Vem aí mais uma noite eleitoral, mas nem a panóplia tecnológica com que tudo se passa hoje me faz esquecer os bastidores das eleições na década de 70. Por motivos profissionais, estive envolvida no apuramento dos resultados das votações, e respectiva divulgação, e é certamente difícil para as novas gerações imaginarem, sequer, a dificuldade, o pioneirismo e o stress com que tudo se passava.
Para começar, depois da contagem dos votos, os resultados eram introduzidos manualmente duas vezes: primeiro, descentralizadamente (julgo que nas capitais de distrito), em aparelhos de telex que os enviavam para Lisboa; depois, numas outras máquinas que os transmitiam para o computador central do Ministério da Justiça – tudo isto demorava horas, sobretudo quando se tratava de eleições autárquicas onde o número de dados era muito mais elevado.
Nem entro na descrição da complexidade que era programar antecipadamente, de raiz, sem software «pré-fabricado», todas as validações e cálculos necessários para o apuramento, e passo para a noite eleitoral propriamente dita. Tudo se processava no centro de informática do Ministério da Justiça, de onde os resultados eram transmitidos, unicamente, para a RTP e para a Gulbenkian (onde se concentravam VIP’s e jornalistas). Aí eram visionados em sinistros terminais a verde e verde (recorde-se que ainda não tínhamos PC’s…) – depois, pelo menos nos primeiros anos, passava-se de novo ao manual ou à pura oralidade.
Nem sei quantas directas terei feito nestes três locais, mas era na RTP que se viviam as maiores emoções. Parecerá hoje impossível, mas a emissão da noite eleitoral de 25 de Abril de 1975, coordenada por Carlos Cruz, teve início às 19 horas e terminou… às 24 do dia seguinte – durou trinta horas. Não sei exactamente em que ano, Joaquim Letria dirigiu as operações, a partir do Estúdio 2 no Lumiar. Tinha atrás dele, preso a uma cortina, um gráfico de cartão, onde ia deslocando manualmente um ponteiro. O «drama» que vivi, durante toda a noite, foi passar dezenas de vezes por trás da dita cortina sem tropeçar num colossal emaranhado de cabos espalhados pelo chão nem tocar na cortina, o que nem sempre era possível – quando isso acontecia, o gráfico abanava e os espectadores viam em casa…
Poderia contar dezenas de histórias, mas resumo só mais uma. Por ocasião de umas eleições autárquicas, talvez as primeiras, no dia seguinte à tarde ainda faltavam os votos de uma freguesia do Norte. Localmente, ninguém conseguia encontrar o presidente da respectiva mesa, mas o inesperado aconteceu: ele acabou por chegar, em pessoa, ao Ministério da Justiça em Lisboa. Trazia a urna ainda fechada e tinha deixado à porta… o cavalo!
Factos como este são hoje puramente anedóticos, mas podem ser úteis para nos apercebermos de que o início desta etapa da nossa história democrática ainda está «à vista» e que trinta e cinco são, afinal, muito poucos anos.