«Esta campanha promete ser a mais longa de sempre. E temo que em vez disso permitir um maior esclarecimento sobre o programa de cada partido ou para conhecer os líderes de cinco partidos (dos oito com assento parlamentar) que concorrem pela primeira a legislativas – Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, Rui Rocha, Mariana Mortágua e Paulo Raimundo –, sirva para deixar os eleitores exaustos, desmotivando-os. Porque o efeito dos ciclos noticiosos de 24 horas não tem sido manter as pessoas mais informadas, mas cansá-las mais depressa.
É natural que, quando saímos de uma maioria absoluta e se espera um período de forte instabilidade política, com dificuldade em construir maiorias de governo, o tema das alianças e dos entendimentos esteja em cima da mesa. O crescimento do Chega, a fragilidade da liderança do PSD, a chegada de Pedro Nuno Santos e a possibilidade de refazer a “geringonça”, tudo empurra para esse tema. Mas a três meses e meio de campanha têm de ser mais do que isso. Até por sabermos que, quando os resultados eleitorais vierem e estivermos num impasse, muito do que foi dito será necessariamente desdito. Temos de falar de grandes escolhas para o país, quando é certo que quase todos os protagonistas serão diferentes.
Infelizmente, já se percebeu o que as televisões, que acabam por marcar o ritmo de todo o processo mediático, nos reservam. Com um ritmo noticioso permanente e a necessidade de ter tema para comentar a cada hora, é preciso inventar uma polémica diária. O modelo tem sido sempre a mesma e promete repetir-se em dose aditivada. Já começou, aliás.
Um repórter que acompanha o líder de um partido faz uma pergunta, quase sempre sem qualquer conteúdo relevante para o futuro do país. O repórter que acompanha a campanha adversária pede, tantas vezes por indicação do editor, reação à resposta do outro. O jornalista que acompanha o primeiro pede nova reação ao primeiro sobre a resposta do segundo. E dez comentadores passam horas a discutir o tema de que ninguém se lembrará daí a uma semana. Os lugares em que as perguntas são feitas – uma fábrica, uma cidade, um centro de investigação –, pensados pelas campanhas como ilustração de uma determinada mensagem, proposta ou crítica, passam a ser paisagem, a que se faz uma referência rápida. Podia ser ali ou num estúdio.
Na realidade, toda a campanha podia ser, para as televisões, feita em estúdio. Sem povo, sem vida, sem outros intervenientes que não fossem os políticos e os jornalistas. Sem outros temas que não fossem os que a própria comunicação social escolhe e onde os políticos perdem a sua própria vontade e cumprem o dever de preencher a programação de televisões em confronto por audiências.
Esta colonização da política pela comunicação social é especialmente evidente quando os lideres são obrigados a participar em dezenas de debates em estúdio (se se seguir um modelo inicialmente pensado para cinco partidos, e não oito, chegaremos este ano aos absurdos 24 debates), tempo que retiram à interação com os eleitores.
Houve um tempo em que a comunicação social relatava as campanhas, agora passou a ser guionista das campanhas. A escolha dos temas não corresponde mais ao interesse geral do que se fossem os políticos a escolher. É determinada pelas audiências, o que implica polémicas de consumo fácil e rápido.
O ecossistema mediático atual, totalmente dominado pela rapidez superficial de televisões em confronto por uma audiência cada vez mais escassa – a restante migrou para as bolhas das redes sociais, onde o algoritmo do ódio trata de radicalizar os eleitores -, promove a superficialidade política. E neste ambiente, safam-se os que, na política, dependem da superficialidade.
Há uns dias, e só o pude ver porque vi na rede social do partido, Paulo Raimundo bem tentou resistir às insistentes perguntas dos jornalistas sobre as declarações de Passos Coelho, as afirmações de Pedro Nuno Santos sobre a “geringonça”, umas frases de Rui Rocha sobre Pedro Nuno Santos e outras de Mariana Mortágua sobre cenários eleitorais. Os jornalistas procuravam, desesperados, um novo ping-pong entre dois protagonistas, fossem eles quais fossem. E, também desesperadamente, o líder do PCP tentava que as decolações que passassem na televisão fossem sobre temas substanciais. Não é o único que tenta, quase sempre sem conseguir furar a barreira de fait-divers imposta pela comunicação social. Raimundo estava na fábrica da Matutano, no Carregado, mas, para as televisões, aquele lugar não passava de um cenário a dar colorido aos ecrãs. Raimundo estava ali para falar de leis laborais, cortes na remuneração das horas extraordinárias e as condições em que se trabalha por turnos neste país, coisas que afetam a vida concreta das pessoas concretas que não habitam nos estudos das televisões.
O esforço do PCP ou de qualquer outro partido raramente é bem-sucedido. Os jornalistas acham que os políticos têm o dever de seguir o seu guião e que não o fazer é sinal de desrespeito pela liberdade de imprensa. Mas é mesmo isto que os políticos devem começar a fazer. De preferência nos diretos, quando a edição não permite retirar tudo o que não cabe na história que já vinha escrita de casa.
Os candidatos não devem ser donos absolutos da narrativa política, sem o incómodo de perguntas que perturbam a propaganda. Mas também não têm de cumprir o papel de atores em polémicas diárias para encher chouriços nas programações dos canais de notícias e em telejornais com duas intermináveis horas. Até porque, no fim da campanha, serão os mesmos jornalistas, editores, diretores e colaboradores daqueles canais a explicar que tudo aquilo foi uma perda de tempo, uma campanha vazia, confrontos sem ideias nem propostas. Que, enfim, são campanhas como estas que desmobilizam os eleitores. Pois bem, está na altura de os candidatos escreverem o seu próprio guião. A liberdade de imprensa não está em causa quando aqueles que elegemos não aceitem ser apenas “conteúdo” do negócio mediático.»
.