José Gusmão , Mariana Mortágua e Marisa Matias, membros da Comissão Política do Bloco de Esquerda, assinam, no Público de hoje, um texto crítico do documento «Uma década para Portugal», núcleo central do futuro programa do PS. Quem tiver acesso pode lê-lo na íntegra, aqui, mas ficam alguns excertos.
«Desde que assumiu a liderança do Partido Socialista, António Costa foi acusado por diversas vezes de ocultar as suas propostas para o país. O documento “Uma década para Portugal” é o núcleo central do futuro programa do PS e a sua apresentação contribui para um debate público que se quer esclarecedor. Vamos a ele.
Apesar da tentativa de realizar uma autêntica quadratura do círculo, prometendo o fim da austeridade enquanto perpetua cortes salariais e de pensões, uma leitura atenta deste relatório do PS mostra ao que vem António Costa.
O cenário macroeconómico é a primeira surpresa. O PS trabalha sobre o quadro das instituições europeias, considerando-o credível, apesar de, no passado recente, ter ridicularizado (e bem) o sistemático optimismo dessas instituições. Por outro lado, desenha dois cenários alternativos: uma viragem à esquerda na Europa ou a continuação da dinâmica actual. E presume, contra todas as evidências, que se concretizará o primeiro. (...)
O contrato para a equidade laboral representa a extinção prática do conceito de justa causa consagrado na Constituição. Com efeito, aquilo a que o PS chama provocatoriamente um "regime conciliatório" consiste na introdução do despedimento unilateral com base em razões económicas, ou seja, livre. (...)
O PS parte de um diagnóstico interessante, centrado nos níveis de desemprego, que é rapidamente despachado em benefício da redução da TSU dos patrões em 4 p.p. Esta medida é compensada em 200 milhões pela reintrodução do imposto sucessório e pela penalização das empresas que mais despedem. (...)
Na realidade, a cavalo dos supostos efeitos de "dinamização do mercado de trabalho" desta redução dos encargos sobre os empregadores (...), o PS procede a mais uma operação de descapitalização da segurança social. Não será portanto um acaso que se anuncie o "reforço dos instrumentos de apoio à complementaridade com instrumentos individuais de poupança" (os PPR). Resumindo, o PS propõe-se retirar dinheiro ao sistema público de segurança social, ao mesmo tempo que gasta dinheiros públicos para incentivar os trabalhadores de rendimentos mais elevados a sair desse sistema. Um sistema público miserável para miseráveis.
O exemplo derradeiro deste socialismo da miséria é o do "imposto negativo" para trabalhadores pobres. (...) Do que se trata é de um subsídio público ao emprego precário e/ou a salários baixíssimos. Através desta medida, o Estado apoia não as empresas inovadoras, não as empresas que apostam nas qualificações, mas sim as empresas que apostam no modelo chinês e na selvajaria laboral.
Foram muitos os que à esquerda alimentaram a esperança de que António Costa pudesse representar um corte com a deriva liberal da social-democracia europeia. Infelizmente (é mesmo infelizmente), a desilusão repete-se aqui, e com estrondo. O PS já tem o seu Hollande.»
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