8.6.25

O ministério sushi mix

 


«As direitas têm uma longa história de reorganizações ministeriais que afastam, subalternizam, menorizam o peso político da área da cultura no Conselho de Ministros e serviços orgânicos do Estado. A extinção do Ministério da Cultura por Pedro Passos Coelho (e transferência de competências não para uma secretaria de Estado, mas sim apenas um secretário de Estado da Cultura na dependência direta do gabinete do primeiro-ministro) é apenas a mais recente (inspirada nos governos de Cavaco Silva mas também no primeiro governo constitucional, liderado por Mário Soares, com David Mourão-Ferreira como secretário de Estado da Cultura na dependência da Presidência do Conselho de Ministros).

Mas a extinção do Ministério da Cultura em 2011 foi acompanhada por uma política deliberada de austeridade punitiva sobre o setor (em 2012, a Direção-Geral das Artes não abriu concursos porque o Governo cortou as verbas por inteiro, o que ficou conhecido por "ano zero").

O choque da austeridade na cultura ficou na memória coletiva com o símbolo da extinção do seu ministério. Foi a política e não apenas a reorganização orgânica que deram à extinção do Ministério da Cultura o significado que tem hoje, sobretudo vindo de um Governo liderado pelo PSD.

É, por isso, absolutamente natural que a fusão ministerial anunciada entre áreas governativas sem relação orgânica real — Cultura com Juventude e Desporto — seja lido como uma menorização política da cultura, ainda para mais quando a responsável pelo novo ministério — Margarida Balseiro Lopes — não tem trabalho conhecido sobre políticas públicas de cultura.

O problema político desta fusão surge de dois fatores: a provável impreparação da equipa ministerial para a área; e a distância orgânica entre áreas de governo que pouco ou nada têm para gerir em conjunto. A pergunta a fazer é: por que razão se fez este ministério? Há uma fusão entre Cultura, Desporto e Juventude para que política?

A resposta evidente é que não existe nenhuma política em concreto que esteja por trás desta fusão ministerial. E esse é o problema político: uma fusão ministerial para esconder um vazio político. O Ministério da Cultura não foi extinto, mas ninguém sabe qual é a política que o vai orientar.

Haveria antecedentes perfeitamente válidos e recomendáveis para sustentar a formação deste ministério. Logo após a revolução, em 1974, o primeiro Governo provisório integrou dentro do Ministério da Educação e Cultura (liderado por Eduardo Correia) a Secretaria de Estado dos Assuntos Culturais e Investigação Científica (com Maria de Lourdes Belchior) a par da Secretaria de Estado dos Desportos e Ação Social Escolar (com António Avelãs Nunes). Esta estrutura mantém-se até ao primeiro Governo constitucional, já mencionado, que coloca o secretário de Estado da Cultura na dependência da Presidência do Conselho de Ministros. Em 1978, no entanto, já no segundo Governo constitucional também liderado por Mário Soares, o responsável pela pasta (António Reis) volta a estar dependente do Ministério da Educação e Cultura, a par do secretário de Estado da Juventude e Desportos (Joaquim Barros de Sousa).

Esta proximidade entre Cultura, Juventude e Desporto já existiu antes em democracia e foi positiva. Mas há uma diferença substantiva na relação que estas áreas estabeleciam entre si na ação governativa no período 1974-1985 e os nossos dias. A política de apoio ao teatro após o 25 de Abril, por exemplo, é definida pela reorientação programática do Fundo de Teatro, mas também pela criação do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (o precursor do atual IPDJ), estrutura que desenvolveu um trabalho intenso de apoio logístico, financeiro e organizativo da ação teatral seja profissional ou de amadores (uma distinção que era, naquele momento histórico, pouco operativa). É comum encontrar nos arquivos das companhias de teatro independente a operar naquele período documentação do FAOJ ao lado de correspondência do Fundo de Teatro.

A par das políticas para habitação, saúde e educação, na primeira década de democracia, a relação entre ação juvenil, ação cultural e ação desportiva tinham um significado evidente de ultrapassar barreiras sociais e territoriais, de construir o país e o seu povo para a democracia e participação cívica, uma relação que se refletia na própria orgânica não só do governo como dos seus serviços orgânicos e de um programa partilhado. Mas essa relação já não existe. Nem a Direção-Geral das Artes nem o IPDJ partilham hoje qualquer programa que justifique a sua fusão num único ministério. É legítimo defender que o voltem a fazer, mas seria conveniente explicar porquê.»


1 comments:

Fenix disse...


"Há uma fusão entre Cultura, Desporto e Juventude para que política?"

O povo, que dizem alguns, é "sábio", votou em 18 de Maio "numa maioria maior".

E assim, temos os fãs dos antigos "Três Efes" a governar-nos sob a égide dos novos "FFT", a saber:

-Cultura: Fado e "Sonhos de Menino"...;
-Desporto: Futebol
-Juventude: "Tiktokers"