«Há dias, um estudo da Reuters revelou que a RTP era o órgão de comunicação em que os portugueses mais confiam, à frente de todos os outros canais, rádios e jornais. Este reconhecimento não é por acaso.
Foi um longo caminho desde que, no final do cavaquismo, a informação da RTP era percecionada como pouco isenta e bastante governamentalizada. Com a emergência dos canais privados, o país passou a conhecer televisões libertas de tutelas políticas. Entretanto, as dinâmicas comunicacionais transformaram-se e os serviços públicos de media assumiram uma relevância que era impensável. Portugal acompanhou essa tendência e hoje a RTP é vista como um espaço de informação sóbrio e rigoroso.
Depois de sucessivos programas eleitorais do PSD advogarem a privatização da estação pública, na fase final do Governo Passos, já com Poiares Maduro como ministro e perante um impasse que se arrastava, decidiu-se manter a RTP pública e criar um Conselho Geral Independente, capaz de desgovernamentalizar a empresa e protegê-la da captura política. O Governo deixou de nomear a administração, a mudança veio para ficar e, atualmente, a tutela da RTP é distante em matérias sensíveis (sei do que falo, pois tutelei a comunicação social quando fui ministro).
Hoje, a RTP pode ter problemas de audiências, dificuldades de financiamento e padece de algum anacronismo organizativo, mas é uma empresa fulcral, pelo papel regulador que desempenha, garantindo uma oferta informativa contrastante e na qual os portugueses confiam. Uma RTP independente e que pratica um jornalismo rigoroso não é, por isso, uma empresa que agrade ao poder político, que muitas vezes alimenta uma nostalgia do tempo em que os ministros da tutela articulavam alinhamentos do telejornal.
Ao longo do último ano, Montenegro não se inibiu de criticar a comunicação social, e a RTP em particular. Começou por se mostrar muito impressionado com os jornalistas que faziam perguntas “sopradas para um auricular”. Perante as primeiras notícias que levaram à exoneração do secretário de Estado que criara uma empresa imobiliária, o Observador noticiou que “no núcleo duro do Governo se suspeitava de uma estratégia concertada de alguns órgãos de comunicação social, em especial a RTP”, que revelava uma “atitude hostil”.
Em campanha, recordamos a indignação de Montenegro ao reagir a uma questão sobre a Spinumviva, acusando a RTP “de estar empenhadíssima” no caso. A pergunta fora feita por um repórter da SIC. Depois, ao contrário dos outros líderes partidários, recusou-se a dar uma entrevista ao canal público. Entretanto, no novo Governo, a comunicação social passou a estar sob tutela do ministro da Presidência – ou seja, o centro político do executivo, responsável pela comunicação do Governo, passa também a tutelar a RTP.
Esta semana, a administração da RTP decidiu demitir o diretor de Informação, António José Teixeira, entretanto substituído por Vítor Gonçalves. Declaro que sou amigo de António José Teixeira, considero Vítor Gonçalves um ótimo profissional e trabalhei com ambos. Acontece que, após a sucessão de ataques de que a RTP foi alvo, vindos diretamente do centro do poder, é um sinal errado exonerar o seu diretor de Informação.
As coisas são como são, perante este historial e na ressaca da tomada de posse de um novo Governo, esta substituição deve preocupar todos aqueles que defendem um jornalismo independente e incómodo. Afinal, vislumbra-se na decisão a concretização do desejo de Montenegro de “termos uma comunicação social mais tranquila e não tão ofegante”.»
1 comments:
"Uma RTP independente e que pratica um jornalismo rigoroso..."
Excepto quando o "brilhante" José Rodrigues dos Santos entrevista o PCP e/ou o Bloco!
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