2.5.20

Carta aberta e esperançosa às gerações mais velhas


«Espero que sejamos capazes de tratar-vos como iguais, usando de compaixão, mas não de condescendência. Isso significa termos consciência de que entre vós estão muitas pessoas que contribuíram para as profundas desigualdades sociais e a precariedade laboral com que ainda se debate a nossa sociedade, flagelos como a violência doméstica e o racismo sistémico, ou a crise climática em que está mergulhado o planeta. No entanto, entre vós estão também as pessoas que construíram a democracia em que vivemos; que conquistaram a liberdade de que agora beneficiamos; que foram perseguidas, presas e torturadas pela ditadura fascista em nome dos direitos que hoje nos são garantidos; que construíram o Sistema Nacional de Saúde que hoje vem em nosso socorro; que se bateram pela igualdade e pela justiça; que pesquisaram e puseram a ciência ao serviço do nosso bem-estar; que trabalharam a terra e desenvolveram as indústrias; que criaram as obras artísticas a que hoje chamamos o nosso património cultural; que se sacrificaram, com um sorriso, em nome das gerações futuras, migrando, trabalhando, educando, pesquisando, semeando, defendendo, criando, cuidando de um futuro que agora é o nosso presente. Estar na vossa presença é estar em face da substância das pessoas e do povo que somos. Devíamos cuidar melhor do que fizeram por nós.»
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Diálogos de presidentes…



Ena, muito mais do que um tweet! E merece vir na Página Oficial da Presidência? Acontece sempre que um presidente de qualquer país liga para Belém? Ou é «uma honra» especial quando se trata de Trump?
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A sociedade zombie



«Toda a gente gosta de dar o seu contributo para a crise, de preferência ganhando algum com isso. Toda a gente tem uma ideia, uma ideia salvífica ou uma ideia catástrofe. A ideia mais útil neste momento, em que mal entrámos na crise — e a palavra crise foi tão gasta que está desvalorizada e pode ser aplicada a tudo, desde a crise existencial à crise sistémica —, é a de que da próxima vez será pior. Os especialistas do cataclismo avisam que isto não é nada, um nadinha, e que a próxima pandemia, outra palavra a perder valor na bolsa lexical, será pior, muito pior. Virá da China, como todas as pandemias, será mais mortal e mais devastadora do que esta, matará mais e será o resultado não do morcego e do pangolim ou de outros animais exóticos que se queiram juntar ao âmago do problema mas sim do modo como tratamos a Natureza. A Natureza seria, portanto, uma entidade orgânica unívoca, com um comportamento semelhante ao humano e que pratica e conhece os estados da vingança e da retribuição. A Natureza parece-se muito com uma mulher lívida de raiva, nesta leitura dominante.

Na próxima pandemia, teremos variações extremas da febre hemorrágica, assim entre o ébola e o Marburg, e os coronas descem de posto. Do lado desta extensa família de vírus, mais antiga do que a família humana e muito mais numerosa, a despromoção poderá não ser bem recebida, pelo que não é de excluir que se vinguem e que tenhamos em cima de uma pandemia pior do que esta outra pandemia mais ou menos parecida com esta. Estas distopias não servem para ganhar dinheiro, a não ser transformadas em livros ou em filmes catástrofes, e, como de filmes estamos parados, os livros são uma boa ideia. Devido à crise do livro, tais teorias esdrúxulas são oferecidas gratuitamente nas redes e distribuídas por todos os espíritos crédulos, que em vez de resolverem o problema que têm gostam de conhecer os problemas que não têm.

Nos especialistas do apocalipse contam-se vários cientistas, um grupo social muito sobrevalorizado, onde florescem os cientistas malucos. A caricatura do cientista maluco deslizou por vários filmes e livros de paupérrima ficção e atingiu o seu esplendor nos vilões do James Bond. É uma figura da banda desenhada, agora recuperada para a virologia e a futurologia. De todas as teorias malucas, a mais fácil e logo adquirida pelos ecologistas malucos é a de que a espécie humana é um vírus do planeta e que o planeta, ou a Terra, a tal Terra vingativa e feminina, está a eliminá-lo com doses maciças de viroses, lixívia do Trump e remédios para a malária. Para estes, a Terra sem humanos é um paraíso. Creio que ninguém perguntou aos dinossauros a opinião, um contributo bem-vindo, se os pudéssemos ressuscitar. Coisa que os chineses, com as suas pesquisas laboratoriais avançadas e seguríssimas e as suas clonagens de humanos, decerto poderão fazer no futuro, como espécie dominante.

Convém avisar que o melhor livro sobre pandemias assustadoras acaba de ser publicado e é de Lawrence Wright, o autor do melhor livro sobre o 11 de Setembro e a Al-Qaeda do Osama, “A Torre do Desassossego”. Wright tem a particularidade de escrever livros sobre catástrofes pendentes e que são publicados quando as catástrofes deixam de ser pendentes. Escrevendo habitualmente para a “New Yorker”, Wright é uma voz com autoridade sobre factos e a prudência de os colocar antes dos argumentos. O que quer dizer que é um ótimo jornalista de investigação. Este “The End of October”, saído nos Estados Unidos, traz-nos mais uma febre hemorrágica, Wright estava a pensar no ébola e não no corona. Tendo investigado os vírus de fio a pavio, incluindo os SARS, de que a covid faz parte, conclui para nosso desassossego que os vírus vieram para ficar e que existem mais vírus do que estrelas nas galáxias. São muitos, só os morcegos albergam milhões, mais do que os nossos sete biliões. O que espanta não é que tenhamos uma pandemia, é como é que não tivemos uma pandemia por mês. Mistérios da Natureza.

Falando de coisas mais práticas, uma ideia que faz caminho é a da sociedade em plexiglass. Parece que a grande solução para o desconfinamento seria a introdução do plexiglass nas nossas vidas. Quem investir em plexiglass fica rico, esqueçam as apps e as startups. Esta é a manufatura futura. Comecemos pelos restaurantes. Toda a gente sabe que a alegria do restaurante, aquilo a que chamamos o ambiente, é uma das suas qualidades. A comida pode ser boa, mas um restaurante vazio e silencioso, onde os criados espiam o menor gesto e ouvem as conversas, é de evitar. Mesmo um Michelin estrelado. Vai-se ao restaurante para conversar, comer, conversar mais, beber. A chamada convivialidade, uma das palavras mais recentes e mais usadas, uma das palavras mais horríveis, é a base da ida ao restaurante. Imagine que para ir ao restaurante tem de usar luvas, máscara e botas de plástico, tem de ser testado com um termómetro, tem de ser borrifado com desinfetante e untado com gel, tem de ficar a milhas das outras mesas, tem de encomendar por linguagem gestual, usando menos perdigotos infecciosos, visto que o criado está a dois metros da mesa, e tem — aqui entra a ideia luminosa — de ficar separado dos outros comensais, incluindo os seus, por um plexiglass.

É verdade, um separador de plexiglass proteger-nos-á do corona e fará com que possamos jantar e almoçar à vontade, do nosso lado do acrílico, autorizando-nos a falar com a boca cheia. Claro que a ideia da sobremesa partilhada fica posta de parte, e sabe Deus como esta ideia vingou desde o assassínio do açúcar, e a ideia de uma ‘vaquinha’, um prato a meias, também. Para os casais felizes que apenas puxam do telemóvel e não dizem uma palavra durante a refeição, enquanto falam com os amigos no Facebook e fotografam a comida para o Instagram, a introdução do plexiglass não prejudicará. Para todos os outros, as pessoas normais, olhem, habituem-se. Deixarão também de ir ao restaurante, e de andar de avião, onde o plexiglass separará os assentos, as crianças e os velhos. As crianças porque são assintomáticas, sobrevivem e são perigosas para os adultos. E os velhos porque são doentes facilmente infetados e são um perigo para toda a gente, além de serem uma custosa maçada. Os velhos ficam confinados, e as crianças, que lidam mal com o plexiglass, logo se vê. Pode ser que inventem o restaurante com creche acoplada. Ora, o preço do bitoque e do arroz de marisco, do flan e da mousse caseira, não vai ser o mesmo. Vai custar mais do que andar de avião, para compensar os custos da proteção. Os hospitais privados já começaram a tributar-nos a dita.

Não podemos pôr de lado estas duas boas ideias, a da pandemia pior e a do plexiglass, porque na sociedade zombie onde vamos viver é assim que vai ficar tudo bem.»

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Multiplicam-se as iniciativas



«Os Chapim começaram por ser um trio, um local de encontro, mas hoje já não sabemos ao certo quantos somos.
Ao longo de vários anos, dezenas de amigos partilharam connosco a voz ou o instrumento, enriquecendo os nossos concertos, musical e afectivamente.
Nesta altura, em que não é possível juntarmo-nos em palco, convidámo-los, uma vez mais, a juntarem-se a nós. Generosamente, os nossos tantos amigos aceitaram e este é o resultado. A todos eles e aos que não puderam participar, obrigado.
“Tanto mar”, um tema de Chico Buarque composto a propósito do 25 de Abril de 1974, volta hoje, 46 anos depois, a ser uma uma ponte entre o Brasil e Portugal. Mandamos daqui um cheirinho a alecrim.»
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1.5.20

A nossa sina...



Expresso, 01.05.2020
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Leitura útil



«A diferença fundamental é que em estado de calamidade (ou em qualquer outro previsto na Lei de Bases da Protecção Civil ou da Saúde) não se podem suspender direitos constitucionais, mas apenas restringi-los, de forma bem fundamentada e delimitada no tempo e no espaço. (…)

Perguntámos ao gabinete da Provedora de Justiça se é aplicável o crime de desobediência a quem não cumprir as determinações do estado de calamidade. A resposta é clara: “Qualquer cidadão que viole uma ordem legítima de uma entidade competente, feita no âmbito da situação de calamidade, pode incorrer na prática de um crime de desobediência com a moldura penal agravada em um terço, ou seja, a punição poderá ir até 1 ano e 4 meses de pena de prisão ou até 160 dias de pena de multa.” Mas isto apenas em caso de ordens legítimas: “Se estiver em causa uma ordem ilegítima - como seria o caso se tal ordem implicasse a violação de algum direito, liberdade e garantia -, o tribunal de julgamento iria ter isso em consideração e não daria como preenchidos os pressupostos da prática do crime”.»
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01.05.1973 - Uma «despedida» do 1º de Maio em ditadura



Às 2:50 minutos do 1º de Maio de 1973, as Brigadas Revolucionárias executaram uma das suas acções mais espectaculares, da qual resultou a destruição de dois andares do Ministério das Corporações (actual Ministério do Trabalho e da Segurança Social), na Praça de Londres em Lisboa.

Explicaram mais tarde em comunicado (que pode ser lido AQUI, na íntegra): «O Ministério das Corporações é, por um lado, o instrumento mais directo dos patrões portugueses e estrangeiros, que através dele fixam as condições de trabalho do proletariado – salários, horários – enfim, exploração e repressão (…); e, por outro, um instrumento de exploração directa dos trabalhadores, através da Previdência (…) que fornece serviços de Saúde e Previdência miseráveis.»

Durante a tarde, foram recebidos telefonemas com falsos alertas de bomba em várias grandes empresas de Lisboa. Veio a saber-se depois que se tratara também de uma iniciativa ligada às Brigadas Revolucionárias, cujo objectivo era «libertar» mais cedo os trabalhadores para que pudessem participar na manifestação.

Facto demasiado grave e espectacular para que a censura o silenciasse, foi noticiado nos meios de comunicação social e objecto de todas as conversas, num dia em que se preparavam manifestações proibidíssimas, precedidas por largas dezenas de detenções, como a CNSPP (Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos), de 09.05.1973 veio a relatar:

«Tem-se verificado, nas últimas semanas, um acentuado agravamento da repressão política no nosso país: com o pretexto de impedir quaisquer manifestações públicas por ocasião do 1.º de Maio, procedeu a Direcção-Geral de Segurança à prisão indiscriminada de um elevado número de pessoas, em várias localidades e pertencendo aos mais diversos sectores de actividade profissional. Só durante o período que decorreu de 7 de Abril a 7 de Maio tem a CNSPP conhecimento de terem sido presas 91 pessoas, cujos elementos de identificação se possuem já. Sabe-se, no entanto, que muitas outras dezenas de pessoas foram detidas (...)
As forças policiais desencadearam, nos primeiros dias deste mês, uma desusada onda de violência. No 1.° de Maio, as zonas centrais da cidade de Lisboa e Porto foram teatro de grandes concentrações por parte das forças das diversas corporações policias e parapoliciais (com agentes fardados e à paisana). No Rossio e em toda a área circundante essa presença não se limitou ao papel de intimidação ou de repressão, mas adquiriu características de verdadeira agressão: espancamentos brutais e indiscriminados, grande número de feridos, dezenas de prisões. Dessa agressão, foram vítimas muitos trabalhadores, assim como estudantes e outras pessoas que se limitavam a passar pelo local».
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No dia em que o futuro não tinha impossíveis



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30.4.20

Velhos? Já está!


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30.04.1975 – O fim da Guerra do Vietname



No dia 30 de Abril de 1975, a rendição de Saigão (actual Ho Chi Minh) pôs fim à Guerra do Vietname que durou quase duas décadas e se saldou, como se sabe, por uma estrondosa derrota dos norte-americanos.

Foi motivo para grandes contestações enquanto durou, despertou para a política toda uma geração, nos Estados Unidos e não só, esteve na origem de protestos um pouco por toda a parte. Até em Portugal, em tempos de fascismo e apesar de proibidas, tiveram lugar pelo menos duas manifestações em Lisboa, em 1968 e em 1970. Quem lá esteve lembra-se certamente da polícia a pé e a cavalo, na Duque de Loulé (era lá que se situava então a Embaixada dos EUA), a dispersar tudo e todos à bastonada. Mas confesso que só interiorizei verdadeiramente a dimensão do que foi o conflito em questão quando estive no Vietname.

Nunca esquecerei o War Remnants Museum, um dos mais terríveis que conheço, onde se encontram muitas imagens, instrumentos de tortura e outros pavorosos testemunhos da ferocidade de que o homem foi e é capaz. Foi muito difícil percorrê-lo depois de ter visitado Cu Chi, «Terra de ferro, cidadela de bronze», como se autodenomina, localidade a 60 quilómetros a Noroeste de Ho Chi Minh, que se orgulha de ter contribuído de um modo muito especial para a vitória da «Guerra anti-Yankees». É lá que se encontram 200 quilómetros de túneis que serviram de vias de comunicação, de esconderijo, de hospitais, e até de salas de parto, para os resistentes vietnamitas. Se tinha lido varias descrições, o que vi toca os limites do inacreditável.

E, para além de tudo isto, é quase impossível perceber como é que os americanos alguma vez acreditaram que podiam ganhar aquela guerra, apesar dos dois milhões de mortos que ficaram para trás.

Dois vídeos, um sobre o Museu, outro sobre os túneis de Cu Chi:






O lado rosa da crise



Com os habitantes de Bombaim recolhidos em casa, os flamingos preencheram os espaços. Quase inimaginável.
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O regresso é que nos testa



«O regresso lento à normalidade possível está a deixar muita gente nervosa e é compreensível. Uma coisa é obrigar as pessoas a ficarem em casa, outra, bastante diferente, é regular o seu comportamento com mais liberdade. No primeiro caso, a determinação e a repressão, quando necessária, chegam. No segundo, é a regulação e a autorregulação que contam. E isso implica que as pessoas cumpram regras para não pôr os outros em perigo e que outras controlem o seu medo, não transformando o seu direito à saúde numa carta branca para limitações abusivas às liberdades alheias. Um equilíbrio difícil.

A fase do confinamento foi um teste à nossa força de vontade e também ao nosso instinto de sobrevivência – é bom não esquecer que a disciplina da reclusão foi muito determinada pelas imagens de Itália e Espanha. A fase que se segue é um teste às capacidades de regulação de uma sociedade livre. Isto poderia ser uma metáfora: o primeiro momento testa as capacidades de uma ditadura eficaz, o segundo as de uma democracia avançada. O primeiro exige medo e força, o segundo civismo e democracia. Por isso, todos os elogios rasgados que temos dedicado a nós próprios devem ser guardados para a fase seguinte.

Mais do que nos critérios epidemiológicos e até económicos, são os critérios sociais que me parecem estar a falhar nos planos de reabertura. Passando ao lado da ideia de ter medidas diferentes para regiões mais ou menos afetadas ou de fazer os trabalhadores mais jovens, que correm menos risco, regressarem primeiro ao trabalho – propostas de grande melindre político –, concordo com a ideia de se definirem grupos de risco social, proposta por um grupo de especialistas da Universidade Nova.

A prioridade social falhou no calendário para a reabertura das escolas. Apesar de ter apresentado alguns argumentos válidos, o secretário de Estado da Educação, João Costa, não me convenceu das vantagens de começar pelos alunos do 11º e 12º ano. Continuo a achar que se deveria ter começado, como a maioria dos países europeus, pelos escalões mais novos. E talvez, como estes especialistas também defendem, por uma reabertura parcial para alunos em risco de insucesso. Parece-me que o Governo deu prioridade ao acesso à Universidade, prejudicando os pais que têm de regressar ao trabalho e quem está mais desamparado neste momento: as crianças mais pobres nas fase iniciais de aprendizagem, para quem estes meses valem muito.

De tudo o que terá de ser regulado, uma das fases mais longínquas é a que provoca maior stress: o acesso às praias, apesar de serem ao ar livre. Isto porque parece haver, e bem, um consenso político para não ceder a várias propostas de cortes de férias, semelhantes a países que não têm no turismo um elemento central da sua economia. Seria bom não começarmos já a fazer o que se fez em 2011, tomando medidas que terão como único efeito afundar mais depressa a nossa economia. Sem turistas estrangeiros, imaginem o que aconteceria às empresas responsáveis por 14% do nosso PIB se não fôssemos de férias. Só espero que os critérios para os limites de entrada nas praias não resultem na sua privatização de facto, já parcialmente conseguida tendo como expediente os parques de estacionamento. Também aqui se esperam critérios sociais.

Para que isto funcione e as pessoas cumpram a sua parte, é fundamental que o Estado lhes dê condições para isso. E as primeiras prioridades parecem-me ser os lares e os transportes públicos. Sabendo que os lares têm correspondido, em todo o lado, aos principais e mais perigosos focos de contágio, e tendo em conta o dinheiro que está a ser gasto, não há medidas demasiado caras para resolver este problema, quando os hotéis vão continuar às moscas. Quanto aos transportes, é preciso que garantam segurança. A começar pelos que servem as periferias. Estes são tempos em que testamos muitas coisas na nossa sociedade. Péssimos para tudo, excelentes para nos conhecermos.»

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29.4.20

Lisboa ainda



Lisboa não tem beijos nem abraços
Sem risos ou esplanadas
Sem passos
nem meninas e meninos de mãos dadas
tem quadrados cheios de ninguém
Ainda há sol mas não existe nem a gaivota da Amália nem canoa
sem restaurantes, sem bares, sem cinemas
ainda é fado, ainda são poemas
fechado dentro de si mesmo ainda é Lisboa cidade aberta
Lisboa ainda é uma pessoa feliz e triste
e em todas as ruas desertas
ainda resiste.

Manuel Alegre, 20.03.2020
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Lituânia. E Portugal?




«Lithuania’s capital, Vilnius, has announced plans to turn the city into a vast open-air cafe by giving over much of its public space to hard-hit bar and restaurant owners so they can put their tables outdoors and still observe physical distancing rules.»

Cá está uma bela sugestão para Portugal que tem um clima bem mais simpático do que Vilnius.
Será que já se percebeu que o que vai acontecer, por cá, a quase todos os pequenos restaurantes e tascas, obrigados a reduzir drasticamente o número de clientes? The end, num grande número de casos.
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America First


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Vamos conviver com a desigualdade exposta pela covid-19?



«Não estou no grupo dos crentes da transformação da natureza humana com esta pandemia que nos assola. E, no entanto, a verdade é que alguma coisa terá de mudar, nem que seja para ficar mais ou menos na mesma. Porque a covid-19 expos uma desigualdade com que sociedades decentes não devem conviver resignadas. O coronavírus não é um vírus democrata nem igualitário. Explora debilidades físicas crónicas dos infetados, e também explora doenças financeiras pré-existentes.

A covid-19 fez-nos o favor de expor que mata e contagia preferencialmente pessoas pobres. É um novo episódio da velha realidade circular conhecida: a desigualdade impacta para pior a saúde dos que estão na base da pirâmide, e um pior estado de saúde gera menor produtividade e maior desigualdade. É um novo degrau que, para mim, acentua a urgência de se corrigir o cisma social e económico para que os políticos olham risonhos e tranquilos. Se não, talvez não se esperem hordas de bárbaros, mas de certeza movimentos anticapitalistas cada vez mais vocais e ferozes.

O meu coração não pende para ir protestar para as ruas pela abolição do capitalismo, como setores crescentes pedem. Mas tenho noção de que o capitalismo está num ponto desregrado que beneficia muito uns poucos, deixando na mesma uma imensidão de gente. Há um espírito ‘winner takes all’ nos mercados atuais que põe em perigo os próprios mercados. Não tendo um curso superior – um dos grandes diferenciadores culturais e económicos atualmente –, é fácil ficar armadilhado em trabalhos que se tornaram muito mal pagos. E as diferenças de rendimento não se traduzem só em férias glamourosas ou passadas no sofá de casa sem dinheiro para sair, mas também em anos de vida com saúde, e na singela probabilidade de continuar vivo ou não.

A organização dos mercados não é um determinismo divino, resulta de legislação e regulação. A liberalização foi benéfica quando era o estatismo que se tornava um peso-morto. Houve criatividade e inovação, tiraram-se centenas de milhão de pessoas da pobreza com a globalização.

Porém, estamos no lado oposto do pêndulo. E temos de ter noção de que as pessoas não continuarão a viver em condições de mera subsistência para dar avultados ganhos a outros. Ressentimentos destes são matéria de revoluções. Ou contamos que estejam demasiado doentes para se revoltarem?

Vejamos o estado da arte exposto pela covid-19. Nos países onde os dados são fornecidos desagregados, como os Estados Unidos, vê-se que o coronavírus proporcionalmente contagia mais e mata mais nas minorias negra e latina e nos códigos postais onde vive maior percentagem de pobres. Em Nova Iorque, a taxa de mortos negros e latinos é o dobro da de brancos e asiáticos. Em Los Angeles, os infetados por covid-19 residentes em zonas pobres têm uma probabilidade de morrer que é três vezes a das zonas sem pobreza.

Pobres, para começar, têm menor acesso a cuidados de saúde, hábitos alimentares e de vida menos saudáveis. Maior probabilidade de sofrer doenças crónicas e mais cedo. Nos Estados Unidos, sabemos bem, os cuidados de saúde são próprios de uma distopia. Em Portugal e na Europa temos sistemas de saúde mais compassivos, mas ainda assim se notam diferenças conforme o rendimento. Dos dois lados do Atlântico um estudo concluiu, no ano passado, que os ricos tinham expetativa de mais nove anos de vida saudável que os pobres, com dados de EUA e Reino Unido. Naquelas idades de fim de vida quando a covid tem mais impacto, portanto.

Os mais pobres têm mais trabalhos que obriguem à presença no local e ao contacto com grande número de pessoas: fábricas, supermercados, limpezas, transporte e distribuição. O teletrabalho não é um luxo que lhes assiste. Dependem dos transportes públicos, onde há ajuntamentos de pessoas. Vivem em casas mais pequenas – o que não é despiciendo: por cá, 30% dos contágios aconteceram em coabitação. Faz diferença ter casas com várias casas de banho, ou só uma, quartos individuais, espaço para alguém doente estar confinado sem contactar demasiado com os familiares.

Não tenho dados para Portugal – que preferimos nunca saber demasiado para não chocarmos as nossas almas sensíveis. Mas não há razão para escaparmos a esta desigualdade. Desde logo porque reforça algo que já se verificava. O relatório Health At a Glance de 2019 da OCDE mostra que, por cá, mulheres e homens com educação superior vivem mais 2,8 e 5,6 anos, respetivamente, que quem não terminou a educação secundária.

Os lares também nos dão um vislumbre destes números nas vidas reais. 40% dos mortos portugueses por covid são idosos que estão em lares. É a idade, sim. E muitos estão em lares e residências sénior por questões de assistência médica e de cuidados quotidianos, bem tratados. No entanto, permanece a diferença para quem mantém autonomia, está na sua casa ou na de filhos e netos, porventura com ajuda geriátrica paga, resguardado do contágio provável num lar.

Estas linhas são sobretudo de alerta, mas deixo duas sugestões de atuação. A primeira, essencial para os próximos tempos: não encolher prestações sociais para os mais pobres. O stress de viver na pobreza é equivalente a perder 13 pontos no QI, originando más decisões de vida, incluindo quanto a maus hábitos de saúde – e entra-se no círculo viciado. Ter um rendimento assegurado é um alívio que permite respirar – e pensar – melhor. Estar descansado que se consegue alimentar os filhos resulta em menores necessidades de fumar ou de ingerir bebidas alcoólicas. Poder comprar melhores alimentos é mais saudável que ingerir quilos de gomas. As prestações sociais são, entre outras coisas, prevenção de gastos futuros nos sistemas de saúde.

Outra. Atentem à concentração dos ganhos dos novos negócios em muito poucas pessoas. Desde as plataformas digitais que enriquecem multimilionários à conta de conteúdos e trabalhos produzidos por terceiros a quem recompensam nada ou pouco. À Amazon que, em tempos de covid-19, quando o mundo passou a comprar só online e faturou milhões, aumentou nos armazéns o ordenado dos seus mal pagos trabalhadores (mas essenciais para o estado do mundo em 2020) dois dólares por hora – é a loucura. E um quilométrico etc. de exemplos. Está na hora de os países europeus e a União Europeia legislarem uma maior repartição dos ganhos que são produzidos por todos mas agora beneficiam sobretudo só alguns.»

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28.4.20

Ler ou ouvir constitucionalistas (3)



«O estado de calamidade não foi desenhado para ser implementado a nível nacional e no contexto de uma pandemia. Ou seja, a imposição do estado de calamidade definido pela lei de bases da Proteção Civil pode levantar problemas de constitucionalidade para fechar fronteiras, limitar o número de pessoas presentes num restaurante, num cinema ou num espaço público, para impor o confinamento domiciliário de uma parte da população (as pessoas com mais de 70 anos, por exemplo) ou até mesmo para obrigar uma determinada distância social numa praia.

No limite, a situação de calamidade pode não ter força suficiente para impor que os cidadãos fiquem em casa, o que fará com que Governo só possa fazer uma recomendação. A consequência é óbvia: ninguém poderá ser sancionado por não acatar essa recomendação.»
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Ler ou ouvir constitucionalistas (2)


Jorge Bacelar Gouveia AQUI.
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Ler ou ouvir constitucionalistas (1)


1. Contra a minha norma de conduta no Causa Nossa, em que procuro sempre abstrair dos meus interesses pessoais na defesa de causas públicas (e tenho dado inúmeras provas disso), este post assume declaradamente a defesa de um interesse coletivo a que não sou pessoalmente alheio.
Feita esta declaração de interesses, vamos ao assunto, que consiste no seguinte: não compartilho do aparente consenso de que o alívio da situação de confinamento social e o regresso a uma "normalidade condicionada", subsequente ao fim do estado de emergência, vai deixar de fora os idosos, que continuariam sujeitos a estrito confinamento domiciliário.

2. É inegável que as pessoas mais velhas são muito mais vulneráveis à pandemia, pelo que devem tomar muito cuidados extra para não serem infetados. Todavia, isso não exige medidas extremas de isolamento social. Não há nenhuma razão para que os idosos inativos não possam deslocar-se, por exemplo, ao café do bairro ou à farmácia, desde que observadas regras de proteção estabelecidas (uso de máscara e distanciamento em relação a outras pessoas). Também não existe nenhum fundamento para que os idosos ativos não se desloquem, observados os mesmos cuidados, ao seu local de trabalho (escritório, gabinete, etc.). E nem faz sentido que uns e outros não possam ir ao parque mais próximo em exercício físico. Não se pode condenar os idosos a "morrerem da cura", por prolongado definhamento em casa, tanto mais que a pandemia não tem data de extinção.

3. Um princípio essencial do Estado de direito constitucional, mesmo em casos de restrição de direitos em situações de emergência, é a proibição de excessos restritivos dos direitos pessoais, indo além do necessário. Ora, a liberdade de movimento, ou seja, de não estar confinado a um lugar, mesmo em casa, constitui um direito essencial numa sociedade livre. Havendo que defender o direito à saúde, próprio e alheio, justifica-se a restrição da liberdade de circulação, mas não o seu aniquilamento, que a Constituição, aliás, proíbe. Por isso, nada pode justificar a condenação dos idosos a uma espécie de "prisão domiciliária" por via legislativa ou administrativa. Ainda não é proibido ser velho. E, como diziam os antigos, nós também somos gente. (O realce é meu.)

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Manuel António Pina


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Há muito em jogo



«"Despesas do Estado hoje são impostos de amanhã", sentenciou o primeiro-ministro há uns dias. A frase, como bem explicou o economista João Ferreira do Amaral, é "infeliz".

Além de dar um sinal negativo quanto à intenção de o Governo ir mais além nos apoios à economia, a lógica austeritária que subjaz à afirmação está errada. O que leva à perda de receita fiscal amanhã é a recessão económica e o desemprego. Tudo o que for feito para evitar a crise, salvar o emprego, rendimento e produção, protegerá também as contas públicas futuras.

Quem quiser, nesta crise, subjugar todas as decisões ao défice, engana-se. A pandemia da Covid está a pôr em causa modelos de crescimento, como o português, muito assentes no imobiliário e no turismo. Está a acelerar a decadência de setores em crise, como o automóvel, e a mover as placas tectónicas da indústria e da finança mundiais.

Enquanto a Europa brincava à austeridadezinha, a China investia em inovação tecnológica para entrar na disputa pela hegemonia da economia mundial. A entrada do capital chinês foi de tal ordem que motivou um acordo franco-alemão (países menos dispostos do que Portugal a vender os seus anéis) para proteger os seus setores estratégicos. Nada de novo para a Alemanha que, já na crise de 2007, protegeu as suas empresas de compras por fundos estrangeiros. A mesma Alemanha que a Comissão Europeia não convenceu (se é que tentou) a privatizar as suas participações no terceiro maior banco do país, na segunda maior produtora de químicos ou mesmo na Volkswagen.

Mas depois veio a pandemia. E embora a paralisação tenha atingido de forma semelhante todas as economias, são as estratégias de recuperação de cada país, e a sua capacidade de investimento, que determinarão o futuro da economia mundial.

Enquanto as instituições europeias perdem tempo precioso em desacordos e fingimentos (afinal o plano de recuperação de 2 biliões não passa de 0,34 biliões), a Alemanha prossegue no apoio e reestruturação da sua economia, aproveitando a suspensão das ridículas regras europeias que impedem o apoio do Estado à economia.

O ministro das Finanças alemão começou por dizer que não haveria limite para a capacidade de financiamento do banco público à economia. Para proteger as grandes empresas, o Governo jogou todas as cartadas: apoios de liquidez, nacionalizações parciais ou proibição de compra por acionistas estrangeiros. Só a Adidas receberá 3 mil milhões, praticamente metade da linha anunciada para Portugal.

Recuperar e reestruturar a economia vai requerer visão e investimento. Quem souber e puder fazê-lo, estará em melhores condições para enfrentar o futuro. Para os países agarrados a ideias antigas de austeridade, só há uma certeza: menos despesa hoje é uma economia mais pobre amanhã. E economias pobres não pagam impostos.»

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27.4.20

Lá chegaremos


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Há frases que devem ser evitadas



… qualquer que seja o contexto – digo eu que não sou presidente de uma qualquer Junta.
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Alfredo Cunha e a Covid-19



Vale muito a pena percorrer a galeria de fotografias que Alfredo Cunha tirou neste 25 de Abril. Pode ser vista AQUI.

«Há 46 anos, no dia 25 de Abril de 1974, o jovem fotojornalista Alfredo Cunha saiu de madrugada da sua casa na Amadora para apanhar o comboio, rumo a Lisboa e a um encontro com a história. Se o cravo é o símbolo mais perene da revolução que nos deu a liberdade e abriu portas à democracia, a fotografia que ele fez do olhar, simultaneamente sereno e desafiante, de Salgueiro Maia no Largo do Carmo ficará para sempre como um ícone desse “dia perfeito”.

No seu preto e branco sem artifícios, ele capturou algumas das imagens que, ano após ano, são páginas do nosso passado que devem ser relembradas para mostrar aos mais novos a importância da história de todos nós. E 46 anos depois, o mesmo homem para a quem o 25 de Abril fez “ter 20 anos para sempre” não tem uma revolução para fotografar, mas uma outra história que tão cedo não esqueceremos. Alfredo Cunha, voltou ao ponto de partida , à Amadora, para um novo livro de fotografia, mas desta vez para nos dar a inquietação dos tempos do coronavírus. O seu fotojornalismo mantém intacta a preciosa capacidade de nos levar a encararmo-nos enquanto povo.»
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Duas ou três coisas que sei sobre a crise covid-19



«Quando andei no liceu, há muitos anos, tive um saudoso professor de filosofia que gostava de nos alertar para o sentido da vida com a seguinte frase: “A vida é uma fome!” Claro que só muito posteriormente, com os desenvolvimentos da biologia molecular, pude apreciar o real alcance daquela afirmação (que, na época, se cingia ao campo da psicologia). Trata-se de um enunciado de enorme lucidez.

Biologia...

De facto, os constituintes de tudo o que é vivo e do que à sua volta gravita são moléculas (e seus agregados). Por este motivo, a base de toda a vida encontra-se imersa no domínio quântico. Isto significa que, em termos clássicos, nunca conseguiremos entender cabalmente o seu âmago.

A metáfora “a vida é uma fome” ajuda-nos a compreender o que se passa. Traduz simplesmente que a nível das moléculas a regra do jogo é “comer” outras, isto é, captá-las e assimilá-las. Continuamente. Moléculas da vida existem desde há milhares de milhões de anos – ou seja, têm experimentado “comer” outras de todas as maneiras possíveis.

Quando uma maneira de “comer” resulta, elas repetem-na, continuamente, sucessivamente, até que, por sua vez, sejam comidas (assimiladas) por outras. E assim por diante… A vida procura inerentemente “sobreviver”. Experimentando novos caminhos sempre que as condições se alteram. Para conseguir sobreviver. É amoral. A moral é uma invenção dos seres humanos.

O vírus da covid-19 é um agregado molecular que encontrou um modo de se proteger e manter a coerência. Multiplica-se tirando partido da estrutura e funcionamento das células humanas. A propagação é feita aparentemente através de gotículas de líquidos orgânicos. O vírus espalha-se, portanto, não por efeito de agentes atmosféricos mas pelas movimentações e contactos das pessoas que o transportam.

Ecologia…

A pandemia resulta do excesso louco e insalubre de contactos próximos, frequentes, a qualquer distância, em toda a parte. É uma doença da globalização selvagem que afogou o mundo durante as últimas décadas apoiando-se na propaganda perversa e enganosa do “low-cost” e das experiências únicas e exóticas. Mas fica uma grande questão: quantos contactos próximos devemos ter?

Uma coisa é certa, não podemos confiar na publicidade massiva, que excita os sentidos amarfanhados pelas rotinas e pelas dificuldades diárias, de modo quase pornográfico, que só serve os interesses da acumulação, por meio de taxas de intermediação em tudo o que se move neste planeta, de mais e mais capital financeiro. O resultado está bem à vista. O medo de contágio instalou-se entre nós.

Há dois mil anos atrás, a quase totalidade da população deslocava-se a pé: percorria cerca de cinco quilómetros numa hora. Curiosamente, esta era a dimensão dos aglomerados urbanos antigos, das vilas ou dos centros das cidades de que tanto gostamos. Mas hoje o avião permite que nos desloquemos cerca de mil quilómetros durante a mesma hora.

Mudamos de país, de regras, de culturas, de hábitos ancestrais, quase que num abrir e fechar de olhos, sem tempo para nos adaptarmos, sem paciência para aprendermos a conviver com os outros que visitamos. Para rapidamente regressar a casa e depois continuarmos a fazer mais do mesmo. Quem lucra com isto? O intermediário facilitador desta dança zombie – a finança internacional.

Economia…

Claro que este “aspirador” financeiro sistémico provoca necessariamente uma escassez de recursos no outro extremo, nas finanças locais, nos orçamentos das nações soberanas que assim se viram obrigadas a desinvestir em tudo o que releva dessa soberania: protecção civil, justiça, saúde, educação… porque os sectores que propiciam a nova “promiscuidade social” (inteligente expressão que ouvi a um amigo) à distância, esses não podem sofrer beliscadura.

Estamos a viver uma época de enorme desajuste entre as mudanças tecnológicas e a mudança social. A capacidade material de transformação da realidade tornou-se incomensurável em relação à capacidade de adaptação e aprendizagem imaterial, cultural, institucional, disponível. Há que dominar este desajuste, tomando decisões corajosas com vista ao futuro.

A situação de medo colectivo em que vivemos é insustentável. Todos os países ligados electronicamente, em simultâneo, observando as faces amedrontadas dos outros. Não admira que a quarentena geral seja uma pobre medida de resolução do problema. A quarentena é eficaz para os infectados! A prioridade terá que ser a sua sinalização para que sejam tratados. Isolem-se em alternativa as populações umas das outras e retrocederemos à idade da pedra!

A razão deste grave entorse civilizacional tem que ver com a sobrevivência no imediato dos serviços de saúde nacionais. Ninguém quer o colapso dos sistemas de saúde nacionais por esse mundo fora. Seria um descalabro, não haveria sequer cuidados nos sectores privados capazes de atender às doenças dos muito mais ricos, que assim nem teriam para onde ir em tratamento.

E o futuro…

Julgando que tudo se acalmará em breve (virá uma vacina!), já se fazem contas aos montantes que foram despendidos à pressa para salvar os sistemas de saúde, valores esses que virão a ser pagos com juros nos anos próximos pelos suspeitos do costume – os contribuintes. Assim se retomará a acumulação de capital financeiro, temporariamente perturbada.

Chegados aqui, vemos com clareza onde a máquina da “globalização” gripou. Que fazer? Eis outra grande questão. Vemos que o caminho passa por revalorizar o ser humano, repor-lhe a dignidade de cidadão, empoderá-lo para que fique ciente dos seus deveres, desmascarar os falsos gurus, obrigar os governos a investir naquilo que é o mais importante – e que tem sido desvalorizado sistematicamente por estar ligado à “cultura”.

Teremos de começar hoje mesmo a construir as novas instituições que farão a humanidade evoluir, aproveitando a profunda transformação no domínio da comunicação que estamos a viver.»

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26.4.20

Benefícios colaterais da crise



Moro há 45 anos mesmo ao lado do Estádio do Glorioso, E, nunca, mas nunca, tinha ouvido tantos pássaros em frente à minha janela! Um novo e estranho mundo.
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Chico Buarque



Ontem, 25 de Abril, Chico Buarque devia ter estado connosco, para celebrar o Dia da Liberdade e para receber o Prémio Camões pela sua obra literária. Não podendo fazê-lo, enviou esta mensagem.

Ler ISTO.
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Julgam que os portugueses são parvos?



Não tenho uma fita métrica virtual, mas estas figuras públicas usam o que a DGS diz ser opcional (máscaras), mas não cumprem o distanciamento obrigatório, nem em público, entre elas. Estão isentas por estarem a fazer uma boa acção, «tipo» escuteiros? Julgam que os portugueses são parvos?

(Tratava-se de uma distribuição de comida a sem abrigos, depois da sessão comemorativa do 25 de Abril no Parlamento.)
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Guernica




Guernica foi bombardeada em 26 de Abril de 1937.
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É difícil de aceitar, mas a incerteza veio para ficar



«Estamos imersos na incerteza. Quando é que o isolamento social vai terminar? Para quando uma vacina? O pico já foi atingido? As decisões políticas são apropriadas? Devemos abdicar da liberdade em nome da segurança? Como gerir os riscos de infecção em ligação com os da desprotecção socioeconómica? Até sobre a ciência nos interrogamos, porque também tem dúvidas, lida com modelos e hipóteses, e isto não é criticá-la, mas defendê-la da pressão da certeza. Com tantas perguntas, e estas são apenas as mais usuais, é natural que o mercado das convicções tenha crescido. Quer dizer, sempre esteve em alta. Agora é apenas mais revelador.

No ecossistema comunicacional só há certezas. Dizer “não sei” é proibido. Cada um utiliza ferramentas para demonstrar inequivocamente, sem reservas, recorrendo a factos e só a factos, a cálculos infalíveis, a estatísticas incontestáveis, que a sua visão é a única defensável. Toda a gente parece ter sido atingida pelo vírus da certeza absoluta. O que diria por estes dias o sociólogo Zygmunt Bauman, que passou a vida a tentar compreender os aspectos sociais que nos conduziram para um tempo de incertezas?

Não saber o que vai acontecer amanhã, do ponto de vista profissional, material ou emocional, não é novo. Para uns mais do que para outros. Mas para a maioria a existência na estagnação económica, na desigualdade e na precariedade é conhecida. Na actualidade intensificou-se a impotência, porque estamos a lidar directamente com o arquétipo de todos os medos – a morte.

Dizia Bauman que os mais privilegiados, na tentativa de não serem importunados no seu conforto, se fechavam em casa com sofisticados sistemas de segurança, dirigiam carros blindados, evitavam espaços públicos e o contacto com estranhos que lhes parecessem ameaçadores. Mas nem isso os aliviava dos temores.

Imagine-se agora quando a ameaça latente é um vírus invisível que pode estar escondido no abraço do filho ou no aperto de mão a um amigo. A ansiedade e a impotência são continuadamente alimentadas. Não surpreendem comportamentos de negação, pedindo sofregamente o regresso à normalidade, e até outros que desejem ser contaminados, como se só isso pudesse pôr fim à sua angústia.

Bauman proclamava que a esperança de determos um maior controle sobre o mundo social e natural se tinha esvaído nos tempos modernos. Aceitar essa vulnerabilidade e incompletude não é fácil. Daí que em alturas como esta abundem as teorias conspirativas ou as efabulações distópicas. Não é possível a total eliminação da indefinição, mas dentro desses limites, existe muito que podemos fazer, para vivermos em sociedades mais justas e igualitárias, onde as incertezas possam ser atenuadas ou administradas.

Numa altura em que se pedem respostas urgentes, médicas, logísticas ou políticas, e decisões têm de ser tomadas, parece que nos encontramos num limbo. Uns com uma sensação de alguma serenidade, porque o isolamento social parece funcionar. E outros percebendo que a par da ansiedade sanitária existe a económica. E ainda nem começamos a perceber o vírus. As perguntas são mais do que as respostas, tenham elas carácter científico ou político. A realidade desagrega-se e arrasta-se, sem um fim à vista.

E o mais incrível é o consenso sobre aquilo que está para vir. Uma catástrofe, dizem todos, como se fosse inevitável e nada pudesse ser feito. Dá-se por garantido que o sistema socioeconómico que nos rege não vai amenizar a inseguranças, mas ao mesmo tempo sabemos que existem recursos suficientes que o permitiram fazer acontecer. Se assim é, então discuta-se um sistema que não consegue contornar a lógica do lucro, não servindo à maioria. Mas não. Aqui estamos à espera de um retorno gradual a uma nova normalidade, sabendo que o vírus não se vai evaporar.

Para a mudança ser possível, talvez devêssemos assumir, por mais difícil que seja, que vamos permanecer num mundo viral ameaçado por epidemias e desordens ambientais, mesmo depois de uma eventual vacina para o vírus ser uma realidade. É preciso uma noção realista, nem muito optimista, nem catastrofista, do caminho a seguir. A incerteza veio para ficar. Abraçar posições absolutas é um absurdo, quando já se percebeu que a informação que vamos tendo é incompleta. Ter essa consciência é talvez a forma mais lúcida de lidar com a situação.»

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