4.4.15

A grande vitória chinesa

Salgueiro Mais morreu num 4 de Abril



Há 23 anos, e apenas com 47, deixou-nos aquele que ficou como um dos principais ícones do 25 de Abril. Nunca é demais recordá-lo, nestes tempos cinzentos e que exigem fontes de energia.

25 de Abril. Pelas 16:30, Salgueiro Maia entra no Quartel do Carmo para falar com Marcello Caetano:




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Dica (29)



Why are we sacrificing Greece for the insiders? 

«The Greeks are again being faced with a choice between their democratic mandate and their European commitment. This is pretty stark stuff. Amazingly, all the mainstream political parties have been queuing up to bash the Greek government. Why is this?
The Greek economy is broken. The society is fractured and there is a humanitarian disaster in the country, with many people surviving off food kitchens. Yet from Europe, when the Greeks need understanding and sympathy, they get threats.»
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Da hipocrisia dos vivos



José Pacheco Pereira, no Público de hoje:

«Não há tão bom revelador do que é a elite portuguesa do que a maneira como trata os mortos que entende serem “seus”. O festival de hipocrisia que avassala Portugal sempre que morre um consagrado “consensual” revela as nossas enormes fragilidades no espaço público, e uma mistura de reverência oca, de ignorância, de imenso provincianismo e de uma ritualização pobre e subdesenvolvida. E aqui os media e o poder político vivem em simbiose total.

Merecem Eusébio, Herberto Helder, Manoel de Oliveira, José Silva Lopes, as homenagens dos portugueses? Merecem sem dúvida, mesmo do “país” se o houvesse. Só que não merecem estas “homenagens” político-mediáticas que tornam cada uma destas figuras peças de cera de um museu morto, que se empacotam numa prateleira logo que termina a exploração da sua morte e venha o esquecimento.

Deixemos Eusébio que tem características especiais, uma das quais ser, nesta lista, o único conhecido pelo povo e o mais “sentido” pelo povo, em Portugal, mas principalmente em Moçambique. (...) Todos os outros são praticamente desconhecidos pela maioria dos portugueses, e se formos falar da sua obra, então são tão remotos ao comum do povo como Xenófanes de Cólofon. (...)

Se se quer ajudar as pessoas a compreender o valor de Oliveira ou Herberto Helder, ou melhor ainda, a serem “tocados” pelas suas obras, naquilo em que a criação nos muda, troco dias de mensagens, votos de pesar, funerais nacionais (e agora até a obrigação de colocar os corpos no Panteão...) e luto oficial, por medidas minimalistas que ajudem a que se conheça a poesia portuguesa ou o cinema nacional. (...)

Estas [disciplinas escolares ]atiram alunos, que nunca leram um livro, para os Maias do Eça, cujo vocabulário, metáforas, histórias mitológicas ou bíblicas desconhecem de todo, ou a aprender nomenclaturas gramaticais que são decoradas e esquecidas no dia seguinte, ou a atirar estudantes para Descartes e Kant (imaginem!) sem qualquer cultura geral seja do que for.

Querem comemorar os nossos mortos consagrados? Ajudem os vivos a percebê-los e não a colocá-los numa prateleira, receando que o que haja de subversivo na sua criação saia de lá e chegue à rua. O poder precisa de múmias e não de arte ou cultura, e, nestes dias, a indústria de mumificação está em pleno.»
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3.4.15

Passadeira vermelha para Marcelo Rebelo de Sousa




Para além de me parecer perdedora, esta candidatura de Sampaio da Nóvoa é perigosa: vêem-se já, por aí, elogios por ele não ser «político», por não estar ligado a nenhum partido, etc., etc. Como se a função de presidente da República não fosse eminentemente política e não requeresse uma profunda experiência nesse domínio – o que ele não tem. Um país não é uma Academia.

(Já nem há pés para tantos tiros!)
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Vou-me licenciar por obra e graça do Espírito Santo



Uma Redacção da Guidinha, de Luís Sttau Monteiro.

«Nestas coisas da vida uma pessoa ou tem sorte ou não tem eu cá por mim tenho de confessar que não sou das que tiveram mais sorte e tudo porque comecei a tirar a minha instruçãosita primária antes das reformas contra-reformas sugestões de reformas propostas de reformas discussões sobre reformas questões sobre reformas estudos sobre reformas esperas por reformas e o mais que há sobre reformas e o resultado deste meu azar de ter começado a ir à escola antes de tudo isto foi que tive de estudar uma data de coisas para fazer exame da primeira classe mais uma data de coisas para fazer o da segunda classe mais uma data de coisas para fazer o da terceira classe e nem digo quantas coisas para fazer o da quarta classe para verem como as coisas eram tenebrosas até tive de aprender a ler para tirar a quarta classe o que mostra como a gente era perseguida torturada e maltratada nos tempos antigos se no meu tempo já andassem estas reformas todas no ar eu tinha-me safado muito melhor para começar não tinha tido aulas durante metade do ano por causa da reforma e tinha passado para a segunda classe sem saber fazer contas de multiplicar vai na segunda classe com uns sarilhitos tinha passado para a terceira sem saber fazer contas nem de multiplicar nem de dividir e para entrar no liceu sem eles darem por isso arranjava-se uma dispensasita de exame por não saber ao certo como é que ia ser a reforma é claro que no liceu avançava da mesma maneira não tinha aulas por falta de professores não tinha aulas porque os professores faltavam não tinha aulas porque tinha de ir à cantina não tinha aulas porque os professores estavam reunidos a tratar dos interesses superiores dos alunos não tinha aulas porque os alunos estavam reunidos a tratar dos interesses superiores dos professores não tinha aulas porque os pais se reuniam a dizer que estavam a puxar de mais pelas cabeças dos filhos não tinha aulas porque havia uma grande reunião a pedir ao ministro para não haver aulas não tinha aulas porque era dia de feriado não tinha aulas porque o ministro tinha medo de mandar a gente às aulas não fosse a gente fazer-lhe barulho à porta de casa não tinha aulas porque não me apetecia ir às aulas e ninguém podia mandar-me ir com medo de que eu não fosse apesar da ordem e lá se ia a autoridade não tinha aulas porque não estava na moda haver aulas enfim o que eu quero dizer é que acabava por entrar na faculdade que é para onde eu quero ir sem ninguém perceber que eu não sabia ler nem fazer contas de multiplicar e de dividir com as coisas assim eu tenho a certeza de que chegava ao fim sem abrir um livro o que até me facilitava a vida porque se me obrigassem a abrir um livro eu estava frita por não saber ler e isso de ir às aulas era coisa que eu não fazia porque havia de arranjar maneira de lá não pôr os pés umas vezes não ia porque não havia professores outras vezes não ia porque não gostava deles outras vezes não ia porque estava à espera que fosse resolvido o problema dos transportes em Alcácer do Sal outras vezes não ia porque era dispensada de ir enquanto não viesse a reforma e outras vezes não ia porque não ia e pronto ninguém tem nada com o que faço enfim chegava ao fim do curso e davam-me um canudo todo escrito em latim e um emprego pago em dinheiro português corrente como eu gostava de ser médica porque gosto muito daqueles filmes que há na televisão com aqueles médicos bestialmente simpáticos que fazem discursos às pessoas e que as curam com palavrinhas mansas e compreensão ia para um hospital trabalhar talvez na cirurgia é claro que ao princípio matava umas pessoas para descobrir onde é que elas têm o apêndice e o fígado mas isso que importância tem neste mundo em que há gente a mais? com o tempo e com umas buscas bem organizadas acabava por saber onde é que estava o apêndice de cada um e cortava-o tão bem como se tivesse aprendido porque não há nada como o saber adquirido pela experiência eu calculo que me bastariam duzentas pessoas para ficar a operar apêndices quatrocentas para operar estômagos e umas quinhentas ou seiscentas para operar cabeças ao todo com umas mil mortesitas ficava a cirurgiar tão bem como qualquer que tivesse estudado e não tinha perdido o meu tempo em escolas faculdades e outras velharias o meu azar foi ter ido para a instrução primária antes das pessoas começarem com isto das reformas que vai haver mas não me perco por isso não senhor que não estou para ser prejudicada por coisas de que não tenho culpa nenhuma para já declaro aqui que para o ano não vou às aulas e que se me quiserem chatear vou tocar tambor em frente da casa do ministro e dar berros até ele ficar acagaçado e me dispensar com quatro valores que é o que eu costumo ter escrevendo nos pontos umas coisitas que oiço em casa e de exames nem me falem o que eu quero é uma reforma ampla e boa que não me obrigue a estudar até já ando a combinar cá com uns amigos uma reivindicação que é o ministro dar à gente o canudo logo à nascença montando um posto de entrega de canudos nas maternidades para poupar trabalho aos funcionários e para reduzir a burocracia que está cada vez pior sim porque não se entende esta exigência burocrática de a gente ter de se inscrever em escolas a que não vai para fazer exames que não faz e passar de ano quando a gente passa sem ter de fazer nada para isso neste país há a mania da burocracia.»

Luís Sttau Monteiro, in A Mosca, 22 Junho 1974.
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Votos sinceros


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A ficção do «tigre ibérico»



«No meio da pirotecnia política existente, um dos eixos da experiência laboratorial testada em Portugal nestes últimos quatro anos foi conseguida: a desvalorização interna. Isso foi feito à custa de baixar os salários de todas as formas. E de uma carga fiscal sem precedentes.

Os altos níveis de desemprego ajudariam a essa cómoda resignação de todos a ganhar menos (apesar de já serem dos que menos ganham na Europa "solidária" do euro). A ideia, claro, era tornar Portugal um "tigre ibérico", que rosnaria e ameaçaria os asiáticos no sector da exportação. O tiro foi no escuro e não se sabe onde acertou. Mas não foi aqui. (...).

Há um outro vector no modelo laboratorial desenvolvido em Portugal que é mais ideológico. Ele tem a ver com o ideal de implementação de uma sociedade de baixo custo. (...) É uma lógica de nova sociedade implementada pela globalização e pela digitalização. Vivemos o início de uma sociedade de "low cost", onde o baixo preço das coisas (e, desde logo, do trabalho), se junta à má qualidade dos produtos e à curta duração de vínculos ou amizades. (...)

Na sociedade de baixo custo, que o Governo implantou em Portugal como regedor de outros ideólogos, está a abrir uma nova zona de confrontos: a dos que contam um trabalho permanente face aos que vivem à deriva. O problema de quem implanta este sistema é que sem investimento a sério ele irá colapsar. E era conveniente a classe política portuguesa começar a reflectir sobre isso. Antes que seja tarde demais.»

Fernando Sobral

2.4.15

Dica (28)

Este já se calava, não?



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Aspectos da poesia de louvor a José Sócrates



Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje:

«O poema do primeiro hino é, à maneira de Neruda, uma canção desesperada. O peta começa por interpelar oo próprio Sócrates: "Diz-me porquê, diz-me / N´s não sabemos nada". (...)

No segundo hino, o poema conta uma história: "Era uma vez uma criança / que sonhava ver nos montes ventoinhas a rodar". O poeta leva-nos para a infância de Sócrates, um menino que, como tantos, fantasiava com a instalação de dispositivos geradores de energias alternativas. (...)

É curioso notar que este menino venceu, nas eleições, outro menino, o menino guerreiro. Portugal é uma brincadeira de crianças. Isto de alguém acabar preso é uma novidade que sobressalta.

Não admira que os poetas se agitem.»

Na íntegra AQUI.

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P.S. – Os dois hinos:






E o inesquecível menino guerreiro:


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O mestre parou



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Política Photoshop



«O Photoshop mudou tudo. Criado há 25 anos, destruiu o velho princípio do ver para crer. Durante muito tempo alterar uma foto só estava ao alcance de quem tinha poder para manipular a história.

Hoje a democratização da manipulação permite que o valor de uma foto seja tão volátil como certas acções ou obrigações. Ou certas palavras.

O Photoshop alargou-se à política, tornando-a uma espécie de máscara que se tira e põe, como um emplastro que ora dá jeito, ora não dá. Na política nacional usam-se factos como artifícios. Veja-se: Paula Teixeira da Cruz argumenta com uma taxa de reincidência de pedófilos a rondar os 80% para justificar uma lei. Na realidade parece que a taxa nem chega a 18%.

O Photoshop político serve o objectivo: cria-se uma imagem falsa para justificar uma opção tomada. (...)

Outro membro do Governo vem fazer um teledisco a apelar à vinda de 40 jovens de talento para Portugal por ano. O emplastro foi atirado para fora da foto: os 350 mil portugueses que fugiram nestes anos de sangue suor e lágrimas. Uma ministra lembra que estamos de cofres cheios e o ministro do Emprego diz que ninguém pára a recuperação económica. Lado lunar da foto: o desemprego voltou a subir para assustadores 14,1%. Ou seja, todas as imagens são adaptadas aos factos que se querem vender. O que não interessa segue o destino que Estaline reservava nas fotos aos seus inimigos: iam-se evaporando. Até ele ficar só.»

Fernando Sobral
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1.4.15

Mário Viegas morreu num dia 1 de Abril



Mário Viegas nasceu em 1948 e morreu, muito novo, em 1 de Abril de 1996.

Fundou companhias de teatro, actuou em vários países, participou em mais de quinze filmes e em duas séries televisivas inesquecíveis: «Palavras Ditas» (1984) e «Palavras Vivas» (1991).

Impossível não recordar a sua leitura do Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros:



Sempre actual o Manifesto Anti-Cavaco, lançado por Mário Viegas durante a campanha eleitoral para as legislativas de 1995, em que foi candidato independente na lista da UDP. (Candidatou-se também à Presidência da República.)



E... a nêspera, claro.


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A CNPD deve ter andado pela Cochinchina




1- A CNPD deve ter andado a actuar na Cochinchina durante as últimas décadas para só agora descobrir que a AT (e muitos outros organismo estatais) têm grande parte da sua informática dependente de empresas privadas. Uma destas – a Accenture (ex-Arthur Andersen) – está «instalada» na AT, com um grande número de técnicos, pelo menos desde os anos 80.

2-Gostava que me dissessem como é que é possível desenvolver, testar e pôr em execução aplicações sem acesso aos dados a que se destinam.

3-Também não percebo a diabolização que por aí anda dos não-funcionários públicos. São por acaso menos «virtuosos» que os ditos cujos? E ainda há novos «funcionários públicos», propriamente ditos, nos organismos em questão? Ou contratados, estagiários, etc., etc. A necessidade do controle, que a tecnologia hoje permite, é possível e igual para todos.

4-Passando para um outro domínio: ter-se-á consciência de que todos os nossos bancos (não sei se com alguma excepção) têm os seus sistemas informáticos em regime de «outsourcing»»?
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Dica (27)



Na Grécia vai chegando a 25ª hora.(Francisco Louçã) 

«O prolongamento da incerteza sobre as negociações, que serão retomadas só na próxima semana, deixa poucos dias para uma decisão. As reuniões começarão depois de 6 de abril, mas no dia 9 a Grécia tem que pagar 450 milhões ao FMI, para agravar as suas dificuldades. As horas começam a contar, já não são os dias nem as semanas. Essa tensão é uma estratégia deliberada da troika. (...)

As escolhas vão ficando mais radicais e mais difíceis. Escreve Yiannis Bournous sobre as alternativas: “se os credores continuam a asfixia da Grécia em termos de liquidez, não há nenhum dilema: não haverá outros pagamentos de juros e reembolsos pelo governo grego”. Em abril, a Grécia corre a passos largos para a sua 25ª hora.» 
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PS e o equilíbrio impossível



Um grande texto de Adelino Fortunato, no Público de hoje: 

«António Costa venceu as primárias e foi eleito no congresso do PS em pleno estado de graça. A natureza baça do seu antecessor tinha colocado o partido no impasse e sem perspectivas de descolagem em relação à coligação que suporta o Governo. (...)

Não é, certamente, um problema de falta de carisma ou de habilidade para a manobra política, como supostamente acontecia com António José Seguro. Costa provou largamente à frente da Câmara de Lisboa, ou mesmo em cargos governativos e parlamentares, ser um peso-pesado da política portuguesa. Trata-se de um mal muito mais profundo que afecta de forma letal o percurso de qualquer dirigente da área da social-democracia contemporânea — o grande envolvimento com a política neoliberal e a impossibilidade de encontrar um projecto alternativo. (...)

Eis as verdadeiras dificuldades do PS. Em tempos normais o silêncio e o ziguezague ao sabor das manchetes que vão atraindo as atenções seriam suficientes para ganhar eleições, até com maioria absoluta. Que o digam Barroso, Guterres ou Sócrates (para não falar de Cavaco) que se limitaram a aproveitar o clima de insatisfação em relação aos seus antecessores com uma vaga promessa de mudança. Mas o período que vivemos não é certamente o da “normalidade” e o da pura gestão das expectativas com o objectivo de as manipular. A fractura e a ruptura predominam nas grandes opções da vida política nacional e internacional e o PS entende-se mal com isso. (...)

A grande lição é clara. O PS só poderia aspirar a ganhar eleições com maioria absoluta se estivesse disponível para mobilizar a população portuguesa em torno de um projecto de negação consequente da austeridade, correndo todos os riscos que daí pudessem decorrer, incluindo o confronto com as instituições da União Europeia, reestruturação da dívida, saída do euro ou violação das regras do tratado orçamental. Mesmo que o resultado final não fosse necessariamente esse.

Neste sentido António Costa é um player derrotado deste jogo: as estratégias que sugere não envolvem os compromissos que poderiam assegurar credibilidade na luta contra a capitulação e a aceitação da austeridade. Esses compromissos terão de fazer o seu caminho na esquerda, no pressuposto de que a maioria da população portuguesa começa a revelar grande impaciência com a falta de uma alternativa eficaz e mobilizadora que ultrapasse o equilíbrio impossível apontado pelas sugestões mais convencionais.» (Os realces são meus.)
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31.3.15

Do medo



Leio, no Expresso on-line, que a fotografia de uma criança síria de quatro anos de mãos no ar e olhar acossado, se tornou viral nas redes sociais no passado fim de semana. Talvez também porque o que assusta a criança é, não uma arma, mas uma máquina fotográfica, “sinal de que”, escreve o jornal, “o quotidiano de pânico deixa marcas em toda uma geração”. Opinião corroborada, na mesma notícia, por uma psiquiatra infantil, Ana Vasconcelos: “É o mesmo mecanismo da história do Lobo Mau, quando, no escuro, a criança receia que esteja lá o lobo. É sinal de que se sente permanentemente ameaçada".

A notícia lembrou-me a história que me contara recentemente uma jovem lisboeta. Estivera num café com um grupo de amigos e, à saída, o empregado chamara a atenção de que um dos consumos ficara por pagar. Ela lembrava-se de ter pago, mas não guardara a factura. Surpreendeu-a, por isso, a forma imediata como outros apresentaram as suas. Curiosamente, eram os que vinham da periferia, dos chamados “bairros problemáticos”.

Talvez ela nem tivesse reparado nisso, não fora estarem ainda recentes as queixas sobre a violência policial na Amadora. Ao seu espanto, responderam: “Temos que estar sempre preparados para mostrar que não roubámos.”

É que o Lobo Mau era só na história, na floresta, na casa da avózinha – e as prisões, os espancamentos, os tiros, a morte de amigos, a perda da casa, da família, dos vizinhos, a mudança para um asilo de sem abrigo ou um campo de refugiados, esses, são reais.

Talvez se pudesse pensar em trauma, mas o termo é normalmente reservado a casos socialmente mais aceitáveis, catástrofes naturais ou provocadas, exércitos regulares, vítimas de actos de terror de grupos informais, a violência exercida pelas instituições do Estado não entra nesta contabilidade. Penso, no entanto, naquelas crianças de Santa Filomena que, saídas de manhã de casa, ao voltar da escola só encontraram escombros... E pergunto-me se não terão, também elas, reacções de medo que, um dia, quem sabe, em relação a elas ou ao menino sírio da fotografia, se transmutarão em violência, para grande surpresa e indignação de nós, os outros, os que até gostam de ser fotografados e se podem dar ao luxo de esquecer a prova de pagamento de um café.

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Dica (26)



A verdadeira lista VIP. (Mariana Mortágua)

«Em Outubro de 2014, o ministro [Aguiar Branco] foi à Colômbia. Uma semana antes, o seu escritório tinha promovido um seminário sobre oportunidades de investimento na Colômbia. Em janeiro de 2015, o ministro deslocou-se ao Peru. Três meses mais tarde, o escritório anunciava um parceiro peruano. (...)

Quando ouvir dizer que a lista VIP tem apenas quatro nomes, não acredite. A verdadeira lista VIP de Portugal tem quase 40 anos e muito mais linhas.» 
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Belisquem-me para eu acreditar que isto existe


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Regressa, Eça



Diplomatas colocados em países caros querem ser aumentados.

Eça de Queiroz, Uma Campanha Alegre
(recordado por António Russo Dias, no Facebook)

«Os diplomatas portugueses passam por agradar no estrangeiro pela sua palidez! Mas não se sabe que a sua palidez vem, não da beleza da raça peninsular, mas da fraqueza de legação mal alimentada. Onde um embaixador português mais se demora, não é diante das instituições estrangeiras com respeito, é diante das lojas de mercearia com inveja! E se eles não podem alcançar bons tratados para o País – é porque andam ocupados em arranjar mais rosbife para o estômago. Se não fossem os jantares da corte e as ceias dos bailes, a posição do diplomata português era insustentável. E ainda veremos os jornais estrangeiros, noticiarem:

“Ontem, na Rua de… caiu inanimado de fome um indivíduo bem trajado. Conduzido para uma botica próxima o infeliz revelou toda a verdade – era o embaixador português. Deram-lhe logo bifes. O desgraçado sorria, com as lágrimas nos olhos.”

Que o país atenda a esta desgraçada situação! Que tenha um movimento generoso e franco! Dê aos seus embaixadores menos títulos e mais bifes! Embora lhes diminua as atribuições, aumente-lhes ao menos a hortaliça. Eles pedem ao seu país uma coisa bem simples: não é um palácio para viver, nem um landau para passear, nem fardas, nem comendas! É carne! Que o País no número do pessoal diplomático – diminua os adidos e aumente os bois.»
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A ETAR da Fitch



«Nos seus melhores dias, a Fitch pode reciclar a sujidade dos países. Ou, se estiver maldisposta, incinerá-los em lixeiras tétricas. Acredita-se que tenha uma ETAR que transforma odores insuportáveis em perfumes encantadores.

Mas, no caso português, a Fitch tornou-se a rainha do lixo: e de lá só sairemos quando ela, na sua infinita sapiência, decidir se a nossa sujidade é biodegradável. Ou não. A Fitch também é especialista na arte da adivinhação e, por vezes, parece usar búzios de lástico para descortinar o futuro. (...)

Passos Coelho, há dias, num dos seus momentos filosóficos que ficarão para a história, disse que as agências de "rating" não farão sair o país do "lixo" antes das próximas eleições. Passando-se por oráculo, o primeiro-ministro tenta passar uma mensagem sibilina: que a Fitch e as suas colegas de ofício tirarão Portugal do "lixo" se as eleições tiverem os resultados que elas esperam. Ou seja, que o partido que ganhe mantenha a linha certa, como diriam os bolcheviques. Passos não precisa de colocar uma placa a apontar para si: ele quer dizer que, se vencer as eleições, a Fitch, magnânima, retirará Portugal da lixeira.

Os portugueses têm de ir já a correr para as mesas de voto! A política tem destas coisas: quando Passos Coelho já via a queda de Sócrates ele, e o seu fiel arauto Carlos Moedas, diziam que se Portugal mudasse de Governo o "rating" subiria como um foguetão. Não subiu: foi parar ao lixo. A acreditar nesta posição, o "rating" só mudará se o PS chegar ao Governo. Passos Coelho tropeçou nas suas próprias palavras. Ou melhor, no lixo que circula por aí.»

Fernando Sobral

30.3.15

Serviço Público



37 conteúdos sobre o 25 de Abril, disponibilizados online pela RTP. 
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Depois



Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.

Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.

Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e se é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança

se recolhem também sob
lembranças extenuadas?
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas,
e de poços, e de portas entreabertas,
e sonham no escuro
as coisas inacabadas.

Manuel António Pina, in Poesia, saudade da prosa.

Dica (25)




«The Institutions insist on further austerity and cuts and put pressure for “pension cuts, wages decreases, overhaul in labor issues.”»

Alguma surpresa???
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A Autoridade Tributária no seu melhor



Fisco penhora quatro bolos a restaurante com dívida.

Deve ser assim que enchem cofres.
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29.3.15

O que resta do franquismo



No Babelia de hoje, um texto entre vários outros, que assinala que 40 anos passaram desde  o fim da ditadura espanhola: ¿Qué queda del franquismo? 

«Como en los malos chistes, sobre el franquismo tengo una noticia buena y otra mala, ¿cuál prefieren primero? La buena noticia es que el franquismo ya es historia. Casi 40 años desde la muerte del dictador, 37 años de Constitución, el paso de varias generaciones, la muerte civil y en muchos casos biológica de los últimos franquistas confinan la dictadura al museo y al libro de Historia. Se acabó. Fin.

La mala noticia es que el fin del franquismo no significa que todas sus señas de identidad hayan desaparecido, sino que se han vuelto democráticas (de esta democracia), constitucionales (del texto de 1978). Es decir: buena parte de los agujeros que la dictadura dejó en la sociedad española (algunos de ellos anteriores a la dictadura, cierto, pero agudizados por ella) no se han corregido con la democracia. (...) Las desigualdades sociales, los desequilibrios y tensiones territoriales, la brecha con Europa en tantos indicadores, el atraso educativo, no son ya un legado de la dictadura: son el fracaso de una democracia que ha tenido cuatro décadas para corregirlos.»
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Dica (24)




«Le journaliste Paul Mason a fait une révélation effrayante sur le Channel 4. Il a révélé que la Commission Européenne par l’intermédiaire de Declan Costello, le directeur général de la direction des affaires économiques et financières et membre de l’équipe technique en charge de l’observation de la Grèce d’ « ancien » troïka, a envoyé une lettre au ministère grec des Finances en exigeant que le Parlement grec ne vote pas les projets de loi sur la crise humanitaire et sur le règlement des dettes échues envers les autorités fiscales et des fonds d’assurances, un projet de loi afin d’ aider les contribuables à régler leurs dettes en 100 mensualités. Plus précisément M. Costell indique que si les projets de loi n’étaient pas examinés par des équipes techniques de l’UE, on considérait que le gouvernement grec, qui a été élu légalement, adopte des actions unilatérales. « Faire autrement serait agir unilatéralement et de manière fragmentaire, ce qui ne serait pas cohérent avec les engagements pris, notamment à l’Eurogroupe du 20 février et il y aura des conséquences» a-t-il ajouté.

Avec ce «veto – commande – chantage» l’UE totalement soumise au dur expansionnisme allemand, elle déclare officiellement la guerre aux pauvres et aux gouvernements européens qui osent donner toute forme de soulagement aux misérables et persécutés.» 
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Elites e vergonha



Pedro Marques Lopes, no DN de hoje, a propósito da comissão de inquérito sobre o BES. 

«O lamentável espectáculo que deram alguns dos nossos principais gestores e empresários falou por si, mas houve alturas em que pareciam estar todos ao serviço de uma qualquer conspiração anticapitalista. Ninguém sabia nada do que se passava nas empresas que geriam, todos sofriam de problemas de memória com necessidade urgente de acompanhamento médico e a culpa era sempre do outro. E não estivemos perante gente qualquer, não eram propriamente empresários de vão de escada ou gestores de PME: líderes de grandes grupos, gestores premiados nacional e internacionalmente, administradores de bancos. De alguns deles recordo antigas frases eloquentes sobre o nosso destino colectivo e lamentos sobre a qualidade dos políticos. Pois nesta comissão há que elogiar os deputados que mostraram uma capacidade de trabalho, conhecimentos e uma dignidade que deveria fazer corar de vergonha a esmagadora maioria dos "grandes" gestores e empresários que lá estiveram. (...)

O que parece evidente é que temos um sério problema entre aqueles que deviam ser referências, entre aqueles que deviam por tradição, por melhor educação, por ocuparem lugares de destaque na sociedade ou por outra razão qualquer, ser verdadeiros exemplos. Entre aqueles que se convencionou, mal ou bem, apelidar de elites. E isto, infelizmente, é válido, entre outras, para as classes políticas, judiciais ou empresariais. Para piorar, a pobre e triste imagem que passam afecta os bons empresários, políticos, juízes e procuradores que ainda temos.

No fundo, serve tudo isto para dar razão àquilo que já tanta gente repetiu: o melhor que esta terra tem é o seu povo, já as elites...» 
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