aquilo que nunca se diz é que também é um país de “pensadores”. Não de filósofos, já que nesse domínio a tradição não é muito rica, mas de “pensadores”. As aspas significam que a palavra é aqui declinada como citação: é o nome dado a uma categoria que não existe com o mesmo sentido noutras latitudes culturais e para a qual se vão encontrando representantes, por aqui, de tempos a tempos. Por exemplo, um sociólogo como António Barreto, a partir do momento em que começou a ter um discurso que já não é limitado pelas regras, pela ordem e pelo método de um determinado campo disciplinar, começou a ser chamado “pensador” (sem fazer nenhuma pesquisa, já dei por duas ocorrências) e, mais importante do que a explícita nomeação, a ser tratado como tal (pelo menos, na televisão). Não se trata da categoria dos “pensadores privados”, que fazem da sua obra um caso de obstinação pessoal, à margem de cargos académicos e institucionais. E também não são filósofos porque a forma de pensamento que praticam não é filosofia, é antes uma indefinida disciplina de sapiência que tem muito de oracular. O “pensador” português adquire quase automaticamente esse estatuto se eleger a nação portuguesa (e a respectiva sociedade, de preferência numa perspectiva trans-histórica) como objecto. Por isso, aliás, é que a chamada “filosofia portuguesa” é campo fértil de onde brotaram e continuam a brotar “pensadores” e um vasto “pensamento”. Veja-se o que aconteceu a Eduardo Lourenço: como passou com armas e bagagem da filosofia para a literatura e como se pôs a “pensar Portugal” (como se ouve dizer tantas vezes), acabou por se tornar o nosso “pensador” por antonomásia, malgré lui, que merece muito mais do que esse epíteto e os equívocos e reverências que ele suscita. O seu grande pecado, como sabemos, foi ter dado a um dos seus livros mais célebres o título O Labirinto da Saudade e, pior ainda, o subtítulo Psicanálise Mítica do Destino Português, que foi lido como se não houvesse nele nenhuma ironia nem um segundo grau e fosse completamente permeável ao “irrealismo histórico” e à ideologia que pretende precisamente analisar. Na história dos nossos “pensadores”, há que distinguir duas espécies: os que nem mereciam ser, mas por razões culturais (ou por alguma falta de prudência) aconteceu-lhes essa desgraça; e os que trabalharam para o ser, por convicção e porque esse “idioma” os formou. Estes “pensadores”, ao contrário dos filósofos, têm um pensamento completamente transitivo, exclusivamente orientado para um objecto exterior. Têm uma pretensão de verdade e de revelação, e isso verifica-se no “estilo” e nos protocolos discursivos. Tendem, por isso, a ser ouvidos como oráculos. A filosofia, pelo contrário, conhece desde sempre o modo como o pensamento implica a linguagem. Para o filósofo, ao contrário do que acontece com o nosso “pensador”, não há pensamento que não seja pensamento do pensamento, não há pensamento que não seja experiência da linguagem. » O “pensador” — a categoria portuguesa com este nome — está cheio de visões do mundo, mas falta-lhe aquilo que desde sempre sobra no filósofo: uma visão da linguagem, uma interrogação sobre o significado das palavras. Daí a ilusão de transparência que transmite, que é uma transparência ingénua, semelhante à dos poetas que têm muita coisa para dizer e muitos sentimentos para exprimir. São, à sua maneira, realistas.»
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20.9.13

Vem aí o PEC IV...



... transformado em tese de mestrado?

Sócrates de regresso à política, desta vez em livro.

Tudo leva a crer que sim.
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Quando, em Portugal, se rejeitava a social-democracia



Os jornais de 20 de Setembro de 1975 relatam a tomada de posse, ocorrida na véspera, do VI Governo Provisório, presidido por Pinheiro de Azevedo (veja-se a composição e registe-se que por lá andava um dos actuais ministros...), governo esse que sucedeu ao último executivo chefiado por Vasco Gonçalves.

Foi este o tom de parte do discurso do primeiro-ministro, no acto da tomada de posse:

«Todos temos consciência da situação de justificado descontentamento que envolve amplas camadas desfavorecidas da população e da consequente perturbação política e social, que, habilmente aproveitada por forças contra-revolucionárias, põe em perigo o processo revolucionário e as conquistas tão duramente alcançadas pelo povo português (...)
Como o senhor Presidente da República [Costa Gomes], também eu rejeito a social-democracia, como objectivo final da Revolução.
Pretendo incluir-me num esforço conjunto, consciente e responsável, centrado na edificação da República Socialista Portuguesa. (...)
A ordem democrática e autoridade revolucionária são imprescindíveis para, com serenidade e firmeza, se consolidarem as vitórias do povo português, repensando a Revolução, reformulando os serviços melhorando a vida do homem e da colectividade.
Defendemos a via do socialismo e da democracia pluralista para atingirmos a sociedade socialista.
O que exige uma clara e firme direcção política.
Admitimos partidos que defendam a social-democracia, com os quais consideramos ser necessário e útil colaborar, sem no entanto lhes permitir tomar a direcção política do processo revolucionário. Permitimos outros partidos capitalistas definindo-os, desde já, como oposição ao socialismo que pretendemos, e não transigindo com acções contra-revolucionárias. Veremos com satisfação a convergência das forças socialistas num projecto consequente de transformação da sociedade portuguesa.»

(Fonte) 

O socialismo nunca veio e (uma espécie de) social-democracia já foi.
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Perto de si, num país imprevisível



E lá vi eu mais um porco a andar de bicicleta: Manuela Ferreira Leite afirmou ontem que as recentes decisões do Tribunal Constitucional terão sido o principal contributo para a melhoria do estado económico e explicou porquê.



Claro que não sou ingénua e sei que MFL não dá ponto sem nó, mas ainda assim...
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Assim vamos - na sopa dos pobres



Porto, fila para distribuição de alimentos.

(Foto de Paulo Pereira)
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Maniqueísmos



Viriato Soromenho Marques, no DN, a propósito de políticas baseadas na mais do que estafada dicotomia entre o bem e o mal (mau comportamento dos povos do Sul, que "viveram acima das suas possibilidades"), quando o que está em causa não se compadece com soluções simplistas:

«Pensar que a Zona Euro e o projeto europeu poderão renascer a partir da aplicação de uma estratégica simples, mas errada, é o mesmo que não compreender porque é que durante séculos a sangria era aplicada na medicina em casos que necessitariam, pelo contrário, de uma transfusão de sangue. A superstição alimenta-se na sua própria simplicidade. A realidade é um simples dano colateral. Mas, no final, só a realidade prevalece.» 
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19.9.13

Nunca é demasiado tarde



Juíza pede a extradição de quatro torturadores do franquismo para que sejam julgados na Argentina.

Notícia detalhada aqui.
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Com todos no coração



Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje, fala das autárquicas:

Chaves no Coração... Bragança no Coração... Azeitão no Coração...
«Trata-se de uma quantidade suficientemente elevada de localidades alojadas em corações para suscitar um estudo de cardiologia autárquica que, infelizmente, não tenho formação para levar a cabo.»

Na íntegra AQUI.
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Saloia ou não, é esperteza com certeza



«Quando, em Itália, o uso de cinto de segurança nos automóveis passou a ser obrigatório, a criatividade transalpina gerou, em simultâneo, uma fonte de negócio e uma forma de evitar eventuais incómodos aos condutores. De um dia para o seguinte, apareceram à venda "t-shirts" com um cinto de segurança estampado. Com um exemplar vestido, havia hipóteses de os automobilistas conseguirem ludibriar as autoridades. O engenho italiano é admirável, mas há autarcas em Portugal que o superam. Sem apelo, nem agravo.»

A propósito disto:

«Pelo menos dois presidentes de juntas de freguesia que estão abrangidos pelo que a lei estabelece sobre limitação de mandatos preparam-se, se as listas em que concorrem saírem vencedoras nas eleições de 29 de Setembro, para continuarem a exercer aqueles cargos. O estratagema usado pelos autarcas de Carnide e de Ferreira de Aves, que se apresentam a sufrágio pela CDU e pelo PSD, respectivamente, é simples.
Um familiar ou outra pessoa de confiança são candidatos ao lugar, mas está previsto que estes testas-de-ferro renunciem ou deleguem poderes. Em benefício de quem? Dos dinossauros, evidentemente.» 

João Cândido da Silva, no Jornal de Negócios.
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O texto do dia


... é o que Ferreira Fernandes publica hoje, no DN. Faço questão em o deixar aqui na íntegra:

Carta aberta a uns pedaços de merda

Olá, amiguinhos do FMI. Eu sou o ratinho branco. Desculpem estar a incomodar-vos agora que vocês estão com stress pós-traumático por terem lixado isto tudo. Concluíram vocês, depois do leite derramado: "A austeridade pode ser autodestrutiva." E: "O que fizemos foi contraproducente." Quem sou eu para desmentir, eu que, no fundo, só fiquei com o canto dos lábios caídos, sem esperança? O que é isso comparado com a vossa dor?! Eu só estiquei o pernil ou apanhei três tipos de cancro, mas é para isso que servimos nos laboratório: somos baratos e dóceis. Já vocês não têm esses estados de alma (ficar sem emprego, que mau gosto...), vocês são deuses com fatos de alpaca e gravata vermelha como esses três novos que acabam de desembarcar para nos analisar os reflexos. "Corre, ratinho branco!", e eu corro. Vocês cortam-me as patas: "Corre, ratinho branco!", e eu não corro. E vocês apontam nos vossos canhenhos sábios: "Os ratos sem pernas ficam surdos." Como vocês são sábios! E humildes. Fizeram-nos uma experiência que falhou e fazem um relatório: olha, falhou. Que lição de profissionalismo, deixam-nos na merda e assumem. Assumir quer dizer "vamos mudar-lhes as doses", não é? E, amanhã, se falhar, outro relatório: olha, falhou. O vosso destino, amiguinhos do FMI, eu compreendo. Vocês são aves de arribação, falham aqui, partem para ali. Entendo menos o dos vossos kapos locais: em falhando e ficando, porque continuam seguros no laboratório? 
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18.9.13

Várias turmas para quê?


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Texto da carta de Nelson Arraiolos ao PR




Aqui fica o texto da carta que ontem referi e que recebi hoje por mail. 


Exmo. Sr. Presidente da República

i. Sou desempregado, sem qualquer rendimento, e portador de Charcot Marie-Tooth, uma doença degenerativa que me destrói progressivamente o sistema muscular. Se sobrevivo é, unicamente, graças à caridade de várias pessoas.

ii. A minha realidade demonstra que não se está a cumprir a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos artigos:
- Artigo 26.º - Outros direitos pessoais, ponto 2;
- Artigo 58.º - Direito ao trabalho;

iii. É de notar que, até ao momento em que este documento foi redigido, não foi evocado o Artigo 19.º (Suspensão do exercício de direitos) nem por V. Exa. nem pelo presente Governo. De qualquer forma, mesmo que tal tivesse acontecido, seria necessário actuar em conformidade com os vários pontos deste artigo. Deste modo, não existe justificação para o incumprimento que se verifica, por parte do Estado, dos Artigos citados no ponto ii. deste documento.

iv. Permita-me que lhe recorde vários artigos da Constituição da República Portuguesa:
- Artigo 63.º - Segurança social e solidariedade, ponto 3
- Artigo 81.º - Incumbências prioritárias do Estado, alínea a) e alínea b)
- Artigo 104.º - Impostos, ponto 1, ponto 3 e ponto 4.

v. Permita que lhe recorde que:
A Constituição da República Portuguesa é o documento que suporta as leis do país.
A Constituição da República Portuguesa é o documento que, sendo cumprido, dá lugar a todos os cidadãos.
A Constituição da República Portuguesa é o documento que permite a paz e concórdia entre todos os que habitam em Portugal.
A Constituição da República Portuguesa é o documento que todos os cidadãos eleitos juraram cumprir e fazer cumprir.
A Constituição da República Portuguesa é o documento que todos os cidadãos nomeados juraram cumprir e fazer cumprir.
A Constituição da República Portuguesa é o documento que V.Exa. jurou cumprir e fazer cumprir.

vi. Existe uma inegável hierarquia de valores que exige que eu faça o necessário para garantir a minha sobrevivência física.

vii. Sr. Presidente da República Portuguesa: é contra a minha vontade, e ao abrigo do Artigo 21.º (Direito de resistência), que declaro que suspendo o pagamento ao Estado de qualquer imposto ou taxa. Declaro também que manterei esta minha decisão enquanto não tiver um rendimento que me permita sobreviver de forma digna e autónoma.

A partir do momento em que o actual Governo actua na ilegalidade, ao violar os direitos mais básicos dos cidadãos, não lhe reconheço nenhuma legitimidade. Desta forma, recuso-me a cumprir deveres, como o pagamento de taxas, cuja consequência é a minha morte, enquanto o Estado não cumprir também os seus deveres e deixar de violar os meus direitos. Por outras palavras, enquanto não tiver um trabalho digno, direito consagrado na Constituição da República Portuguesa que cabe ao Estado cumprir e fazer cumprir, não pago nenhum imposto ou taxa que me seja exigido. E não o faço por se tratar de uma opção, faço-o precisamente porque não tenho opção.

Nelson Arraiolos
926880152
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PS: a abstenção como prova de vida



PSD e CDS aprovaram hoje, na Assembleia da República, uma proposta de lei que permite a renovação extraordinária dos contratos de trabalho a termo até aos 12 meses.

Juntamente com o PCP e o BE, o PS acusou o governo de optar por prolongar a precariedade em vez de combater o desemprego. Um deputado socialista disse mesmo que os trabalhadores são obrigados a escolher entre «serem pobres e miseráveis».

Perante isto, votou o PS contra a proposta de lei? Não, ABSTEVE-SE (*)!
Isto já nem é defeito, só pode ser feitio.

(*) Três deputadas votaram contra.

(Fonte)

CNE: para cada «post» um polícia?



A propósito das próximas eleições autárquicas, depois de ter proibido o envio de propaganda política por telefone e por e-mail, a Comissão Nacional de Eleições avisa que nos próximos dias 28 e 29, destinados a reflectir e a votar, também não se pode fazer propaganda nas redes sociais.

À hora a que escrevo, o aviso ainda não está publicado no site oficial da Comissão, mas vários órgãos de comunicação social referem s proibição em causa, remetendo para declarações feitas ao Jornal de Negócios. Neste (sem link), refere-se expressamente:
«Os riscos de colocar conteúdos nestes dias são, pois, elevados. "Conforme resulta da Lei Eleitoral, quem fizer propaganda nesses dias é punido com pena de multa não inferior a 100 dias, caso seja na véspera da eleição", esclarece a CNE. Se a propaganda for feita no dia da eleição, o candidato é punido "com pena de prisão até seis meses ou pena de multa não inferior a 60 dias".»

Note-se que, contrariamente ao que alguns jornais explicitam, aparentemente não são apenas os candidatos ou os partidos a serem abrangidos, mas todo e qualquer cidadão.

A questão não é nova, há anos que é debatida na blogosfera (e desrespeitada pelos que consideram absurdo e causa de maior abstenção o silêncio de mais de 24 horas), mas a explosão de utilizadores do Facebook veio dar outra dimensão ao fenómeno. Estou enganada ou é óbvio que serão milhares e milhares a infringir a lei?

No dia 30, pela fresquinha, alguém vai ter muito trabalho a notificar uma multidão de novos arguidos? Ora... 
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17.9.13

Nelson Arraiolos – um caso a acompanhar



A Clara Cuéllar já chamou a atenção para o caso de Nelson Arraiolos, um cidadão que deverá amanhã tentar entregar ao presidente da República uma carta em que explica os motivos pelos quais deixará de pagar qualquer tipo de imposto: está desempregado, sofre de uma doença degenerativa para a qual não tem apoio adequado e a sua família foi alvo de penhoras, por parte das Finanças, por causa de dívidas por ele contraídas.

Mais uma situação que, inevitavelmente, me levou a recordar o caso de Alcides Santos que, há meia dúzia de meses, tomou uma decisão semelhante interpelando o Provedor de Justiça. Por circunstâncias várias, o desfecho foi bom: está empregado, voltou a conseguir «respirar».

Se sou amiga do Alcides e não conheço o Nelson Arraiolos, não fico de todo indiferente e aplaudo e admiro quem não se conforma, nem desiste, mesmo numa situação desesperada, de utilizar as poucas armas de que ainda dispõe: os direitos que a Constituição lhe concede e que vai reclamar junto daquele que tem o dever de ser o seu principal guardião. Como tantos outros portugueses, podia simplesmente deixar de pagar impostos sem mais explicações, mas fez a opção corajosa de sair da sua zona de (des)conforto e de tornar a sua situação oficial e pública. Resistência activa é isto. 

Somos todos nós que somos interpelados também – amanhã, 18 de setembro, às 12:00.

(Quando tiver notícias do que se terá passado em Belém, informo.) 
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Querida «troika»



Lisboa acordou ontem com meia dúzia de «troikados», suspensos em vários locais da capital (Largo do Rato incluído), que saudaram o regresso do trio de novos funcionários encartados. Bem podiam ter deixado cair e espalhado esta mensagem que hoje li no Económico:

«Querida "troika", bem-vinda de volta! Já não nos visitava há uma série de tempo, e eu já começava a ficar preocupado com o vosso silêncio. Eu sei que, da última vez, as conversas ficaram num tom um bocado desagradável, com coisas atrasadas (culpa nossa) e tal, mas também não era motivo para amuarem tanto tempo. E também sei, pronto, que entretanto o nosso Governo desatou todo à chapada, saiu o vosso homem de confiança, o Executivo ia mesmo cair, de forma irrevogável, mas depois não caiu. Enfim, o que lá vai lá vai, não é? Nada de ressentimentos, certo? O que interessa é o futuro, portanto vamos lá ao que interessa. (...)

Olhem, fazemos assim: dêem-nos o raspanete que já sabemos que vem a caminho; flexibilizem umas coisas para o Governo ficar contente e que não alteram nada de fundamental; mandem uma canelada no Tribunal Constitucional que teima em defender a Constituição na parte dos funcionários públicos; assinem o chequezito da ordem (não se esqueçam desta parte, que é muito importante); e aproveitem o sol, que nós até prolongámos o bom tempo até meio de Setembro para vos receber condignamente.» 
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Chapa 5: tiro aos reformados


@René  Magritte

Passa-se de um país a outro e até enjoa. Não é certamente a imaginação que está no poder ou não encontraríamos sempre a mesma receita – que é fácil, é barata e dá milhões. Se esta Europa não é para jovens, para velhos é que também não é certamente.




A respeito de Portugal (mas, de certo modo, também válido para Espanha e para a Grécia), Ana Sá Lopes escrevia no jornal i de ontem:

«Estes reformados nunca viveram acima das suas possibilidades porque, quando nasceram, não havia “possibilidades”. Nasceram num país miserável, onde quase ninguém estudava e os serviços de saúde metiam medo. Foram eles que ajudaram a construir o país mais ou menos decente que ainda temos enquanto não rebentarem com ele de vez. Solidariedade intergeracional é ter consciência do que lhes devemos e não os tratar como carne para canhão.»

Shame on us, velha Europa!
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16.9.13

Mais do que 1000 palavras


Ler primeiro esta notícia.


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Carta dos Estivadores da Europa ao governo português


Divulgo este texto que não será certamente publicado em nenhum jornal, apesar das consequências que pode vir a ter para o país. Porque há quem não brinque em serviço.

Gabinete do Primeiro Ministro, Governo de Portugal
Rua da Imprensa à Estrela, 4
1200-888 LISBOA

À atenção de:
Dr. Pedro Passos Coelho, Primeiro Ministro
Dr. António Pires de Lima, Ministro da Economia

Caros Senhores,

Estou a escrever para vos chamar a atenção para a nova legislação Portuguesa de trabalho portuário. Para nosso desapontamento, a nova legislação retalha históricos postos de trabalho dos estivadores, aniquila o efectivo direito dos estivadores a carteira profissional e a anterior obrigação da sua posse, dissemina a precariedade e pressiona para salários de miséria.

Em resumo, tenta demolir a segurança do emprego e as condições de trabalho dos estivadores em largo detrimento das condições de segurança e da qualidade do trabalho, benefícios sociais e organização sindical, com o único objectivo de servir os poderosos interesses do capital, sob a pressão da Troika, por forma a destruir a qualidade de vida dos Estivadores Portugueses.

Posteriormente, os empregadores Portugueses de movimentação de cargas portuárias começaram a aproveitar-se desta reforma portuária legislativa viciada e iniciaram a violação continuada da legislação e do contrato colectivo de trabalho e acordos conexos. As empresas começaram a despedir dezenas de estivadores experientes e indispensáveis e tentaram substituí-los por trabalhadores ilegais subcontratados ao mesmo tempo que criavam um ambiente de quase escravidão nos portos com um número enorme de horas de trabalho impostas e o cancelamento dos períodos de férias garantidos enquanto livremente fecham pools e abrem outras empresas alternativas.

Numa reunião realizada em Liverpool no dia 30 de Julho, todos os membros do IDC-E alcançaram a unânime conclusão de que não tolerariam mais estes ataques ferozes aos seus irmãos e irmãs Portugueses. Todos os membros do IDC-E decidiram então fazer um último apelo ao governo Português e aos empresários de movimentação de cargas portuárias por forma a abrir um fórum de real discussão efectiva e global com o objectivo de parar e inverter este inaceitável assalto social e profissional aos direitos dos estivadores Portugueses.

Esperamos realmente que tenham a capacidade de tomar as medidas necessárias, por toda a preocupação e raiva que atinge os estivadores do IDC, esperando que tudo seja feito para alcançar um acordo comum.

Queremos informar-vos que, se tal não for o caso, todos os membros do IDC-E irão realizar uma Assembleia da Zona Europeia nos dias 18 e 19 de Setembro em Chipre, e vão decidir sobre acções industriais específicas em que se possam comprometer. Estas acções irão seguramente ter impacto sobre os lucros dos empresários portuários, em particular, e sobre a frágil e sensível economia Portuguesa, em geral, a menos que o governo desempenhe o seu papel ao reforçar os direitos dos Estivadores Portugueses e termine com estes ataques inaceitáveis contra as regras de trabalho portuário e a essencial dignidade da profissão dos estivadores.

Enviaremos também informação completa sobre este assunto a todos os estivadores em cada porto à volta do mundo que mantenha relações comerciais com Portugal. Durante mais de um ano tentámos informar-vos constantemente sobre estes problemas e hoje consideramos que a nossa paciência atingiu os seus limites.

Sinceramente

O coordenador IDC-E,
A. TETARD

Para quem anda pelo Facebook



Uma questão de fé.
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Carambola



«Portugal é hoje palco de um jogo de bilhar amoral. Nele, a União Europeia segura um taco (o Governo de Passos Coelho) e com a bola do dinheiro consegue uma carambola: toca nos portugueses, representados pelas duas outras bolas, e continua a jogar sozinha.

É um jogo sinistro e que revela aquilo que a União Europeia deseja para Portugal: que sejamos um protectorado semelhante ao que foi Cantão até há pouco tempo ou que ainda é o Bangladesh. (...)

No fundo do túnel, a UE promete-nos o Inferno. E em tudo isto o Governo serve de "compère". Com esta austeridade como se voltará ao crescimento para a dívida ser sustentável? Só com os portugueses todos ao nível do limite mínimo de sobrevivência? É para isto, para este "não futuro", que queremos estar na União Europeia?»

Fernando Sobral
(O link pode só funcionar mais tarde)
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15.9.13

Europa: mudam-se os tempos




Desde o ano 1000 até à actualidade.
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Há 40 anos, mataram Victor Jara



Victor Jara foi assassinado em 15 (ou 16) de Setembro de 1973, poucos dias depois do golpe em que morreu Salvador Allende.

No dia 11, estava nas instalações da Universidade, que foram cercadas por militares, sendo depois transportado para um Estádio transformado em campo de concentração, onde foi torturado e assassinado.

Poucas horas antes de morrer, escreveu o seu último poema – «Somos cinco mil» – que chegou até nós graças aos seus companheiros de cativeiro.



Somos cinco mil 

Somos cinco mil aquí.
En esta pequeña parte de la ciudad.
Somos cinco mil.
¿Cuántos somos en total

en las ciudades y en todo el país?

Somos aquí diez mil manos
que siembran y hacen andar las fábricas.

¡Cuánta humanidad
con hambre, frío, pánico, dolor,
presión moral, terror y locura!

Seis de los nuestros se perdieron

en el espacio de las estrellas.
Un muerto, un golpeado como jamás creí
se podría golpear a un ser humano.

Los otros cuatro quisieron quitar
se todos los temores,uno saltando al vacío,
otro golpeándose la cabeza contra el muro,
pero todos con la mirada fija de la muerte.

¡Qué espanto causa el rostro del fascismo!

Llevan a cabo sus planes con precisión artera sin importarles nada.
La sangre para ellos son medallas.
La matanza es acto de heroísmo.

¿Es éste el mundo que creaste, Dios mío?
¿Para esto tus siete días de asombro y trabajo?

En estas cuatro murallas sólo existe un número que no progresa.
Que lentamente querrá la muerte.

Pero de pronto me golpea la consciencia
y veo esta marea sin latido
y veo el pulso de las máquinas
y los militares mostrando su rostro de matrona lleno de dulzura.

¿Y Méjico, Cuba, y el mundo?
¡Qué griten esta ignominia!

Somos diez mil manos que no producen.
¿Cuántos somos en toda la patria?

La sangre del Compañero Presidente
golpea más fuerte que bombas y metrallas.
Así golpeará nuestro puño nuevamente.
Canto, que mal me salescuando tengo que cantar espanto.
Espanto como el que vivo, como el que muero, espanto.

De verme entre tantos y tantos momentos del infinito
en que el silencio y el grito son las metas de este canto.

Lo que nunca vi, lo que he sentido
y lo que siento hará brotar el momento...
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A nódoa

Os mais velhos dos velhos


@Henri Cartier Bresson

De facto tudo tem os seus limites e, ao escolher um caso extremo, Ferreira Fernandes torna mais gritante o escândalo ético do corte retroactivo das pensões. Um governo que nem respeita os compromissos assumidos com os mais velhos dos seus velhos não presta.

«Gota que fez transbordar o copo... Estou assim. E o abuso que sinto é este: 90 anos. Diz o governamental Rosalino das pensões: antigo funcionário que, com 90 anos, ganhe 1050 euros vai ter um corte de dez por cento. (...)
Não, não se pode tocar nos de 90 anos! Porque não, porque tudo tem um limite. Nenhum contabilista tem o direito de assustar um homem de 90 anos e dizer-lhe que os seus 1050 euros são demais e tem de ficar sem 105 euros. Nenhum contabilista, sobretudo um Hélder Rosalino que, passado o Governo, volta para o seu Banco de Portugal, onde se especializou naquilo que esse hotel de 5 estrelas tem de melhor, os seus planos de pensões.»
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