9.9.23

Entradas

 


Entrada da Vila Pappone, uma residência histórica em Nápoles. 1912.
Arquitecto: Gregorio Botta.

Daqui.
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09.09.1973 – Em vésperas do golpe no Chile

 


No dia 9 de Setembro de 1973, José Toribio Merino, comandante-chefe da Armada do Chile e membro da Junta do Governo durante os 16 anos que durou a ditadura militar, escreveu uma carta aos generais Gustavo Leigh e Augusto Pinochet, na qual é indicada a data e a hora para o golpe de Estado de 11 de Setembro:

9/Sept/1973 
Bajo mi palabra de honor, el día 'D' será el 11 de setiembre y la hora 'H', la hora 6. Si ustedes no pueden cumplir esta fase con el total de las fuerzas que mandan en Santiago, explíquenlo al reverso. El Almirante Huidobro - vea usted, señor Presidente, ¡qué apellido! -"está autorizado para tratar y discutir cualquier tema con ustedes. – Les saluda con esperanza y comprensión, 
Merino
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Os «Mais Poderosos» em Portugal 2023

 


O Jornal de Negócios acaba de publicar, como todos os anos, o que considera a lista de quem teve mais «poder» em/para Portugal, tendo em conta uma conjugação dos seguintes critérios: Poder da fortuna / Influência mediática / Influência empresarial / Perenidade / Influência política.

Os 5 primeiros são os que vêem na imagem (de 50 nomeados, 43 homens e 7 mulheres).

COMENTÁRIOS, PARA QUÊ…

Podem ser todos vistos aqui.
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Costa de ouvidos em Lagarde e a renegociação de créditos - parte II

 


«Não dar o passo maior que a perna. A ideia é muitas vezes vendida pelo Governo para explicar por que razão não vai mais além nos apoios que dá.

Para sustentar esta posição, o executivo lembra-nos de que a redução da dívida pública continua a ser um objectivo de Portugal e que esse esforço tem de ser feito mesmo quando os cofres do Estado mostram um excedente orçamental.

As contas certas - deixando de fora o impacto desta escolha - são hoje defendidas pelo PS e pelo PSD, pelo que o consenso sobre a importância desta causa é mais generalizado.

O problema parece ser quando se transporta o mantra do não dar o passo maior do que a perna para dimensões concretas, como por exemplo a do crédito à habitação. O que sabemos hoje é que há famílias que renegociaram o crédito à habitação uma vez e que já estão a fazer uma segunda tentativa para o fazer, porque as taxas de juro não pararam de subir e os ganhos que tiveram com a renegociação já foram comidos pela escalada do preço do dinheiro.

Nesta matéria, as respostas do executivo têm-se revelado curtas para as necessidades. Lembremo-nos de que há um ano o Governo apresentava no Orçamento a possibilidade de as famílias com crédito à habitação poderem reduzir a taxa de retenção na fonte de IRS. Um alívio de tesouraria que estava longe de responder ao aperto que se seguiu.

O Governo passou para soluções mais robustas, mas veja-se o que aconteceu com duas das principais medidas: as renegociações entre os bancos e os clientes têm encontrado resistências e já se revelam curtas nalguns casos e a medida da bonificação de juros vai ser reforçada agora pelo Governo porque tinha uma abrangência limitada.

Ao não dar o passo maior que a perna, neste particular, António Costa arriscou-se a anunciar medidas que não passaram de paliativos para as necessidades das famílias com crédito à habitação.

O primeiro-ministro já disse que espera pela decisão do Banco Central Europeu sobre juros, agendada para a próxima quinta-feira, para tomar novas medidas. De Frankfurt têm chegado sinais para quem tem empréstimos que não podem descansar: ou as taxas sobem, ou mantêm-se, e certo é que, para já, não descem, esperando-se que permaneçam num patamar elevado por um período longo.

Costa já percebeu que a subida da inflação não era transitória e que ainda pesa na vida das pessoas. Agora, com os ouvidos postos nas palavras de Christine Lagarde, pode desta vez aprovar um fato mais à medida de quem o veste.»

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8.9.23

Perfumes

 


Frasco de perfume de vidro com sobreposição de prata, iridescente. Áustria, cerca de 1900.
Loetz.

Daqui.
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Ter teto não é ter casa

 

«O Luís pede que seja feito na Serafina o que foi feito no Bairro da Boavista. Ora, eu acompanhei do interior o realojamento das pessoas do Bairro da Boavista para o novo bairro social, assim como o de uma parte do Bairro do Zambujal. Lembro-me da alegria de quem vivia nas barracas, de quem tinha um teto, mas passou a ter uma casa. “Foi o melhor dia da minha vida”, disse-me o João, que viveu o realojamento como se fosse um prémio e não como o cumprimento de um direito.

As casas eram grandes, bonitas, novas, assim como os elevadores, os espaços verdes, os equipamentos para as crianças, mas, aos poucos, vi também a degradação, a falta de manutenção, de acompanhamento. O mau funcionamento dos elevadores, os obstáculos para as pessoas com dificuldades de locomoção. A humidade nas casas, as canalizações defeituosas, os ratos, as baratas. Habitações que continuaram a ser tetos, mas que, aos poucos, se foram tornando menos “casa”.»

Daqui.
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E está mesmo

 

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A propaganda de Costa para os jovens

 


«As medidas anunciadas por António Costa não respondem aos principais problemas dos jovens nem diminuem o adiamento do ciclo familiar dos mais novos. Os agregados que ainda incluem estudantes sabem-no bem.

Este pacote de medidas não é uma “lei cartaz”, como o programa Mais Habitação foi classificado pelo presidente da República e pela Oposição, mas não está muito longe disso.

À precariedade, salários miseráveis e falta de acesso à habitação, o Governo acena com uma série de soluções e ilusões, entre as quais a devolução aos estudantes das propinas pagas no ensino público (697 euros) por cada ano de trabalho em Portugal, a devolução das propinas de mestrado, até 1500 euros, nas mesmas condições, e a gratuitidade dos passes de transporte sub-23, excluindo, assim, muitos daqueles que estão a concluir os mestrados.

Percebe-se a desilusão dos que, neste momento, precisam de uma ajuda efetiva para concluir os estudos e ingressar no mercado de trabalho, sendo que não será a devolução de 697 euros que vai convencer os jovens recém-formados a optarem por trabalhar em Portugal. Se o conseguirem ou não forem falsos recibos verdes... Nem as alterações às regras de acesso ao IRS Jovem, também anunciadas por António Costa.

Se a ideia fosse ajudar os alunos e as suas famílias, as propinas deveriam ser abolidas e não constituírem a principal fonte de financiamento do Ensino Superior, conforme defendem outros partidos.

O primeiro-ministro anunciou ainda um cheque-livro quando os alunos perfizerem 18 anos, um passe para uma semana na rede das Pousadas da Juventude e quatro bilhetes de viagem da CP para “conhecer a diversidade, a beleza, a riqueza e o interesse” do país. Prendas que só podem ser entendidas como de cortesia para um Natal que chegou mais cedo.»

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7.9.23

Portões e Casas

 


Casa Pratjusà, Barcelona, 1892-1894.
Arquitexto: Antoni Serra i Pujals.

Daqui.
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Os jovens estão a ler mais?

 

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Edgar Morin, ainda

 


A palestra de Edgar Morin que ontem referi pode ser vista e ouvida neste vídeo, de 1:53:22 a 2:24:25.


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Emprego e salários na rentrée

 


«Estamos no início de um novo ano político, tempo que a Comunicação Social gosta de designar por rentrée. O Governo prepara o Orçamento do Estado (OE) e as políticas que o acompanharão, dando sinais de fechamento e de medo em se abrir à sociedade. A Direita surge com um programa de mínimos assente em três componentes: i) agitar algumas bandeiras sem ir ao fundo dos problemas porque não tem resposta para eles, como estão a fazer com os impostos; ii) influenciar o Governo no sentido de este ser “bem-comportado” perante os poderes dominantes no plano nacional, europeu e internacional; iii) ir tratando da questão presidenciais 2026 na perspetiva de esse órgão de soberania continuar ocupado por alguém do seu espaço político. Os partidos à Esquerda parecem surgir com uma ação política mais clarificadora das relações entre as agendas social e política.

A Direita começou a acreditar que Marcelo Rebelo de Sousa conseguirá - deitando mão do seu populismo e do atrevimento que por vezes roça o golpe constitucional - subverter o papel do presidente da República e fazer da Presidência uma espécie de governação alternativa ou corretora. A discussão do Orçamento do Estado e a retoma dos trabalhos da Assembleia da República vão tornar mais evidentes estes jogos em curso e o seu distanciamento das respostas aos reais problemas das pessoas.

Uma análise à realidade económica e social conduz-nos a afirmar que o OE para 2024 deve ser acompanhado por compromissos efetivos para se qualificar o perfil de especialização da economia e o de desenvolvimento do país: ou temos um novo impulso de industrialização, em setores e em condições inerentes ao tempo em que estamos, ou definhamos. Por outro lado, precisamos de um OE que interprete os compromissos de uma sociedade democrática organizada no que é estruturante da vida das pessoas: a garantia dos direitos à saúde, à educação e formação, à habitação, à justiça, à proteção social, a uma justa distribuição da riqueza, ao trabalho e salário dignos, a rendimentos mínimos que permitam fugir à pobreza. Para isso servem, também, as políticas públicas.

A Escola inicia o novo ano letivo com os alunos carregados de expectativas e sonhos, mas o Governo teima em tratar mal os professores. Os tribunais reabrem em clima de tensão com parte dos seus trabalhadores e os cidadãos sentem o sistema de justiça entupido. Na saúde a situação é idêntica. Retoma-se a atividade laboral em pleno, com os trabalhadores sem vislumbrarem negociações salariais que lhes reequilibrem os rendimentos. Grande parte dos empresários continuam focados na promoção do individualismo e em trapaças sobre o mérito e o talento. Não aproveitam as qualificações e competências dos trabalhadores e não inovam de facto, como prova o fraco investimento que é feito por posto de trabalho.

A melhoria dos salários anda de mãos dadas com a evolução da qualidade do emprego. Numa entrevista ao “Expresso”, no passado dia 30, Paulo Pedroso, profundo conhecedor de políticas de emprego e de proteção social, afirmou, partindo de algumas observações, designadamente sobre a distribuição funcional do rendimento, que “há margem para um aumento real dos salários em 20%”.

O país ganharia muito se este objetivo fosse colocado no plano da utopia do realizável, agora. A turbulência do debate económico, social e político transformar-se-ia num impulso criativo e modernizador. O Governo pode e deve dar o tiro de partida começando a valorizar os salários dos trabalhadores da Administração Central e Local.»

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6.9.23

Casas

 


La Pedrera, também conhecida como Casa Milà, Barcelona, 1905-1907.
Arquitecto: Antoni Gaudí.

Daqui.
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Edgar Morin

 


Com os seus 102 anos, esteve ontem em Lisboa e falou na Fundação Oriente, a convite da Comissão Empresarial da CPLP. E disse isto e muito mais:

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07.09.1975 – Quem se lembra dos SUV?

 


Os SUV (Soldados Unidos Vencerão) – uma auto-organização política de militares, clandestina, que se definia com «frente unitária anticapitalista e anti-imperialista» – apresentaram-se «embuçados por razões de segurança» numa conferência de imprensa realizada no Porto e transmitida pelo Rádio Clube Português , em 7 de Setembro de 1975.

Organizaram desfiles em várias cidades, mas julgo que nenhum teve a dimensão do de Lisboa, em 25 de Setembro, com apoio de partidos como o MES, a LCI, a UDP e o PRP. Centenas de soldados fardados, acompanhados por representantes das comissões de trabalhadores e de moradores e por uma verdadeira multidão, subiram do Terreiro do Paço até ao Parque Eduardo VII, onde teve lugar um comício. No fim deste, foram desviadas dezenas de autocarros da Carris, que levaram quem quis até ao presídio da Trafaria, de onde, pelas 2:00 da manhã, foram libertados dois militares que se encontravam detidos, precisamente por terem distribuído panfletos de propaganda da manifestação.

Para se perceber um pouco mais do que estava em causa, vale a pena ler o MANIFESTO com que os SUV se apresentaram, precisamente nesse 7 de Setembro.
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Conselho de Estado e o desprestígio das instituições

 


«Pode ser uma idealização do passado, mas tenho ideia de ter havido um tempo em que os Presidentes da República marcavam reuniões do Conselho de Estado porque queriam ser realmente aconselhados. Ou porque queriam sinalizar o primeiro passo para uma decisão importante. Como é óbvio, não se marcavam segundas partes de reuniões, para meses depois, porque aqueles eram momentos solenes, com gravidade política.

Não passaria pela cabeça a um Presidente da República convoca o Conselho de Estado para dar recados ao primeiro-ministro. Para isso tem os encontros de quintas-feiras. O Conselho de Estado não serve para o Presidente aconselhar o governo, serve para ser aconselhado. E muito menos serve para o Presidente falar ao país sobre o governo de forma a não poder ser indesmentivelmente citado.

Até porque, nesse tempo que talvez esteja a idealizar, não se sabia o que era dito no Conselho de Estado. Não se sabia o que o Presidente dizia, nem o que diziam os conselheiros. Nem os próprios o tornavam público. E ainda menos se saberia se o primeiro-ministro ficava em silêncio ou falava.

Poucos minutos depois do Conselho de Estado ter terminado, algum (ou alguns) conselheiro passou para a comunicação social, com pormenor, o que lá se passou. Não é a primeira vez. Saberá que violou uma regra essencial para lá se sentar. Não é por secretismo que essa regra existe. É porque se a sessão fosse publica não seria para aconselhar o Presidente, seria para fazer comícios para fora. E o órgão, que já é um pouco decorativo, torna-se-ia absurdo.

Num órgão assim, quando o recato não é garantido, o primeiro-ministro não tem nada a dizer. Porque podendo fazer declarações públicas ou privadas, não há de querer fazer declarações semiprivadas para serem narradas por adversários. Costa terá feito uma birra infantil. Mas, depois deste Conselho de Estado, talvez tenha de passar a ser a sua postura permanente naquele órgão. Ouvir muito, dizer nada.

Senadores, comentadores e dirigentes políticos lamentam este tempo de desinstitucionalização da política, cheio de perigos para a democracia a que chamam liberal. Infelizmente, essa desinstitucionalização não vem apenas de deputados que urram no parlamento quando recebemos um chefe de Estado estrangeiro. Vem de quem não está à altura do cargo que ocupa, apesar de adorar ver na Wikipédia o título de conselheiro, patamar quase superior ao de comendador.

Marcelo Rebelo de Sousa tem a qualidade da informalidade, que em vários momentos o aproximou dos cidadãos quando todo o Estado faltou. Recordo-me dos fogos de Pedrógão, do imigrante algarvio espancado, do bairro da Jamaica e de muitos outros. Ser popular pode ser um antídoto contra o populismo. Ao contrário de muitos, acho que o “Marselfie” é uma alcunha simpática que simboliza uma enorme qualidade política do Presidente. O problema é a incapacidade de mudar de registo quando o registo tem mesmo de ser diferente.

A forma como tem usado as reuniões do Conselho de Estado para aquilo que elas não servem – desde sala de receção de figuras estrangeiras a momentos para alimentar tensão política com o executivo – é um convite. Um convite a que alguém que participa naqueles reuniões leve até às últimas consequências o que parece ser o seu desejo: fazer delas pequenos factos políticos de guerrilha institucional.

Depois destas indiscrições, o Conselho de Estado, que serviria de pouco, passou a ter uma única função: desprestigiar as instituições, mostrando que lá se senta quem não se poderia sentar, porque é incapaz de guardar o recato mínimo exigido. E a culpa não é dos jornalistas, que se limitam a fazer o seu trabalho, que não é manter outro segredo que não seja a identidade da sua fonte. Não será o legado mais importante deste Presidente. Mas fica na sua conta. Contribui, para o bem e muitas vezes para o mal, para uma certa vulgarização de tudo. E nisso, já se sabe, terá sempre companhia.»

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5.9.23

Jarros

 


Jarro de vidro Arte Nova, com pega e adornos de prata, cerca de 1890.
Loetz.

Daqui.
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A cartinha

 

«Foi portanto assim: percebendo que a habitação vai ser o tema da política, o governo saiu-se com esta, uma carta a Bruxelas, toda a gente em sentido que se vai recorrer à artilharia pesada, quiçá um estudo da Comissão. É o que sobra para enfrentar o problema: um anúncio que nada contem, uma carta que afinal é um impresso anual que foi preenchido a bem da burocracia, uma exigência que é uma farsa, uma expetativa de solução vinda de nenhures.»

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05.09.1972 - O massacre de Munique

 


No dia 5 de Setembro de 1972, o comando palestiniano «Setembro Negro» tomou como reféns onze membros da delegação israelita aos Jogos Olímpicos que tinham então lugar em Munique. Morreram logo dois desses reféns, mas, depois de uma intervenção de resgate falhada, levada a cabo pelas forças de segurança alemãs, acabaram por morrer mais nove atletas, cinco dos sequestradores, um polícia alemão e um piloto.



Se este foi, de longe, o mais dramáticos dos acontecimentos em Olimpíadas, não foi o único que ficou marcado por interferências políticas ou por protestos:

1896, Atenas (primeiros Jogos Olímpicos da era moderna) – Boicote da Turquia.

1936, Berlim – Os Jogos Olímpicos do nazismo.

1948, Londres – Japão e Alemanha (os dois grandes vencidos da Segunda Guerra Mundial) nem sequer são convidados.

1956, Melbourne – Boicote de Espanha, Holanda e Suíça contra a intervenção soviética em Budapeste e de Líbano e Iraque contra a posição da Austrália sobre o Médio Oriente. A China abandona os Jogos como forma de protesto contra a presença da bandeira de Taiwan.

1968, México – Power Salute

1976, Montréal – Boicote de vários países africanos como protesto contra a presença da Nova Zelândia, por esta ter disputado um desafio de rugby com a África do Sul, alguns meses antes (quando estava impedida de o fazer devido ao apartheid).

1980, Moscovo – Boicote dos Estado Unidos (seguido por 60 países) como protesto contra a intervenção soviética no Afeganistão.

1984, Los Angeles – Países do bloco soviético (excepto Roménia) e Cuba retribuem o boicote de 1980.

1988, Seul – Boicote de Coreia do Norte, Cuba, Etiópia e Nicarágua.

1992, Barcelona – Devido à guerra com a Croácia e a Bósnia-Herzegovina, a Jugoslávia não é autorizada a participar como país, mas os seus cidadãos são admitidos título individual.

(Podem faltar mais casos, evidentemente.) 
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Agora falo eu

 


«Mais logo, os conselheiros de estado voltam a sentar-se à mesa que tem Marcelo na cabeceira. Mas, desta vez, não vão para falar. Vão apenas para ouvir. Ouvir António Costa, que tinha um avião para apanhar em julho e, por isso, acontece esta parte II de uma reunião que Marcelo quer que seja recordada e à qual quer dar importância.

Na primeira parte deste encontro do órgão consultivo do PR, falaram todos os conselheiros e, tirando uma ou outra exceção, os diagnósticos de como vai Portugal não foram nada simpáticos para o Governo. É certo que Cavaco Silva não disse, cara a cara, a António Costa, nem metade do que tinha andado a dizer e a escrever no espaço público nas semanas que antecederam a primeira parte da reunião. Limitou-se, o antigo primeiro-ministro e Presidente a falar de contas, do orçamento, da despesa e da receita. No mesmo caminho seguiu Miguel Cadilhe, antigo ministro das finanças de Cavaco, que arrasou os números do governo e explicou porque é que afinal as contas certas não são tão certas nem tão folgadas como diz o atual ministro das Finanças.

Daqui a pouco, o conselho de Estado vai ouvir António Costa, o penúltimo a falar. Será o tempo do primeiro-ministro poder fazer a sua defesa, explicar aos restantes conselheiros que rumo segue o governo, o que anda a fazer e o que pretende para o futuro breve, com a preparação do OE a ser trabalhada.

Por fim, Marcelo.

Marcelo já não quer nem precisa de ouvir mais nada. Aliás, já fez saber que já sabe o que vai dizer, que o discurso está escrito, que se foi "escrevendo sozinho" enquanto tirava notas das intervenções dos conselheiros. Ou seja, o que Marcelo já disse é que, independentemente do que venha a dizer António Costa, as conclusões já estão tiradas. Marcelo quis que se soubesse que não precisa de ouvir António Costa para saber o que dirá. A estratégia de desvalorização da intervenção de António Costa é apenas mais um episódio - na minha opinião, grave - do contrapoder que, desde maio passado, quando Galamba ficou no governo contra a vontade de Marcelo, o presidente está disposto a exercer nestes dois anos e meio que faltam para o fim do mandato e numa altura em que o espaço público já se agita com nomes e disponibilidades de presidenciáveis.

Além disso, além disto, Marcelo já ameaçou que esta coisa do Mais Habitação não fica assim. "A regulamentação terá de me vir parar às mãos", disse, este fim de semana, o chefe de Estado, depois de lembrar, mais uma vez, que ele acha que o pacote não vai funcionar. E lamentou não ter havido abertura do PS para um acordo - nem que fosse pequeno - com o PSD para que o programa se tornasse mais abrangente e «estrutural». Marcelo vetou, o diploma vai voltar sem ser mexido, ele vai (ter de) promulgar e, depois, vai esperar que o documento regresse a Belém, já regulamentado.

A frente de batalha entre PR e PM está aberta, por mais que digam, um e outro, que cada um está a cumprir escrupulosamente o seu papel e que, um e outro, estão a atuar dentro das competências e atribuições que a constituição lhes confere.

Este é o conselho de Estado de Marcelo. Que marcou em maio, que lembrou frequentemente que era em julho, que teve de interromper, que retoma agora. Marcelo já tomou o pulso ao conselho. A questão é, agora, o que dirá o PR a fechar a reunião e, já agora, se os conselheiros refletem de facto a sociedade portuguesa. Ou se, pelo contrário, a sala do conselho é apenas (mais) uma bolha.»

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4.9.23

Regressam as portas

 


Porta de entrada da Casa Martí Llorenç, Barcelona, 1906.
Arquitecto: Antoni Alabern i Pomar.

Daqui.
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Memória

 

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04.09.1970 - A vitória de Allende

 


Há 53 anos, Salvador Allende ganhou as eleições presidenciais no Chile.

Excertos do discurso  de vitória:



Texto na íntegra AQUI.


Eduardo Galeano em Los Hijos de los días:


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IA: empatia digital precisa-se

 


«Muitos falam do impacto da Inteligência Artificial (IA) como um tsunami que nos vai engolir, mas a IA é uma onda da Nazaré que pode ser surfada, só temos de aprender e desenvolver competências para o fazer. Não temos outra hipótese. Ou aprendemos, ou aprendemos, porque a IA está em todos os ramos de actividades e do saber.

Se essas competências não forem desenvolvidas, o fenómeno IA poderá criar uma onda disruptiva, que irá afogar quem não a souber surfar. Logo, ficar na praia a assistir à sua passagem não é inteligente, nem seguro. Independentemente de ser um tema actual e amplamente discutido, a IA é um conceito que vem de 1950, com Alan Turing. Até há pouco tempo, era um assunto só para especialistas.

Hoje, o paradigma é outro e qualquer um pode operar plataformas e interfaces que são cada vez mais amistosas. Neste sentido, a grande conquista não é propriamente a IA, mas a evolução exponencial que permitiu a sua democratização e acessibilidade.

Tudo em IA tem sido exponencial: o número de empresas que a incorporaram, o número de patentes solicitadas e o número de pessoas que a usam. E em 2022 surgiu o Chat GPT, uma ferramenta que exemplifica essa evolução. Diferente das versões anteriores, o Chat GPT 4 não procura a informação na rede porque não está conectada à internet, tem 100 triliões de parâmetros, é uma machine learning, evoluiu em poucos meses, responde em segundos e somos todos nós que a estamos a ensinar. Parece magia.

A interacção Homem/máquina tem sido grande e continuada, mas para termos sucesso nesta compatibilidade e harmonização temos de desenvolver empatia digital. A empatia digital permite uma melhor comunicação entre humanos e máquinas e é essencial para optimizar as capacidades da IA.

Neste contexto, temos de compreender que a habilidade para comunicar é fundamental e que para obter respostas temos de aprender a fazer perguntas. Saber comunicar de forma eficiente com uma máquina não é, em nada, diferente da forma como devemos comunicar com outras pessoas e esta interface poderá ser exactamente uma oportunidade para melhorar a comunicação humana.

A IA pode aumentar a produtividade, operar sem interrupções e sem mudanças de foco, reduzir a possibilidade de erro, fazer uma permanente análise e avaliação dos dados para incorporar correcções, reduzir custos de produção, facilitar a aprendizagem, ser intergeracional e reduzir a complexidade tecnológica e os custos humanos.

Os pessimistas temem a substituição dos humanos por máquinas e os optimistas consideram que substituir os humanos aumenta a produtividade e gera mais riqueza. Como em tudo, os extremos são pouco realistas, pelo que temos que encontrar um equilíbrio sensato. A tecnologia com IA deve ser incorporada como uma adição e complementaridade, não como uma substituição do humano. As pessoas não serão ultrapassadas pela IA, mas por pessoas que sabem trabalhar com IA.

Provavelmente no futuro, num planeta de máquinas, cheio de "homo artificialis", criados pelo homo sapiens, quem tem emoções é rei. Se não reforçarmos a evolução dos valores humanos, lado a lado com a IA, provavelmente os pessimistas terão razão.

Segundo o Fórum Económico Mundial, a automatização criará desemprego para 85 milhões de pessoas e criará emprego para 92 milhões. Logo, haverá emprego para os humanos, alguns que ainda não sabemos que irão existir. Muitos empregados serão, no futuro, empreendedores e milhões serão treinados para as novas funções.

Por este motivo, a educação e a formação devem ser a chave mestra dos países e das empresas. A IA não retirará emprego às profissões que exigem criatividade humana, o humano é que deverá aliar-se à IA para criar e ser mais produtivo.

A IA oferece em simultâneo oportunidades e desafios, exige a nossa atenção e compreensão, mas estão reunidas as condições para uma coexistência harmoniosa entre a Humanidade e a tecnologia, desde que o condutor seja sempre o Homem. Não é possível parar a evolução tecnológica, mas é possível fazer esta evolução com responsabilidade e ética.»

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3.9.23

Sem ofensa para os idiotas


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A caminho do Outono

 


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03.09.1940 – Eduardo Galeano

 


Um grande uruguaio que nasceu em Montevidéu e que nos deixou em 2015. Quis ser jogador de futebol, mas acabou escritor com mais de quarenta livros publicados. Andou a fugir de ditaduras, em 1973 foi preso depois do golpe militar no seu país e exilou-se na Argentina. Com outro golpe militar  o de Jorge Videla em 1976 , viu o nome colocado na lista dos «esquadrões da morte», partiu para Espanha e só nove anos mais tarde regressou à cidade que o viu nascer.

Ia assim o mundo em 3 de Setembro de 1940, descrito por Galeano nesta página de Os filhos dos dias, publicado em 2012:



Dois vídeos:




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Da percepção de descontrolo à xenofobia em Portugal

 


«A xenofobia começa a normalizar-se no discurso dos portugueses. Continuar a ignorar o elefante estrangeiro na sala não é a solução.

Sou descendente de emigrantes, de um lado da emigração para o Brasil no início do século XX. Do outro, pela emigração para França nos anos 60. O meu avô materno chegou a viver na Bidonville em Paris até conseguir construir a casa e trazer a família para morar consigo. Casei com uma ex-emigrante e parte substancial da nossa família alargada vive no estrangeiro. E trabalho com pessoas de todo o mundo. Ou seja, a emigração faz parte da minha vida.

Portugal sempre foi um país de emigração. O nosso défice populacional há muito que preocupa. Uma sociedade envelhecida, baixa taxa de natalidade e um êxodo de jovens que procuram melhores condições de vida e mais realização profissional. Por isso, precisamos de mais população, sendo a imigração a solução rápida. Mas precisamos de políticas de imigração e uma estratégia para que o resultado do influxo populacional seja positivo.

Sabendo que precisamos de muitos imigrantes. O estranho é não nos termos preparamos para isso, desconsiderando os impactos sociais que resultam das rápidas migrações, especialmente ao nível das percepções. Somos um povo com fama de saber receber, mas provavelmente, mais abertos a uns do que a outros. Talvez a herança da pobreza e atraso económico crónico nos definam. Os estrangeiros que trazem riqueza são bem-vindos, os outros, com quem a temos de partilhar, apesar de a ajudarem a criar, têm outro tratamento.

Há uma percepção, tendencialmente anedótica, de que Portugal foi invadido por estrangeiros, especialmente brasileiros. Segundo os dados oficiais, eram menos de 300.000 em 2022, sensivelmente menos de 3% da população. Ou seja, talvez bem menos do que pensássemos, fruto do enviesamento de vivermos em sociedades monoculturas. Talvez sejam mais extrovertidos do que outras nacionalidades, devido aos diferentes hábitos culturais que podem gerar choques. Isto está a criar uma percepção que começa a ser verbalizada nos discursos. É cada vez mais comum expressar preocupação pela percepção de descontrolo, situações de conflito e choque na convivência com os recém-chegados.

Quando os recursos ficam em causa, as nossas fragilidades alimentam ainda mais a xenofobia. Falta de médicos de família, de creches, jardins-de-infância e as escolas associadas às zonas de residência que ficam sem vagas. Inevitavelmente, quando entrarem os estrangeiros e os portugueses ficarem de fora, o sentimento de descontentamento vai crescer e a xenofobia consolidada, pois passamos a ter exemplos para a invocar. Os casos concretos de escassez, até da própria habitação, vão alimentar a percepção de invasão e perda de qualidade de vida associada a uma partilha forçada. Uma percepção que pode ser falsa, mas que se for suportada por histórias reais pontuais, se torna numa convicção. E pessoas convictas, mesmo sem fundamentação absoluta, são capazes de tudo.

Sabíamos que precisávamos de atrair imigrantes, especialmente porque falhámos noutras políticas. Sabemos que as migrações e o multiculturalismo podem gerar problemas, especialmente quando não temos um plano de distribuição de recursos, de mediação cultural e para lidar com as percepções. Mas continuamos a ignorar o problema, sem saber realmente receber, enquanto a xenofobia se vai normalizando.»

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