18.5.24

Estações

 


Union Station, Washington, D.C., cerca de 1907.
Arquitecto(s): D.H. Burnham & Companhia (William Pierce Anderson, Daniel Burnham).


Daqui.
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Entretanto em Espanha

 

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Chegámos a pensar…

 

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Quem nos defende de Aguiar-Branco?

 



«Ontem, dia 17 de Maio, André Ventura fez uma intervenção no plenário da Assembleia da República em que criticou os prazos de construção do novo aeroporto. Alegou que 10 anos é muito tempo e foi buscar exemplos de prazos de construção mais curtos. Há todo um universo de novos aeroportos do mundo, mas Ventura optou por três exemplos: Albânia, China e Turquia. A escolha não é inocente, não reconhecemos essa tendência para o Este no líder do Chega, a insinuação previa-se e não demorou: “O Aeroporto de Istambul foi construído em cinco anos, os turcos não são conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo.”

O Bloco e o Livre intervieram alertando para a gravidade das declarações, mas o que ficou para memória futura foi a interpelação de Alexandra Leitão ao presidente da Assembleia da República (PAR): “Se uma determinada bancada disser que uma determinada raça ou etnia é mais burra ou preguiçosa também pode?”. A resposta foi: “No meu entender, pode. A liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada.”

Isto foi só o começo e Pedro Aguiar-Branco acabou de escancarar as portas ao aprofundamento de linguagem racista, xenófoba e discriminatória na Assembleia da República. André Ventura, como qualquer miúdo bully, testa os seus tutores para perceber até onde pode ir. É do mais primário, mas é parte do que temos nas nossas relações políticas.

Observei durante o dia de ontem, da esquerda à direita democrática, a todo um espanto pelas declarações anuentes do PAR, mas agora a sério, estavam à espera de outra coisa de Pedro Aguiar-Branco? Eu, sinceramente, não estava. Basta observar a cadência e consistência das declarações de elementos da AD nos últimos anos. Aparentemente, este abre olhos pode ser útil para perceber que a luta contra o racismo não se resume a afrontar a bancada do Chega, mas que é algo muito mais lato, com cúmplices em todas as esferas políticas e instituições do país.

Quanto às consequências desta nova jurisprudência para a linguagem do debate parlamentar, ela é naturalmente bastante problemática. Segundo o Regimento da Assembleia da República, artigo 89.º, alínea 3, o “orador é advertido pelo PAR quando se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, podendo retirar-lhe a palavra”. Ainda no mês passado, Pedro Aguiar-Branco ajuizou que tratar deputados por “tu” ou “você” não dignifica a Assembleia e por isso recomendou a sua não-utilização, mas ontem decidiu ajuizar que classificar determinadas etnias de “burras” ou “preguiçosas” será permitido.

Embora não seja jurista, sou a favor da liberdade de expressão absoluta. Mas em mim, isso significa respeito pela equidade no acesso a essa expressão, o que inclui o acesso à mesma mediação. Simplesmente não posso dar espaço no Parlamento a uso de linguagem que cadastre e atente a determinados grupos na nossa sociedade. Os deputados têm imunidade jurídica, e isso acresce responsabilidades pelos seus actos.

A nossa sociedade é diversificada. Um Parlamento que estereotipe comportamentos de grupos com base na etnia vai contribuir ainda mais para a sua falta de coesão.

Por fim, lembrar que os atentados racistas e discriminatórios neste país não acontecem por actos isolados, mas sim por toda uma acumulação de factores e incidentes. Se nos últimos meses já temos assistido a uma série de crimes dessa ordem, imaginem a legitimação que confere banalizar esse discurso no Parlamento.

Não vale a pena perder muito tempo com a indignação e a chover no molhado.

Tanto esses atos de discriminação violenta e diária, como as infelizes declarações do presidente da Assembleia da República têm de ser deslegitimados na construção de novas narrativas, nas ruas, numa luta global para serem derrotados. Temos de vitoriar novos consensos.»

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17.5.24

Se fosse Marcelo era diferente

 


EXISTO / FAÇO UMA SELFIE / LOGO PENSO
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Aguiar Branco e a liberdade de expressão

 


Este mito de que a democracia deve permitir toda e qualquer «liberdade de expressão», porque foi adquirida nas urnas e nelas será julgada, está mais generalizado do que se julga e pode levar muito longe para destinos indesejáveis.

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17.05.2013 – O dia em que morreu um carrasco: Jorge Videla

 


Foi há onze anos que morreu Jorge Videla que governou a Argentina entre 1976 e 1983 e que foi responsável por mais de 30.000 mortos ou desaparecidos. Condenado em 2010 a prisão perpétua, viu a sua pena aumentada em mais 50 anos, em Julho de 2012, por ter dirigido uma rede que roubava bebés de prisioneiros políticos.

Por ocasião da sua morte, num artigo intitulado «Nem Freud imaginou isto», Simone Duarte resumiu bem o drama de algumas destas crianças: «É este o legado do general Videla. Uma geração que desapareceu. Outra que ficou sem saber quem era. E está até hoje a tentar descobrir».

No seu livro «Los hijos de los días», Eduardo Galeano cita o que Jorge Videla explicou vinte anos mais tarde, em 1996:
«No, no se podía fusilar. Pongamos un número, pongamos cinco mil. La sociedad argentina no se hubiera bancado los fusilamientos: ayer dos en Buenos Aires, hoy seis en Córdoba, mañana cuatro en Rosario, y así hasta cinco mil... No, no se podía. ¿Y dar a conocer dónde están los restos? Pero, ¿qué es lo que podemos señalar? ¿En el mar, en el Río de la Plata, en el Riachuelo? Se pensó, en su momento, dar a conocer las listas. Pero luego se planteó: si se dan por muertos, enseguida vienen las preguntas, que no se pueden responder: quién mató, cuándo, dónde, cómo...»
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As mentiras que nos chegam

 


«A Europa está ansiosa. Inquieta com o processo eleitoral que a envolve em junho, apreensiva com o desfecho das presidenciais norte-americanas em novembro. A polarização e a radicalização crescem à custa de mais manipulação. Estamos todos atentos? Preocupados, sim. Preparados, nem por isso.

Ficaríamos todos a ganhar se a desinformação fosse a grande derrotada no sufrágio para o Parlamento Europeu. Mas, os dados que nos vão chegando não são otimistas.

Para perceber bem o fenómeno, sobretudo em ambiente digital, atente-se, como exemplo, ao seguinte: uma rede que operava no TikTok para amplificar narrativas favoráveis aos extremistas da Alternativa para Alemanha tinha meio milhão de seguidores distribuídos por 32 contas falsas.

Sabemos, à partida, que as eleições europeias são propícias à abstenção, o que agrava ainda mais o cenário. A Europa não vive apenas uma guerra bélica, vive um conflito de informação. O Serviço Europeu para a Ação Externa prova-o. Há mais de 80 países que tentam interferir nas eleições europeias, incluindo a Rússia e a China.

O fenómeno gigantesco não tem fronteiras. Uma outra organização tentou, a partir do Egito e da Suécia, manipular o discurso sobre a guerra entre Israel e o Hamas. Era seguida por mais de um milhão de pessoas através de 200 perfis falsos.

O combate às chamadas operações secretas de influência devia ser uma prioridade. Em Portugal, por exemplo, a ERC vai ter um sistema de alerta sobre desinformação, a UE lançou uma série de ações e as plataformas tecnológicas garantem reforçar o controlo.

Mas também cabe aos candidatos às europeias dar ao assunto a relevância que merece, credibilizando as instituições. Não podemos dar mais espaço à mentira.»

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16.5.24

Jarros

 


Jarro de clarete de prata e vermelho rubi, 1888.
Gorham.


Daqui.
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16.05.1958 - Chegada de Humberto Delgado a Santa Apolónia

 


Em 16 de Maio de 1958, vindo do Porto, Humberto Delgado foi alvo de uma grande manifestação de apoio em Santa Apolónia, violentamente reprimida pela polícia.

Seis dias antes, durante a conferência de imprensa de lançamento da campanha, no Café Chave d’Ouro em Lisboa, tinha dito a frase que viria a ficar célebre: «Obviamente, demito-o!»
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Pobre Camões

 


Vieira Resurrected no Facebook.
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Porque fazem isto?

 


«Era só mais uma daquelas reuniões tardias na associação. Aqueles a que eu chamava “sages”, os sábios, dissertavam sobre o porquê de nas suas idades, em que já podiam somente saborear a reforma e preocupar-se com os netos, ainda andarem naquelas andanças. Um dos sages diz: “Sabes, Luísa, é porque isto não é o que fazemos, isto é o que nós somos.” Nunca esqueci esta frase e pensei que deveria ter sido assim mais poética quando, anos antes, numa reunião num sábado de manhã para outra associação, um homem de fato, gravata e papéis, que se propunha ser nosso parceiro financeiro, nos pergunta se somos pagos para ali estar. Quando respondo que “não”, pergunta-nos, surpreso, porquê? “Porque fazem isto?”. “Batemos com a cabeça em algum lado e deu-nos para esta coisa”, respondi.

Hoje, quando vejo estudantes, ativistas pela Palestina, ou por qualquer causa de defesa de direitos humanos e ecologista a acampar em universidades, a manifestarem-se, a recorrerem à desobediência civil, a serem levados pela polícia como a Greta Thunberg ou a serem alvo de violência, de ameaças de “nunca mais encontrar trabalho”, a serem alvo de chacota porque “vão nas modas”, “não sabem nada de História”, “são mimados”, etc., penso na frase do meu querido “sage”. Quem assim desvaloriza, goza ou ameaça esta juventude e pensa que “vai passar porque é só uma moda” ainda não entendeu que isto não é o que fazem, mas o que são. Tal como era quem lutou pelos direitos cívicos nos Estados Unidos ou contra o apartheid na África do Sul e até à distância e apesar de não serem as principais pessoas visadas.

Nos dicionários a palavra “aliado” aparece como sendo somente quem forma uma aliança ou quem apoia outrem, mas falta algo de imprescindível na definição. Uma pessoa aliada no contexto da luta pelos direitos humanos é uma pessoa que não é diretamente visada e utiliza a sua própria posição de privilégio para amplificar, apoiar, promover os direitos e as vozes dos grupos de pessoas que são alvo de violência, discriminação ou opressão, nomeadamente sistémica ou estrutural. São pessoas conscientes da sua posição e que sabem ouvir, que sabem que cometerão erros e que, quando lhes chamarem a atenção, tentarão fazer melhor e não se fecharão em defesas irritadas e caricatas de reputação “ainda não eras nascida e já eu andava a colar cartazes contra o racismo”. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista, dizia a Angela Davis, resumindo aquela que é a postura da pessoa aliada quer em questões de luta contra o racismo, quer de tantas outras causas que dizem respeito à igualdade e justiça. As pessoas aliadas, tantas vezes chamadas traidoras por opressores, são essenciais em todas as lutas que dizem respeito a minorias de poder. Inversamente, as pessoas falsas aliadas constituem um obstáculo considerável, uma perda de tempo e energia.

Estamos a recolher alguma da juventude que felizmente plantámos, quando se decidiu ensinar nas escolas os direitos humanos, quando se decidiu falar de ecologia, de “genocídios nunca mais”, de liberdade e igualdade para todas, todos e "todes", de cidadania, quando decidimos valorizar pessoas como Nelson Mandela ou Martin Luther King, quando decidimos ensinar não só a fazer mas também a ser, tudo isto apesar de a teoria ser tão diferente da prática e de estarmos tão longe das promessas do contrato social. Não é por acaso que as forças conservadoras e reacionárias se dispõem a atacar as escolas e as universidades. É porque esta juventude não se fez só sozinha ou entre pares, nem só com o TikTok, fez-se também com a transmissão das lutas de outras gerações, algumas das quais parecem ter esquecido o que faziam e quem foram e outras que não participaram e que pensam que a liberdade e os direitos que têm hoje caíram do céu, sem luta, sem incómodo e até sem violência.

Que mensagem é esta que se está a passar à juventude com a criminalização sistemática da luta pela liberdade, igualdade e justiça universal? Precisamos, agora, também de ser pessoas aliadas da juventude aliada, porque sabemos por que fazem isto. Obrigada.»

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15.5.24

Portas

 


Uma bela porta de entrada de um prédio de apartamentos, Paris, cerca de 1905.
Arquitecto: Honoré Cadilhac.
(Neste edifício viveu o compositor Serge Prokofiev de 1929 a 1935.)

Daqui.
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Entretanto na AR

 


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Traidores à pátria

 

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Mais desregulação, mais AL e 14 slides

 


«O governo só garante mais casas no nome do seu programa: “Construir Portugal”. O que sobra, nas trinta medidas apresentadas na semana passada, são algumas boas intenções que esbarrão com a realidade. E uma fé infinita que os promotores privados resolverão uma crise de preços que resulta de uma falha do mercado. Falha de mercado que a direita não pode entender sem abalar as suas convicções ideológicas mais profundas.

Com o fim de quase todos os impedimentos legais ao crescimento do Alojamento Local, assistiremos, no curto e médio prazo, à saída de mais casas do mercado habitacional para o turismo do que aquelas que poderão vir a entrar com as propostas do governo. Pelo meio, a desregulação do mercado de arrendamento e das medidas travão à especulação desprotegem ainda mais os inquilinos, deixando-os indefesos perante o galopante aumento de preços. O tabuleiro tomba para o lado dos proprietários e Montenegro chama-lhe “o regresso da confiança”. A única coisa que regressa é um quadro de desregulação quase sem paralelo na Europa.

A apresentação da semana passada foi genérica e superficial, o que é natural, ao fim de um mês de governo. Não há balas de prata. Mas há caminhos. E, ao revogar medidas do último governo que, ao fim de um ano, começavam a ter impacto positivo na diminuição de casas no Alojamento Local e no crescimento de 81% (!) da oferta de arrendamento, repete-se o velho hábito de legislar sem avaliar.

IVA A 6%, EM MELHOR
Há coisas boas. A grande promessa da AD e a principal reivindicação dos construtores – a descida cega do IVA da construção para 6% – passa a ser “em função dos preços”. Não fazia sentido dar um benefício fiscal a empreendimentos de luxo.

O preço de construção subiu 40%, face aos valores de 2015, em toda a União Europeia. É por isso que construir mais casas não garante, por si só, uma redução do seu preço. São poucos os promotores que veem vantagem nos segmentos “normais”, quando os estrangeiros, querepresentam 41% do volume das vendas, em Lisboa, adquirem casas quase ao dobro do preço dos nacionais. Uma descida do IVA que facilite a construção para a classe média face à de luxo pode trazer construtores para segmentos mais baixos.

O problema é que a medida deixou de ter calendarização. De acordo com as contas da AD, a isenção de IMT para os jovens até aos 35 anos e a descida do IVA representam 500 milhões de euros. É muito dinheiro e, ganhas as eleições, o governo tratou de desgraduar as promessas.

25 MIL NOVAS CASAS E QUARTÉIS RECONVERTIDOS?
Questionado pelos jornalistas sobre as estimativas de custos das medidas, Pinto Luz respondeu que ainda estão a ver com o Ministério das Finanças. Por isso, aconselha-se cautela na crença no propósito do governo apoiar, com dinheiro de fundos europeus ou do Orçamento de Estado, as 25 mil casas apresentadas pelas autarquias para lá das que têm financiamento assegurado pelo PRR. Se acreditarmos que sim, o financiamento destes projetos camarários é a única medida que atuaria sobre a habitação pública, que é a solução em que se trabalha em todo o lado – Paris está a investir milhares de milhões de euros; Helsínquia, onde governa a família política do PSD,é detentora de 70% dos solos da cidade e tem mais de 60 mil casas públicas, e em Viena ou Amesterdão a oferta pública anda nos 40% do parque habitacional.

Pinto Luz anunciou apoios para o regresso à construção cooperativa, mas, nas últimas décadas, o modelo quase morreu e hoje pouco ou nada resta. Recriar o espírito cooperativo demoraria ainda mais tempo que a construção pública. E a celeridade das medidas será o problema deste governo, como foi do anterior.

É simpático anunciar a reconversão de grandes imóveis públicos para habitação. Pedro Nuno Santos e Marina Gonçalves também o fizeram. Nenhum conseguiu. Pinto Luz deverá ser mais um. Montenegro diz que os imóveis que o Estado não usa podem vir a ser aproveitados pelas autarquias ou promotores privados. O problema é que os principais imóveis públicos já estão nas mãos de fundos como a Estamo e Fundiestamo, que têm regras de rentabilidade mínima, para proteger o erário público, que dificilmente são compatíveis com o voluntarismo que cada novo governo apresenta.

Boa sorte às autarquias que baterem à porta do governo pedindo para reconverter um dos quartéis desativados. O exército irá exigir, como tem exigido, ser ressarcido financeiramente. Foi neste capítulo que o governo anterior mais se atrasou, porque é mais fácil falar em reconverter antigos hospitais e quartéis em casas do que o fazer. O novo governo rapidamente o perceberá.

O REGRESSO DA “LEI CRISTAS” E DO AL DESCONTROLADO
O preço das rendas em Portugal aumentou 68%, face a 2015, e um valor muito superior a esse em grandes cidades como Lisboa ou Porto. É neste contexto que o novo governo anunciou o fim do travão ao aumento do preço dos novos contratos de arrendamento. É quando as classes médias não conseguem pagar uma casa que o governo permite o regresso à lei da selva que nos trouxe preços de Paris ou Londres com salários portugueses.

A medida “chavista”, como foi apelidada há um ano, é seguida por 13 dos 27 países da União, mais países tão comunistas como o Reino Unido, Islândia, Noruega e Suíça. Os argumentos usados para defender cada medida contam. Dizer que se quer corrigir as supostas “distorções introduzidas ao Regime de Arrendamento Urbano nos últimos 8 anos”, para “flexibilizar” e “dar confiança ao mercado”, é ignorar o que aconteceu ao mercado nestes meses. Precisamente o contrário do enunciado por Montenegro e dos interesses imobiliários que encheram o espaço comunicacional para criticar essa medida.

O mesmo jargão, neste caso a garantia de “perenidade e previsibilidade ao mercado”, é usado para defender a revisão do “conceito de custos controlados e renda acessível”. Usar a defesa dos interesses do mercado para anunciar a revisão do valor das rendas da habitação pública, ora aí está um dos temas menos reparados e comentados, mas que certamente só tem um intuito: subir o valor das rendas cobradas, aproximando-as dos valores de mercado.

O que diminui a oferta habitacional, como sabemos até pelo caminho seguido por todas as grandes cidades europeias e norte-americanas, é retirar os escassos mecanismos de limitação do AL. Ao propor que uma licença atribuída seja eterna, e possa ser revendida, Montenegro perpetua o que vivemos no centro de Lisboa e do Porto. Não é preciso diabolizar esta atividade económica. Ela serviu para reabilitar as cidades e garantir um rendimento complementar a alguns segmentos da classe média. Mas o que é uma escolha racional para uma pessoa, ou investidor, quando seguida por largos milhares pode ter efeitos devastadores. E foi seu efeito nos preços do mercado da habitação que obrigou a travar a fundo. Agora, quer-se acelerar. Fora destas medidas, o governo tem, como cereja em cima do bolo, o regresso dos vistos gold no seu programa.

GARANTIAS BANCÁRIAS
Restam as garantias bancárias do Estado para defender os jovens, que viram o acesso ao crédito dificultado pelas medidas mais restritivas impostas pelo Banco de Portugal depois da crise financeira de 2008. Empréstimos sem risco, no principal segmento de negócio da nossa banca, é o sonho de qualquer instituição financeira. E é para esse sonho que serão desviados recursos bancários que seriam necessários para a capitalização das empresas. Entre emprestar com risco a uma empresa produtiva e sem risco de malparado para jovens que queiram comprar casa, a escolha será simples.

Por fim, há, no vago pacote de intenções do governo para a habitação, questões ainda menos concretizadas, como os apoios fiscais à construção por privados para arrendamento acessível, tentado pela Câmara de Lisboa há sete anos e do qual, até agora, não resultou uma casa. É um modelo com provas dadas em muitos países, mas é preciso conhecer mais do que umas linhas num powerpoint.

A construção de habitação acessível em terrenos rústicos pode ser positiva se for em solos adjacentes a perímetros urbanos consolidados. Mas também nada conhecemos e existem limites à expansão dos perímetros urbanos. O diabo está em detalhes como a valorização milionária destes terrenos.

Até agora, o que o governo apresentou nada tem a ver com a reforma do anterior governo. Concorde-se ou não, havia propostas pensadas, refletidas e vertidas em documentos legislativos. Pode vir a ser esse o caminho, mas o que existe são 14 slides com 30 intenções vagas. O que se retira é uma pulsão para liberalizar o alojamento turístico, desregular o arrendamento e aumento das rendas, acreditando que mais construção privada, por si só, resolve a crise da habitação. A direita portuguesa, ao contrário da europeia, ainda não percebeu que a crise da habitação é a crise dos preços. Mais casas ajuda, mas nada resolve por si.»

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14.5.24

Sugestão para um pacote Habitação?

 


Torre Tao Zhu Yin Yuan, Taipei, Taiwan.

Daqui.
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14.05.1958 - Humberto Delgado no Porto

 


«Povo do Porto, a resposta está dada com esta manifestação. Façam eleições livres e venceremos!» Foi com estas palavras que Humberto Delgado se dirigiu à multidão que o aclamou em frente à sede da sua candidatura, na Praça Carlos Alberto, no Porto, há 66 anos. A fotografia passou a funcionar quase como uma espécie de ícone de uma campanha extraordinária que abalou fortemente a ditadura de Salazar.




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José Luís Saldanha Sanches

 


Morreu há 14 anos, pouco depois de atingir os 66 – estupidamente cedo.

Vale a pena ler uma longa entrevista dada em 2008, em conjunto com Maria José Morgado, a Anabela Mota Ribeiro.
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É o racismo e é a aporofobia

 


«A forma como os direitos humanos têm vindo a ser postos em causa nos últimos tempos é triste e é revoltante. Vemos isto a acontecer noutras partes do mundo, vemos isto a acontecer no nosso país e, mais tarde ou mais cedo, vemos isto a acontecer a uns minutos de casa. As motivações destes crimes são sempre discriminatórias: quem só reconhece o direito de existir às pessoas que se parecem consigo – comportamental ou fisicamente – sente-se facilmente ameaçado por tudo o que seja diferente. Isto aplica-se a imensas realidades, mas a que tem estado na ordem do dia – sempre pelos piores motivos – é a discriminação racial e xenófoba.

Sobre isso, muito tem sido dito e, pelo menos no plano conceptual, toda a gente parece estar de acordo na condenação de actos de violência como os ocorridos no Porto há uns dias (se essa condenação é consequente ou se é um gesto vazio é toda uma outra discussão). Do que tenho sentido falta, porque não está integrada da mesma forma no discurso público, é da dimensão aporofóbica subjacente a esta violência. “Aporofobia” – termo cunhado pela filósofa Adela Cortina – designa a repulsa pela pessoa pobre, o preconceito relativamente à pessoa sem recursos.

Isto é relevante porque as pessoas atacadas no Bonfim não foram atacadas apenas por serem imigrantes: foram atacadas por serem imigrantes e por serem pobres. Estivessem estes imigrantes no Porto a gerir um hotel de luxo, ninguém teria qualquer problema com a sua nacionalidade, a sua religião, a cor da sua pele (ou com o que quer que fosse, na verdade – nada limpa a alma como o capital). Essas pessoas não são sequer designadas por “imigrantes”: são “investidores” e não importa de onde vêm.

Naturalmente, imigrantes com capital não se vêem envolvidos em situações como assaltos. Tal como pessoas portuguesas com capital não se vêem envolvidas em situações como assaltos. O que leva alguém a roubar – falando desta escala, de pequenos assaltos – é, como é óbvio, a falta de recursos. E essa razão é a mesma para todos os assaltantes, sejam portugueses ou imigrantes. Mas convém manter presente que as pessoas imigrantes (estas pessoas imigrantes) lidam com circunstâncias de fragilidade social e económica muito mais acentuadas do que as pessoas nascidas em Portugal, precisamente pelo facto de serem imigrantes – o racismo e a xenofobia entram em cena. Mas elas roubam como roubaria eu se estivesse nas mesmas circunstâncias, não roubam por serem imigrantes.

É por demais evidente que nem todas as pessoas imigrantes são criminosas, porque são as circunstâncias e não a sua proveniência que determina essa necessidade. A indisponibilidade para aceitar estas pessoas como iguais não está, portanto, apenas no facto de não serem portuguesas, está no facto de acumularem estes dois factores de exclusão: são imigrantes e são pobres.

Estamos preparados para aceitar pessoas pobres nacionais, mesmo que isso as leve a assaltos – já fui várias vezes assaltado no Porto, sempre por portugueses, e isso nunca gerou nenhuma espécie de revolta popular – e estamos preparados para acolher de braços abertos investidores estrangeiros, de onde quer que possam vir. Mas aceitar imigrantes pobres parece ser um pedido a que nós, colectivamente, não estamos preparados para aceder.

Esta realidade reforça a necessidade de união em torno do que temos em comum – já que a humanidade partilhada parece não ser suficiente – e do que desejamos para as nossas comunidades. Não importa em que território administrativo calhou termos nascido, não importa a língua, não importa a orientação sexual, a identidade de género, a religião que praticamos ou quanto dinheiro temos. Importa o que queremos fazer em conjunto e importa a nossa responsabilidade individual e colectiva perante o bem comum. Sejamos, por isso, consequentes nos nossos princípios: façamos a necessária revisão aos nossos comportamentos quotidianos e exijamos às pessoas a quem atribuímos poderes de decisão colectiva que façam o mesmo.»

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13.5.24

Casas

 


Casa com gatos, Kiev, Ucrânia, 1909.
Arquitecto: Vladimir Bessmertny.


Daqui.
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Saúde no limbo

 

«O ciclo político mudou. A AD venceu tangencialmente as eleições de 10 de março e, em pouco mais de um mês de funções, tem somado exonerações e demissões. Ainda que expectável, a saída de Fernando Araújo da Direção Executiva do SNS e a consequente indefinição quanto ao futuro daquele organismo deixam no limbo a reforma que acabou com as cinco administrações regionais de saúde (ARS) e reorganizou centros de saúde e hospitais em 39 unidades locais de saúde (ULS). Quem está no terreno queixa-se de dificuldades operacionais, que vão desde a compra de medicamentos ao pagamento de incentivos das equipas da USF.»

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13 de Maio

 


Vieira Resurrected no Facebook.
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Eurovisão: de falsamente apolítica a verdadeiramente censória

 


«É fascinante que um festival de péssima música tenha saído do esquecimento em que, para lá de alguns países mais a leste, vivia. E mais intrigante que tenha sido apropriado pela comunidade LGBT, ao ponto da única bandeira autorizada no recinto, para além da das dos países concorrentes, ser a do arco-íris, numa improvável aliança com nacionalismo cançonetista.

Seja como for, ganhou relevância para não poder deixar de ser, como são todos os acontecimentos em que estão envolvidas representações oficiais dos países (ainda mais de televisões estatais), um momento político. E é especialmente difícil insistir no seu caráter “apolítico” quando se deixa participar um Estado que está a provocar uma das maiores catástrofes humanitárias deste século depois de ter suspendido a Rússia – e bem, porque ao contrário do bloqueio a músicos e artistas, esta suspensão é a uma delegação da televisão estatal. A incoerência da European Broadcasting Union (EBU) reproduz a hipocrisia europeia em relação aos dois conflitos e não podia ser mais política, no pior sentido da palavra.

Quem fecha a porta à política num acontecimento artístico destas dimensões sabe que ela entrará pela janela. E que só pode impedir que ela tome conta da casa se impuser limites à liberdade de expressão. Sem liberdade, a arte é eunuca. Ou é propaganda, como a primeira versão da canção israelita. Mostrando que tudo o que se passou no sábado foi, como inventivamente seria, político, Israel empenhou-se, lançando uma campanha nas redes sociais para transformar a Eurovisão num momento de legitimação internacional. Era o que a Rússia faria, se lá tivesse estado, em 2022.

Com as suas decisões contraditórias, a EBU transformou este festival no mais político de sempre. Isso não seria necessariamente mau, para quem vive bem com a liberdade e o pluralismo, mesmo quando perturbam o comércio. Houve manifestações em Malmo, a canção israelita foi vaiada e os apoiantes do genocídio de Gaza mobilizaram-se para dar um sinal público de solidariedade ao governo de Netanyahu. Como a mobilização para concentrar o voto num concorrente funciona muito mais do que para não votar nele (nesse caso, dispersam-se os votos por outros, como aconteceu na votação de Salazar para maior português de sempre), Israel conseguiu uma boa votação. Ainda assim, falhou o objetivo de vencer no televoto, tendo ficado atrás da Croácia. Em sentido inverso, os sindicatos da televisão pública da Flandres cortaram a transmissão durante a atuação de Israel. Ninguém estava a pensar nas músicas, obviamente.

A incoerência da EBU e a necessidade de impedir que a operação de branqueamento do que se passa em Gaza fosse contestada e estragasse o espetáculo levou, como era de esperar, à censura. Começou na imposição de que Israel alterasse a letra da sua canção, com referências ao conflito, para que a operação de propaganda oficial na justificação do genocídio não fosse tão óbvia. < br>
Continuou na interdição de bandeiras da Palestina no recinto, com a segurança a retirar pessoas que a exibissem. A concorrente irlandesa terá revelado, num TikTok que apagou, que a produção a obrigou a alterar a maquilhagem porque, no rosto, tinha uma mensagem de apoio à Palestina em que pedia o cessar-fogo.

Prosseguiu com os canais oficiais da Eurovisão a usarem, nas suas redes, fotos e vídeo da participação portuguesa na semifinal (no site oficial e YouTube, o vídeo da atuação só foi publicado depois do televoto ter terminado), para omitir a frase final de Iolanda – "a paz prevalecerá " – e o facto da cantora ter símbolos culturais da Palestina pintados nas unhas.

O desejo deixado por Iolanda é consensual, mas foi, e bem, entendido por todos como uma posição política. Os símbolos que usou eram microscópios, mas foram notados por todos. A forma como Iolanda se manifestou é a que os artistas usam, em ditaduras, para contornar a censura. E a reação automática de tentar esconder aquele momento – assim como se abafaram as vaias na transmissão televisiva com aplausos pré-gravados (usados pela primeira vez em 2014, para silenciarem os apupos à Rússia) – é a habitual em ditaduras. Com o fracasso também habitual, em tempo de redes sociais. A única diferença, que não é pequena, é que a concorrente não arriscava a prisão, só a desqualificação. Apesar de tudo, parecendo que se passava na Rússia, aquele espetáculo aconteceu na Suécia, uma democracia consolidada e moderna.

Tudo isto parece apenas entretenimento, mas não é. Para além da mensagem deixada pelos organizadores da Eurovisão, ao suspenderem a Rússia e permitirem a participação de Israel, a falsa afirmação de que a Eurovisão é apolítica degenerou, para impedir a contestação do que se passa em Gaza, num conjunto de imposições censórias ao público e aos concorrentes que não podem ser toleradas por televisões públicas de democracias. E deve levar a um debate sério das condições em que estas empresas de Estados aceitam participar em momentos culturais em que a liberdade de criação e expressão não são escrupulosamente respeitados.»

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12.5.24

Mesquitas

 


Mesquitas Mesquita Nasir al-Molk ou Mesquita Rosa, Shiraz, Irão, 1876-1888.
Arquitectos: Mohammad Hasan-e-Memār, Mohammad Hosseini Shirazi e Mohammad Rezā Kāshi-Sāz-e-Širāzi.

Daqui e não só.
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Se...

 


Se é possível conservar a juventude
Respirando abraçado a um marco de correio;
Se a dentadura postiça se voltou contra a pobre senhora e a mordeu
Deixando-a em estado grave;
Se ao descer do avião a Duquesa do Quente
Pôs marfim a sorrir;
Se o Baú-Cheio tem acções nas minas de esterco;
Se na América um jovem de cem anos
Veio de longe ver o Presidente
A cavalo na mãe;
Se um bode recebe o próprio peso em aspirina
E a oferece aos hospitais do seu país;
Se o engenheiro sempre não era engenheiro
E a rapariga ficou com uma engenhoca nos braços;
Se reentrante, protuberante, perturbante,
Lola domina ainda os portugueses;
Se o Jorge (o «ponto» do Jorge!) tentou beber naquela noite
O presunto de Chaves por uma palhinha
E o Eduardo não lhe ficou atrás
Ao sair com a lagosta pela trela;
Se «ninguém me ama porque tenho mau hálito
E reviro os olhos como uma parva»;
Se Mimi Travessuras já não vem a Lisboa
Cantar com o Alberto...

    ...Acaso o nosso destino, tac!, vai mudar?

Alexandre O'Neill,
1958

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Engana-me que eu gosto

 


Esta imagem, e várias outras que circulam nas redes sociais como a Torre de Belém, foram feitas com Inteligência Artificial (PromptCraft) e o seu autor indicou-o quando as publicou.

O que se passa é que gente pouco séria copia as imagens sem a informação dada por quem as criou. E mesmo quem partilha da fonte, fá-lo sem ler e tentar perceber o que lá está escrito. Não sabem que ninguém viu Aurora Boreal em Lisboa? 
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A era do ódio

 


«O Porto, cidade aberta, livre e liberal, assistiu no passado fim-de-semana a um horrível crime de ódio. A tragédia, porque todos os crimes de ódio são uma tragédia, deixou muita gente surpresa, dando conta da distracção ou ignorância em que vive uma grande parte da nossa sociedade sobre o que realmente se passa no país.

Usar a analogia epidémica é, talvez, a forma mais eficaz de falar sobre a revolução subterrânea em curso. Enquanto à superfície as forças radicais vão forçando as fronteiras do aceitável, persistindo na descredibilização das instituições e relativizando a realidade, no plano subterrâneo vão infectando sem controlo os crentes, os sedentos e os vulneráveis. A par da infinitude de coisas extraordinárias que a Net e as redes sociais nos trouxeram, grassa aí todo o tipo de informação especulativa e manipulativa, sendo a nova arma de destruição maciça com exércitos poderosos e eficazes.

De forma persistente e muito bem organizada, essencialmente através dos grupos de WhatsApp e canais do YouTube, está a ser criado um Portugal alternativo, onde vive cada vez mais gente. O foco, porque o medo do diferente une e galvaniza, é sempre o estrangeiro e a terrível ameaça que representa; depois, vêm as instituições, que urge descredibilizar. Há uma parte de Portugal que acha que não se pode sair à rua na Amadora, em Odivelas ou mesmo em Lisboa. Imagens de festas hindus num país qualquer são veiculadas como manifestações islâmicas supremacistas numa qualquer terra portuguesa, sublinhando o perigo iminente para o “português de bem” e a incompreensão pela passividade geral face à ameaça real da imigração. As reportagens de pseudo-repórteres no Martim Moniz, o aproveitamento e distorção das festas de fim de Ramadão ou outras, a invenção de factos e a revisão da história são o pão nosso de cada dia. Aparentes mães de família bramam em vídeo contra a ONU por legislação que nunca fez, acusam a OMS de promoção da pedofilia e avisam contra os inúmeros perigos de confiar no Estado. Cientistas forjados falam do tenebroso plano de controlar a população através de vacinação. Um destacado deputado do Chega faz um vídeo em que acusa a ocupação muçulmana da Península de ter explorado e abusado das nossas mulheres.

Esta persistência na infusão do medo, na insinuação permanente de que o imigrante é um marginal, de que os imigrantes gozam de impunidade perante a lei e têm mais direitos que os “portugueses de bem”, resulta num ódio crescente por parte daqueles que se deixam envolver pela narrativa. Tal como num passado de muito má memória, começaram com os ciganos, usando-os como teste e via de entrada para a construção da fractura social. De repente, havia gente que não se cruzava com um cigano há anos a discorrer sobre o fardo e ameaça que estes constituem. Seguiram-se os desgraçados do bairro da Jamaica, os muçulmanos das mesquitas de Lisboa e todos os que fazem o longo caminho da esperança desde o Indostão. Ventura chega a afirmar em directo nas televisões que Braga está “irreconhecível e tomada por gente do Indostão”. Em paralelo, estava em marcha a narrativa sobre as glórias do nosso passado colonial, os grandes feitos do Estado Novo e a urgência da restauração de uma certa ideia de Portugal que, de resto, nunca existiu.

As declarações de Ventura sobre o crime hediondo do Porto são um tratado de cinismo e o atestado da profunda má-fé que norteia a sua acção política, validando assim a sua ligação a este movimento subterrâneo aparentemente mais informal. O “sim, mas” é inaceitável. A “compreensão” por eventuais milícias e ajustes de contas é um ataque gravíssimo à democracia e ao Estado de Direito. O plantar da dúvida sobre a origem dos criminosos, que afinal serão portugueses de gema, tem o mesmo propósito. Trump, que Ventura já convidou várias vezes para vir a Portugal, faz exactamente o mesmo com os terroristas do 6 de Janeiro e com todos os criminosos que sirvam os seus intentos.

Esta é realmente a maior ameaça que enfrentamos, não aqueles que nos procuram em busca de uma vida melhor, mas os que vivem da divisão, do ódio e da violência. A imigração pode, e deve, ser regulada com humanismo, bom senso e regras claras, visando em primeiro lugar proteger os interesses de quem nos procura, e o todo, por consequência. O radicalismo é mais difícil de combater numa sociedade livre, exige melhor democracia, mais literacia, mais informação, mais cidadania e melhores protagonistas; não se resolve por decreto.»

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