14.6.25

Pessoas ao serviço das coisas?

 


Wokismo na peixarada?

 


Uma pessoa chega a casa, vê este título da SIC N, nem lê a notícia e decide ir dormir uma sesta.

14.06.1940 - «Les loups sont entrés à Paris»

 


Há 85 anos, o exército alemão entrou em Paris de onde já tinham fugido dois terços da população. 

Como primeiro acto da ocupação foi retirada a bandeira tricolor do Ministério da Marinha e colocada uma com a cruz gamada no cimo do Arco do Triunfo.





Onde estamos e para onde vamos

 

Capa do disco da banda skinhead LusitanOi!

«Já há algum tempo escrevi sobre esta matéria do incremento da agressividade, mas como dei exemplos do trânsito nas cidades, as pessoas não fizeram qualquer correlação com a política. Mas existe, e não está apenas nos cada vez mais comuns incidentes de violência da extrema-direita, o sinal dessa crescente agressividade, está no ambiente que os torna “normais” e na ideia dos que os provocam de que se ganha alguma coisa, em publicidade, recrutamento, efeito útil no que se faz. E depois, na máquina política e comunicacional que os diminui ao não falar neles sem os “equilibrar” com o “outro lado”, quando não há “outro lado”.

É interessante ver como a maioria dos comentadores do farol da direita radical, a Rádio Observador, ao ter que se pronunciar sobre a agressão física ao actor ou às ameaças diversas desde ao Imã da Mesquita de Lisboa, às senhoras que distribuíam alimentos aos sem-abrigo, desenvolvam todo um discurso a dizer, como Ventura aliás, que só se fala deste tipo de agressões e se escondem as outras. Não sei bem quais são as “outras”, mas o que é certo é que este discurso funciona como uma minimização do que se está a passar.

A razão por que estes actos de agressividade, centrados não num protesto verbal, mas na ameaça física – o que faz toda a diferença –, estão a ser minimizados é política, em primeiro lugar, mas também é a incompreensão do pano de fundo que lhes está por trás, que encontra um canal imediato nas organizações assentes no culto da violência, mas que vai muito para além. Vai para o quotidiano principalmente urbano, onde o “viver” é cada vez mais agressivo. Na escola, em casa, no clubismo futebolístico, na rua, no pouco que muitos lêem, ou seja, nas redes sociais.

O primeiro mecanismo de minimização é a falsa equivalência, nos dias de hoje, entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. Duvido que qualquer relatório do tipo do RASI seja capaz de apontar qualquer mínimo paralelismo. Os dois partidos mais relevantes que podiam no passado ser aí incluídos, só por manipulação podem hoje estar no lado do paralelo da extrema-esquerda. Quer o PCP, quer o Bloco de há muito que abandonaram na prática a ideia de uma revolução violenta, não estão organizados para isso e mesmo na retórica política deixaram cair a visão leninista da revolução. Admito que para esta direita à procura de equivalências se olhe com medo para os novos movimentos contra o racismo, como o SOS Racismo, ou sobre a habitação, como o Vida Justa. Mas é um “medo” instrumental, à Trump, porque as manifestações desses movimentos, com excepção de alguns vidros partidos, são pacíficas. A chave que permite a comparação é a violência física, e não é a criminalidade entre a imigração, na sua maioria de gente que fala português, tementes a Deus, cujas igrejas evangélicas frequentam, ou nos portuguesinhos valentes que, à falta de touros para mostrarem os seus dotes de forcado, batem nas mulheres, e que nada tem a ver com a extrema-esquerda, que votam no Bolsonaro e no Chega, que serve de comparação.

Onde é que se encontra o falso paralelo que alimenta o discurso dos dois lados? O que mais se aproxima é a Climáximo, que pratica actos de vandalismo e acções que são ilegais. O mais longe que vão é atirar tinta e que se saiba nunca participaram em qualquer coisa de parecido com matar pessoas porque têm outra cor, ou agredi-las, como aconteceu com o actor da Barraca. Numa escaramuça como as que aconteceram recentemente na Baixa de Lisboa há dois lados, mas não se compara o músculo de uns com os outros, nem vendo o que se passa há qualquer paralelo na provocação, na iniciativa, na violência. Se é por aqui que se vai, é o mesmo que comparar uma planta carnívora com um nenúfar.

O rasto da violência crescente está na sociedade que estamos a criar com uma mistura de manipulação cultural, económica e social, e por fim política. É uma sociedade que, desde a adolescência à cada vez mais tardia idade adulta, vive numa ecologia de antagonismos, de pseudo-identidades alimentadas nas redes sociais pela ignorância e pela radicalização. Uma sociedade destas é fortemente movida pela culpabilização do “outro”, que nos confronta com a dificuldade de ter um território próprio, de ser reconhecido pelas nossas virtudes imaginárias, que queremos ter como um dote gratuito dos céus porque pomos uns vídeos de telemóvel engraçados na net, sem esforço, sem estudo, sem mérito.

O melhor paralelo para a sociedade que estamos a construir – para ganho de alguns, poder de outros, e vitimização dos mais fracos – é o clubismo das claques, cuja linguagem, simbologia e acção difere pouco do “nós” e “eles” do populismo, do “nós é que somos bons, nós os portugueses de gema” e não esses monhés, ou pretos, ou paneleiros, ou comunas, que pervertem a raça e que precisam de quem os ponham na ordem. Diz o tipo no café: “É o que eu faço todos os dias nas redes sociais, mas como sou fraquinho de corpo e não quero estragar a roupa, conheço lá uns tipos no ginásio que fazem parte de um grupo que veste de preto e anda de mota que, com algum incentivo e pagando-se-lhes uma cerveja, vão lá ensinar o que é Portugal àqueles que se dobram no chão a rezar – a quem, Manuel, diz-me tu, que não sei bem o nome do tipo? – a Alá, sim, a Alá.”»


13.6.25

Quiosques

 


Quiosque Boulevard, Arte Nova, San Sebastian, Espanha, 1906.
Ricardo Magdalena com vitrais de Maumejean Freres.

Daqui.

Alípio de Freitas

 


Oito anos sem ele.



Turismo em 1949

 


É a data deste cartaz. Já era a nossa aposta…

Não viveremos no medo que nos querem impor

 


«O dia 10 de junho não foi apenas o dia de Portugal. Não foi apenas o dia em que saboreámos as palavras desassombradas de Lídia Jorge e o alerta claro do Presidente da República. Foi também o dia em que um dos autores deste texto foi barbaramente agredido por um neonazi. Foi o dia em que o nosso concidadão David Munir foi insultado por ser líder da comunidade islâmica. Foi o dia em que um grupo impune da extrema-direita marchou afirmando o seu “orgulho heterossexual” que mais não é do que o orgulho em odiar os outros. Foi o dia em que Lídia Jorge foi chamada de todos os nomes nojentos nas redes sociais. Foi o dia em que a violência no desporto voltou a fazer notícia. Foi o dia em que o outro autor deste texto denunciou a influência da extrema-direita nos valores dos mais novos e foi insultado por o fazer. Foi o dia em que o líder do Chega se mostrou indignado porque a primeira figura do Estado afirmou a dignidade de todos os cidadãos. Foi o dia em que, nas redes sociais, várias figuras do mesmo partido e os seus seguidores celebraram não o dia de Portugal, mas sim o dia “da raça”, pondo a nu a sua profunda ignorância e o seu saudosismo salazarista.

O dia 10 de junho foi um dia de tomada de consciência de uma vertigem assustadora. Foi o dia em que nos lembramos que Alcindo Monteiro foi assassinado há exatamente 30 anos, apenas por ser negro, apenas por ser jovem, apenas por ser. Foi o dia em que vimos que o ódio cresce em escolas, à porta de teatros, na rua, no espaço virtual, que o mal se propaga por todo o lado. Foi o dia em que muitos acordaram para a rapidez do que nos está a acontecer sentindo que é difícil parar, mas que não desistiremos de travar esta onda.

O dia 10 de junho foi um dia de perguntas. Porque odeiam tanto? Porquê um ator? Porque é que ninguém os trava? Porque é que não regulamos o ódio nas redes sociais? Porque é que continuamos a relativizar e a ocultar? Porque é que o Presidente da Câmara de Lisboa fala, como se fossem iguais, extremismos à direita e outros crimes? Porque é que o relatório RASI omite os crimes de ódio, numa tentativa de os retirar do debate público? Porque é que uns continuam a construir perceções erradas sobre a imigração, quando estes crimes hediondos são praticados por cidadãos nascidos e criados em Portugal?

O dia 10 de junho chocou pelo ataque a um artista à porta de um teatro. Conversávamos sobre as razões deste ódio à arte. Mas foi sempre assim. Os regimes autoritários sempre temeram e perseguiram os que usam a palavra como fermento e abrigo da liberdade. Porque a palavra tem sempre mais força do que a brutalidade do soco. Porque a palavra traz a complexidade que perturba quem faz da mentira e da violência o seu único argumentário. Os artistas são alvo, porque mostram que o mundo pode ser diferente, porque nos fazem sonhar, porque nos fazem parar no tempo suspenso em que apreciamos a sua obra. A cultura assusta quem não quer a democracia, porque é incompatível com aquele imediatismo típico da rede social ou da fúria.

A cultura, as artes, e em particular o teatro, constituem talvez o mais profundo traço distintivo entre o ser humano e o animal. O teatro, em especial, é o espaço onde nos debruçamos sobre a fragilidade e o esplendor da condição humana — onde se revelam, com lúcida compaixão, os nossos ridículos, as nossas grandezas e as nossas contradições. É na cena que se ensaia o pensamento livre, despido de doutrinas prontas ou moralismos impositivos.

O teatro não é uma cartilha ideológica, nem uma lengalenga papagueada: é tudo e é todos. Vive da palavra, do corpo e do silêncio. Vive do conflito e da escuta. E esse tudo, esse plural vivo, vem já de muito longe: Gil Vicente, nos seus altares profanos e populares, e Camões, nos seus autos renascentistas, já compreendiam que o palco é um espelho cruel e terno da sociedade. Desde então, o teatro foi sempre o lugar da interpelação, da inquietação, da heresia necessária.

Não admira, pois, que tantos mecenas e patrocinadores mantenham uma relação distante com o teatro. Podem até pontualmente apoiar outras artes — onde a palavra pode não ferir — mas raramente o teatro, porque nele a palavra é viva e pode incomodar. Incomodava nos tempos da censura oficial — quando os censores, entre a ignorância e o zelo, proibiam o que conseguiam entender — e continua a incomodar hoje, não pela interdição explícita, mas pelo silêncio cultivado, pelo desabituar da escuta crítica, pelo abandono da formação cidadã através da arte.

Porque pensar é perigoso. Pensar leva a uma opinião, e uma opinião arranca-nos do conforto acrítico de um rebanho domesticado. É sempre mais cómodo que apenas um pense, e os restantes executem, sigam, obedeçam. O teatro, ao convidar ao pensamento, quebra esse conforto anestesiado da obediência acrítica e obriga à consciência. Por isso incomoda. Por isso é necessário.

Se os portugueses conhecessem melhor a sua história — quem somos, de onde viemos, os fios que nos ligam ao território e às feridas do tempo — se cada um ousasse procurar os seus antecedentes, talvez muita coisa se resolvesse. Talvez a pertença deixasse de ser confundida com pureza, talvez a identidade deixasse de ser um grito de exclusão. O combate prioritário, o verdadeiro campo de batalha da nossa era, é contra a ignorância em bandeiras hasteadas. Essa ignorância vestida de opinião, de certeza e de orgulho. Essa ignorância que fala alto, marcha com pose e censura com emojis. Essa ignorância que mata, exclui, zomba e vota.

Querem-nos calados. Querem os teatros fechados. Querem programar-nos como estão a formatar os mais novos. Querem-nos com medo. Querem voltar a um Portugal amordaçado e com desconfiança do poder da palavra. Querem-nos presos. Querem-nos, sobretudo, com medo.

Somos ambos professores. Um de linguística, ciência da palavra, outro de teatro, arte do corpo – juntos ensinamos como o pensamento ganha forma e voz no mundo. Acreditamos que, em cada escola, em cada bairro, em cada lugar, nos compete desmontar a mentira e o ódio. Acreditamos que, pela educação, a esperança não morre. Acreditamos que a cidadania é componente essencial de uma escola que serve para educar e não apenas para instruir. Acreditamos que tem mais mérito o aluno que olha para o outro como igual, porque tem o conhecimento, a ciência e a cultura para rejeitar a repressão e a discriminação, do que o brilhante individualista que corre sozinho pela melhor nota.

Sentimos que Portugal precisa de se mobilizar muito fortemente para contrariar o crescimento desta violência. Cabe-nos a todos esta tarefa, na palavra, na criação, na denúncia, na rejeição, na paciente desconstrução dos múltiplos combustíveis deste ódio. O silêncio é cúmplice. Não podemos ficar calados quando à nossa frente se desprezar ou espezinhar. Cabe-nos a todos, em cada função, em cada fábrica, escola ou espaço artístico. Em cada bairro, em cada café. Políticos e não políticos, crentes e não crentes, jornalistas, trabalhadores e reformados, novos e velhos, homens e mulheres. Todos somos convocados à luta pela sã celebração da diversidade como bem maior.

Querem-nos com medo. Mas nós não temos. Não vamos viver no recato amedrontado que nos querem impor. Continuamos a sair à rua, a fazer arte, a ensinar, a celebrar a democracia e a diversidade. A rua é dos democratas, o espaço público é o da alegria e da liberdade.

É urgente agir. É urgente a coragem. É urgente não silenciar.

É urgente não ter medo de afirmar que este ódio tem autores morais. Aumenta com o crescimento da extrema-direita, que legitima tantos que até há pouco tempo não ousavam afirmar o seu racismo, a sua xenofobia, a sua homofobia, a sua misoginia. Cada deputado do Chega, cada novo partido da extrema-direita é um contributo ativo para a degradação civilizacional que testemunhamos.

Não temos medo. Porque sabemos que a realidade é complexa, mas que a arte, a educação, a ciência e a cultura nos dão a força para não desistir.»


Normalizar a extrema-direita

 


12.6.25

Nazis agora no Porto

 


Público, 12.06.2025

E como eu

 


... que também nasci em Moçambique. 

Françoise Hardy

 


11.06.2024, o dia em que perdemos a menina que nos cantava «Tous les garçons et les filles de mon age».

Um grupo neonazi não se varre para debaixo do tapete

 



Combater o reagrupamento familiar, impedir a integração e alimentar o conflito

 


«Nem vou perder tempo com mais mentiras de Ventura, que fala na breve chegada de meio milhão de imigrantes por via do reagrupamento familiar. Remeto para os trabalhos do “Diário de Notícias”, em que as coisas ficam devidamente esclarecidas: nem o reagrupamento é automático, havendo critérios bastante apertados, nem os números se aproximam do que foi dito. Recordando que a ligeireza da comunicação social foi veículo, ainda antes de a extrema-direita lançar uma petição, para espalhar esta ideia.

Mas é muito interessante verificar o cinismo dos que passam o tempo a dizer que não são contra a imigração, desde que haja condições para integrar, e, depois, abrem guerra ao mais poderoso instrumento de integração em qualquer comunidade. Assim como é curioso que conservadores, que defendem que a família é o pilar da sociedade, finjam não perceber que, se assim é, ela é o pilar de qualquer integração social.

Há uns dois anos, um autarca de um concelho de forte imigração para trabalho em estufas e agricultura intensiva explicava-me que a grande prioridade era mesmo o reagrupamento familiar. Com os filhos nas escolas e as mulheres integradas na sociedade, em vez de grupos de homens sem família a vaguear pela rua nas horas de lazer, tudo seria mais simples.

É natural que o Chega não queira a integração dos imigrantes. A extrema-direita vive do conflito. E o conflito, existindo sempre, é mais difícil quando o filho do imigrante é colega do nosso filho. Quando as comunidades se cruzam.

Sabemos que um dos fatores para os preços proibitivos das novas casas é o custo de construção, por falta de mão-de-obra. Não é por falta de mão-de-obra barata. É mesmo por falta de quem trabalhe no setor. Se a isso juntarmos a nossa penosa crise demográfica, confirmamos que precisamos de imigrantes. A questão é se preferimos a imigração desintegrada (é essa que a “via verde” criada pelo governo, a pensar em grandes empreitadas, favorece), ou se, como todas as nações prósperas e desenvolvidas, queremos viver em sociedades cosmopolitas, com uma imigração integrada que crie as suas raízes. Os fluxos migratórios vão continuar a aumentar. A questão é como gerimos esse processo inevitável.

Há uma linha liberal, a que alguma esquerda adere, que acha possível lidar com esta realidade sem regulação. Sou dos que acreditam numa regulação razoável para quase tudo. Nisto ou no mercado. Curiosamente, a direita liberal, que se aproxima cada vez mais da extrema-direita no debate sobre a imigração (a imigração ilegal tem vantagens económicas), acha que esta razoabilidade passa a ser “protecionismo” quando chegamos aos fluxos financeiros ou comerciais. E há outra esquerda que pensa poder saltar sobre este debate, para não contrariar o sentimento popular. É impossível. Porque, com as alterações climáticas, os desequilíbrios demográficos e um mundo onde tudo parece estar mais próximo, este será o tema das próximas décadas.

Se este vai ser o debate, é bom não entrar nele com os termos da extrema-direita. Porque a sua proposta de encerramento de portas vai muito para lá da imigração. A questão ultrapassa os nossos deveres morais e humanistas. Além de a sua visão étnica da nacionalidade acabar sempre com a exclusão de minorias nacionais, a imigração é o pretexto para a destruição da própria democracia. Basta olhar para o que se passa na Califórnia para perceber porque é que os autoritários apostam neste filão. Sabem que lhes oferece os argumentos para imporem um estado de excepção e para fragilizarem todos os limites ao seu poder. Não querem apenas fechar as portas a quem entra. Querem trancar-nos no seu mundo de medo e violência.

Nota: deixo o que aconteceu no Teatro “A Barraca” e no dia 10 de junho para a semana. Quero perceber se aqueles que normalizaram o discurso de ódio perceberam que fantasmas estão a deixaram à solta ou se viram isto como mais um episódio mediático.»


11.6.25

30 anos depois!

 


Público, 11.06.2025.

A Reforma do Estado em suspenso entre promessas, dilemas e labirintos



«O XXV Governo Constitucional iniciou funções com a promessa clara de “declarar guerra à burocracia”. Luís Montenegro criou um Ministério da Reforma do Estado sob a sua tutela direta, apostando nas secretarias de estado da Simplificação Administrativa e da Digitalização.

O gesto foi simbólico, mas persiste uma contradição. Os pilares relativos às Pessoas e Estruturas mantêm-se, como habitualmente, na tutela das Finanças, sob a alçada da Secretaria de Estado da Administração Pública. Esta separação entre quem idealiza a reforma e quem a viabiliza, perpetua a lógica compartimentada que se quereria superar. Em vez de unir para transformar, dividiu-se para modernizar com eficácia limitada.

Esta tensão entre ambição reformista e bloqueio orçamental não é nova. No início dos anos 90, no governo de Cavaco Silva, quando estava em curso uma agenda de modernização centrada na qualidade e no serviço ao cidadão, integrando Pessoas, Estruturas, Processos e Tecnologias, acabou por esbarrar na ortodoxia orçamental.»

Continuar a ler AQUI.

Céu Guerra sobre o ataque a Adérito Lopes

 


11.06.1982 – Phone Home

 


E.T. foi lançado em 11 de Junho de 1982. Alguns meses depois, antes do Natal do mesmo ano, essa belíssima história de amor teve estreia em Portugal e foi, para muitas crianças, a primeira oportunidade de verem um grande filme numa sala de cinema – e de chorarem, como outros o tinham feito, décadas antes, quando apareceu o Bambi.

Logo no ano seguinte recebeu Óscares para melhor banda sonora, melhores efeitos especiais, melhores efeitos sonoros e melhor som. Foi um extraordinário sucesso em termos de bilheteira, até ser batido por mais um filme também de Spielberg – Jurassic Park –, lançado num outro 11 de Junho (de 1993).

Quem não se lembra do desfecho do E.T.?




.

Marcelo: agarrado ao pescoço da Nação

 

Imagem de André Ruivo

«Depois do discurso de Lídia Jorge, talvez demasiado denso para o momento, mas com a coragem de, sem omissões, usar as contradições da nossa história para refletir no espelho uma identidade bem diferente daquela que a extrema-direita quer para nós, Marcelo Rebelo de Sousa limitou-se a picar o ponto, reafirmando o que se tinha ouvido. Lamento a sua despedida quase burocrática, porque ele próprio merecia deixar uma marca que apagasse o último episódio em que o vimos e que, infelizmente, é sintomático.

Não gosto dos pequenos escândalos que alimentam polémicas estéreis, quando as redes sociais escolhem, como em "Hated in the Nation", episódio de Black Mirror, a sua vítima do dia. Fiquei, no entanto, a pensar na cena de Marcelo Rebelo de Sousa com a trabalhadora da Feira do Livro que, aproveitando a presença do Presidente com uma comitiva de jornalistas no local, resolveu fazer um apelo à participação no protesto contra a matança em Gaza, um genocídio que o Estado português ignora.

Como era evidente, a cidadã não esperava que Marcelo tivesse a clareza que lhe faltou até hoje. Líderes políticos que deixaram as coisas chegar ao ponto a que chegaram em Gaza sem fazerem um corte radical com o governo criminoso de Netanyahu não se vão comover com uma folha de papel A4 na mão de uma mulher. Era um protesto, não pretendia ser um diálogo.

Quando Marcelo disse para ela o ouvir, a resposta foi honesta: tem todo o tempo do mundo para falar. Era aos jornalistas que se dirigia. Mas fez tudo com uma correção inatacável, sem nunca deixar de tratar Marcelo por “Senhor Presidente” ou levantar a voz, enquanto era interrompida e segurada pelo chefe do Estado.

Quando Marcelo quis falar, vendo que a cidadã se preparava para seguir a sua vida, fez o impensável, segurando-a pelo pescoço. E, mesmo ouvindo a frase impensável – "não me agarre o pescoço, senhor Presidente" –, ainda insistiu um pouco. Toda a cena provocou um misto de vergonha alheia e perplexidade. E toda ela ajuda a explicar porque corremos o risco de eleger um militar sem qualquer experiência política ou cívica para Belém.

Não preciso de outro exercício: se a senhora tivesse feito o mesmo seria, com toda a justiça, agarrada por seguranças e identificada pela polícia. Se assim é, estamos perante um abuso vindo de alguém que se esqueceu de que o seu poder resulta de um cargo transitório que ocupa, não é realmente seu. É ele que se tem de adaptar ao fato, não o oposto.

Nada disto é novo. Aconteceu com comentários impensáveis ao decote de uma rapariga ou ao peso de uma senhora, acontece nos passou-bens que se transformam em puxões intimidatórios ao estilo de Trump, sinal de desrespeito pelo corpo do outro. Mas este caso torna-se mais grave por ter sido com alguém que não só não deu qualquer sinal de simpatia ou proximidade, como até o estava a contestar.

Defendi e defendo que a proximidade física de Marcelo foi, em diversos momentos, uma vantagem. Como o corpo fala, e também fala na política, essa proximidade falou quando o Estado falhou ou esteve ausente, como aconteceu em Pedrógão. Essa proximidade falou quando se instalou a ideia da casta e Marcelo estava na praia, no supermercado, na rua. E falou quando se fez fotografar junto da população do Bairro da Jamaica. Não esqueci nada disso. A arma de Marcelo contra o populismo sempre foi a popularidade.

A informalidade humaniza o cargo. Mas a informalidade em excesso torna esse cargo pessoal e idiossincrático, abrindo a porta para a arbitrariedade e para confusão entre o poder institucional e pessoal. Aquilo que Marcelo diz querer combater. O excesso de proximidade cria a ilusão de intimidade que pode alimentar o abuso de poder.

A informalidade de Marcelo tem criado, desde que parece ter perdido os filtros, imensos problemas. Até crises políticas e instabilidade. Aquela imagem confrangedora tem, como o bolo na boca de Cavaco para não responder a jornalistas, o poder simbólico de um fim de ciclo. O sinal de que se foi longe demais e de que está na altura de voltar a mudar de registo. Infelizmente, é costume o exagero na correção.

Esperemos que ao excesso de informalidade não suceda a rigidez da parada. E não me refiro à que, com a autoridade moral do seu papel político na instauração da democracia, foi ontem condecorada por Marcelo, mas da que brilha no fogacho mediático que constrói políticos sem passado.»


10.6.25

10 de Junho – Dia de…

 


Por mais tempo que passe, o 10 de Junho nunca deixará de ser, para mim, o tal «Dia da Raça», já que não consegui apagar da memória o que era até ao 25 de Abril.

Assinala-se hoje o dia em que Camões foi transladado para o Mosteiro dos Jerónimos, em 1880. Feriado nacional desde os anos vinte do século passado, a data ganhou um novo significado em 1944, quando Salazar a rebaptizou como «Festa de Camões e da Raça». Fê-lo por ocasião da inauguração do Estádio Nacional, que ocorreu com grande pompa, em cerimónias a que terão assistido mais de 60.000 pessoas e que foram filmadas por António Lopes Ribeiro (vídeos AQUI e AQUI). Linguagem inequívoca: «Às cinco horas, chegou o chefe: Salazar. Salazar, campeão da pátria, era o atleta número um, naquela festa de campeões.»

Mais graves, e bem mais trágicos, passaram a ser os 10 de Junho a partir de 1963. Transformados em homenagem às Forças Armadas envolvidas na guerra colonial, eram a data escolhida para distribuição de condecorações, muitas vezes na pessoa de familiares de soldados mortos em combate (fotos reais no topo deste post).

Entre 1975 e 1976, o Dia de Portugal foi 25 de Abril e, de 1974 a 1976, não houve comemorações do 10 de Junho. Até que um militar presidente da República as ressuscitou em 1977, primeiro como «Dia de Camões e das Comunidades» e, a partir de 1978, também como «Dia de Portugal».

Dantes, era assim:

.

Por mais que me custe

 



… e com algumas reservas ao seu discurso, temo muito vir a ter saudades dele no próximo 10 de Junho.

O 10 de Junho era assim

 


@João Abel Manta

Dia de Portugal, em Lagos, em tempos de “avisos à navegação” política

 


«A história do município de Lagos diz: “Os descobrimentos começaram aqui…”. Foi esta a localidade escolhida por Marcelo Rebelo de Sousa para celebrar o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Na opção terá pesado o simbolismo histórico do mar, enquanto via de união entre povos. Porém, a imagem do rei D. Sebastião e o “sebastianismo”, que povoa o território, poderá também servir de metáfora da vida política actual. Nas últimas legislativas, o Chega venceu em Lagos e o mito do “sebastianismo” ensombra os candidatos à sucessão de Marcelo em Belém.

A Avenida dos Descobrimentos e toda a zona ribeirinha da cidade estão convertidas em palco das festividades do 10 de Junho. As comemorações decorrem desde há dez dias, com demonstração de exercícios militares, mas também concertos e outras iniciativas culturais. As atenções da população estão viradas para os carros de assalto, helicópteros, um F16, lanchas e drones — o vasto dispositivo que integra a Expo Forças Armadas, instalada junto às muralhas, na Praça Infante D. Henrique.

Porém, o brilho das fardas deixou na penumbra aspectos menos visíveis ligados à identidade cultural da terra. À frente do memorial sobre a batalha de Alcácer Quibir, da autoria de João Cutileiro, foi instalada uma tenda de recrutamento, tapando a escultura. O museólogo Rui Parreira tem uma explicação: “O soldado português ganha batalhas, não perde.” Por isso, contextualiza, uma obra que não evoca glórias do passado foi eclipsada. “Não deixa de ser interessante, do ponto de vista simbólico”, sublinha, “porque a peça, feita de peças de mármore de várias cores, representa os três momentos da batalha — a partida, campo de combate e a derrota”.

A relação cultural e afectiva da cidade com o mar vem de longe e mantém-se. No passado, foram os marinheiros das caravelas a dar “novos mundos ao mundo” — no presente, turistas de todo o mundo encontram aqui o seu porto de abrigo para passar férias. No entanto, os ventos não sopram de feição quando se recorda o que se passa na Ucrânia, Gaza e noutros pontos do globo, onde a inclusão deu lugar aos ódios e a políticas de exclusão. Ali bem perto do palco onde Marcelo Rebelo de Sousa irá discursar, encontra-se o museu de Lagos, Rota dos Escravos.

O espaço, diz Rui Parreira, mostra um capítulo da história portuguesa que divide opiniões. “Levamos dos dois lados — os nacionalistas acham que é um período que não se deve destacar. Por outro lado, os activistas acham um horror falar de lusofonia — uma língua imposta pelos colonos.” A história, sintetiza, não é uma via de sentido único. As comemorações do 10 de Junho de 2025 são presididas por Lídia Jorge, a escritora (conselheira de Estado) que, nas suas obras, lembra que o humanismo não tem pátria nem fronteiras.

O rei D. Sebastião, em 1573, elevou Lagos à categoria de cidade, e, durante séculos, o porto da cidade foi um importante entreposto comercial. Aqui chegaram as primeiras riquezas de África — ouro, prata, marfim. A riqueza do “ouro”, hoje, foi cambiada pelas areias onde se constroem hotéis e apartamentos. O bairro dos "Índios da Meia Praia" é o que resta da afirmação de uma comunidade piscatória que resiste, embora os seus habitantes já sejam de segunda e terceira geração.

António Cunha Telles, em 1976, imortalizou em filme vivências e sentimentos de afirmação do poder local. As barracas de colmo foram substituídas por construções de alvenaria, no âmbito do projecto SAAL – Serviço de Apoio Ambulatório Local. Mais tarde, o Plano de Urbanização da Meia Praia, aprovado em 2007, veio a permitir a construção do golfe dos Palmares e de hotéis em cima de dunas. O bairro ficou de fora — não teve direito a requalificação — porque os terrenos pertencem ao domínio público marítimo.

Apesar do crescimento urbanístico, à semelhança do que se verifica noutras zonas do litoral, existe falta de habitação a preços acessíveis para quem vive e trabalha no concelho. Durante a última campanha eleitoral o tema fez parte das agendas políticas, e já começa a agitar a campanha para as autárquicas que se aproximam. O partido de André Ventura tem vindo a explorar esse filão, na vertente populista, e a maioria socialista no executivo autárquico pode estar tremida.

Marcelo Rebelo de Sousa, amanhã, na sua última celebração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas — como já fez noutras ocasiões — não deixará de fazer avisos à “navegação” para os candidatos ao Palácio de Belém. Por coincidência, na praça Gil Eanes, a poucas centenas de metros de distância do lugar da tenda onde vão decorrer as cerimónias oficiais, encontra-se a estátua de D. Sebastião. Não evoca glórias, mas sim as intrigas palacianas nas tomadas de grandes decisões. Na opinião de Rui Parreira, a representação artística lembra “um boneco articulado que simboliza o derrotismo [Alcácer-Quibir] e a manipulação do poder político por parte da aristocracia”, que empurrou o rei para uma aventura.»


9.6.25

Gallé – inesgotável

 


Candeeiro Rododendros com decoração soprada, de vidro marrom-vermelho sobre fundo amarelo, ramos de rododendros floridos e botões moldados por sopro e camafeu gravado a ácido. Cerca de 1925.
Établissement d'Émile Gallé (Nancy).

Daqui.

Pró-vida ou pró-nascimento?

 

«Era fevereiro de 2024 e Paulo Núncio - vice-presidente do CDS, que na altura tentava reentrar no Parlamento às cavalitas do PSD - defendia iniciativas para "limitar o acesso ao aborto", sugerindo um novo referendo para inverter uma lei que dizia "profundamente iníqua" (portanto: injusta, perversa, má). Orgulhosamente, ainda se gabou de a coligação PSD/CDS de 2015 ter sido "dos primeiros Governos do mundo" a tomar medidas para "dificultar" a interrupção voluntária da gravidez (IVG). Nuno Melo apressou-se a dizer que Núncio não disse o que disse e Luís Montenegro desvinculou-se, garantindo que o aborto era um assunto "absolutamente arrumado". Argumento que serviu, por outro lado, para chumbar, no início deste ano, todas as propostas da Esquerda e centro-esquerda que visavam a aproximação da realidade portuguesa à europeia (como o alargamento do prazo legal da IVG, a eliminação de barreiras como o período de reflexão ou a regulamentação da objeção de consciência).

Desde que o atual líder parlamentar dos democratas cristãos sugeriu um retrocesso à lei, muita água passou debaixo da ponte e demasiada sujidade entrou com a abertura das comportas. O debate mediático fez-se acompanhar pela ressurreição de figuras conservadoras contra a interrupção voluntária da gravidez (IVG); a retórica machista e desinformada de personagens digitais em busca de poder e influência ganhou espaço; e eis que, recentemente, passou na televisão um anúncio antiaborto pago pelo fundador da Prozis – manipulador e mal executado, com imagens irrealistas que dramatizam o procedimento e a figura do Estado, manchando de sangue as mãos de profissionais de saúde zangados. Eu não gosto de batidos de proteína nem de manteiga de amendoim com pedaços e não ando aí a fazer anúncios para que ninguém os compre – mas, enfim, cada um faz o que quer com os milhões que tem na conta.»

Continuar a ler AQUI.

Portugal não falhou nem um penalti

 


E Espanha tornou-o um país feliz. Mais fácil do que Aljubarrota.

Gaza: sequestro de activistas

 


«O Ministério das Relações Exteriores de Israel confirmou, em nota oficial, o ataque ao barco Madleen e o sequestro dos ativistas da Flotilha da Liberdade, grupo que navegava em direção a Gaza com ajuda humanitária. Em tom ofensivo e debochado, a chancelaria israelense classificou a embarcação como um “iate de selfies e celebridades” e afirmou que os passageiros seriam deportados para seus países de origem.

A nota também buscou justificar a interceptação com alegações de que a ação dos ativistas seria uma “provocação midiática” e minimizou a ajuda humanitária levada pelo barco. Israel ainda exaltou a atuação da chamada “Gaza Humanitária Foundation”, uma entidade sem credibilidade no campo humanitário, acusada por organizações independentes de colaborar com ações militares israelenses e de participar de execuções de civis sob pretexto de “entregas de comida” em Gaza.

O episódio foi amplamente criticado por organizações de direitos humanos e movimentos internacionais solidários ao povo palestino, que denunciam a violência sistemática de Israel contra missões civis de apoio à população cercada em Gaza.»

Mídia NINJA no Facebook

Reforma do Estado: não virem a casa de pernas para o ar

 


«No plano teórico, para falar da reforma de que se fala, até faria sentido começar por redefinir o papel do Estado, estabelecendo um princípio estratégico ou um enquadramento conceptual que direcione as reformas, mas quando está tanta coisa por fazer e se tem muita pressa é mesmo preciso ir devagar. Não sei quanto tempo vai durar a conversa, mas espero que nunca acabe porque reformar o Estado é um processo contínuo que tem de responder aos desafios de cada momento.

Estando muito longe de podermos tomar decisões sobre as áreas de intervenção directa em que faça sentido reduzir o papel do Estado, é espantoso como não falta quem sonhe com a vida da comunidade entregue quanto antes à concorrência entre privados em áreas como a Saúde, a Educação ou a Previdência. Ao Estado ficaria entregue a responsabilidade de cuidar dos desvalidos ou actuar em regiões onde o “negócio” não fosse rentável para os privados. O resultado seria, portanto, uma acelerada deterioração da qualidade de serviços prestados pelo Estado, dando mais razão a esta vontade que está muito mais ancorada no negócio crescente dos privados do que na incapacidade do Estado em cumprir as suas obrigações.

A prometida liberdade de escolha, mesmo assente em políticas públicas inclusivas e com regulação do Estado, é uma falácia. Num país com índices de pobreza como o nosso, o cheque-ensino ou o cheque-saúde serviriam, sobretudo, para ressarcir as classes média-alta e alta dos serviços privados que conseguem pagar. A ideia de financiar diretamente os cidadãos, em vez de financiar as instituições públicas, serve essencialmente quem tem capacidade de investimento. Mais de metade do país ficaria entregue a serviços públicos descapitalizados e seguramente de qualidade muito inferior à actual. Há, portanto, muito trabalho para fazer antes de perguntar ao povo se é isto que o povo quer.

Devagar que temos pressa

O Estado Social Europeu, que conheceu um período de grande expansão com a prosperidade económica do pós-guerra, é uma conquista histórica que devemos, também em Portugal, à social-democracia, ao socialismo democrático e à democracia-cristã. Temos de resolver problemas que resultam do envelhecimento populacional, da pressão sobre os recursos públicos e da necessidade de modernização das administrações públicas. Não podemos dormir à sombra dos louros conquistados, mas esta foi a casa comum que construímos e não a podemos virar de pernas para o ar.

O objectivo como comunidade tem de continuar a ser o de garantir a todos os cidadãos o acesso a serviços básicos, redistribuindo os recursos para reduzir as desigualdades. Todos os aplausos são devidos aos empresários que fazem funcionar uma economia de mercado como a nossa, mas num país em que a taxa de pobreza, antes de qualquer prestação social, é de 40%, imaginar que os problemas se resolvem enfraquecendo o papel do Estado e liberalizando ainda mais a economia é do domínio do delírio e da insensibilidade social. O Estado tem de ser um factor de desenvolvimento económico e social. E aí há muito a fazer.

É preciso garantir equilíbrio orçamental de longo prazo, para diminuir a dívida e o seu serviço, utilizando o dinheiro poupado nos juros a modernizar o Estado. É preciso reorganizar os serviços públicos para eliminar redundâncias, reduzindo os custos e aumentando a eficiência. É preciso apostar na digitalização e na inteligência artificial para simplificar a relação dos contribuintes (pessoas e empresas) com as administrações públicas, reduzindo a burocracia e facilitando os licenciamentos. É preciso descentralizar competências até ao nível em que a proximidade com os utentes aumenta a produtividade do Estado. Se o governo for capaz de fazer isto, que está tão longe da megalomania dos que julgam estar ao virar da esquina uma economia que se basta a si própria, será o melhor governo de sempre em Portugal.»


8.6.25

Ténis: já houve tempos…

 


…em que Marcelo não perdia uma final em Roland Garros. Este ano, verá futebol em Munique.

Foi uma final extraordinária que durou cerca de 5:30! Venceu Altaraz. O futebol que se lixe!




Nelson de Matos

 


Morreu o meu editor. A quem fico a dever ajuda e amizade.


Dia Mundial dos Oceanos?

 


O ministério sushi mix

 


«As direitas têm uma longa história de reorganizações ministeriais que afastam, subalternizam, menorizam o peso político da área da cultura no Conselho de Ministros e serviços orgânicos do Estado. A extinção do Ministério da Cultura por Pedro Passos Coelho (e transferência de competências não para uma secretaria de Estado, mas sim apenas um secretário de Estado da Cultura na dependência direta do gabinete do primeiro-ministro) é apenas a mais recente (inspirada nos governos de Cavaco Silva mas também no primeiro governo constitucional, liderado por Mário Soares, com David Mourão-Ferreira como secretário de Estado da Cultura na dependência da Presidência do Conselho de Ministros).

Mas a extinção do Ministério da Cultura em 2011 foi acompanhada por uma política deliberada de austeridade punitiva sobre o setor (em 2012, a Direção-Geral das Artes não abriu concursos porque o Governo cortou as verbas por inteiro, o que ficou conhecido por "ano zero").

O choque da austeridade na cultura ficou na memória coletiva com o símbolo da extinção do seu ministério. Foi a política e não apenas a reorganização orgânica que deram à extinção do Ministério da Cultura o significado que tem hoje, sobretudo vindo de um Governo liderado pelo PSD.

É, por isso, absolutamente natural que a fusão ministerial anunciada entre áreas governativas sem relação orgânica real — Cultura com Juventude e Desporto — seja lido como uma menorização política da cultura, ainda para mais quando a responsável pelo novo ministério — Margarida Balseiro Lopes — não tem trabalho conhecido sobre políticas públicas de cultura.

O problema político desta fusão surge de dois fatores: a provável impreparação da equipa ministerial para a área; e a distância orgânica entre áreas de governo que pouco ou nada têm para gerir em conjunto. A pergunta a fazer é: por que razão se fez este ministério? Há uma fusão entre Cultura, Desporto e Juventude para que política?

A resposta evidente é que não existe nenhuma política em concreto que esteja por trás desta fusão ministerial. E esse é o problema político: uma fusão ministerial para esconder um vazio político. O Ministério da Cultura não foi extinto, mas ninguém sabe qual é a política que o vai orientar.

Haveria antecedentes perfeitamente válidos e recomendáveis para sustentar a formação deste ministério. Logo após a revolução, em 1974, o primeiro Governo provisório integrou dentro do Ministério da Educação e Cultura (liderado por Eduardo Correia) a Secretaria de Estado dos Assuntos Culturais e Investigação Científica (com Maria de Lourdes Belchior) a par da Secretaria de Estado dos Desportos e Ação Social Escolar (com António Avelãs Nunes). Esta estrutura mantém-se até ao primeiro Governo constitucional, já mencionado, que coloca o secretário de Estado da Cultura na dependência da Presidência do Conselho de Ministros. Em 1978, no entanto, já no segundo Governo constitucional também liderado por Mário Soares, o responsável pela pasta (António Reis) volta a estar dependente do Ministério da Educação e Cultura, a par do secretário de Estado da Juventude e Desportos (Joaquim Barros de Sousa).

Esta proximidade entre Cultura, Juventude e Desporto já existiu antes em democracia e foi positiva. Mas há uma diferença substantiva na relação que estas áreas estabeleciam entre si na ação governativa no período 1974-1985 e os nossos dias. A política de apoio ao teatro após o 25 de Abril, por exemplo, é definida pela reorientação programática do Fundo de Teatro, mas também pela criação do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (o precursor do atual IPDJ), estrutura que desenvolveu um trabalho intenso de apoio logístico, financeiro e organizativo da ação teatral seja profissional ou de amadores (uma distinção que era, naquele momento histórico, pouco operativa). É comum encontrar nos arquivos das companhias de teatro independente a operar naquele período documentação do FAOJ ao lado de correspondência do Fundo de Teatro.

A par das políticas para habitação, saúde e educação, na primeira década de democracia, a relação entre ação juvenil, ação cultural e ação desportiva tinham um significado evidente de ultrapassar barreiras sociais e territoriais, de construir o país e o seu povo para a democracia e participação cívica, uma relação que se refletia na própria orgânica não só do governo como dos seus serviços orgânicos e de um programa partilhado. Mas essa relação já não existe. Nem a Direção-Geral das Artes nem o IPDJ partilham hoje qualquer programa que justifique a sua fusão num único ministério. É legítimo defender que o voltem a fazer, mas seria conveniente explicar porquê.»


Marcha Global para Gaza

 


É importante abrir o SITE e ver o que é e como vai evoluindo.