6.9.23

Conselho de Estado e o desprestígio das instituições

 


«Pode ser uma idealização do passado, mas tenho ideia de ter havido um tempo em que os Presidentes da República marcavam reuniões do Conselho de Estado porque queriam ser realmente aconselhados. Ou porque queriam sinalizar o primeiro passo para uma decisão importante. Como é óbvio, não se marcavam segundas partes de reuniões, para meses depois, porque aqueles eram momentos solenes, com gravidade política.

Não passaria pela cabeça a um Presidente da República convoca o Conselho de Estado para dar recados ao primeiro-ministro. Para isso tem os encontros de quintas-feiras. O Conselho de Estado não serve para o Presidente aconselhar o governo, serve para ser aconselhado. E muito menos serve para o Presidente falar ao país sobre o governo de forma a não poder ser indesmentivelmente citado.

Até porque, nesse tempo que talvez esteja a idealizar, não se sabia o que era dito no Conselho de Estado. Não se sabia o que o Presidente dizia, nem o que diziam os conselheiros. Nem os próprios o tornavam público. E ainda menos se saberia se o primeiro-ministro ficava em silêncio ou falava.

Poucos minutos depois do Conselho de Estado ter terminado, algum (ou alguns) conselheiro passou para a comunicação social, com pormenor, o que lá se passou. Não é a primeira vez. Saberá que violou uma regra essencial para lá se sentar. Não é por secretismo que essa regra existe. É porque se a sessão fosse publica não seria para aconselhar o Presidente, seria para fazer comícios para fora. E o órgão, que já é um pouco decorativo, torna-se-ia absurdo.

Num órgão assim, quando o recato não é garantido, o primeiro-ministro não tem nada a dizer. Porque podendo fazer declarações públicas ou privadas, não há de querer fazer declarações semiprivadas para serem narradas por adversários. Costa terá feito uma birra infantil. Mas, depois deste Conselho de Estado, talvez tenha de passar a ser a sua postura permanente naquele órgão. Ouvir muito, dizer nada.

Senadores, comentadores e dirigentes políticos lamentam este tempo de desinstitucionalização da política, cheio de perigos para a democracia a que chamam liberal. Infelizmente, essa desinstitucionalização não vem apenas de deputados que urram no parlamento quando recebemos um chefe de Estado estrangeiro. Vem de quem não está à altura do cargo que ocupa, apesar de adorar ver na Wikipédia o título de conselheiro, patamar quase superior ao de comendador.

Marcelo Rebelo de Sousa tem a qualidade da informalidade, que em vários momentos o aproximou dos cidadãos quando todo o Estado faltou. Recordo-me dos fogos de Pedrógão, do imigrante algarvio espancado, do bairro da Jamaica e de muitos outros. Ser popular pode ser um antídoto contra o populismo. Ao contrário de muitos, acho que o “Marselfie” é uma alcunha simpática que simboliza uma enorme qualidade política do Presidente. O problema é a incapacidade de mudar de registo quando o registo tem mesmo de ser diferente.

A forma como tem usado as reuniões do Conselho de Estado para aquilo que elas não servem – desde sala de receção de figuras estrangeiras a momentos para alimentar tensão política com o executivo – é um convite. Um convite a que alguém que participa naqueles reuniões leve até às últimas consequências o que parece ser o seu desejo: fazer delas pequenos factos políticos de guerrilha institucional.

Depois destas indiscrições, o Conselho de Estado, que serviria de pouco, passou a ter uma única função: desprestigiar as instituições, mostrando que lá se senta quem não se poderia sentar, porque é incapaz de guardar o recato mínimo exigido. E a culpa não é dos jornalistas, que se limitam a fazer o seu trabalho, que não é manter outro segredo que não seja a identidade da sua fonte. Não será o legado mais importante deste Presidente. Mas fica na sua conta. Contribui, para o bem e muitas vezes para o mal, para uma certa vulgarização de tudo. E nisso, já se sabe, terá sempre companhia.»

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