Para começar, uma declaração de interesses: não fui, não sou, nem penso vir a ser eleitora do PS, quer o secretário-geral tenha como apelido Seguro, Costa, xpto ou mesmo que não se chame António. Não «prefiro», nem terei de escolher, qualquer deles, mas, como cidadã interessada, sigo a novela com epicentro no Palácio da Praia e sei que o seu desfecho será importante para o futuro próximo do país.
Sobre o episódio de ontem – o discurso de lançamento de candidatura, que António Costa fez no Porto – confesso que não entendi a escolha do título:
«Apresentação das linhas estratégicas». Quem sou eu para duvidar que Costa tenha linhas estratégicas, distintas das de Seguro, para orientar o partido que quer dirigir, mas, se as tem, continuou a guardá-las num bolso.
Adiante porque não é disso que quero falar, mas sim de dois fenómenos, dos quais o candidato em questão nem é directamente responsável, e que me parecem pertinentes: o sebastianismo que está a rodeá-lo e uma parte das razões para que tal aconteça.
Quanto ao primeiro ponto, em texto publicado hoje,
no i, Ana Sá Lopes afirma que
«não deixa de espantar a onda de sebastianismo a crescer à volta de Costa», que «não aconteceu com ninguém», « que junta gente muito, muito à esquerda do PS com gente muito, mas muito à direita do PS, numa salada de frutas inesperada. Uns acreditam que Costa será o homem que fará a ponte à esquerda (...). Outros que fará o bloco central com Rui Rio ou com alguém do PSD que não se chame Coelho. Outros ainda que "a abrangência" fará o PS conquistar num ápice a maioria absoluta. António Costa está a ser santificado na praça pública: o Messias está a chegar ao Largo do Rato.»
«Bingo!», no meu entender.
Quanto a uma parte dos possíveis motivos para que tal aconteça, Pacheco Pereira (num texto globalmente arrasador para António José Seguro, note-se) põe o dedo na ferida, na sua crónica semanal no Público de hoje: «No conflito Seguro-Costa, Seguro tem muitas desvantagens à partida nessa simpatia “externa” ao PS e nalguns casos pelas piores razões. A origem social é em Portugal um enorme óbice, numa sociedade estratificada e onde um olhar novo-rico de uma certa burguesia urbana ilustrada e vagamente intelectual reconhece como “seus” aqueles cujo trato do mundo lhes parece próximo. Seguro faz parte daquele círculo de políticos que seria o alvo típico do Independente, o jornal que adorava o “velho dinheiro”, cuja corrupção e malfeitorias nunca denunciou, e detestava os políticos da “meia branca”. E dessa complacência social de que Seguro não goza, muitos outros beneficiaram. Mário Soares ou Sá Carneiro, Balsemão e Mota Pinto, Almeida Santos e Louçã, e muitos outros vinham da classe média alta, com longas vidas políticas na resistência à ditadura, ou com sólidas credenciais académicas ou profissionais, extenso currículo político, e isso conta muito em Portugal. Não garante nada, mas conta. (...) E a verdade é que o mesmo anátema social desfavorecia Cavaco, “o filho do gasolineiro”, e José Sócrates, o engenheiro que não era engenheiro e fazia projectos de arquitectura. Cavaco e Sócrates deram a volta por cima e nalguns dos seus actos políticos estavam implícitos traços de vingança social, fazendo ir comer à sua mão alguns daqueles que os desprezavam profundamente.»
Se non è vero, è ben trovato. Tudo isto ajuda a reflectir e a permitir algum recuo, sem que se fique sempre na crista da onda ou na cratera de um vulcão, e a colocar certas discussões no plano em que devem ter lugar e não reduzidas a puras loas acríticas ou a ataques pessoais descabelados.
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