25.9.21

Se já estiverem fartos de reflectir

 


Entretenham-se assim.
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Entretanto no Afeganistão

 



Reflectir sobre isto, e sobre o que aí vem, é que é importante. Não ter quase dois dias de reflexão para decidir como votar na freguesia de Rebimba o Malho. (Espero que não exista nenhuma terra com este nome…)
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Dia de Reflexão

 

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E os votos chegaram a cavalo



 

Já descrevi esta aventura em tempos, mas aqui fica de novo. Para os mais novos parecerá surrealismo, os menos novos sorrirão.

Por razões profissionais, estive durante alguns anos ligada ao processamento dos resultados eleitorais, então efectuado no Centro de Informática do Ministério da Justiça. Viviam-se semanas épicas na preparação de todos os processos, noites ainda mais épicas quando a data chegava, e é difícil imaginar hoje a dificuldade, o pioneirismo e o stress com que tudo se passava.

O apuramento era especialmente longo no caso das eleições autárquicas pelo número de candidatos e lugares envolvidos e, em 1979, estive mais de 24 horas sem abandonar o meu posto. Muito tempo depois do fecho das urnas ainda faltavam os dados de quatro freguesias e, às 16:00 do dia seguinte, nada se conseguia saber de uma delas, localizada bem a Norte do país, salvo erro em Trás-os-Montes. Primeiro faxes, depois telefonemas para o respectivo Governo Civil... tudo inútil, ninguém encontrava o rasto do presidente da única mesa onde se tinha votado. Até que, bem mais tarde, o inesperado aconteceu: o homem acabou por chegar, em pessoa, ao Ministério da Justiça em Lisboa. Tinham-lhe dito que era ali que os dados eram processados e ele pôs-se a caminho. Trazia a urna ainda fechada e tinha deixado à porta… o cavalo que o transportara desde casa!

Julgo que, amanhã, não vamos ter de esperar por votos transportados a cavalo.
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24.9.21

Marquês de Pombal



 
Já foi assim...
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Brilhantes Dias, ainda

 


Costa «desvaloriza»? Como assim? Bazuca sempre, demissões nunca mais?

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Mente pouco brilhante



 

«Passamos a vida a correr e a dizer que o tempo voa, coisa que faz muito sentido quando abordamos a pandemia, cujas restrições, de tão castradoras, parecem enraizadas há séculos na vida de todos.

Mesmo assim, frases há que ficam gravadas, por mais dias que contemos, como a de Graça Freitas: "Não temos que estar alarmados", dizia a diretora-geral da Saúde, em janeiro de 2020. Ontem, o primeiro-ministro anunciou o arranque da etapa final do processo de reabertura. Enfim, chegou a hora de voltarmos a encarar o futuro com otimismo, mesmo a tempo das umas eleições locais em que se discutiu quase tudo menos política de proximidade, porque as batalhas futuras, no Parlamento e na liderança dos partidos, parecem sobrepor-se a tudo.

Se as considerações de Graça Freitas podem ser entendidas, à luz do desconhecimento, numa fase precoce da evolução da doença, mais de um ano e meio depois, as palavras de Eurico Brilhante Dias são inexplicáveis e não têm perdão, quando garante que "nós ganhámos com a covid", por causa do "êxito" que tivemos no combate à doença. Se é assim, não precisamos de um secretário de Estado da Internacionalização. Basta esperar que nova peste nos leve, outra vez, mais de 17 mil almas para proclamarmos de um polo ao outro que somos os melhores do Mundo, um país moderno, servido por um sistema de saúde tão eficaz, que na fase mais aguda da pandemia os profissionais do setor nem precisavam de dormir.

Nunca testei positivo à covid-19, nenhum familiar meu teve problemas graves com a doença, mantive o posto de trabalho. Mesmo assim, não me incluo no "nós" do secretário de Estado. Acredito até que poucos consideram encaixar-se naquele pronome. Subsiste, portanto, uma dúvida: o governante referia-se a quem? Aos portugueses, enquanto povo, pelo que vejo, leio e ouço, não me parece. Não os representa.»

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23.9.21

Se vota em Lisboa...

 


Um ano sem Gréco

 


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Conselho sábio

 

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Uma incompreensível suscetibilidade



 

«É claro que boa parte dos cidadãos não se dá conta. Até porque sempre conheceu esta maneira de funcionar. Mas há também quem frequente rádios e televisões de outros países europeus. Ou que tenha vivido longos anos longe, sem contactos durante muito tempo com as estações portuguesas. E que, por isso mesmo, saiba comparar com outras maneiras de produzir entretenimento como informação. O que leva naturalmente a uma atitude crítica para com o que rádios e televisões propõem em Portugal.

Tal atitude manifesta-se sobretudo em relação à televisão. Até porque ela é, há longos anos, o ator dominante da paisagem mediática. E, claro está, a crítica endereça-se a maior parte das vezes à RTP. Porque é ela que faz parte há mais tempo do património cultural português. Porque é considerada como “serviço público” e, por isso mesmo, paga naturalmente por todos nós. Quando as privadas existem sobretudo como negócio ou como instrumentos de pressão social, cultural e política. E quando estas mesmas televisões podem mudar de proprietários, como aliás se tem visto. Mas imagina-se dificilmente que a pública possa mudar de proprietário(s) e daquilo que é teoricamente o seu projeto cultural.

Porém, os responsáveis da RTP não gostam nada que os cidadãos-pagadores-da-contribuição-audiovisual façam uso do sentido crítico. Recorrem assim ao velho adágio que estipula que a melhor defesa é o ataque, desencadeando a “bomba atómica” que consiste em acusá-los de “censura”. Mesmo quando críticos há que viveram e foram vítimas da censura, no que consumiam como no que produziam, quando a maior parte dos ditos responsáveis (se não todos) nunca souberam o que isso era.

Ora, não será salutar em democracia que, livremente, serenamente e sem demagogia, haja espectadores que se interroguem sobre a “sua” televisão? Sobre a duração dos telejornais (duas a três vezes superior à da maior parte dos colegas europeus)? Sobre o facto de que, no início dos jornais, quando há títulos, sejam sempre três e que um deles seja obrigatoriamente sobre futebol? Sobre a seleção dos factos de atualidade praticada geralmente; dando demasiada atenção a crimes, acidentes e curiosidades sem relevância social, e ao futebol (quotidianamente cuidado); esquecendo boa parte das vezes a atualidade internacional, societal, económica e cultural, o estrangeiro sendo amiúde tratado apenas a partir de faits-divers; transformando a “cobertura” da vida política em simples seguidismo diário (ou quase) de líderes partidários e ao que foi “cozinhado” previamente pelas assessorias destes, não fazendo o jornalista um elementar relato de síntese?

Não será de facto saudável que haja espectadores que se interroguem sobre a hierarquização e o alinhamento dos temas tratados? Sobre a formulação dos textos, em termos sintáxicos como lexicográficos (e até sobre os erros gramaticais regularmente cometidos na escrita como na pronúncia)? Sobre a raridade das reportagens (no sentido forte do termo) e dos documentos, devidamente gravados, montados e acompanhados pela indispensável voz “off”? Sobre a presença exagerada de jornalistas que mais nada fazem do que mostrar-se e estender o microfone a quase sempre o mesmo tipo de testemunhas, transformando até bastantes vezes a dita presença do/da jornalista numa entrada pela esquerda (ou direita) do ecrã e uma saída pela direita (ou esquerda), com ares por vezes de risível passagem de modelos?

E não será ainda normal que haja espectadores que se interroguem sobre a notória ausência de especialistas da redação nas principais áreas do conhecimento, capazes de pôr em perspetiva e analisar factos importantes da atualidade? E que achem pouco desejável que se recorra a “comentadores” que já fazem isso mesmo noutros jornais (impressos, radiofónicos, televisivos ou digitais), provocando uma lamentável concentração da “opinião” muito pouco pluralista?

Países há nesta nossa Europa em que a crítica dos media é uma atividade permanente de sítios em linha, rubricas regulares na imprensa diária e publicações periódicas especializadas. Por vezes mesmo com críticas ferozes aos programas de entretimento como de informação. Sem que isso provoque a suscetibilidade e muito menos a agressividade a que a direção da informação da RTP Televisão nos tem habituado nestes últimos tempos. Até porque as congéneres europeias têm consciência que os cidadãos mais não fazem do que usufruir de um elementar direito constitucional em democracia. E porque tais críticas os levam a reconsiderar o seu próprio trabalho e a procurar tomá-las em consideração em realizações ulteriores.

Habituada a imperar num panorama mediático nacional demasiado reduzido, a direção da informação da RTP Televisão não suporta reparos e muito menos críticas, estimando-se detentora de práticas profissionais inquestionáveis. Um pouco de autocrítica e de modéstia não lhe faria nada mal. Para bem de todos nós…»

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22.9.21

Ele vem aí

 


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Colóquio – Socialistas, Republicanos, Analistas, Radicais…

 


Pode ser seguido por zoom AQUI.
O evento terá lugar no auditório Auditório José Gomes Motta (Rua de S. Bento, 160), com lotação limitada e sujeita a inscrição: geral@fmsoares.pt. 

No dia 24, farei uma intervenção pelas 11:30.






E se, de repente, alguém lhe oferece milhões?

 


«António Costa decidiu correr um risco matreiro ao tentar transformar as eleições num plebiscito acerca da beleza dos milhões dos dinheiros europeus. Não vai parar até ao último dia da campanha. Ele sabe que a repetição exaustiva do refrão do PRR mobiliza a crítica dos seus adversários e cria mesmo incómodo entre alguns dos seus apoiantes mas, no entanto, despreza esse efeito, por estar convencido de que o benefício ganho na credulidade dos eleitores é maior do que o prejuízo pelo enfado de quem acha que o Estado não se deveria confundir com o PS. Manchar as eleições com a convocação de clientelismo e com a transformação do seu próprio partido num partido-regime é, nestas contas de deve e haver, menos problemático do que um resultado no domingo que, como diz Costa com condescendência, ainda poderia significar que o PS não chega a ganhar todos os municípios de Portugal.

Há nisto dois cálculos ganhadores. O primeiro é o efeito imediato, que é a evidente sedução do patronato, que se desbarreta perante o portador dos cheques, e desse modo permite ao PS secar a base social das direitas, enfraquecer o PSD e favorecer o Chega, para assim encurralar a direita tradicional no canto das alianças tóxicas e prolongar o seu predomínio. Por outro lado, também há nisto uma sabida gestão de calendário: o primeiro-ministro percebe que é melhor ter agora um pássaro na mão, a promessa apressada mas tonitruante, pois depois o tempo desgastará os anúncios. Dentro de dois anos o truque não pode ser repetido, nessas eleições nem haverá pontes, nem novas casas, nem metro, nem qualquer das maravilhas que agora ficam tão bem quando apregoadas de um tribuna de comício. É agora ou nunca, enquanto os milhões são sonantes e antes que alguém pergunte pela obra.

Isto não vai parar. Durante toda a campanha o bulldozer de Costa continuará a acelerar sob a bandeira do PRR. O primeiro-ministro mostra assim que sentiu um chamamento, que determinou que a chuva de milhões será a sua herança política. E os autarcas socialistas, que são das primeiras vítimas do estratagema, estão entusiasmados e repetem a mensagem como podem, uma ponte aqui, uma maternidade ali, olhos a brilhar com os milhões que dão para tudo. Nem sentem que as eleições autárquicas estão a ser sepultadas por este vendaval, mirrou o espaço para apresentarem o trabalho feito, nem sobra para as suas propostas, nem para discutirem a vida do seu município. Transformaram-se em paus mandados destes anúncios deslumbrantes e deixaram de ter personalidade, ideias e campanha, limitam-se agora a serem arautos da boa nova milionária. Deste modo, o PS orgulha-se agora de se apresentar como partido-Estado, como a união nacional dos poderes político e económico.

Isto já existiu no Portugal contemporâneo, chamou-se cavaquismo e voltou agora. Talvez alguém se lembre de como acabou, porque acaba sempre por acabar.»

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21.9.21

Sophia, sempre


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Entretanto em La Palma

 


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O incrível caso do roubo das vacinas



 

«Após a renegociação dos contratos com a União Europeia, no verão, as vacinas da Pfizer passaram a custar mais 25% e as da Moderna mais 13%.

Depois de uma avalancha de lucros gigantescos, estas empresas continuam a ganhar poder negocial. Os governos pagam e aceitam a decisão da UE de não levantar as patentes das vacinas para permitir o aumento da produção e a redução do custo de cada dose.

A esta autêntica renda somam-se ainda lucros bolsistas astronómicos. As ações da Moderna, por exemplo, aumentaram, com a pandemia, de 21 dólares em março de 2020 para 430 dólares, registados ainda ontem.

E tudo isto sem que se saiba quanto foi gasto na criação das vacinas que agora são compradas em todo o Mundo. Segundo os dados do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, a Moderna recebeu 4100 milhões de dólares de financiamento público. A farmacêutica nunca revelou quanto gastou no desenvolvimento da patente, mas contas feitas pela organização holandesa SOMO registam que o apoio estatal é o dobro do capital injetado pelos próprios acionistas na empresa ao longo de onze anos. A mesma organização, em conjunto com a Corporate Watch, calcula que, por cada dólar de vendas, apenas 20 cêntimos correspondem aos custos da produção e comercialização das vacinas. No total, apontam para 8000 milhões de lucros.

Como se não bastasse, acaba de vir a público que um dos contratos secretos assinados entre a Comissão Europeia e a Moderna prevê que o pagamento das vacinas seja feito através de uma tal Moderna Switzerland GmbH, empresa instalada no cantão suíço de Basileia.

Ora, esta subsidiária da Moderna foi criada em 2020, já depois do desenvolvimento da vacina, quando esta já estava em testes clínicos. Por outro lado, a produção da vacina na Europa foi subcontratada à empresa Lonza. Ou seja, não há qualquer razão válida para que os lucros europeus da Moderna sejam taxados em Basileia, em vez de distribuídos pelas unidades e países que estiveram de facto envolvidos na criação e produção da vacina, com muitos milhões dos contribuintes.

A explicação é a seguinte: a Suíça é o terceiro maior paraíso financeiro do Mundo, onde a opacidade e a falta de cooperação internacional são serviços vendidos às empresas que aí se instalam. O cantão de Basileia, por sua vez, é o quinto lugar no Mundo onde as empresas mais recebem ajuda para não pagar impostos, de acordo com a Tax Justice Network.

Ao mudar-se para Basileia, a Moderna foge à fiscalização pública sobre a baixíssima taxa de imposto que pagará sobre os lucros astronómicos do negócio das vacinas. E isto sem contar com o acordo fiscal que - muito provavelmente - negociou com o Governo helvético. É o costume de muitas grandes empresas, não só na Suíça mas também em países como o Luxemburgo, que promoveu estes esquemas sob o Governo de Jean-Claude Juncker, que apesar deste currículo chegou depois a presidente da Comissão Europeia.

Escândalo repetido, a Comissão Europeia cede aos piores lobbies económicos e financeiros mundiais, em prejuízo de todos os povos. Sabendo disto, o que vai fazer o Governo português? Vai pedir explicações à Comissão pelo contrato lesivo que assinou? Ou alinhará de novo com o negócio sujo das farmacêuticas, depois de já ter apoiado a Comissão na manutenção das patentes, mesmo sabendo do elevado custo em vidas, sobretudo nos países mais pobres?»

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20.9.21

Campanha do Chega vista pelo RAP

 

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Lucidez

 


Quem não gostaria de ter esta louca lucidez aos 100 anos.
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Sophia Loren, 87

 





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Dez anos para o fim da saudade

 


«Setembro não é apenas um mês, é o aniversário sempre presente de quando um dia saí de Portugal. É como se a vida começasse de novo, disseram-me, e muito bem, um dia. Uma nova vida, contra vontade, assim como contra vontade foi a saída de mais de meio milhão de portugueses para o estrangeiro em plena “troika” há dez anos.

Não saímos por querer, mas porque a isso fomos obrigados. E, quem sabe por teimosia, saudade ou dor, ou um pouco dos três, insistimos em nunca mais esquecer. Como se estivéssemos zangados com o nosso país, com as nossas origens, com o compadrio, a precariedade, a falta de dinheiro para o dentista e para os óculos e portanto a fome, a cegueira, na minha terra é tudo tão caro, mas também o desemprego, a ausência de tudo, de futuro, de trabalho, de esperança, de vida, uma casa e uma família, memórias por cumprir, sempre por cumprir.

Mas também zangados com os que ficaram para trás porque podem ficar para trás, porque conhecem alguém, porque são espertos e nós somos parvos, ou então orgulhosos por não querer ficar a dever favores a ninguém, ao mesmo tempo independentes, homens e mulheres como os nossos pais sonharam um dia por nós mais o sacrifício de anos em prol desta prole a vingar, não obstante vingar lá fora.

Perdoem-me. Perdoem-nos. Estávamos zangados. Tristes. Ressentidos. Apesar da vida, agora sim, do futuro, pois claro, finalmente nas mãos. E não é mentira nenhuma quando todos os dias, e à força de dolorosas beliscadelas, obrigo-me a acreditar estar onde estou, dez anos depois na direcção de uma escola em Londres.

As vitórias, as conquistas, no entanto, nunca fizeram sentido na hora de partir, quando inexoravelmente o último dia de férias chegava, e chega, ao fim segundos antes de entrar para o avião. É ver o mundo escancarado a rir na nossa cara. É a vida de joelhos outra vez. É o trauma, só pode ser o trauma, de voltar ao início sem nada à partida e muito menos à chegada. É o medo e a incerteza. E os punhos crispados de lágrimas.

E não sei se por ser da idade, também é da idade, mas igualmente da pandemia que nos afastou a todos, mas a verdade é que depois de um ano sem poder voltar a casa, depois do primeiro Natal a dois como se os dois fossem os últimos sobreviventes na Terra, não eram, tínhamos o bacalhau, a verdade, dizia eu, foi a de nascermos outra vez quando este Verão não acreditámos na nossa sorte ao voltar a casa!

Ainda comprámos uma segunda passagem de avião para dali a dez dias, não fosse a vida trocar as voltas, mas não foi preciso e Agosto foi mesmo Agosto por inteiro de volta a casa, aos pais e irmãos, aos amigos, à praia, ao mar, ao sol, à sardinha e à cerveja, ao azul sem fim e sem nuvens, ao calor, ao bronzeado, à bola de berlim e ao palmier coberto, aos trilhos de bicicleta, ao pão alentejano e ao queijo.

Mas se ao chegar não acreditámos na nossa sorte, agora, e mais do que nunca, acreditamos. Assim como acreditamos que partir já não é partir e a saudade já não é saudade, é antes a certeza de quem vai voltar ainda a tempo de retocar este bronzeado na pele, outra e outra vez. Partir não é uma derrota, é o melhor dos dois mundos, é o fim da saudade tantos anos depois. Hoje, já não temos pena de partir. Ao contrário, vamos cheios de vontade de viver.

Viver mais dez anos lá fora, ou talvez 20, que a brincar a vida já vai a meio e o regresso só mesmo para a reforma e na reforma. Porque apesar do tempo que insiste em passar, não vejo os jovens de hoje de modo algum mais esperançados se comparados com os jovens que um dia fomos.

No mundo dos colaboradores e da precariedade e onde o inglês ainda é a língua franca, preocupam-me as fronteiras cada vez mais fechadas depois de duas décadas com o Reino Unido entre os principais destinos de emigração portuguesa.

E o milhão de empregos neste momento disponíveis em solo britânico? Infelizmente, estão disponíveis, sim, mas apenas para quem já cá está. E se hoje quisesse sair de Portugal não poderia sair de Portugal. Com conhecimentos rudimentares de Francês e pouco mais, emigrar não seria uma opção.

E sem opções, resta o conformismo. Ou a luta. Os próximos dez anos? Para muitos serão passados na rua de megafone em punho e nós também.»

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19.9.21

Lisboa de antanho

 


Fotografia de Artur Pastor. Série “De volta à Cidade”. Lisboa, Cais das Colunas, décadas de 50/60.
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Céu Guerra / Jorge de Sena

 



No enterro de Jorge Sampaio (12.09.2021)
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Talvez algum dinossauro escondido em ruinas romanas...

 

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O Estatuto perfeito

 


«O anúncio da construção de um hospital privado em Beja retoma a discussão sobre os papéis do sector público e do sector privado na prestação de cuidados de saúde à população. É do conhecimento geral que a actividade lucrativa da saúde não desistirá de se expandir, sobretudo na área hospitalar, enquanto não reduzir a prestação pública à vocação de prestadora dos cuidados que para ela tenham uma margem de lucro desprezível. Há muito que este objectivo foi enunciado pelo presidente da associação dos prestadores privados, e o projecto de Beja é só mais um sinal dessa intenção.

Actualmente, o volume de estabelecimentos hospitalares privados e de camas já é superior aos do sector público (114/111 hospitais e 11.281/10.863 camas) (www.jornaleconomico.pt), os meios complementares de diagnóstico e terapêutica também são dominantes nesse sector, ocupando, por isso, estas duas áreas posições estratégicas quanto à política de saúde do país. Será por esta razão que a CIP fez recentemente exigências ao governo para que em sede do Orçamento do Estado para 2022 aumentasse o orçamento da saúde de maneira a fazer face às novas tabelas dos preços praticados aos beneficiários da ADSE. São para cima de 600 milhões de euros anuais que estão em jogo, e a representante dos patrões não quer deixar para outros o que pode conseguir para si.

Se a aprovação da Lei de Bases da Saúde, apesar do processo conturbado e quase dramático por que passou, nomeadamente na Assembleia da República, representou um passo importante na salvaguarda do SNS, ficar-se por aí era o mesmo que, tal como actualmente a situação se apresenta, o Estado ficar proprietário da designação mas renunciar ao recheio do SNS a favor do sector privado, alugando ou vendendo o seu património. No melhor dos casos, como já muitas vezes foi dito, reservando-o para aquela faixa da população que não está coberta pela ADSE nem tem acesso a um seguro de saúde. São conhecidas as consequências desta escolha. Está, por isso, em causa o volume de financiamento, da remuneração dos seus profissionais e da sua organização e funcionamento. E tudo isto deve estar contido no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. Adiar por mais tempo a sua aprovação, materializando os princípios e orientações da Lei de Bases, é dar um sinal de hesitação quanto ao que fazer, cuja interpretação acaba sempre por ir mais além do que as eventuais precauções que se queiram ter.

A recente nomeação de coordenadores e equipas de apoio para as áreas dos cuidados de saúde primários, dos cuidados hospitalares, dos cuidados continuados e dos cuidados paliativos (despacho 9016/2021), à semelhança do que tem vindo sucessivamente a acontecer desde há alguns anos a esta parte, é a replicação do entendimento que se tem vindo a ter do que é a prestação de cuidados de saúde. Esta perspectiva, cujo êxito fica sistematicamente comprometido por lhe faltar uma visão sistémica de conjunto, é a transposição para a estrutura do SNS do que são os vários estádios da doença, compartimentados e alienados do que se passa ao seu lado. São os equivalentes a edifícios de várias alturas e volumetria que se erguem num terreno onde os acontecimentos vitais que lá se passam são de natureza particularmente complexa, a exigir menos fronteiras e mais liberdade de comunicação e contacto.

Nesta medida, o Estatuto perfeito será aquele que valorize e dê prioridade à promoção da saúde e à prevenção da doença, que retarde e diminua a gravidade da doença, aspectos descartados pelo sector privado por não terem um retorno financeiro de curto prazo e suficientemente robusto. O Estatuto perfeito será aquele que dê garantias que as pessoas são cuidadas pelo SNS desde que nascem até que morrem. O Estatuto perfeito será aquele que abandona a visão sectorial da prestação de cuidados e abre as portas à cooperação dentro e fora dos seus muros, considerando que todos os actores sociais são parceiros potenciais da política de saúde. O Estatuto perfeito será aquele que autoriza o SNS a expandir as suas acções muito para além das paredes dos seus estabelecimentos, assentando arraiais nas comunidades; só assim pode ser apropriado por essas comunidades e responder atempadamente às suas dores e contribuir para preservar o seu bem-estar. O Estatuto perfeito será aquele cuja abrangência e exaustividade sirva para melhorar a saúde das pessoas, individual e colectivamente consideradas; será o conjunto de regras que faça a diferença, para melhor, do recurso ao sector privado. O Estatuto perfeito será aquele que cuida dos seus profissionais, os remunera convenientemente, lhes proporciona formação contínua e lhes garante o acesso à tecnologia indispensável para tratar convenientemente quem está doente. O Estatuto perfeito será aquele que permita ao SNS adaptar-se facilmente às variações epidemiológicas, às circunstâncias sociais e às alterações demográficas. O Estatuto perfeito será aquele que exigirá que do topo à base todos os seus dirigentes partilhem dos valores do SNS, se dediquem exclusivamente a ele, sejam capazes e competentes, tenham o espírito de missão e de serviço à causa pública.»

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