18.5.24

Quem nos defende de Aguiar-Branco?

 



«Ontem, dia 17 de Maio, André Ventura fez uma intervenção no plenário da Assembleia da República em que criticou os prazos de construção do novo aeroporto. Alegou que 10 anos é muito tempo e foi buscar exemplos de prazos de construção mais curtos. Há todo um universo de novos aeroportos do mundo, mas Ventura optou por três exemplos: Albânia, China e Turquia. A escolha não é inocente, não reconhecemos essa tendência para o Este no líder do Chega, a insinuação previa-se e não demorou: “O Aeroporto de Istambul foi construído em cinco anos, os turcos não são conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo.”

O Bloco e o Livre intervieram alertando para a gravidade das declarações, mas o que ficou para memória futura foi a interpelação de Alexandra Leitão ao presidente da Assembleia da República (PAR): “Se uma determinada bancada disser que uma determinada raça ou etnia é mais burra ou preguiçosa também pode?”. A resposta foi: “No meu entender, pode. A liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada.”

Isto foi só o começo e Pedro Aguiar-Branco acabou de escancarar as portas ao aprofundamento de linguagem racista, xenófoba e discriminatória na Assembleia da República. André Ventura, como qualquer miúdo bully, testa os seus tutores para perceber até onde pode ir. É do mais primário, mas é parte do que temos nas nossas relações políticas.

Observei durante o dia de ontem, da esquerda à direita democrática, a todo um espanto pelas declarações anuentes do PAR, mas agora a sério, estavam à espera de outra coisa de Pedro Aguiar-Branco? Eu, sinceramente, não estava. Basta observar a cadência e consistência das declarações de elementos da AD nos últimos anos. Aparentemente, este abre olhos pode ser útil para perceber que a luta contra o racismo não se resume a afrontar a bancada do Chega, mas que é algo muito mais lato, com cúmplices em todas as esferas políticas e instituições do país.

Quanto às consequências desta nova jurisprudência para a linguagem do debate parlamentar, ela é naturalmente bastante problemática. Segundo o Regimento da Assembleia da República, artigo 89.º, alínea 3, o “orador é advertido pelo PAR quando se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, podendo retirar-lhe a palavra”. Ainda no mês passado, Pedro Aguiar-Branco ajuizou que tratar deputados por “tu” ou “você” não dignifica a Assembleia e por isso recomendou a sua não-utilização, mas ontem decidiu ajuizar que classificar determinadas etnias de “burras” ou “preguiçosas” será permitido.

Embora não seja jurista, sou a favor da liberdade de expressão absoluta. Mas em mim, isso significa respeito pela equidade no acesso a essa expressão, o que inclui o acesso à mesma mediação. Simplesmente não posso dar espaço no Parlamento a uso de linguagem que cadastre e atente a determinados grupos na nossa sociedade. Os deputados têm imunidade jurídica, e isso acresce responsabilidades pelos seus actos.

A nossa sociedade é diversificada. Um Parlamento que estereotipe comportamentos de grupos com base na etnia vai contribuir ainda mais para a sua falta de coesão.

Por fim, lembrar que os atentados racistas e discriminatórios neste país não acontecem por actos isolados, mas sim por toda uma acumulação de factores e incidentes. Se nos últimos meses já temos assistido a uma série de crimes dessa ordem, imaginem a legitimação que confere banalizar esse discurso no Parlamento.

Não vale a pena perder muito tempo com a indignação e a chover no molhado.

Tanto esses atos de discriminação violenta e diária, como as infelizes declarações do presidente da Assembleia da República têm de ser deslegitimados na construção de novas narrativas, nas ruas, numa luta global para serem derrotados. Temos de vitoriar novos consensos.»

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1 comments:

Fenix disse...

Mas estávamos à espera de quê?!

Se temos um Tribunal Constitucional que legitimou partidos como o Ergue-te! e o Chega?

"Eles" demoraram a sair das cavernas, mas ei-los com toda a pujança a fazer valer os seus "valores", juntamente com aqueles outros, que com pele de cordeiro ocuparam lugares de poder, mas agora de peito aberto se assumiram, finalmente!