Daqui a umas horas rumo a Chipre, não para ver como vai por lá o euro e a banca, mas para uma semanita de férias. Não sem antes dormir uma noite em Frankfurt, em acto de vassalagem a sua realeza Angela. Irei dando algumas (poucas) notícias.
. 9.5.15
Herdeiros de 1945?
Excertos de um importante texto de Manuel Loff, no Público de hoje:
«É tão importante perceber como se transita de uma ditadura para uma democracia como o inverso. Os processos de degradação dos estados liberais, em transição para o autoritarismo, podem ser rápidos e bruscos (como o português, de 1926), ou graduais, nos quais a ditadura se institucionaliza gradualmente a partir de dentro de sistemas que se descrevem como democráticos (como o italiano, em 1922-26, ou o alemão, com Hitler, em 1930-33), nos quais se percebe, como na metáfora de Ingmar Bergman, a serpente dentro do ovo. Mas será que conseguimos mesmo perceber quando, apesar de não se mudar o nome, acaba a democracia e se instala o autoritarismo?
Do nosso lado do mundo, gosta-se de dizer que os novos autoritarismos estão na Rússia, na Venezuela, na China, mas o que emerge das revelações de Assange e de Snowden é que também nós vivemos em sociedades que se dizem democráticas mas que estão sujeitas a condições de vigilância e de controlo totalitários. (...)
70 anos depois da libertação de Auschwitz, o fundamento dos regimes em que vivemos é ainda a rejeição radical do fascismo e do racismo? A ilegitimidade de toda a dominação colonial? O reconhecimento de que não há liberdade sem bem-estar, de que não há democracia sem direitos sociais, sem igualdade efectiva entre homens e mulheres, com discriminação legal ou social de minorias étnicas ou de orientação sexual? Não. Já não somos herdeiros de 1945. Desde que Thatcher proclamou que a “sociedade” era “uma invenção marxista”, e que, pelo contrário, nas relações sociais só existem “indivíduos”, começou, apesar de todas as resistências, a des-democratização, a inversão do caminho aberto em 1945. Retomou-se o caminho da desigualdade. As relações sociais no Ocidente voltam a estar saturadas de racismo e de xenofobia; ainda que não tenham nunca desaparecido, voltam a ser assumidos abertamente por governos, polícias, instituições, empresas, umas vezes em nome do que sempre se invocou para colonizar e/ou reprimir (a luta contra o terrorismo e a barbárie), outras invocando-se o mercado, sacralizado, para justificar condições de trabalho próximas da escravatura, a contaminação do planeta ou a expulsão populações do seu habitat. Se, durante uns 30 anos, até ao fim dos anos 70, maiorias esmagadoras de eleitores reconheciam a utilidade do voto e forçaram a mudanças muito práticas nas suas vidas colectivas, hoje qualquer Governo diz ser legítimo (exactamente como há cem anos atrás, quando poucos tinham o direito de voto) mesmo que tenha tido o apoio de uns 20% dos inscritos, desde que a engenharia eleitoral em vigor invente maiorias absolutas a partir da abstenção maciça daqueles a quem se ensinou que não há alternativa.
A história, contudo, não acaba aqui. É que, como se viu, também não acabou quando a Europa inteira achou que Hitler tinha ganho a guerra e que o fascismo era o fim da História.»
. 8.5.15
Chicotear um cavalo morto?
Costas Lapavitsas é um conhecido professor de Economia e deputado eleito pelo Syriza nas eleições de Janeiro de 2015, que há muito defende que a Grécia não conseguirá ultrapassar a grave crise em que se encontra sem sair do euro. Disse-o aliás quando veio a Lisboa, em Dezembro de 2011, como orador na Convenção fundadora da IAC, e afirmou o mesmo numa entrevista que concedeu então ao Jornal de Negócios, que merece ser lida a mais de três anos de distância. Note-se que incluía Portugal no cenário, insistindo na mesma tecla em artigo que assinou, conjuntamente com Nuno Teles, em Abril de 2012: Para Portugal, o tempo está a esgotar-se.
Deu agora uma longa entrevista a dois jornais, Der Tagesspiegel e ThePressProject International, onde começa por dizer que a «a estratégia do Syriza tem sido – e continua a ser – a de considerar que uma mudança no alinhamento político de forças na Grécia, na Europa, e em geral, agiria como um catalisador na Eurozona. Mas esta estratégia já chegou ao fim e a verdadeira questão consiste em saber quanto tempo será necessário até que as pessoas o entendam.» E acrescenta um pouco mais adiante: «Penso que os líderes do partido sabem que têm pela frente uma escolha muito difícil: perseveramos com o programa que anunciámos ao povo grego, ou submetemo-nos àquilo que as instituições, o grupo de Bruxelas, a troika, ou o que lhes queiram chamar, pretendem que façamos? As duas coisas são incompatíveis» e «a Grécia precisa de encarar o verdadeiro caminho alternativo que é deixar esta união monetária falhada».
Lapavitsas reconhece que, directa ou indirectamente, o mandato que o Syriza detém vai no sentido de manter o país no euro, mas considera que se impõe a abertura imediata de um largo debate sobre uma estratégia alternativa, que prepare uma saída consensual e não contestada – bem antes de se falar de um referendo sobre a matéria. Mais: acredita que a Eurozona até pode mesmo desejar essa saída.
Mas deve por isso a Grécia sair também da União Europeia? Não necessariamente. «Há uma confusão que se mantém há anos e que é absurda, já que existem membros da União Europeia que não pertencem à União Monetária Europeia. Se a Grécia sair do euro não tem de sair da União Europeia ao mesmo tempo. (…) Essa associação tem sido mortífera e está a ser utilizada ideologicamente».
Costa Lapavitsas desenvolve detalhadamente os seus pontos de vista, ao longo de toda a entrevista que merece ser lida na íntegra. Destaque-se este parágrafo lapidar: «A União Europeia e a Grécia têm de perceber que estão a chicotear um cavalo morto. Depois de cinco anos de tortura, é tempo de acabar. Esta estratégia chegou ao fim. Haja algum bom senso, por favor…»
O futuro, mais ou menos próximo, dará ou não razão a Lapavitsas e àqueles que como ele pensam, desde há muito ou à medida que os acontecimentos têm evoluído. A verdade é que os gregos continuam a querer, maioritariamente, permanecer na Eurozona: 66,5%, segundo uma sondagem recente (percentagem que desce para 53,% no caso dos eleitores do Syriza). Toda a questão está em saber se não estão a tentar resolver o problema da quadratura do círculo, que os seus antepassados geómetras formularam há muitos séculos.
Entretanto, assistimos ao esticar destas várias cordas dentro do povo grego e à resistência que ele conseguirá manter, ou não, na guerra que os seus supostos «parceiros» exteriores lhe movem. Um espectáculo que não é nem bonito, nem estimulante, para quem vive na Europa a meio desta segunda década do século XXI.
[Publicado originalmente no Observatório da Grécia]
. Dica (52)
«O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, telefonou a uma funcionária do Fisco de quem é amigo para ter acesso a informação relacionada com a sua declaração de IRS, refere a acta de uma audiência no âmbito de uma auditoria da Autoridade Tributária (AT), a que o Diário Económico teve acesso. Para corresponder ao pedido, a funcionária admite que acedeu no início de Novembro do ano passado aos dados fiscais do primeiro-ministro, acesso que acabou por ser detectado no âmbito da lista VIP e investigado internamente pela AT. Questionada pelo Económico, fonte oficial de São Bento nega que o primeiro-ministro tenha procurado obter "qualquer tratamento de favor" por parte da AT.»
. Há 70 anos, a Vitória
(Manifestação em frente da Embaixada Britânica em Lisboa)
8 de Maio de 1945 marca o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, pela vitória dos Aliados sobre a Alemanha nazi, concretizada na capitulação desta.
Também se festejou em Portugal. Multidões saíram à rua com bandeiras dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e do Benfica. Estas últimas substituíam as da União Soviética – um dos vencedores da guerra na Europa –, obviamente proibidas... Em Almada, depois de os patrões ingleses de algumas fábricas de Cacilhas darem 1/2 dia feriado, também houve desfile com as bandeiras dos vencedores e um pau sem nada.
.
7.5.15
Aos 92 anos, a resistência – ainda
Manolis Glezos tem 92 anos, é eurodeputado do Syriza e herói da resistência grega ao nazismo. Em Maio de 1941, durante a ocupação nazi, subiu à Acrópole, arriou a bandeira nazi e içou a grega.
Participa hoje numa sessão evocativa dos 70 anos da II Guerra Mundial, organizada pelo Die Linke no parlamento alemão.
Defende que o pagamento das reparações de guerra à Grécia pela ocupação nazi não tem a ver com um conflito entre Grécia e Alemanha, mas entre o povo alemão e o seu governo. «Eu não gosto de tribunais. O que peço é a assinatura de um Tratado entre a Grécia e a Alemanha. Tecnicamente estamos em cessar-fogo. O que quer isto dizer, que estamos em guerra? Assim que esse tratado for assinado, a Alemanha terá de pagar.»
(Daqui)
.
SMS e saco de plástico
Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje:
«Na altura, António Costa considerou infamante que a jornalista lhe tivesse aparecido "detrás de um carro". A objecção parece admitir que há sítios detrás dos quais é legítimo que um jornalista saia, mas que um carro não é um deles. (...)
Desta vez, Costa não argumenta com a localização a partir da qual o jornalista se apresenta, embora, tendo em conta o modo como o Expresso chega aos seus leitores, o pudesse ter feito: "Então o sr. vem de dentro de um saco de plástico para criticar o meu programa económico para a década"?»
Na íntegra AQUI.
.
Os americanos e o Califado islâmico
«Lê-se e não se acredita. Para o governo norte-americano, "não é possível lidar de forma duradoura com o problema do Estado Islâmico (EI) enquanto o problema Assad não for resolvido", afirmou Samantha Power, embaixadora dos Estados Unidos na ONU, à cadeia PBS, acrescentando que "uma das razões por que os combatentes terroristas estrangeiros chegam à Síria é que eles querem combater Assad". Se necessidade houvesse de evidenciar a tradicional falta de clarividência da política internacional dos Estados Unidos, eis uma prova cabal. Nem Henry Kissinger, recordista das boutades diplomáticas, teria dito melhor.
Recuemos um pouco no tempo. A emergência do Califado islâmico deve-se à desastrosa intervenção norte-americana no Iraque e ao seu apoio descabelado às insurreições designadas pelos ingénuos como "primaveras árabes". Foram os Estados Unidos e os seus aliados europeus quem fez ressurgir o wahhabismo, a fonte ideológica do EI, ao desmantelarem os regimes ditatoriais laicos no Iraque, na Tunísia e na Líbia. Agora, após múltiplos avanços e recuos e apoio logístico alternado, ora às forças governamentais ora aos rebeldes, preparam-se para suportar a destruição do que resta da Síria. O resultado adivinha-se trágico, não só para o povo sírio, como para todo o Próximo Oriente.
O que surpreende, além da manifesta incompetência dos países ocidentais em lidarem com as situações no terreno e em entenderem as contradições sociais e religiosas naquela parte do mundo, é o desconchavo do seu argumentário. Seguindo o silogismo da embaixadora Power, os terroristas afluem à Síria para combater Assad; logo, há que derrubar Assad para que não cheguem em maior número, convertendo-se os existentes aos ideais da paz e da democracia. Se o assunto não fosse tão grave, apetecia sugerir à administração norte-americana a produção de uma série de aventuras sobre o EI no Disney Channel.»
.
6.5.15
Dica (51)
«Os deputados da Nova Democracia seguiram o exemplo do PASOK e abandonaram o plenário parlamentar pouco depois dos seus ex-parceiros de governo, defendendo que a lei viola o acordado no defunto memorando da troika. A resposta veio da boca do ministro do Interior e Administração, Nikos Voutsis: “Não vamos consultar as instituições (FMI, UE e BCE) nem temos de o fazer. Somos um Estado independente”.»
. Paris, 6 de Maio de 1968
Nessa segunda-feira, 6 de Maio, começou a semana das barricadas. A partir das 15:00 horas, registaram-se muitos e graves confrontos entre estudantes e polícia. Um bom resumo neste vídeo:
Na véspera, 5 de Maio, Cohn-Bendit, fizera a seguinte declaração:
.
A República dos economistas (liberais)
«Assisti com algum espanto a uma das últimas edições do Expresso da Meia-Noite, na SIC Notícias, com três economistas liberais (incluindo Mário Centeno, coordenador do estudo sobre o quadro macroeconómico encomendado pelo PS, uma economista da Universidade Nova e a deputada do CDS-PP Cecília Meireles) e José Reis, da Universidade de Coimbra.
A certa altura, o discurso tornou-se surrealista, pois dir-se-ia que a economista da Universidade Nova e Mário Centeno tinham entrado na estratosfera dos modelos e das equações, uma vez que raciocinavam sem qualquer ligação à terra, confrontando com grande à-vontade e esoterismo argumentos técnicos sobre os “estabilizadores” e “multiplicadores” do “exercício”, distanciando-se a grande velocidade daquilo a que Paulo Portas chamaria, com o talento retórico habitual, “economia real” e que eu preferiria tão-só apelidar "sociedade portuguesa". (...)
A República dos economistas liberais, à qual o PS prestou vassalagem, está nos antípodas do que vem propondo o economista não liberal Thomas Piketty: repor a distribuição da riqueza no centro da análise. Para tal, é imperioso combater a concentração e acumulação de capital, através da articulação entre um imposto progressivo sobre as sucessões, um imposto progressivo sobre o rendimento e um imposto progressivo sobre o capital. O máximo que o “modelo” de Centeno permite é uma tímida reposição do imposto sucessório que um anterior governo do PS aboliu. Sobre as taxações dos activos financeiros e das grandes fortunas nem uma modesta equação.
Importa perguntar, como naquele graffito que há uns anos iluminava uma das paredes do ISCTE: estes economistas, para quê? Ou, por outras palavras, quem nos mergulhou no furacão da crise vai agora salvar-nos? Ou, se preferirem ainda, onde está a política? Onde está a preocupação concreta pela superação das fracturas da sociedade portuguesa? A ideologia, pelo contrário, eu sei bem onde está. Bem no centro, no coração mesmo, daquele modelo “limpinho”, abstracto e cheio de maravilhosos e acertados multiplicadores.»
João Teixeira Lopes
.
5.5.15
Dica (50)
No Mediterrâneo, a crise da Europa. (Marisa Matias e José Manuel Pureza)
«Uma Europa que multiplica discursos sobre direitos humanos para legitimar o seu envolvimento em sucessivas guerras e que é incapaz de pôr a defesa dos direitos humanos dos migrantes em primeiro lugar é uma Europa ácida e perdida a olhar para si própria. O que está hoje em jogo no Mediterrâneo é o choque entre o autoritarismo e os direitos, entre uma política de morte e uma política de vida.»
. Descubra as diferenças
Foi num 5 de Maio, exactamente há 40 anos. Avançámos? Regredimos? A decisão é sua...
(Diário de Lisboa, 5.05.1975)
,
Caminhamos para ideias únicas?
«Voltaire dizia, com um espírito tortuoso, que a arte da medicina consistia em entreter o paciente enquanto a natureza curava a doença.
Ressalvando-se o óbvio exagero, poderia dizer-se que alguns políticos acreditam que a sua grande arte é entreter o eleitor, enquanto o Estado ou o mercado resolvem o problema, consoante as vestes ideológicas que usam.
Portugal, nesse aspecto, tratou com antibióticos o problema da dívida e do défice mas, agora, está a reparar nos danos colaterais da sua política de choque. (...)
As propostas económicas do PS são o resultado deste equívoco. Hoje a economia e as finanças são hegemónicas, mas um país não se esgota nelas. E o problema é que, querendo ser alternativa, o PS tem de ser mais do que unicamente uma opção económica. E é isso que está a parecer querer ser, como se vê nas múltiplas declarações à imprensa dos economistas que elaboraram o projecto do PS. Como se a alternativa se reconduzisse a isso.
Um dos problemas da social-democracia europeia é este: deixou-se aprisionar num discurso de gestão económico-financeiro, que sendo fulcral, não é um modelo total de sociedade. Mário Centeno parece já ser a "voz económica" do PS, dizendo que "seria negar-me a mim próprio" não defender uma auditoria para validar de forma "independente" as suas propostas. Como defende o PSD ou o CDS. Ou seja, como discurso a alternativa é zero, porque defende a hegemonia da decisão técnica à política, a essência da democracia. Caminhamos para as ideias únicas?»
Fernando Sobral
.
4.5.15
Georges Moustaki, 81
Com um dia de atraso...
Giuseppe Mustacchi nasceu em 3 de Maio de 1934, em Alexandria, filho de judeus gregos. Instalou-se em Paris desde os 17 anos, adoptou o nome «Georges» em honra de Brassens, apaixonou-se por Edith Piaf, compôs para Yves Montand, Juliette Gréco, Serge Reggiani e muitos outros. Morreu há dois anos.
É sempre um prazer recordar esse grande compagnon de route de tantos de nós .
E inevitavelmente:
.
Dica (49)
Descer a TSU, o dogma dos países desenvolvidos? (Francisco Louçã)
«A afirmação de Mário Centeno é simplesmente falsa.
O único precedente de que me posso lembrar num “país desenvolvido” é o de Frank Underwood em House of Cards, que propôs usar o dinheiro da segurança social para financiar políticas de curto prazo. Teremos que esperar pela quinta série para saber se Underwood vai conseguir fazer aprovar a sua medida e isso só será em 2016, se a Netflix cumprir. Mas não devia ser a esta novela que se referia Centeno.»
. Uma ilusão para Portugal
José Gusmão , Mariana Mortágua e Marisa Matias, membros da Comissão Política do Bloco de Esquerda, assinam, no Público de hoje, um texto crítico do documento «Uma década para Portugal», núcleo central do futuro programa do PS. Quem tiver acesso pode lê-lo na íntegra, aqui, mas ficam alguns excertos.
«Desde que assumiu a liderança do Partido Socialista, António Costa foi acusado por diversas vezes de ocultar as suas propostas para o país. O documento “Uma década para Portugal” é o núcleo central do futuro programa do PS e a sua apresentação contribui para um debate público que se quer esclarecedor. Vamos a ele.
Apesar da tentativa de realizar uma autêntica quadratura do círculo, prometendo o fim da austeridade enquanto perpetua cortes salariais e de pensões, uma leitura atenta deste relatório do PS mostra ao que vem António Costa.
O cenário macroeconómico é a primeira surpresa. O PS trabalha sobre o quadro das instituições europeias, considerando-o credível, apesar de, no passado recente, ter ridicularizado (e bem) o sistemático optimismo dessas instituições. Por outro lado, desenha dois cenários alternativos: uma viragem à esquerda na Europa ou a continuação da dinâmica actual. E presume, contra todas as evidências, que se concretizará o primeiro. (...)
O contrato para a equidade laboral representa a extinção prática do conceito de justa causa consagrado na Constituição. Com efeito, aquilo a que o PS chama provocatoriamente um "regime conciliatório" consiste na introdução do despedimento unilateral com base em razões económicas, ou seja, livre. (...)
O PS parte de um diagnóstico interessante, centrado nos níveis de desemprego, que é rapidamente despachado em benefício da redução da TSU dos patrões em 4 p.p. Esta medida é compensada em 200 milhões pela reintrodução do imposto sucessório e pela penalização das empresas que mais despedem. (...)
Na realidade, a cavalo dos supostos efeitos de "dinamização do mercado de trabalho" desta redução dos encargos sobre os empregadores (...), o PS procede a mais uma operação de descapitalização da segurança social. Não será portanto um acaso que se anuncie o "reforço dos instrumentos de apoio à complementaridade com instrumentos individuais de poupança" (os PPR). Resumindo, o PS propõe-se retirar dinheiro ao sistema público de segurança social, ao mesmo tempo que gasta dinheiros públicos para incentivar os trabalhadores de rendimentos mais elevados a sair desse sistema. Um sistema público miserável para miseráveis.
O exemplo derradeiro deste socialismo da miséria é o do "imposto negativo" para trabalhadores pobres. (...) Do que se trata é de um subsídio público ao emprego precário e/ou a salários baixíssimos. Através desta medida, o Estado apoia não as empresas inovadoras, não as empresas que apostam nas qualificações, mas sim as empresas que apostam no modelo chinês e na selvajaria laboral.
Foram muitos os que à esquerda alimentaram a esperança de que António Costa pudesse representar um corte com a deriva liberal da social-democracia europeia. Infelizmente (é mesmo infelizmente), a desilusão repete-se aqui, e com estrondo. O PS já tem o seu Hollande.»
.
3.5.15
Dica (48)
O problema não estava em Y. Varoufakis. Euclides Tsakalotos, novo coordenador da equipa de negociadores:
«Devo confessar que fiquei muito desiludido quando descobri o nível desta negociação com Bruxelas. Enquanto universitário, com efeito, quando apresento um argumento numa discussão, espero que o que está diante de mim apresente um contra-argumento. Ora o que nos opuseram foram regras. Quando evocamos as particularidades da Grécia, o seu caráter insular, por exemplo, respondem-nos: pouco importa, há regras e é preciso respeitá-las. Verificou-se que uma verdadeira discussão é impossível.»
. 3 de Maio será sempre Paris – de 1968, obviamente
Foi numa 6ª feira da primeira semana de Maio que o mítico movimento estudantil francês, que arrancara em 22 de Março com a ocupação da Universidade de Nanterre e chegara ao Quartier Latin na véspera, 2 de Maio, tomou maiores proporções. Depois de reuniões várias e de confrontos entre grupos de estudantes rivais, o reitor da Sorbonne ordenou a evacuação desta pela polícia e seguiram-se horas de verdadeira batalha campal, com barricadas, cocktails Molotov, pedradas, matracas e gases lacrimogéneos. Tudo resultou em dezenas de feridos e mais de 500 prisões e os distúrbios continuaram nos dias que se seguiram.
Depois, o movimento extravasou para o mundo do trabalho, a nível de operários, de camponeses e do sector terciário, reuniu-se numa gigantesca manifestação em 13 de Maio e esteve na origem de uma longa greve geral incontrolada.
Foram-se acalmando as hostes, foi dissolvida a Assembleia Nacional em 30 de Maio e realizaram-se eleições legislativas (que os gaulistas ganharam por larga maioria) no mês de Junho. Mas nada ficaria na mesma e não só em França.
A recordar:
A célebre intervenção de Daniel Cohn-Bendit no pátio da Sorbonne e a evacuação pela polícia:
Duas canções da época, pela emblemática Dominique Grange:
.
Propostas com Santossilvisses
«Numa frase, Augusto Santos Silva definiu as propostas dos economistas a quem o PS encomendou um programa económico para a década: "Este programa prova que é possível fazer propostas sem entrar em Varoufakisses". No fundo, é isto: tudo menos ser socialista. A primeira preocupação do PS é deixar a mensagem de que não são aqueles loucos radicais do Syriza a quem, há três meses, davam loas pela coragem. O lema eleitoral do PS, às próximas eleições, vai ser: o PS não é a Grécia. Santos Silva, de fato e gravata, deixou bem claro que ali ninguém fuma cenas e que é possível fazer uma alternativa "sem ser preciso tirar a gravata e andar de mota". (...)
O ex-ministro socialista fala em Varoufakisses, fazendo de um apelido um defeito, quando tem Santos Silva no nome. Se Varoufakisses fizer escola, Augusto corre o risco que apareça o adjectivo Santossilvisses e nunca mais consegue marcar uma mesa no restaurante sem explicar que não está preso. (...)
Conclusão. A meu ver, esta proposta dos economistas "do PS" é um bocado um: empresto-te as chaves do carro, dois anos mais cedo (do que os outros), mas não podes passar do quarteirão e pagas a gasosa. Ou, para ser mais específico, esta proposta é: empresto-te o carro, mas só para ires ao supermercado fazer compras.
No entanto, há que reconhecer que sempre é melhor do que a outra, que é: "Pode ser que te empreste o carro daqui a dois anos, mas o mais provável é vender o carro a um chinês antes disso".»
João Quadros
.
Subscrever:
Mensagens (Atom)