17.1.15
Lido por aí (211)
@João Abel Manta
* Dívida pública. Irlanda a favor de conferência conjunta com Portugal, Grécia e Espanha (Luísa Meireles)
* En defensa de la sátira (Alberto Manguel)
. Liberdade de expressão e prisão de Dieudonné
Um ponto de vista de José Pacheco Pereira, certamente polémico, no Público de hoje:
«No “Je suis Charlie” e nas manifestações que se mobilizaram a partir dessa frase há várias coisas que não oferecem dúvidas. Há algumas minorias que não pensam assim, e que são coniventes com o terrorismo, por múltiplas razões, mas essas não estiveram lá. Entre os que estiveram lá, a luta contra o terrorismo é inequívoca. A luta contra a violência política é inequívoca. A luta pela liberdade, pela maior liberdade que se vive na nossa parte do mundo, é inequívoca. Já a luta pela liberdade de expressão parece inequívoca, mas é muito menos.
Uma semana depois, as autoridades francesas mostraram que “não são Charlie” prendendo um comediante antissemita, Dieudonné M’Bala, que entre outras barbaridades escreveu, nesse lugar onde se fazem hoje todas as asneiras, o Facebook, a frase “Je suis Charlie Coulibaly”. Coulibaly foi o terrorista que matou uma mulher polícia e um grupo de frequentadores da loja judaica, antes de ser abatido pela polícia. (...)
O que faz Dieudonné é socialmente perigoso? Penso que sim, mas também penso que o que fazia o Charlie Hebdo também o era, como comprovaram infelizmente os próprios. A defesa da liberdade de expressão faz-se exactamente aqui, na defesa do direito dos outros emitirem opiniões que me indignam, ofendem e enojam. (...)
Escritos perigosos há muitos e eu como muitos já os escrevemos. O que é que significa fazer a apologia da violência revolucionária numa sociedade democrática? O que é uma revolução? Tiros, mortos, prisões, pancada, como lembrava o velho Mao Zedong, uma revolução não é um banquete de gala. Pode-se encontrar, e eu conheço-as a todas, as argumentações para a diferenciar o apelo à violência assente numa base social e política, mesmo nacional, diferente do argumento étnico, mas nós só valorizamos essa diferença e a “sentimos” como menos perigosa porque o ímpeto revolucionário nas sociedades ocidentais não tem hoje muito significado e não mete medo a ninguém. Pelo contrário, os ódios étnicos parecem muito mais significativos e perigosos. Mas, em democracia, o apelo à violência cabe na liberdade de expressão, a não ser que se proíba milhares de pequenos escritos, jornais, panfletos. (...)
Quem foi morto? Vários jornalistas e desenhadores radicais e iconoclastas, vários polícias, um deles muçulmano e que podia perfeitamente detestar o Charlie Hebdo, e um conjunto de jovens judeus que estavam a fazer compras num loja kosher. Franceses e em França, em Paris, uma das sedes cosmopolitas do mundo “ocidental”, vivendo o modo de vida que reconhecemos como nosso, incluindo uma liberdade de expressão que vai até à blasfémia e ao nojo racista. Porque, quem não quer, não compra o Charlie Hebdo ou não vai ver os espectáculos de Dieudonné. Foi isso que foi atacado, é isso que temos de defender e implica “ser Charlie” e protestar com a prisão de Dieudonné.»
, 16.1.15
Ide e lede
João Maria de Freitas-Branco divulgou hoje, no Público, um excelente artigo – O inimigo e a resposta – que pode ser lido na íntegra por assinantes do jornal e por quem tem conta no Facebook. Quantos aos outros... não sei, talvez só com engenho e arte.
«A fé não faz do homem um ser melhor. É necessário dizê-lo com clareza: sempre que o conteúdo de uma asserção é aceite como verdade sem exigência de prova racional, instituindo o primado do irracional; sempre que a palavra de um profeta é acolhida como verdade inquestionável; sempre que se promove a crença numa entidade absoluta, numa qualquer divindade pessoal a que se atribuem qualidades absolutas; sempre que se faz acreditar em aparições, milagres e outros alegados factos sobrenaturais, abre-se a porta ao fanatismo, à acção cega, ao terror.»
, A mudança da Europa começa no Sul
Alexis Tsipras:
«El 25 de enero Grecia cerrará la puerta al pasado. La victoria de Syriza es la esperanza del cambio para el mundo del trabajo y de la cultura europeos. Desde la oscuridad de la austeridad y el autoritarismo a la luz de la democracia, la solidaridad y el desarrollo sostenible. Pero Grecia es solamente el inicio del cambio que viene por el Sur de Europa.»
Na íntegra AQUI.
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A queda de um anjo chamado Francisco
Já correram mundo as afirmações que o papa Francisco fez na viagem entre a Sri Lanka e as Filipinas. Com muito boa vontade, pode imaginar-se que o violento Sol de Colombo e arredores o perturbou (parece que isso até aconteceu...) ou que, distraído com a quantidade e imponência dos elefantes cingaleses e da selva da Taprobana, se esqueceu do mais elementar bom senso.
Ou não, ou não... «Chassez le naturel, il revient au galop» – vou muito mais por aí.
A Fernanda Câncio, responde-lhe à letra, no DN de hoje:
(Via Câmara Corporativa.)
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ASAE no seu melhor
«Esta semana soube de uma história extraordinária. Numa das zonas próximas de Lisboa que ainda têm uns restos de agricultura, uma mulher empreendedora decidiu criar o seu posto de trabalho num negócio próprio, baseado no seu talento culinário. Com recurso a produtos naturais da região, criou uma marca, com várias variedades, montou uma cozinha regulamentar e meteu mãos à obra. Pagou impostos e taxas, fez comunicação e publicidade, foi a feiras e certames e ganhou prémios de qualidade. Nas lojas da região, os seus produtos ganharam fama e começaram a ser procurados. Geraram receitas para o Estado, animaram, à sua pequena proporção, a economia local. Não recebeu subsídios, arriscou, trabalhou, divulgou, vendeu. Um dia destes entrou-lhe pela casa o Estado, vestido de ASAE, e o que encontraram para tolher as pernas à iniciativa foi uma menção num rótulo. O rótulo dos produtos tinha escrito "Best before" e, depois, a data da validade. Pois os nossos queridos agentes da ASAE mandaram suspender imediatamente todas as vendas, recolher todos os produtos e substituir "Best Before" por "Consumir antes de". O resultado disto é que desde há quase um mês que não se prepara novo produto nem se fazem vendas e se está apenas a substituir etiquetas, causando evidentes prejuízos. Os senhores da ASAE talvez pudessem ter dito alguma coisa do género "isto não é regulamentar, tem de corrigir, tem x meses (o que fosse razoável) para mudar". Mas não - tem de mudar já. Não sei se já ocorreu às almas da ASAE, que são pagas pelos contribuintes, que cada vez que tomam uma medida que pode lesar actividades económicas estão a desrespeitar quem lhes paga. Uma coisa é velar pela Lei, outra é ser cego e não olhar a meios. Assim, a ASAE não ajuda nem o país nem os contribuintes. Muito menos a economia. O Estado no seu melhor.»
Manuel Falcão
,
15.1.15
Ser ou não ser Charlie
Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje:
«A terceira fase foi a dos hipsters do Charlie. Isto de sermos Charlie foi giro no início, mas agora está muito visto. É uma solidariedade à condição, que vai diminuindo à medida que a dos outros aumenta. E essa fase abriu caminho para a última, que fechou o ciclo. Agora é cada vez mais frequente a declaração "Não sou Charlie". Jean-Marie Le Pen foi dos primeiros: "Não sou Charlie porque eles eram anarco-trotskistas e eu não sou.". Para que Le Pen se identifique com as vítimas, temos de esperar até que os terroristas matem um cartunista idiota.»
Na íntegra, AQUI.
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Lido por aí (210)
@João Abel Manta
* ¿Qué pasa en Grecia (y en España)? (Vicenç Navarro)
* El reto de Syriza y la izquierda (Alberto Garzón Espinosa)
* A boa moral não faz uma boa política (Francisco Louçã)
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Aves agoirentas contra a Grécia
Manuel Villaverde Cabral publicou ontem à noite, no Observador, um texto em que disserta sobre as várias eleições que terão lugar, na Europa, no ano que corre, a começar pelas gregas que caracteriza como uma «roleta a rolar como no casino».
É óbvio de que lado está a sua grande esperança ou não teria escrito: «E se o Syriza não ganhar ou não conseguir fazer governo? Será a deflação política do Podemos, para não falar dos minis-Podemos portugueses e, quem sabe, se o fim das próprias excentricidades do PS com a sua sistemática denegação de que há um seríssimo problema da despesa pública a resolver em Portugal rapidamente, passando por difícil que seja pelas reformas, a função pública e as empresas estatais.» Portanto, reza para que o Syriza falhe, para salvação da Espanha, de alguns tímidos avanços de alguma esquerda portuguesa e (pasme-se!) até do próprio PS!
O que MVC não percebe, nem quer vislumbrar, é que uma hipotética derrota da esquerda grega, no fim deste mês, adia e agrava o problema trágico dos gregos, mas não chega para travar batalhas futuras, certamente ainda mais duras já que a situação da país só piorará entretanto e porque a dimensão da revolta e o desejo de uma nova realidade são muito fortes. E que não deflacionará (antes pelo contrário) nenhum Podemos de outras paragens, porque aquilo que está em jogo na Europa é um novo modelo de sociedade pelo qual muitos estão dispostos a lutar – contra o actual que aí está, escancaradamente falhado.
MVC dá como título ao seu artigo «A roleta grega». Mas trata-se de um acto falhado: devia chamar-lhe «roleta russa» porque aquilo que ele deseja fortemente é que uma bala mortífera acerte no Syriza. Não terá essa sorte.
. 14.1.15
Por uma vitória da Grécia e dos povos da Europa
A catástrofe humanitária em curso na Grécia terá um ponto de viragem no dia
25. Nesse dia, se se confirmarem as sondagens que dão a vitória ao SYRIZA, as
eleições podem colocar o país, destroçado pela austeridade da troika e de
sucessivos governos neoliberais, no caminho da soberania democrática. Será um
momento decisivo para todas as pessoas que vivem na Grécia.
Também será um momento importante para quem vive em Portugal, na Irlanda e
em todas as sociedades sufocadas por uma farsa económica. Os programas de
ajustamento estrutural fabricaram sociedades divididas. Se não lutarmos contra
isto, essas sociedades entrarão num colapso definitivo e irreversível. Este não
é o único caminho. A política pertence ao domínio dos seres humanos e não ao
domínio da física.
A chantagem exercida pelas instituições europeias e pelo governo de
coligação sobre quem tem o direito de exercer o voto livremente é inaceitável,
mas tem uma vantagem: mostra-nos que temos o dever de assumir uma posição. Essa
posição é clara: só um governo de esquerda pode destruir o bloqueio da dívida e
da destruição social. O direito soberano de decidir sobre o destino colectivo
pertence a quem vive na Grécia; o dever solidário de dizer o que pensamos e
queremos pertence a quem vê estas eleições como mecanismo de desbloqueio.
Se a esquerda vencer, a dívida deixará de ser sagrada. Se a esquerda vencer,
o euro e o Tratado Orçamental deixarão de ser sagrados. Se a esquerda vencer, o
destino colectivo deixará as mãos de quem só gosta de eleições e liberdade
quando as decisões são tomadas em gabinetes fechados por peritos convencidos da
sua superioridade e oferecidas, com um laço em cima, a quem persiste numa luta
ingrata pela sobrevivência.
Esse destino colectivo voltará às mãos a que nunca deixou de pertencer: a
quem vive na Grécia. Uma vitória da esquerda significará a vitória sobre os
tabus que nos impõem a partir do eixo Bruxelas-Frankfurt-Berlim. E, se a
esquerda vencer, uma frente internacionalista unida ganhará força para
questionar as verdades adquiridas dos mercados, das finanças e da especulação.
As mesmas verdades adquiridas que nos impõem todos os dias.
Se a direita vencer, essa terá sido a decisão da maioria dos eleitores
gregos. Mas não terá sido uma decisão livre de condicionamentos. A Comissão de
Juncker não se manifesta acerca do escândalo Luxleaks, mas vai a Atenas para amedrontar
pessoas e famílias que, ao longo de anos, têm resistido ao novo europeísmo,
autoritário e gerador de miséria. O BCE de Draghi resgata bancos privados, mas
promete apertar o garrote sobre um futuro governo de esquerda. O FMI de Lagarde
reconhece não saber como ajudar a Grécia a recuperar, mas sabe que não quer a
esquerda no poder.
Estão com medo. Ainda bem. Quer dizer que, afinal, há alternativas. Sabemos
que essas alternativas podem não ir tão longe como alguns gostariam e irão mais
longe que o desejado por alguns aliados de circunstância. É bom que assim seja.
A política foi feita para definirmos, em conjunto, o nosso destino colectivo.
Não foi feita para aumentar os lucros de empresas transnacionais e fundos de
investimento. Depois destas eleições, os aliados de circunstância podem
inventar as acrobacias que quiserem: se a esquerda vencer, a dívida e o euro já
não serão ícones sagrados.
Quem vive na Grécia decidirá. Nós já decidimos de que lado estamos. Não
vamos criar nenhum movimento, nem plataforma. Somos apenas um grupo de amigos
que decidiu divulgar este pequeno texto.
Helena Romão
Joana Lopes
Luís Bernardo
Mariana Avelãs
Miguel Cardina
Nuno Bio
Rita Veloso
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Lido por aí (209)
@João Abel Manta
* “Para ser un buen conservador en España hay que ahorrar en Suiza, abortar en Londres y manifestarse en Francia”
* Wolinski: un iconoclasta libertario (Javier Coria)
* Surrealismo posterrorista (José A. Pérez)
.
Belém: o senhor que se segue
«Com o seu conhecido pessimismo, Teixeira de Pascoaes, que há décadas buscava a redenção de Portugal, escreveu em 1952: "Creio bem que o chamado futurismo, ateísmo, o tiro aos pombos, a reforma ortográfica, o futebol, etc., todas as forças dissolventes da nossa Alma, são de carácter transitório".
É certo que, passadas décadas, a nossa Alma continua sem se redimir e o futebol tornou-se a política oficial do país. Sem ele passaríamos o tempo a discutir quem será o melhor Presidente da República depois de Cavaco Silva. A acreditar na excitação reinante nos comentadores do regime o povo português já não dorme porque não sabe se António Guterres será o candidato do PS ou se Pedro Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Rio ou mesmo D. Sebastião serão os candidatos desejados pelo PSD.
A busca do candidato ideal à direita, mas também à esquerda, se António Guterres escutar o canto da sereia da ONU, vai tornar-se a novela preferida das televisões nos próximos meses. Com mais audiências do que a trama de amor e traição entre PSD e CDS ou o drama circense encenado à porta da prisão de Évora.
Acredita-se que o PR emergirá do "bloco central" e que o Governo seguirá o mesmo destino. E que, com um bocadinho de sorte, Mario Draghi passará pelas margens do Tejo pilotando um helicóptero de onde se atirará dinheiro para cima do País.»
Fernando Sobral
.
13.1.15
Caixadòclos
- Patriazinha iletrada, que sabes tu de mim?
- Que és o esticalarica que se vê.
- Público em geral, acaso o meu nome...
- Vai mas é vender banha da cobra!
- Lisboa, meu berço, tu que me conheces...
- Este é dos que fala sozinho na rua...
- Campdòrique, então, não dizes nada?
- Ai tão silvatávares que ele vem hoje!
- Rua do Jasmim, anda, diz que sim!
- É o do terceiro, nunca tem dinheiro...
- Ó Gaspar Simões, conte-lhes Você...
- Dos dois ou três nomes que o surrealismo...
- Ah, agora sim, fazem-me justiça!
- Olha o caixadóclos todo satisfeito
a ler as notícias...
Alexandre O'Neill, Feira Cabisbaixa, 1965
.
Lido por aí (208)
@João Abel Manta
* Why did the world ignore Boko Haram's Baga attacks? (Maeve Shearlaw)
* Pensar o atentado ao Charlie Hebdo (Žižek)
* Ultra-Orthodox Jewish Newspaper Edits Female World Leaders Out of Charlie Hebdo March (Tina Nguyen)
. Eles não perceberam a piada
José Vítor Malheiros, no Público de hoje. Excertos:
«Se houver um céu dos cartoonistas e se os do “Charlie Hebdo” estiverem deitados na nuvem a olhar cá para baixo, não podem ter deixado de se interrogar, ao ver as manifestações de domingo, com tantos dos políticos com quem eles gozaram a reclamar-se Charlie: “O que teremos feito mal?”. E não podem ter deixado de se perguntar isso porque Charlie nunca procurou consensos, sempre desconfiou dos consensos e sempre desafiou os consensos. Sempre foi esse o papel de Charlie e é isso que devemos a Charlie: a sua iconoclastia, a sua capacidade para nos desafiar a nós e aos outros, cruzando inúmeras vezes as fronteiras do bom gosto e do bom senso, garantindo sempre que a liberdade não ficaria refém do preconceito ou das conveniências.
Falou-se muito de humor nos últimos dias e defendeu-se muito (e bem) o direito a fazer rir, como parte da liberdade de expressão, mas “Charlie” não pretendia fazer rir. Charlie queria criticar, satirizar, ridicularizar, mostrar a hipocrisia, a ignorância, a boçalidade, a roupa suja dos poderosos dos grandes e dos pequenos poderes, denunciar o moralismo e os bem-pensantes. Denunciar com humor, porque Charlie amava a vida e queria que nos deliciássemos com ela. Charlie era pelo prazer e isso (tanto como as suas posições políticas) foi algo que nunca lhe perdoaram. Charlie fazia humor porque punha tudo em causa incluindo a si próprio e essa era (e é) a sua razão de ser. (...)
Eles não tinham percebido que as caricaturas do Charlie não eram contra o islão mas contra os idiotas e os carrascos misóginos que se reclamam do islão, como outros não tinham percebido que o Charlie não era contra os judeus ou os católicos mas contra os idiotas judeus e católicos que defendem a ignorância e a violência. Eles não perceberam que não era Maomé que Charlie queria ridicularizar, mas eles mesmos, os fanáticos, os cretinos de Kalachnikov sonhando com a erecção eterna e 72 virgens à espera. Nesse sentido, não se enganaram no alvo, mas provaram que o Charlie tinha razão e que eles eram, de facto, apenas cretinos com Kalachnikovs.»
, 12.1.15
Lido por aí (207)
@João Abel Manta
* Paris neste domingo de inverno (Francisco Louçã)
* «La fracture au sein de la société est telle que je la crois irréversible» (Nathalie Raulin, Vittorio de Filippis e Eliane Patriarca)
* «Greece cannot pay» (Costas Lapavitsas)
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Nuno Bragança, 86
O Nuno morreu com 56 anos, faria hoje mais 30 (***), mas é-me absolutamente impossível imaginá-lo com tal idade porque o «fixei» na casa dos trinta ou dos quarenta. De uma colheita anterior à minha, foi sempre reconhecido por todos como de vintage absolutamente excepcional, mesmo antes, bem antes, de A Noite e o Riso por aí aparecer com estrondo.
Retomo, em parte, o que já escrevi em tempos. Errando pelos mesmos meios oposicionistas, os destinos juntaram-nos também em casa de amigos comuns, onde passámos longas semanas de férias – nos tais anos sessenta que por cá também foram loucos, em plena Serra da Arrábida, sem electricidade e quando um gira-discos a pilhas, vindo da América, fez figura do mais sofisticado robot. Um pouco mais tarde, viria a acampar, no sentido estrito da palavra, no minúsculo apartamento em que o Nuno viveu vários anos em Paris. Confirmo o que a lenda conta: saía de casa por volta das cinco da manhã para escrever durante algumas horas, antes de iniciar mais um dia de trabalho.
Para a História ficou sobretudo o escritor e o excelente documentário U Omãi Qe Dava Pulus, de João Pinto Nogueira. Eu registo também o católico resistente, boémio e espartano, fundador de O Tempo e o Modo, membro do MAR (Movimento de Acção Revolucionária), colaborador das Brigadas Revolucionárias, o conspirador por feitio e por excelência – neste caso não tanto A Noite e o Riso, antes Directa e Square Tolstoi.
Reencontrei hoje uma velha fotografia, de um jantar colectivo, onde fiquei sentada em frente do Nuno. Metade dos que lá estavam já se foram embora e não me apetece mostrá-los. Mas devo-lhes muito do que hoje sou. Muito, mesmo.
(***) Por um acto falhado meu, achei que já estávamos em Fevereiro! Nuno Bragança só faria 86 anos de hoje a um mês... Fica o post por antecipação.
Europa: voo de Ícaro?
«Há muitos políticos europeus que poderiam ser comparados com Mr. Bean. Com uma suave diferença: Mr. Bean tem a vantagem de não necessitar de abrir a boca para nos fazer rir.
O que se está a passar com as pressões sobre os gregos poderia ser uma comédia. Mas, na realidade, está a assistir-se a uma tragédia. Caminha-se para um final triste, com a destruição ou a loucura da Zona Euro e da própria União Europeia. Fala-se, inocentemente, da Grécia como se ela fosse um abcesso fácil de extirpar. Que não deixaria sequelas no resto de uma Europa que se julga sã.
Esse discurso é escutado em Portugal com a inocência de quem gosta de estar distraído. O artigo do economista-chefe da "Economist Intelligence Unit" de há alguns dias é contundente: o ponto de ruptura está a ser atingido e, depois da Grécia, Portugal e Itália serão atingidos pelo "tsunami". Quando a Europa começa a voar sobre o vulcão da deflação parece evidente que a aspirina da austeridade total perdeu a validade. E que a pressão financeira está a atirar os países periféricos do Sul para a implosão. O Centro da Europa, incapaz de ler o verdadeiro significado do massacre no "Charlie Hebdo", não pensa nas implicações estratégicas do que se está a passar nas suas fronteiras do Sul. Bruxelas continua sem perceber que a fronteira da muralha que afasta os emigrantes de África e que é a zona de tampão face ao caos no Médio Oriente (da Síria, à Líbia e ao Iraque) é mais do que um problema financeiro. A Europa ou quer ser um todo, ou não será. E parece não querer ser. A ruptura entre o Sul e o Norte é cada vez mais visível: com austeridade e sem empregos para distribuir o sistema político italiano está à beira da explosão final. O desemprego dos jovens é já de 43,9% (face a um total de 13,4%). Da depressão ao colapso social há apenas um fugaz voo de Ícaro. Como contraste, na Alemanha o desemprego caiu para 5%. É preciso mais evidências para se perceber que esta união monetária é inviável e está à beira do abismo? Porque as sociedades não vão conseguir aguentar.»
Fernando Sobral
.
11.1.15
Paris – «mixed feelings»
Não acompanhei as televisões na cobertura de toda a manifestação de Paris, esta tarde, mas vi o suficiente para não me sentir confortável.
Pareceu-me, sem dúvida e antes de mais, uma gigantesca acção de marketing, uma tentativa de «resolver» por um grande impacto uma questão muito complexa que ninguém sabe, verdadeiramente, como pode e deve ser abordada. A presença de dezenas de responsáveis políticos, sobretudo europeus, não mudará o dia de amanhã, por mais decisões, administrativas e autoritárias, que sejam tomadas.
A Europa está tão impotente para se defender de ataques terríveis, como aquele a que agora reagimos, para viver o quotidiano com a complexidade das comunidades que a compõem, como para lutar contra a prepotência dos mercados ou para manter o estado social que com tanto esforço conseguiu construir durante décadas.
Quero com isto dizer que nada tem mérito, que não iria, hoje, para as ruas de Paris? Teria lá estado, certamente. Que alinho com os talibãs cá do sítio, que não se cansam de proclamar que tudo isto é fruto do imperialismo capitalista, ou mesmo que «a comoção burguesa é selectiva e de classe, não é para todos. Comove a burguesia o facto do crime ser em Paris»? (Poupem-me...) Nem pouco mais ou menos, obviamente. Apenas que o futuro próximo será muito duro e complicado e que não vale a pena tentar tapar o Sol com triunfalismos e com a peneira – mesmo que esta se materialize em marchas de alguns (poucos) milhões de pessoas.
. Lido por aí (206)
@João Abel Manta
* «La France frappée au cœur de sa nature laïque et de sa liberté» (Edgar Morin)
* 1143 (Francisco Louçã)
* Why Greece Needs Syriza to Win (Philippe Legrain)
,
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