Por Luis Alves (especialista em temas dos países nórdicos, é responsável pelo blogue mokkikunta.org , co-editor do site Lusofin.com (comunidade de portugueses na Finlândia) e membro do magazine diário online Ovi Magazine, magazine diário sobre a Finlândia em inglês).
Entre 1991 e 1994, países nórdicos como a Noruega, a Suécia e a Finlândia passaram por traumáticas crises económico-financeiras. Anteriormente a esse período, estes países tinham um sistema de taxa de câmbio fixa e uma moeda sobrevalorizada, resultado de uma taxa de inflação alta, maior do que no núcleo de países do Sistema Monetário Europeu. Essa inflação e a sobrevalorização da moeda tiveram como causa a expansão do crédito bancário e a desregulação do mercado de capitais na segunda metade dos anos 80. Os mercados de capitais estavam desregulados na altura, aumentando assim a oferta de crédito, provocando o incremento da dívida do sector privado, da procura interna e dos activos e conduzindo ao agravamento do défice de conta corrente da balança de pagamentos.
Passados sete anos, na Islândia, outro país nórdico, os bancos também estavam desregulados - um cenário ideal para a acumulação de dívida no sector bancário. A crise desencadeou-se em 2008, quando os bancos islandeses se tornaram incapazes de refinanciar as suas dívidas de curto prazo. Historicamente, o colapso bancário da Islândia é o maior sofrido por qualquer país em relação ao tamanho de sua economia. Antes do colapso do sistema bancário, a dívida dos três maiores bancos da Islândia (Glitnir, Landsbanki e Kaupthing) excedia aproximadamente seis vezes o seu produto interno bruto (€14 mil milhões).
Sendo um mercado interno de pequena dimensão (a Islândia tem apenas 318 mil habitantes), os bancos islandeses financiavam a sua expansão através do mercado de empréstimos interbancário e através de depósitos no exterior. Esta situação, em conjunto com o endividamento das famílias e com as práticas de impressão de moeda do Banco Central da Islândia, conduziu ao agravamento da taxa de inflação. As altas taxas de juro (relativamente ao Reino Unido e à Zona Euro) encorajaram os investidores estrangeiros a efectuar depósitos em moeda islandesa, sobre-estimando o seu valor real - no início de 2007, a Coroa islandesa(ISK) era uma das moedas mais sobrevalorizadas do mundo.
O caso islandês, anterior à crise da dívida soberana na Zona Euro, veio demonstrar que o processo de globalização exige uma grande capacidade de adaptação à mudança, havendo ganhadores e perdedores, tanto entre estados-nação, como no interior destes. Mesmo nos países mais desenvolvidos, as desigualdades sociais acentuam-se, visto que os sistemas económicos globais necessitam apenas do sucesso de uma minoria da população.
Não é por acaso que, nos países nórdicos, existe atualmente uma opinião pública contrária a resgates financeiros do sistema bancário, pois não é compreensível como o Estado pode injetar biliões de euros no sistema financeiro, em detrimento da aplicação de fundos em áreas sociais e ambientais que necessitam de urgentes investimentos.
A questão que se pode colocar é a de que como pode ser preservado o essencial do "modelo nórdico" - e em especial a Islândia, com as suas características próprias - no que diz respeito à sua filosofia de sólidos mecanismos coletivos de partilha de riscos. Ao dizer não à garantia sobre a dívida aos ingleses e holandeses no último referendo nacional, o eleitorado islandês está a dizer que as dívidas privadas não devem ser colocadas em cima dos ombros dos contribuintes, que, de facto, nada tiveram a ver com o assunto. Na verdade, os mercados financeiros tomam decisões que podem dramaticamente afectar milhões de contribuintes não participantes nas suas transações e que não foram contabilizados nos preços de mercado.
E como sempre, numa crise deste género, emerge o confronto entre a opção de uma forte intervenção do Estado no sistema dos mercado financeiros e a visão "free market" de não interferência com as forças naturais do mercado. Ambas as táticas terão provavelmente sérios custos para a economia. A primeira poderia induzir uma recessão económica não tão intensa, mas muito prolongada no tempo - uma provável estagnação económica durante muitos anos sob atenta supervisão governamental. A segunda opção poderia ser mais intensa, conduzindo a uma uma severa recessão ou depressão, mas poderia permitir uma recuperação económica mais rápida.
Dada a relativa rapidez com que os islandeses estão a sair da sua grave crise financeira e económica (2008-2011), tendo sobrevivido ao colapso total do seu sistema monetário, começa a fazer algum sentido acreditar numa solução política que combine uma "destruição criativa" com uma forte participação cívica e democrática onde se faça ouvir a voz do povo, contrabalançando o caráter antidemocrático das instituições financeiras.
(Via Jorge Nascimento Rodrigues no
Expresso online.)
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