9.12.25

A mão de Trump na Europa

 


«A nova Estratégia de Segurança Nacional anunciada por Donald Trump começa por deslocar o mundo. Os Estados Unidos voltam-se para o seu lado do mapa e devolvem ao hemisfério ocidental o reduzido peso que já teve quando Monroe o declarou fora de mão. A Europa, que durante oito décadas foi a retaguarda do Ocidente democrático, surge em plano secundário. O Atlântico não mudou de lugar, embora pareça mais estreito do que ontem.

Quando Washington recolhe para dentro de casa, o resto do mundo ajusta o passo. A guerra na Ucrânia deixa de ser tratada também como uma fronteira americana e passa a caber no calendário político dos Estados Unidos. A firmeza que durante anos alinhou a NATO começa a perder fôlego nas entrelinhas. A segurança europeia torna-se um assunto contingente. E, na outra margem, os olhos de Moscovo não piscam. .

A reacção do Kremlin chegou depressa. Veio declarar, sem surpresas, que a estratégia americana se alinha com os objectivos russos. Vladimir Putin leu no documento a confirmação de que os Estados Unidos podem esgotar-se da Europa antes de a Europa perceber que ficou sozinha. A estratégia americana devolve-lhe alguma margem para testar o flanco oriental da NATO e colocar pressão política sobre os governos que ainda resistem. Há anos que Putin testa as fissuras das alianças ocidentais. agora, vê-as descritas num documento oficial. A estratégia americana descreve a Europa como um continente ultrapassado, descrente das suas próprias instituições, vulnerável a movimentos que prometem recuperar vitalidades perdidas, e o presidente russo identifica o eco dessa narrativa. E sabe que os ecos são mais difíceis de contrariar do que os tanques. .

Ao mesmo tempo, a Casa Branca assume um papel de actor directo na política europeia que nenhuma administração americana tinha ousado desempenhar com tanta transparência. O documento fala na necessidade de “corrigir a trajectória do continente” e saúda o crescimento dos partidos “patrióticos” que disputam a ordem liberal e as instituições europeias em várias capitais. A diplomacia deixa os corredores e entra pelas campanhas, pelos comícios, pelas redes que amplificam ressentimentos. E, com isto, Trump abre uma avenida para dentro da casa europeia. Os aliados deixam de ser parceiros para se tornarem um terreno de influência. .

Em Portugal, esta inflexão encontra um terreno preparado. O Chega procura projecção internacional na cartografia da nova direita europeia e encontra em Moscovo um fio histórico que, em tempos, parecia impossível reivindicar. No Parlamento Europeu, os seus eurodeputados recusaram apoiar resoluções de apoio à Ucrânia e acabaram integrados no grupo Patriotas da Europa, sentado ao lado de partidos que há anos orbitam a influência russa. Da Áustria chega um aliado com acordo formal com o partido de Putin. Da Hungria, um governo que olha para Moscovo sem sobressalto. De Itália e França, ligações que a História registou com precisão incómoda. Decerto um grupo interessante, onde a soberania se declama em voz alta e a autonomia se cede em silêncio. .

O que está em cima da mesa é, mais do que uma divergência de prioridades, um regresso à política de esferas, com fronteiras traçadas longe de Lisboa e interesses definidos sem pedir licença. Uma Europa tratada como fardo corre o risco de ser administrada como fardo. E, quando os que vivem dentro dela se alinham com essa visão, a fronteira entre escolha e cedência esbate-se perigosamente. Portugal já atravessou momentos em que o mundo parecia demasiado grande. Em todos eles, a escolha europeia foi a linha que segurou o país no lado certo. O mapa voltou a mexer-se.

É um aviso para quem ainda acredita que a História espera por hesitações.»


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