10.10.09

Outras maratonas eleitorais












Vem aí mais uma noite eleitoral, mas nem a panóplia tecnológica com que tudo se passa hoje me faz esquecer os bastidores das eleições na década de 70. Por motivos profissionais, estive envolvida no apuramento dos resultados das votações, e respectiva divulgação, e é certamente difícil para as novas gerações imaginarem, sequer, a dificuldade, o pioneirismo e o stress com que tudo se passava.

Para começar, depois da contagem dos votos, os resultados eram introduzidos manualmente duas vezes: primeiro, descentralizadamente (julgo que nas capitais de distrito), em aparelhos de telex que os enviavam para Lisboa; depois, numas outras máquinas que os transmitiam para o computador central do Ministério da Justiça – tudo isto demorava horas, sobretudo quando se tratava de eleições autárquicas onde o número de dados era muito mais elevado.

Nem entro na descrição da complexidade que era programar antecipadamente, de raiz, sem software «pré-fabricado», todas as validações e cálculos necessários para o apuramento, e passo para a noite eleitoral propriamente dita. Tudo se processava no centro de informática do Ministério da Justiça, de onde os resultados eram transmitidos, unicamente, para a RTP e para a Gulbenkian (onde se concentravam VIP’s e jornalistas). Aí eram visionados em sinistros terminais a verde e verde (recorde-se que ainda não tínhamos PC’s…) – depois, pelo menos nos primeiros anos, passava-se de novo ao manual ou à pura oralidade.

Nem sei quantas directas terei feito nestes três locais, mas era na RTP que se viviam as maiores emoções. Parecerá hoje impossível, mas a emissão da noite eleitoral de 25 de Abril de 1975, coordenada por Carlos Cruz, teve início às 19 horas e terminou… às 24 do dia seguinte – durou trinta horas. Não sei exactamente em que ano, Joaquim Letria dirigiu as operações, a partir do Estúdio 2 no Lumiar. Tinha atrás dele, preso a uma cortina, um gráfico de cartão, onde ia deslocando manualmente um ponteiro. O «drama» que vivi, durante toda a noite, foi passar dezenas de vezes por trás da dita cortina sem tropeçar num colossal emaranhado de cabos espalhados pelo chão nem tocar na cortina, o que nem sempre era possível – quando isso acontecia, o gráfico abanava e os espectadores viam em casa…

Poderia contar dezenas de histórias, mas resumo só mais uma. Por ocasião de umas eleições autárquicas, talvez as primeiras, no dia seguinte à tarde ainda faltavam os votos de uma freguesia do Norte. Localmente, ninguém conseguia encontrar o presidente da respectiva mesa, mas o inesperado aconteceu: ele acabou por chegar, em pessoa, ao Ministério da Justiça em Lisboa. Trazia a urna ainda fechada e tinha deixado à porta… o cavalo!

Factos como este são hoje puramente anedóticos, mas podem ser úteis para nos apercebermos de que o início desta etapa da nossa história democrática ainda está «à vista» e que trinta e cinco são, afinal, muito poucos anos.

Outros tempos, outras campanhas















Há quarenta anos, estávamos também em campanha eleitoral para as primeiras eleições em tempos de marcelismo, que alguns esperaram que fossem – mas não foram –, minimamente livres.

O Miguel Cardina desenterrou dois documentos magníficos da Legião Portuguesa, que merecem ser lidos.

Num deles, projecta-se que os CTT troquem listas nos envelopes enviados pela oposição. No outro, fala-se de uma sessão de esclarecimento da CDE em Setúbal e diz-se que há pessoal preparado para levar garrafinhas de mau cheiro «a fim de discretamente deixarem cair pelos bolsos furados das calças e serem pisadas» – para produzir mal-estar e talvez mesmo abandono da sala.

Para além do resto, a mesquinhez em forma de gente!

Bo e o Nobel da Paz











Na Noruega, já se pede a demissão do presidente do Comité Nobel que atribuiu o prémio a Obama. Thorbjoern Jagland é acusado de possível «falta de independência e credibilidade» por ter sido recentemente eleito secretário geral do Conselho da Europa.

Para além de todas as polémicas – é certo que a atribuição do prémio é uma espécie de wishful thinking -, esta revelação de Obama relativiza tudo e é absolutamente deliciosa:
«Pai, recebeste o prémio Nobel e o Bo faz anos.»

P.S. – A propósito de críticas e louvores à decisão do Comité Nobel, acabo de ver que Jerónimo de Sousa tem mais um motivo para reflexão neste dia de Sábado…

Santana Lopes e os guerreiros de Xian














Passei parte da campanha eleitoral para as legislativas de 2005 em passeio pela China.

Quase no fim da viagem, cheguei a Xian à noite, já bem tarde. Com a ameaça de poucas horas disponíveis para o sono, não liguei a televisão nem vi que a RTP Internacional figurava na ementa dos canais disponíveis.

À hora marcada para o despertar, a televisão estava programada para acender automaticamente e, por uma sofisticada gentileza tecnológica, sintonizada num canal do país de cada hóspede. Foi assim que acordei com Santana Lopes aos gritos, numa Grande Entrevista de Judite de Sousa, plasmado num enorme ecrã mesmo em frente da minha cama. Garanto que foi uma das experiências mais insólitas das minhas digressões de viajante e passaram-se alguns segundos até perceber que estava mesmo acordada, e não em pleno pesadelo, a milhares e milhares de quilómetros!

Daí a uma ou duas horas, enquanto me passeava entre estátuas de cavalos e de milhares de guerreiros, PSL não me saía da cabeça: imaginava-o a cavalo, de espada em riste, pronto a atacar a desgraçada Judite.

Alguns dias mais tarde cheguei a casa, nem sei quantas horas depois de sair de Pequim, e liguei a televisão a tempo de ver, em directo, cenas da campanha eleitoral em curso. Numa delas, perseguia-me o protagonista do meu despertador chinês. Foi então que percebi que tudo estava ligado.

9.10.09

Que sossego!


Cavaco e o Nobel da Paz

Estaline revisitado












Nos últimos dias de Agosto, foi reaberta em Moscovo a estação de metro Kurskaya-Koltsevaya, depois de obras que lhe devolveram a estrutura e o «look» originais – só uma antiga estátua de Estaline se terá perdido entretanto.

Mas foi reposta uma frase retirada de uma versão de 1944 do hino soviético: «Estaline ensinou-nos a lealdade ao povo, inspirou-nos no trabalho e nos feitos heróicos».

Curiosamente, durante a década de 50, esta frase tinha sido substituída por uma outra, de Lenine, quando se procurava contrariar o culto da personalidade de Estaline. Voltou-se agora à primeira versão – em todo o seu esplendor.

(Fonte entre outras)

Maiorias absolutas, não muito obrigada











Já estão na rua todas as sondagens relativas às votações para a CML nas eleições do próximo Domingo. Todas apontam para a vitória do PS e parece assim afastada a ameaça de termos de novo Santana Lopes à frente da autarquia – o que é uma excelente notícia não só para Lisboa como para a nossa sanidade mental.

Estará apenas em dúvida, aparentemente, se António Costa terá, ou não, a maioria absoluta. Por mim desejo que não tenha, o que estará longe de surpreender quem frequente habitualmente este blogue. No caso vertente, para uma gestão «à esquerda», tão democrática e tão transparente quanto possível, e menos dependente das políticas do governo central, considero não só benéfico como indispensável que a acção dos vereadores do PS seja «complementada» pela presença de Luís Fazenda e de Ruben de Carvalho - nem quero imaginar o que poderia ser uma vereação apenas bicromática.

Assim sendo, e como já terá ficado claro, o meu voto não irá para António Costa mas sim para o Bloco. Adianto a resposta a um argumento inevitável que sempre, mas sempre, faz renascer o fantasma do voto útil: se todos os eleitores «de esquerda» pensassem como eu, Pedro Santana Lopes seria eleito. Pois, mas não pensam…

8.10.09

Les loups
















Les loups sont entrés dans Paris

Asfixia «democrática» é isto












Fixemos este nome – Alexandr Podrabínek – porque pode acontecer que seja uma das próximas vítimas da liberdade de expressão na Rússia – ou da falta dela, mais exactamente.

Este jornalista ousou criticar veteranos defensores da antiga União Soviética, que tinham forçado um restaurante a mudar o nome de «O Antisoviético» para «O Soviético». Não foi meigo: chamou-lhes membros de «um bando de delinquentes comunistas» ao serviço da repressão.

As reacções não se fizeram esperar e um movimento juvenil ligado ao Kremlin, ao qual se juntaram deputados (entre os quais alguns do partido Rússia Unida, maioritário no parlamento), cercou agressivamente a casa de Podrabínek, tentando obrigá-lo a pedir desculpa ou a emigrar. Este acabou por receber o apoio da chefe do Conselho Presidencial para o Desenvolvimento da Sociedade Civil, ela agora também objecto de um pedido de demissão, por parte do movimento em questão.

A Nashi – é este o nome da organização – tem sido utilizada pelo Kremlin para promover este tipo de manifestações arruaceiras, depois aproveitadas para tomadas de posição políticas oficiais. Desta vez ter-se-á excedido, provavelmente pelo clima de agudização de conflitos, existente em vésperas de eleições autárquicas na Rússia, que terão lugar… no próximo Domingo, 11 de Outubro.

As coincidências ficam por aqui. Tudo isto é um pouco diferente do drama Manuela Moura Guedes, não?

(Fonte)

Stop fascismo!

















A Coordenadora Antifascista de Madrid convocou uma manifestação para o próximo Sábado, dia 10, como protesto contra a «brutal gravidade» do «crescimento contínuo das agressões fascistas» que têm tido como principais vítimas, por vezes mortais, imigrantes e indigentes.

Sabe-se entretanto que a manifestação foi proibida, alegadamente por não ter sido anunciada com a antecedência necessária e por não existirem «motivos de urgência». E acrescenta-se: «Ser fascista não é um delito». (Nem mesmo quando concretizado em actos?...)

Os organizadores mantêm a convocatória para a Puerta del Sol e declaram que a proibição é um motivo adicional para denunciarem o «fascismo arruaceiro».

Medimos talvez mal o que se passa aqui bem perto de nós. Por um lado porque os processos na evolução das nossas democracias foram bem diferentes, por outro porque «nuestros hermanos» estão bem longe da brandura dos nossos costumes – para o bem e para o mal.

7.10.09

A maioria relativa é porreira, pá!

















É impressão minha ou a quase garantida ingovernabilidade do país no caso de o PS perder a maioria absoluta, que tanto serviu para atacar quem ousava pensar o contrário, deu lugar agora, nos projectos e nas palavras dos mesmos agentes, a um quase admirável mundo novo onde se prevê que tudo corra mais ou menos na perfeição?

Afinal o PS só dependerá dos outros para 18% do que há para aprovar na AR, as oposições vão comportar-se bem porque a isso serão obrigadas, Sócrates será maleável e dialogante. Vai trocar uns ministros, juntar alguns nomes apelativos, mais independentes ou mais militantes, ainda não se percebeu - mas isto vai.

O PSD anda às voltas com a escolha de um novo líder pela 50ª vez nos últimos trinta anos, o dr. Portas continua a rir-se, o BE e a CDU estão rigorosamente iguais a si próprios e uma certa esquerda ficou com a consciência tranquila porque lançou um apelo lancinante para um Compromisso, totalmente inútil, mas... «quand même».

Ainda não se percebe muito bem o que vai na cabeça do dr. Cavaco, mas asseguram-nos que as relações entre PR e PM serão melhores do que as que deus tem com os anjos.

É mais ou menos isto que temos vindo a ouvir nos últimos dias, não é? Ora bem...

Cá se fazem, cá se ganham


Pobre Europa! Um já lá está, outro vai a caminho.
Há oposição? Sim, mas perderá - garantida e desgraçadamente.

6.10.09

Associações











Quando leio as explicações deste senhor, lembro-me logo de pensamentos de um seu antecessor.

«É a primeira vez que estou cá desde a última vez que cá estive.»

«Hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei.»

«A minha boa vontade não tem felizmente limites. Só uma coisa não poderei fazer: o impossível. E tenho verdadeiramente pena de ele não estar ao meu alcance.»

Fiel como uma sombra

É anedota mas podia não ser













Numa escola francesa, 1/9/2009:

-Mustapha El Ekhzeri?
-Présent

-Achmed El Cabul?
-Présent

-Kadir Sel Ohlmi?
-Présent

-Mohammed Endahrha?
-Présent

-Ala In Ben Oit?
(Silêncio)

-Ala In Ben Oit?
(Silêncio)

- Ala In Ben Oit?
- Sou eu, mas isso pronuncia-se «Alain Benoît».

Formigas e cigarras?


Leio em jornais espanhóis que a taxa de poupança das famílias e instituições não lucrativas foi de 24,3% no segundo trimestre deste ano (o valor mais elevado dos últimos nove anos). Como causas para este fenómeno são apontadas a diminuição do consumo e o medo de um provável agravamento da crise, bem como as crescentes dificuldades na obtenção de financiamento.

Não encontrei dados equivalentes para Portugal (segundo semestre de 2009), mas sim para Julho 2008 – Junho de 2009: a taxa de poupança terá sido, entre nós, de 8,6%.

Não sei se estou a comparar alhos com quartos de bugalhos mas a diferença parece-me tão grande que aqui fica – à espera de ajuda para compreensão mínima.

Ainda o 5 de Outubro

«Este ano, pela 1ª vez desde o 25 de Abril, houve dois 5 de Outubro - o habitual na CML, mantendo a tradição republicana, e o Presidencial, em Belém. (…)
Vieram-me à memória os 1º de Maio da CGTP e da UGT. Mas o Presidente da República não é um líder sindical e, não tendo querido falar na Praça do Município, perdeu uma boa oportunidade de ficar calado fora dela.»

José Carlos Mègre (Sublinhado meu)

Nem mais. De disparate em disparate, até?...

5.10.09

Dinastias gregas


A notícia é excelente, os socialistas do PASOK venceram as eleições na Grécia, mas sempre achei que aquilo é um país esquisito: há uma família que já vai na terceira geração de primeiros-ministros - Georges, filho de Andréas, neto de Geórgios.

Por cá, esta moda nunca pegou nem se anuncia.

O PR com os seus republicanos


Neste 5 de Outubro, Cavaco ficou a 7 kms do local onde foi proclamada a República para não interferir na campanha autárquica de Lisboa: assim, teve a certeza de que interferiu em todas.


P.S. - A ler: este texto da Fernanda.

A felicidade de Laurinda












A propósito da recente publicação de um livro de Laurinda Alves (que, vergonha das vergonhas, me passou completamente ao lado), Pedro Mexia lembra-nos algumas facetas da autora e do seu percurso.

«Se há quem veja o copo sempre meio cheio, Laurinda vê sempre o copo a transbordar, com água pelos bordos, tão cheio que é preciso dar o proverbial beijinho para que não se derrame. E ela dá. Não conheço outra pessoa que conviva com homens que operam guindastes e que frequente taxistas, como ela conta nestas croniquetas, e que não encontre uma imprecação, uma bílis que seja, uma tirada racista ou um insulto misógeno. Quando Laurinda anda de táxi, os taxistas não querem um Salazar a cada esquina mas um Dalai-Lama a cada esquina. (…)
Desde o tempo da revista Xis, uma publicação que fazia a Vida Soviética parecer uma bíblia de pessimismo, que Laurinda Alves é a pessoa mais feliz de Portugal, e insiste em comunicar isso a todos. Ela é como aquelas enfermeiras que acordam um doente para perguntar se tomou o comprimido para dormir.»

E mais não digo mas cliquem na foto ali em cima e lerão o texto na íntegra.
E viva a República, claro!

(Revista LER de Outubro, p.17. Aproveito para dizer que a revista está cada vez melhor e que este último número é absolutamente excepcional.)

4.10.09

Para ela, a cantiga foi mesmo uma arma

Morreu Mercedes Sosa.
Na TSF, é recordado o percurso da sua vida e uma vinda a Portugal.





«Há homens que lutam um dia e são bons;
Há outros que lutam um ano e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida:
Estes são imprescindíveis.»
Bertolt Brecht

Nós não somos cubanos como julga o dr. Jardim

















Segundo uma notícia do Público de hoje, os quarenta e quatro médicos cubanos, que foram contratados pelo governo português para suprirem a falta de médicos no Alentejo, ganham cerca de mil euros por mês para uma carga horária de 64 horas (40 + 24 de urgência).

Parece que o Ministério da Saúde diz que é este também o regime a que estão sujeitos os médicos portugueses (enquanto estes alegam, por exemplo, que a duração da urgência não pode exceder 12 horas) e que os cubanos podem ganhar bem mais se fizerem horas extraordinárias – para além das 64, entenda-se.

A notícia pode ser falsa, incompleta ou tendenciosa - houve tempo em que eu estava bem informada sobre estes meandros do que os nossos clínicos ganham, de facto, mas deixou de ser o caso. Mas ainda há poucos dias uma amiga, em dedicação exclusiva, é certo, e com bastantes anos de serviço, me dizia que cora quando olha para os extractos da conta bancária. Talvez os tais médicos cubanos estejam equiparados a estagiários portugueses em início de carreira ou algo de semelhante – só pode ser esse o caso.

Seja como for, a notícia do Público tem como título «Carga horária e salários de médicos cubanos "chocam" colegas portugueses». E eu bem gostaria de ler o conteúdo de uma outra: «Carga horária e salários de médicos portugueses "chocam" colegas cubanos».