«Postulado: em 2015 um PS em maioria absoluta não tinha aplicado mais de metade das medidas contra a austeridade que vieram a acontecer com a "geringonça".
Alguém tem coragem de desmentir esta afirmação?...
Lembremo-nos de que nessa época a União Europeia, o FMI, o Banco Central Europeu, o Presidente da República, as confederações patronais, os partidos da direita e os comentadores mais influentes nos media berravam em uníssono por manter a orientação geral das políticas de Pedro Passos Coelho e da troika. Admitia-se um alívio lento e a conta-gotas da austeridade, mais nada.
A pressão elitista era enorme para adiar aumentos de pensões, para impedir a subida de salário mínimo, para deter a reposição de salários na função pública - tudo medidas aplicadas em 2016, logo com o primeiro orçamento desse governo em minoria.
A própria campanha eleitoral de António Costa foi feita na base da tentativa de demonstrar que o PS, liderado por ele, era diferente do PS "despesista" de Sócrates.
Dentro do próprio PS inúmeros dirigentes destacados achavam, disseram e escreveram que as medidas impostas ao PS por Bloco, PCP e Verdes iam atirar o país para uma nova crise económica - e nem deram a mão à palmatória quando as subidas da taxa de crescimento real do PIB (dados do INE) atingiram, em 2017 e 2018, os melhores resultados de sempre desde o ano 2000.
No segundo orçamento António Costa teve de ceder a PCP e Bloco (coisa que não faria em maioria absoluta) em pontos como, por exemplo, aceitar uma maior subida do valor das pensões.
E a história repetiu-se em todos os orçamentos seguintes: aquilo que o PS elaborou em cada uma das propostas levadas ao parlamento, aquilo que aprovaria sem discussão se fosse maioria absoluta, teve alterações substanciais (houve um ano em que chegaram a ser mais de 250 mudanças à proposta de orçamento inicial) negociadas com esses partidos e também com o PAN.
Mesmo assim juntou-se à direita em inúmeras votações. Por exemplo: contra leis de trabalho propostas por PCP e BE, para impedir a redução do número de alunos por turma ou para voltar a pôr o Estado a controlar os correios.
Essa necessidade de negociação permanente moderou o ímpeto do PS para abusar do poder, como inevitavelmente aconteceria se estivesse em maioria absoluta.
Essa necessidade de negociação permanente obrigou o PS a não ser totalmente surdo às expectativas da população.
Essa necessidade de negociação permanente obrigou o PS a ser mais ponderado nas opções que tomou.
Mesmo com muitos defeitos, com terríveis incapacidades, mesmo com abusos, incoerências e derivas pateticamente autoritárias, mesmo com o exagerado e prejudicial seguidismo da Comissão Europeia, o governo minoritário PS obrigado a negociar no parlamento foi claramente melhor para o país do que teria sido um governo PS de maioria absoluta, deixado à rédea solta, entregue apenas ao tráfico de influências do poder económico, às exigências brutalizadas dos credores do país e aos humores variáveis de Bruxelas.
O mesmo aconteceria, claro, se o PSD tivesse maioria absoluta.
Um governo de maioria absoluta é, ainda, o melhor alimento para o crescimento do extremismo de direita, que se alimenta da revolta contra a escalada de corrupção (e com milhões da Europa a chegar, esse problema aguça-se) e da captura do Estado pelo partido do poder, o que sempre acontece com essas maiorias.
A "geringonça" foi uma solução governativa estável, ultrapassou uma legislatura e durou seis anos, o que é mais do que razoável. Foi mais resistente e teve menos sobressaltos políticos internos do que as coligações governamentais PSD-CDS.
Por isso, o sucesso da "geringonça" resolveu em 2015 uma questão do regime pendente desde 1976: agora é sempre possível formar governos estáveis com apoios à esquerda ou à direita, sem necessidade, para ter estabilidade governativa, de garantir maiorias absolutas. Por isso, seja qual for o próximo resultado eleitoral, nascerá daí um governo com viabilidade para uma legislatura.
É, até, bastante melhor ter governos estáveis mas pressionados no parlamento por não terem maioria do que arrogantes governos "absolutistas", autossuficientes, autocomplacentes e autistas para o país.
Postulado: eleições antecipadas não são, em si, um problema para Portugal, mas se daí resultar uma maioria absoluta, então o país defrontará uma tragédia.»
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